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O futuro da filantropia equitativa

Cinco verdades para que doadores comprometidos com a equidade possam continuar avançando

Por Darren Isom, Cora Daniels & Lyell Sakaue

filantropia equitativa

T odo verão, na ilha de Martha’s Vineyard, na costa nordeste dos Estados Unidos, líderes não brancos que atuam na filantropia no país se reúnem para traçar estratégias, compartilhar visões e fortalecer a comunidade em um local onde famílias negras passam suas férias desde o século 19. O crescimento do número de pessoas não brancas em cargos de liderança tem sido um sinal visível do avanço da equidade no setor.

No encontro mais recente, Amardeep Singh, vice-presidente de programas do Proteus Fund, fundo colaborativo que apoia movimentos em prol de justiça, equidade e democracia inclusiva, compartilhou uma perspectiva marcante: “Precisamos desenvolver uma cultura que não seja limitada pelo passado, mas libertada pelo futuro para onde estamos caminhando.” Após o 11 de setembro, Singh cofundou a The Sikh Coalition, hoje a maior organização de direitos civis para cidadãos sikh dos EUA. “E se nossa identidade norte-americana não fosse definida por um passado comum, ou pelo desejo de um passado comum, mas por um destino compartilhado – um futuro compartilhado?”

O grupo multirracial e multiétnico de cerca de 50 pessoas – incluindo líderes de fundações familiares, instituições filantrópicas, fundos colaborativos, intermediários, mobilizadores de recursos e assessores de grandes doadores – assentiu e estalou os dedos em sinal de apoio. Uma sociedade baseada em um futuro compartilhado representa uma poderosa redefinição para o país, incluindo o campo da filantropia. A partir dessa redefinição, fica difícil imaginar que o subinvestimento em comunidades não brancas persista. No entanto, como ficou evidente nas conversas do grupo, focar em um futuro compartilhado exige inovação e imaginação para redefinir a noção de bem-estar da sociedade, elevando o padrão para todos, em vez de apenas reduzir disparidades para atingir níveis que ainda são insuficientes.

Esse é um exemplo da nova vanguarda da filantropia equitativa – líderes não brancos que estão ajudando a redefinir o significado de uma boa filantropia. Em nosso artigo de 2022 na Stanford Social Innovation Review, comentamos as qualidades e habilidades que esses líderes trazem, devido às suas identidades, tornando-os altamente eficazes e essenciais para a mudança social. Essas qualidades vão além das experiências de opressão ou marginalização e incluem conexões, significado e alegria que esses líderes encontram em suas culturas e comunidades. Em outras palavras, o setor precisa refletir sobre o que poderia ganhar se reconhecesse verdadeiramente os talentos desses líderes. Agora, o próximo passo é aprender com eles e compreender como a filantropia se transforma quando esses ativos são aproveitados. Esse processo revela modelos que todos os financiadores podem seguir na busca por uma filantropia mais equitativa.

Conversamos com mais de uma dúzia de líderes não brancos que atuam na linha de frente da filantropia equitativa. Essa nova vanguarda compartilhou suas percepções e aprendizados, o que os inspira e como enxergam o futuro da filantropia equitativa, considerando os avanços conquistados e os desafios persistentes. Também nos baseamos em nosso trabalho com clientes do The Bridgespan Group [que oferece consultoria para filantropos e organizações sem fins lucrativos] e em diálogos contínuos com essas pessoas – incluindo a organização do encontro anual em Martha’s Vineyard e nosso podcast Dreaming in Color. A partir dessas interações, extraímos cinco verdades para o momento atual.

 

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Ataques à equidade

Falar sobre o futuro da filantropia equitativa em um momento em que a equidade enfrenta ataques coordenados dos três Poderes nos EUA, em diversas legislaturas estaduais e por meio de ameaças legais contra financiamentos com consciência racial pode parecer excessivamente otimista para alguns. Nós discordamos. Na verdade, nos baseamos em uma verdade que ouvimos repetidamente em nossas discussões e que serve como alicerce para todas as demais: a própria existência de uma oposição tão intensa é prova do progresso alcançado até aqui. Afinal, não há razão para lutar tão ferozmente contra um time que está perdendo.

“Uma forma de avaliar o progresso é observar onde e como acontece a reação contrária”, afirma Sanjiv Rao, diretor-gerente de movimentos e mídia do Democracy Fund, uma fundação independente que trabalha para construir uma democracia inclusiva e multirracial. “À medida que as coisas mudam para se tornar mais inclusivas e equitativas, inevitavelmente haverá resistência. Garantir o sucesso a longo prazo exige lutar por uma visão aspiracional do futuro enquanto também nos preparamos para defender as conquistas contra retrocessos narrativos, culturais, políticos e sistêmicos.”

De fato, os avanços conquistados não significam que não existam ameaças reais. Pelo contrário, as organizações que lideram o trabalho em prol da equidade racial precisam mais do que nunca que as instituições filantrópicas se posicionem e utilizem todo o seu poder – recursos financeiros, influência, voz ativa e mobilização de pares – para impedir e neutralizar os golpes que virão. Também é essencial que a filantropia reconheça que esses ataques afetam de maneira desproporcional organizações lideradas por pessoas nao brancas, pessoas trans e mulheres. No entanto, se focarmos apenas na resistência e não no sucesso que provocou essa reação, corremos o risco de nos privar da oportunidade de ampliar essas conquistas. Como disse Toni Morrison: “A função mais séria do racismo é a distração. Ele impede que você faça seu trabalho. Ele faz com que você tenha que justificar, repetidamente, a sua própria existência.”

Por isso, o desafio do momento não é apenas resistir, mas avançar – fortalecer as vitórias ao continuar trabalhando. E é exatamente isso que pretendemos fazer. (Nesse espírito, este artigo faz parte de uma coleção de textos complementares e de um episódio do podcast Dreaming in Color, com uma mesa-redonda composta por membros da nova vanguarda da filantropia, disponíveis no site bridgespan.org.)

 

Cinco verdades para ajudar doadores comprometidos com a filantropia equitativa

1. Movimentos precisam ser duradouros para permitir o foco no longo prazo

Movimentos duradouros não dependem apenas de uma organização específica, mas de redes sólidas e contínuas que possam se adaptar ao longo do tempo para atender às necessidades em evolução. “Movimentos são um meio para objetivos mais amplos de inclusão e justiça. Portanto, embora seu desenvolvimento, força e impacto sejam marcadores importantes de progresso, eles não são um fim em si mesmos”, afirma Sanjiv Rao.

Para que os movimentos prosperem, o financiamento também precisa ter uma visão de longo prazo. A Nellie Mae Education Foundation, por exemplo, liderada por Gisele Shorter, apoia organizações comunitárias que trabalham juntas para enfrentar barreiras à equidade racial. A fundação investe na construção de coalizões estaduais, regionais e nacionais para impulsionar mudanças políticas, garantindo que seu financiamento contribua para a sustentabilidade dos movimentos liderados por pessoas não brancas.

Ter uma visão de longo prazo não significa ignorar a urgência do momento. A Solidaire Network, liderada por Rajasvini Bhansali, está comprometida em movimentar recursos rapidamente para que os movimentos possam responder de forma ágil às mudanças. Criada por doadores inspirados pelo movimento Occupy Wall Street, a rede já destinou US$ 42 milhões desde 2020, com foco especial em iniciativas lideradas por pessoas negras e indígenas.

Além disso, a longevidade das organizações também é crucial para a evolução dos movimentos. Os fundos patrimoniais (endowments) podem garantir estabilidade financeira, mas um estudo do Bridgespan revelou que, em média, organizações sem fins lucrativos lideradas por pessoas não brancas possuem apenas um quarto do patrimônio de organizações lideradas por pessoas brancas. Esse desequilíbrio reforça a necessidade urgente de fortalecer financeiramente organizações com líderes não brancos para que possam transcender a luta pela sobrevivência e se concentrar em objetivos mais ambiciosos.

Para enfrentar essa disparidade, a Robert Wood Johnson Foundation lançou recentemente uma estratégia de financiamento patrimonial voltada para a equidade racial. Da mesma forma, a Schott Foundation for Public Education, sob a liderança de John H. Jackson, está incentivando outros financiadores a contribuir para sua campanha EndowNow, que busca levantar capital para fundos patrimoniais de organizações sem fins lucrativos. Enquanto isso, a Children’s Foundation está explorando maneiras de empregar esse modelo de financiamento para apoiar dez organizações de assistência à juventude em Detroit, garantindo um investimento inicial de pelo menos US$ 1,5 milhão para cada uma, além de doações irrestritas e suporte técnico até 2026.

Por fim, garantir a durabilidade dos movimentos também significa valorizar o descanso e o bem-estar de seus líderes. O Walter and Elise Haas Fund tem sido pioneiro no reconhecimento do descanso como um componente essencial para a mudança social. No ano passado, sob a liderança de Jamie Allison, a fundação lançou o Endeavor Fund, um investimento de US$ 24,5 milhões projetado para romper com a ideia de que o esgotamento é uma consequência inevitável do trabalho no setor social. O fundo destina US$ 500 mil anuais, por sete anos, a organizações sem fins lucrativos para que possam pagar melhores salários e oferecer benefícios que promovam o bem-estar dos trabalhadores.

2. Nossas diferenças são nosso superpoder

A escritora e ativista Audre Lorde certa vez explicou que uma lição crucial do movimento pelos direitos civis nos EUA foi compreender a complexidade da opressão: “Não existe uma luta de uma única questão, porque não vivemos vidas de uma única questão.” Da mesma forma, os movimentos duradouros se fortalecem ao criar estratégias e colaborar entre diferentes áreas, valorizando as diversas experiências de nossas identidades interseccionais.

“A cultura dominante ensina que existe uma única narrativa, que apenas um caminho é verdadeiro ou que há apenas uma forma de alcançar a vitória”, diz Tynesha McHarris, cofundadora e codiretora do Black Feminist Fund, que apoia movimentos feministas negros ao redor do mundo. “Mas muitos de nós viemos de ancestrais e comunidades que abraçam a multiplicidade e as inúmeras possibilidades como parte do processo de construção de novos mundos. Enxergar múltiplas possibilidades significa que não há necessidade de uma solução única, porque podemos experimentar diferentes abordagens ou acreditar em várias coisas ao mesmo tempo. Como setor, parte do crescimento em direção à equidade é testar múltiplas estratégias e reconhecer que não precisa haver apenas uma.”

Para apoiar essa multiplicidade de abordagens, é essencial que doadores transcendam financiamentos compartimentalizados e, em vez disso, incentivem colaborações entre diferentes movimentos. Isso pode incluir desde o financiamento de encontros entre lideranças até a adoção de doações plurianuais irrestritas como prática padrão.

“Como financiadores, precisamos perguntar aos líderes qual é o mundo que eles estão tentando construir e como podemos ajudá-los a fazer isso”, diz Vanessa Mason, diretora na Omidyar Network, onde lidera esforços colaborativos para sanar os legados da escravidão e do colonialismo e promover uma cultura saudável de reparação nos Estados Unidos. “Isso não pode acontecer com um pensamento e um financiamento fragmentados. Em vez disso, temos que ampliar nosso olhar para reconhecer que, assim como a opressão é generalizada e os danos são múltiplos, a reparação também precisa ser.”

Nem toda organização tem o mesmo papel ou a mesma estratégia de ação, e isso não é um problema. Como Lorde destacou, nossas diferenças são uma fonte de poder. O desafio é não apenas reconhecê-las, mas garantir que elas nos unam, e não nos dividam. Ao financiar organizações para que abracem sua perspectiva única nas interseções entre questões e identidades, a filantropia estimula a inovação e a criatividade necessárias. Em essência, ela pode fortalecer os movimentos ao oferecer aos líderes os recursos e as condições para o sucesso. Pense em um jantar colaborativo – nem todos podem (ou devem) trazer o mesmo prato. O objetivo é combinar aquilo que cada um faz bem com o que é necessário. O sucesso da refeição vem justamente da diversidade das contribuições de cada participante.

3. O progresso sustentável só é possível por meio da solidariedade interracial

Os movimentos bem-sucedidos em direção à equidade e à justiça sempre foram aqueles que aproveitaram o poder da solidariedade interracial. A força dessas alianças não vem apenas da capacidade de abraçar as diferenças como uma fonte de poder, mas também do entendimento de que “ninguém está livre até que todos estejam livres”.

A solidariedade entre diferentes grupos raciais tem uma longa história na luta por justiça social, apesar das narrativas falsas que tentam manter o status quo de desigualdade. Nos anos 1860, por exemplo, o abolicionista negro Frederick Douglass já fazia discursos em defesa dos direitos de imigrantes chineses e japoneses nos EUA.

Don Chen, presidente da Surdna Foundation, uma fundação familiar criada há mais de um século, frequentemente utiliza sua posição como financiador asiático-americano para defender a importância da solidariedade na busca por equidade e justiça. “Sou um firme defensor da solidariedade abrangente entre diferentes grupos raciais e da criação de espaços onde pessoas não brancas possam se reunir e se sentir mais livres. E, ao mesmo tempo, ter intencionalidade na construção de conexões e visões que promovam pertencimento e oportunidades para todos”, diz Chen. “Mas, para que essa solidariedade seja duradoura, precisamos semear uma infraestrutura sólida e um compromisso profundo com a mudança cultural.”

Para a Donors of Color Network (DOCN), a solidariedade entre diferentes grupos raciais faz parte de sua essência. (Darren Isom, coautor deste artigo, faz parte do conselho da organização.) Talvez a mais proeminente rede de doadores multirracial dedicada à promoção da equidade racial e da justiça, a DOCN foi criada para mobilizar o poder coletivo de pessoas não brancas, reunindo um grupo diverso de grandes doadores, instituições filantrópicas e líderes de movimentos para atuar em solidariedade. Seus membros se reúnem regularmente para aprender, refletir e traçar estratégias sobre como fortalecer a solidariedade entre diferentes grupos raciais e classes sociais para impulsionar mudanças sociais. A rede incentiva seus membros a direcionarem suas doações de forma solidária por meio de três fundos que apoiam comunidades não brancas. Além disso, suas iniciativas de advocacy filantrópico buscam sensibilizar financiadores da área climática para abordagens lideradas por pessoas não brancas.

A filantropia também pode incentivar o diálogo e a cooperação interracial, promovendo os interesses comuns entre seus beneficiários, fornecendo financiamento paciente que permita o espaço e o tempo para construir relacionamentos. Também pode apoiar encontros, perguntar rotineiramente às organizações com quem mais elas estão conversando, fazer apresentações e apoiar o tipo de desenvolvimento de liderança necessário para construir coalizões fortes em vez de apenas organizações fortes.

E é fundamental reconhecer que a solidariedade interracial inclui espaço para pessoas brancas no movimento por equidade. “Se estamos realmente investindo nas comunidades não brancas – com foco explícito, investimento e cuidado – isso não significa que não nos importamos com as pessoas brancas. O cuidado não é algo escasso,” diz Jamie Allison, a primeira mulher negra a ocupar o cargo de diretora executiva do Walter and Elise Haas Fund. “É preciso entender melhor que, se chegarmos a um ponto em que todos sejam cuidados, esse será um mundo melhor para todos nós. Quando vejo sofrimento na minha rua, meu pensamento não é ‘ah, aquelas pobres almas ali’. Meu pensamento é que não estou bem nessa comunidade até que eu possa andar pela rua, cumprimentar meus vizinhos e saber que eles também estão bem.”

4. A melhor maneira de desmantelar uma narrativa falha é substituí-la por uma mais atrativa e convincente

Essa nova narrativa precisa de tempo para se enraizar, crescer, evoluir e ser renovada quando necessário. O alinhamento estratégico das narrativas entre os movimentos por justiça também é essencial para acelerar o progresso. A filantropia pode criar as condições necessárias para essa visão, colaboração e intencionalidade, financiando com uma mentalidade de abundância, em vez de escassez. A nova vanguarda de financiadores equitativos valoriza o trabalho narrativo, artistas e contadores de histórias como elementos essenciais para a mudança social. Também confiam nos objetivos de longo prazo que as narrativas estrategicamente alinhadas estão construindo, mesmo que nem sempre compreendam ou concordem com cada mensagem no caminho.

“Não se trata apenas do que não queremos, do que estamos combatendo ou a que estamos reagindo”, diz a futurista Mia Birdsong, fundadora e diretora executiva da Next River, um laboratório de mudança cultural que aproveita a expertise de estrategistas e contadores de histórias. “Mas o que estamos construindo? Quais são nossos sonhos? Qual é a visão que temos para um mundo que realmente desejamos, e que não seja apenas uma reação ao que não queremos?”

O Pop Culture Collaborative é um fundo conjunto de US$ 60 milhões, lançado em 2017, para “transformar o panorama narrativo nos EUA em relação a pessoas não brancas, imigrantes, refugiados, muçulmanos e povos indígenas, especialmente aqueles que são mulheres, queer, transgênero e/ou com deficiência”. O financiamento inicial do Collaborative veio principalmente dessas próprias comunidades, seja como doadores ou como líderes filantrópicos.

“Nos primeiros dias, aqueles que arriscaram suas reputações para defender e direcionar dinheiro para o espaço narrativo eram, em grande parte, líderes filantrópicos não brancos, queer, com deficiência e imigrantes”, compartilhou a CEO Bridgit Antoinette Evans durante um seminário da Donors of Color Network. “Essas são pessoas que sabem, em um nível pessoal, o que é o dano narrativo e o que é o poder narrativo, porque viram a si mesmas como parte das comunidades profundamente atacadas e prejudicadas por estratégias narrativas. Precisamos reconhecer esse papel pioneiro e entender que a genialidade dessa liderança vem da experiência vivida.”

O objetivo do Pop Culture Collaborative é ajudar o público a entender o passado, interpretar o presente e imaginar o futuro da sociedade dos EUA. Para isso, Evans e sua equipe desenvolveram o conceito de “oceanos narrativos”, que trabalha para transformar ecossistemas inteiros de narrativas, ideias e normas culturais que moldam os comportamentos e perspectivas de milhões de pessoas. Para Evans, o dano narrativo ocorre em nível sistêmico e, portanto, requer soluções também sistêmicas.

5. A perspectiva da vitória deve superar o medo do fracasso

Quando se trata de risco, Mason, da Omidyar Network, argumenta que a filantropia está abordando a questão da maneira errada: “Por que, como financiadores, estamos preocupados com os riscos para nossas próprias organizações em vez de pensarmos no risco para nossos parceiros beneficiários ou para as comunidades que devemos servir?”

De fato, a filantropia não pode permitir que o medo do fracasso a impeça de ser ousada ou a limite a um modo reativo de tomada de decisão. Em vez disso, os financiadores precisam reconhecer seu próprio poder e as posições de força que ocupam para permitir que os movimentos que avançam na equidade e na justiça joguem na ofensiva, em vez de apenas se defenderem.

Financiar com uma mentalidade de sucesso significa perguntar: “O que esta organização precisa para prosperar?” e, em seguida, trabalhar para tornar essas condições uma realidade. Durante a pandemia de covid-19, o setor experimentou essa abordagem ao abandonar processos burocráticos e distribuir fundos de maneira rápida com base na confiança. O desafio agora é manter esse senso de urgência e continuar financiando organizações como se a filantropia realmente quisesse que elas vencessem.

O Abundant Futures Fund (AFF), liderado por Mayra Peters-Quintero, abraça essa mentalidade ao apoiar o movimento pela justiça migratória. Quando lançado em 2022, os defensores dos imigrantes estavam exaustos após anos de batalhas intensas. 

O AFF concentrou sua primeira rodada de subsídios na resiliência do movimento, distribuindo rapidamente US$ 2,5 milhões, incluindo US$ 1 milhão para o Black Migrant Power Fund e US$ 250 mil para seis outros grupos. Esse financiamento ajudou a semear novas visões por meio de planejamento estratégico, aprofundou relacionamentos e fortaleceu as operações organizacionais, incluindo infraestrutura de recursos humanos, projetos financeiros de cinco anos e imersões da equipe. O Black Migrant Power Fund utilizou o financiamento inicial da AFF para fortalecer a capacidade de 13 organizações de migrantes negros e atrair quase US$ 6 milhões de outros financiadores.

Os próximos passos do AFF incluem investimentos em três áreas: resiliência financeira (financiamento de reservas operacionais e aquisição de imóveis), desenvolvimento de liderança (treinamento para mulheres não brancas de cor em cargos executivos) e oportunidades digitais (fortalecimento de infraestrutura de dados e tecnologia da informação).

Seguindo em frente com alegria

Uma realidade às vezes difícil de ignorar é que “a opressão é astuta” – ela constantemente evolui e se transforma, se esconde à vista de todos, persiste e inflige danos de inúmeras formas. No entanto, Amoretta Morris, presidente da Borealis Philanthropy, uma intermediária filantrópica que abriga vários fundos, nos fez pensar de outro modo sobre essa afirmação. Em vez de simplesmente concordar, ela respondeu: “Sim, mas nós e nossos movimentos somos mais astutos do que a opressão.”

Foi um momento de clareza e alegria para todos. É possível vencer essa luta.

Uma das coisas que se destaca ao conversar com líderes não brancos na vanguarda da filantropia equitativa é a frequência com que o tema da alegria surge. Às vezes está nas declarações de missão das organizações, ou nos sistemas de valores pessoais, ou nas visões animadoras do futuro, e muito frequentemente nas definições de sucesso. Ou, às vezes, a alegria surge em pequenos momentos com grande significado, como nossa conversa com Morris.

E se a liderança alegre fosse um superpoder para a mudança social, tanto parte do destino como parte do combustível para chegar lá? Rajasvini Bhansali, diretora executiva da Solidaire, comunidade de mobilizadores de recursos, é coautora do livro Leading with Joy (“Liderando com alegria”), que brinca com essa ideia. A obra defende que a liderança alegre, que inclui bondade e compaixão, é a que melhor sustenta a mudança social e a possibilidade de uma transformação profunda, e não modelos de liderança fundamentados na competição.

Acrescentaríamos que usar a alegria como combustível diante da opressão exige não apenas uma quantidade imensa de força, inovação e visão, mas também amor e empatia. A parábola do semeador, romance de 1993 de Octavia Butler, conta a história de Lauren, uma adolescente negra hiperempática em um mundo futuro – coincidentemente, o mundo de 2024 – castigado pelas mudanças climáticas e pela desigualdade econômica. A empatia de Lauren não só lhe permite sentir tudo o que está errado com o mundo, mas também encontrar alegria e beleza nele. Como ela escreve em seu diário: “O mundo está cheio de histórias dolorosas. Às vezes parece que não há outro tipo de histórias, e ainda assim me peguei pensando em como aquele brilho da água entre as árvores era bonito.”

Acreditamos que a filantropia equitativa é uma empreitada alegre porque está ancorada em nosso futuro compartilhado, como sugeriu Amardeep Singh. É por isso que, quando muitos dos novos vanguardistas foram questionados sobre como o mundo poderia ser se financiadores se comprometessem a avançar com a filantropia equitativa, suas belas e expansivas visões de um futuro equitativo eram versões do mesmo pensamento: deve ser cheio de alegria. Concordamos. E, como nos lembra Morris, é um futuro que está ao nosso alcance.

OS AUTORES

Darren Isom é parceiro no escritório de San Francisco do The Bridgespan Group, onde presta consultoria a organizações com missão, fundações e líderes de equidade e justiça. Também é apresentador do podcast Dreaming Color: Creating New Narratives in Leadership.

Cora Daniels é diretora editorial sênior no escritório do Bridgespan em Nova York e tem uma longa trajetória escrevendo sobre raça, racismo e equidade racial.

Lyell Sakaue é parceiro no escritório de San Francisco do Bridgespan e conselheiro filantrópico para indivíduos e famílias de alta renda.



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