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Relações sociais podem agravar uma crise

O microfinanciamento depende das redes sociais para o reembolso, mas essas mesmas redes podem sair pela culatra durante uma crise financeira

Por Daniela Blei

(Foto por iStock/pixelfusion3d)

Em 2016, acadêmicos das áreas de negócios e de impacto social do Insead em Singapura se uniram para estudar um interesse comum do grupo: microfinanças. O grupo observou com preocupação o fato de o Banco Central da Índia tirar de circulação todas as notas de 500 e 1.000 rupias como medida de combate à corrupção. Essa desmonetização foi o estopim de uma crise de liquidez com graves consequências para o microcrédito, utilizado principalmente no setor rural, que opera com dinheiro vivo. De repente, os mutuários deixaram de ter moeda para saldar seus compromissos.

Analisando a brusca ruptura política para o setor, o grupo do Insead coletou dados e realizou uma pesquisa de campo para entender as implicações dessa política. Em um novo artigo, Arzi Adbi, atualmente professor de estratégia e política da Faculdade de Administração da Universidade Nacional de Singapura, Matthew Lee, professor de políticas públicas e gestão da Escola de Governo Kennedy da Universidade Harvard, e Jasjit Singh, professor de estratégia e desenvolvimento sustentável do Insead em Singapura, dissecaram as consequências da desmonetização de 2016 nas taxas de reembolso e inadimplência na Índia e descobriram que os relacionamentos nas comunidades contribuíram para aumentar a crise.

Com a colaboração de uma grande instituição financeira de microcrédito da Índia, foi possível obter dados de aproximadamente 2 milhões de mutuários e estudar padrões. No mês anterior à desmonetização, a inadimplência girava em torno de 2%. Nos meses subsequentes, a inadimplência disparou, ultrapassando 40%.

Os pesquisadores descobriram que um atraso na substituição das notas agravou a crise. O governo instruiu os indianos a levar as notas fora de circulação a um banco cadastrado, que as trocaria por novas. Mas o governo demorou para distribuir as cédulas, deixando os que faziam pagamentos em dinheiro vivo sem recursos. Como havia um número limitado de notas novas, os bancos limitavam as quantias para troca. Os dados mostram que, em vez de ter um impacto único, a crise se estendeu por vários meses.

O microcrédito foi popularizado por Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank em Bangladesh, que recebeu o Prêmio Nobel por seu trabalho. O principal insight de Yunus foi que as relações e as pressões sociais entre os mutuários contribuem para o sucesso do microcrédito.

Yunus percebeu que, para a população rural de baixa renda que não dispõe de garantias ou histórico de crédito em países em desenvolvimento, a “garantia social” poderia se tornar um mecanismo similar. Se as pessoas de um vilarejo ou um grupo assumem mutuamente a responsabilidade por todos os empréstimos, a adimplência sobe, uma vez que as pessoas não querem desapontar os vizinhos ou causar problemas financeiros. “Em tempos normais, essas relações e as pressões que eles criam para o reembolso ajudam o mercado a funcionar”, observa Matthew Lee. “Mas o que acontece quando um evento extraordinário faz com que um grande número de pessoas pare de pagar? A pressão social pode agir no sentido inverso?”

Lee e seus colegas encontraram evidências consistentes disso. Os fortes elos que os bancos de microcréditos pretenderam estimular foram o que aumentou a inadimplência, levando ao colapso das microfinanças.

“A ideia central ao aplicar soluções baseadas na comunidade para resolver problemas socioeconômicos é a de que essas soluções são eficazes porque estão incorporadas nos relacionamentos sociais e nas normas dominantes, o que facilita e reforça a cooperação”, explica Aseem Kaul, professor de gestão estratégica e empreendedorismo da Faculdade de Administração Carlson da Universidade de Minnesota. “O artigo mostra que essas mesmas relações podem criar fragilidades, acelerando a quebra de normas e acarretando uma série de falências individuais que atingem toda a comunidade.”

O capital social é visto como decisivo para o setor social porque dele depende a eficácia de várias intervenções. “Ele é incrivelmente forte e pode ser aproveitado para o bem”, observa Lee. “Mas descobrimos uma provável consequência negativa. Deveríamos pensar também em como ele pode agir contra os nossos objetivos.”

Veja o estudo completo: “Community Influence on Microfinance Loan Defaults Under Crisis Conditions: Evidence from Indian Demonetization”, por Arzi Adbi, Matthew Lee, e Jasjit Singh, Strategic Management Journal.

 

A AUTORA

Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Sua escrita pode ser vista em daniela-blei.com/writing. Ela tweeta esporadicamente: @tothelastpage.



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