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Empreendedorismo social: uma questão de definição

O empreendedorismo social está atraindo um número cada vez maior de talentos, além de dinheiro e atenção. Mas junto com o aumento de sua popularidade diminuiu a certeza sobre o que é de fato um empreendedor social e o que ele faz.

Por Roger L. Martin e Sally Osberg

O campo emergente do empreendedorismo social está crescendo rapidamente e atraindo cada vez mais a atenção de vários setores. A expressão, que aparece com frequência na mídia, e é referenciada por autoridades públicas, tornou-se comum nos campi universitários e revela a estratégia de várias organizações que se destacam no setor social, incluindo a Ashoka e as fundações Schwab e Skoll.

As razões que levaram à popularidade do empreendedorismo social são muitas. No nível mais elementar, há algo inerentemente interessante a respeito dos empreendedores e dos relatos sobre o que os impele a se dedicar a isso e sobre a forma como o fazem. Empreendedores sociais como Muhammad Yunus – que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2006 – ou  empreendedores de negócios como Steve Jobs atraem atenção porque são pessoas extraordinárias que surgem com ideias brilhantes, contrariam todas as probabilidades e são bem-sucedidas na criação de novos produtos e serviços que melhoram significativamente a vida da população.

Mas o interesse pelo empreendedorismo social transcende o fenômeno da popularidade e do fascínio que exerce sobre as pessoas. O empreendedorismo social sinaliza a urgência de se conduzir a mudança social, e é essa potencial recompensa com seus benefícios duradouros e transformadores para a sociedade que define a área e quem nela atua.

Apesar de os potenciais benefícios oferecidos pelo empreendedorismo social serem claros para muitos que promovem e financiam essas atividades, a verdadeira definição do que os empreendedores sociais fazem para obter retornos dessa ordem de grandeza não está tão clara. De fato, poderíamos argumentar que a definição de empreendedorismo social hoje é tudo, menos clara. Como resultado, o termo tornou-se tão inclusivo que abriu um enorme guarda-chuva capaz de abrigar todos os tipos de atividade socialmente benéfica.

Sob alguns aspectos, essa inclusão pode até ser positiva. Muitos recursos estão sendo investidos no setor social, e muitas causas que não conseguiam obter fundos suficientes agora recebem apoio por serem vistas como empreendedorismo social. Por isso, uma definição vaga pode parecer vantajosa. No entanto, acreditamos que esse é um pressuposto equivocado e uma posição arriscada.

O empreendedorismo social é um constructo convincente exatamente por abarcar grandes possibilidades. Mas se elas não se concretizam, já que há muitas iniciativas “não empresariais” incluídas na definição, então o termo poderá sofrer uma ruptura e sua essência verdadeira desaparecerá. É por causa desse risco que precisamos de uma definição muito mais precisa de empreendedorismo social, que nos permita determinar até que ponto uma atividade está ou não “debaixo do guarda-chuva”. Nosso objetivo não é fazer uma comparação injusta entre as contribuições de organizações tradicionais de serviço social e os resultados do empreendedorismo social, mas simplesmente destacar o que os diferencia.

Se chegarmos a uma definição rigorosa, aqueles que apoiam o empreendedorismo social poderão concentrar seus recursos na construção e no fortalecimento de uma área concreta e identificável. Na ausência dessa disciplina, os proponentes do empreendedorismo social correm o risco de oferecer aos céticos um alvo sempre maior onde atirar, e aos cínicos ainda mais motivos para ignorar a inovação social e quem a conduz.

 

Começando com o empreendedorismo

 

Qualquer definição de “empreendedorismo social” deve começar com a análise de “empreendedorismo”. Sem um significado claro, qualificar empreendedorismo com o adjetivo social também não significará muito.

A palavra empreendedorismo é ambivalente. Do lado positivo, significa uma habilidade inata e especial de sentir e agir de acordo com a oportunidade, combinando o pensamento inovador com uma marca única de determinação para criar algo novo para melhorar o mundo. Do lado negativo, é um termo ex-post – ou seja, baseado em observação e análise – porque as atividades empreendedoras requerem que o tempo transcorra antes que seu verdadeiro impacto seja percebido.

Curiosamente, não chamamos de empreendedor alguém que tenha fracassado estrondosamente em seu empreendimento de risco, mesmo que tenha todas as qualidades atribuídas a empreendedores – percepção de oportunidade, pensamento inovador e determinação. Quando isso acontece, referimo-nos a um “fiasco empresarial”. Até alguém como Bob Young, famoso pela Red Hat Software, só é chamado de “empreendedor em série” por causa de seu primeiro sucesso, ou seja, todos os seus insucessos anteriores só são identificados como trabalho de um empreendedor em série depois do primeiro projeto bem-sucedido. O problema com as definições ex-post é que elas tendem a ser mal delineadas. É muito mais difícil aceitar o que não foi comprovado. É óbvio que alguém pode alegar ser um empreendedor, mas sem pelo menos uma ideia exitosa terá dificuldade em persuadir os investidores a fazerem apostas. Esses investidores, por sua vez, estão dispostos a assumir maiores riscos à medida que avaliam a credibilidade dos futuros empreendedores e o potencial impacto de empreendimentos de risco formativos.

 Mesmo com essas considerações, acreditamos que para compreender a palavra empreendedorismo social é preciso refletir sobre o que entendemos como empreendedorismo. É simplesmente estar atento às oportunidades? Ter criatividade? Ter determinação? Embora essas e outras características pessoais façam parte do processo e certamente forneçam pistas importantes para possíveis investidores, elas não dão o panorama completo. Além do mais, também são utilizadas para descrever inventores, artistas, executivos corporativos e outros atores da sociedade.

Como a maioria dos que estudam empreendedorismo, começamos pelo economista francês, Jean-Baptiste Say, que no início do século 19 descreveu o empreendedor como aquele que “desvia recursos econômicos de uma área de baixa produtividade para uma áreas de maior produtividade e retorno”, expandindo assim a tradução literal do francês, “aquele que se encarrega”, para incluir o conceito de criação de valor.1

Um século depois, o economista austríaco Joseph Schumpeter, aproveitando esse conceito básico de criação de valor, adicionou sua contribuição ao que é, indiscutivelmente, a ideia mais importante do empreendedorismo. Schumpeter identificou no empreendedor a força necessária para conduzir o progresso econômico, sem a qual as economias se tornariam estáticas, estruturalmente imobilizadas e sujeitas à decadência. E apresentou o conceito de Unternehmer, o espírito empreendedor que identifica uma oportunidade comercial – seja um material, seja um produto, um serviço ou um negócio – e organiza um empreendimento para implementá-lo. Segundo ele, o empreendedorismo bem-sucedido inicia uma reação em cadeia, que encoraja outros empreendedores a replicá-la e acaba propagando a inovação até o ponto da “destruição criativa”, um estado no qual o novo empreendimento de risco e todos os riscos relacionados de fato tornam obsoletos os produtos, os serviços e os modelos de negócios existentes.2

Apesar de caracterizá-lo em termos heroicos, a análise de Schumpeter encerra o empreendedorismo em um sistema, atribuindo ao empreendedor um impacto paradoxal, tanto destruidor quanto gerador. Para esse autor, o empreendedor é um agente de mudança dentro da economia como um todo. Por outro lado, Peter Drucker não vê os empreendedores como os agentes da mudança, mas exploradores engenhosos e comprometidos com a mudança. De acordo com Drucker, “o empreendedor sempre procura a mudança, responde a ela e a explora como uma oportunidade”,3 uma premissa vislumbrada por Israel Kirzner, que identifica “vigilância” como a habilidade mais importante do empreendedor.4

Independentemente de considerar o empreendedor um inovador revolucionário ou um explorador precoce, os teóricos associam universalmente o empreendedorismo à oportunidade. Acredita-se que os empreendedores tenham uma capacidade excepcional de identificar e aproveitar novas oportunidades, e que possuam o comprometimento e a motivação necessários para persegui-las e uma vontade inabalável de arcar com os riscos inerentes ao processo.

 Apoiados nessa base teórica, acreditamos que o empreendedorismo descreve um contexto em que se combinam uma oportunidade, um conjunto de características pessoais necessárias para identificar e perseguir essa oportunidade, e a criação de um resultado específico.

Para explorar e ilustrar nossa definição de empreendedorismo, examinaremos em detalhe alguns empreendedores americanos contemporâneos (ou algumas duplas): Steve Jobs e Steve Wozniak, da Apple Computer, Pierre Omidyar e Jeff Skoll, da eBay, Ann e Mike Moore, da Snugli, e Fred Smith, da FedEx.

 

Contextualizando o empreendedorismo

 

O ponto de partida para o empreendedorismo é o que chamamos de contexto empreendedor. Para Steve Jobs e Steve Wozniak, o contexto empresarial era um sistema de computação, no qual os usuários dependiam de uma rede de computadores controlados por uma equipe central de TI, que guardava a rede como um santuário. Os usuários podiam fazer suas tarefas computacionais somente depois de esperarem na fila e utilizarem o software desenvolvido pela equipe de TI. Se quisessem que um software executasse uma tarefa fora do comum, precisavam aguardar por seis meses para que a programação fosse concluída.

Do ponto de vista do usuário, a experiência era ineficiente e pouco satisfatória. Mas como o modelo de computação centralizada era o único disponível, os usuários toleravam a situação e incluíam os atrasos e ineficiências em seu fluxo de trabalho, o que permitia certo equilíbrio, ainda que insatisfatório.

Os estudiosos de sistemas dinâmicos descrevem esse tipo de equilíbrio como um “circuito de retroalimentação balanceado”, porque não existe uma força suficientemente intensa capaz de tirar o sistema de seu equilíbrio específico. É como o termostato de um condicionador de ar: quando a temperatura aumenta, o ar-condicionado liga e faz com que ela diminua, e, no final, o termostato desliga o condicionador de ar.

O sistema de computação centralizado que os usuários tiveram de tolerar era um tipo particular de equilíbrio: um equilíbrio insatisfatório. É como se o termostato estivesse ajustado em cinco graus abaixo do normal, para que todos na sala sentissem frio. Sabendo que a temperatura se mostra estável e previsível, as pessoas simplesmente usariam mais agasalhos, embora, é claro, desejassem que isso não fosse necessário.

Pierre Omidyar e Jeff Skoll identificaram um equilíbrio pouco satisfatório ao ver a incapacidade de mercados com segmentação geográfica para otimizar os interesses de compradores e vendedores. Normalmente, os vendedores não sabiam quem era o melhor comprador e os compradores não sabiam quem era o melhor vendedor – ou mesmo quem era o vendedor. Como resultado, o mercado não era o melhor para compradores ou vendedores. Pessoas que vendiam utensílios domésticos usados, por exemplo, realizavam vendas de garagem que atraíam compradores das vizinhanças, mas provavelmente não o número ou o tipo ideal de compradores. Aquelas que tentavam comprar mercadorias incomuns não tinham outro recurso senão pesquisar nos catálogos telefônicos, ligando sem parar para tentar encontrar o que realmente estavam procurando, muitas vezes se contentando com menos que o perfeito. Como os compradores e os vendedores não conseguiam imaginar uma resposta melhor, esse equilíbrio estável, porém ineficiente, prevalecia.

Ann e Mike Moore perceberam um equilíbrio abaixo da média nas opções limitadas que os pais dispunham para carregar seus bebês. Aqueles que queriam manter os bebês junto deles enquanto realizavam tarefas básicas tinham duas opções: podiam aprender a fazer malabarismos com o bebê em um braço enquanto lidavam com os afazeres com o outro, ou colocar a criança em um carrinho ou em uma cadeirinha e mantê-la por perto. Nenhuma das opções parecia ideal. Todos sabem que os recém-nascidos se beneficiam com o vínculo criado pelo contato físico próximo com a mãe ou o pai, mas mesmo os pais mais atenciosos e devotados não conseguiam segurar seus bebês o tempo todo. Sem outras alternativas, mudavam o filho de um quadril para o outro, sustentavam-no com um braço só ou aproveitavam para realizar suas tarefas na hora da soneca da criança.

No caso de Fred Smith, o equilíbrio deficinte que ele observou foi o serviço de entrega de longa distância. Antes de surgir a FedEx, enviar um pacote pelo país não era nada simples. Os serviços de entrega locais apanhavam a encomenda e a levavam até uma transportadora comum, que a transportava para a cidade de destino. Nesse ponto, a encomenda era entregue a uma terceira empresa que a conduzia até seu endereço final (ou talvez a deixava com a entregadora local naquela cidade se fosse uma empresa nacional). Logisticamente complexo, esse sistema envolvia uma série de transferências e o agendamento era definido conforme as necessidades das transportadoras comuns. Era frequente haver falhas nessa logística, mas ninguém assumia a responsabilidade de resolver o problema. Os usuários aprenderam a conviver com um serviço lento, não confiável e insatisfatório – uma situação desagradável, mas estável porque nenhum usuário poderia mudá-la.

 

Características do empreendedorismo

 

O empreendedor é atraído por esse equilíbrio deficiente porque vê incorporada nele uma oportunidade de fornecer uma nova solução, produto, serviço ou processo. O motivo pelo qual ele enxerga essa condição como uma oportunidade de criar algo novo, enquanto muitos outros veem ali algo inconveniente a ser tolerado deriva de um conjunto único de características pessoais que influem na forma como o empreendedor enxerga a situação – inspiração, criatividade, ação direta, coragem e firmeza. Essas qualidades são fundamentais para o processo da inovação.

O empreendedor é inspirado a alterar o equilíbrio desfavorável. Os empreendedores podem estar motivados para fazer isso porque são usuários frustrados ou porque têm empatia por usuários frustrados. Às vezes, ficam tão obcecados com uma oportunidade de mudar a situação que desenvolvem um desejo ardente de destruir o status quo. No caso da eBay, o usuário frustrado era a namorada de Omidyar, que colecionava embalagens da Pez.

O empreendedor pensa criativamente e desenvolve uma nova solução que rompe de forma radical com a existente. Ele não procura otimizar o sistema atual com pequenos ajustes, mas busca uma maneira totalmente nova de abordar o problema. Omidyar e Skoll não desenvolveram um modo melhor de promover as vendas de garagem. Jobs e Wozniak não escreveram algoritmos para acelerar o desenvolvimento do software personalizado. E Smith não inventou uma forma de tornar as transferências entre entregadoras e transportadoras comuns mais eficientes e sem falhas. Cada um encontrou uma solução totalmente nova e extremamente criativa para o problema em questão.

Uma vez inspirado pela oportunidade e de posse de uma solução criativa, o empreendedor executa uma ação direta. Em vez de esperar que alguém intervenha ou de tentar convencer alguém a resolver o problema, ele executa uma ação direta criando um novo produto ou serviço e encontra uma forma de desenvolvê-lo. Jobs e Wozniak não fizeram campanha contra os sistemas de computadores centrais nem encorajaram os usuários a se insurgir e derrubar o departamento de TI. Eles inventaram um computador pessoal que permitia que os usuários se libertassem do sistema central. Moore não publicou um livro ensinando as mães a fazer mais em menos tempo. Ela desenvolveu o snugli, um porta-bebê que pode ser levado no peito ou nas costas e que permite aos pais carregarem seus filhos e ainda manterem as duas mãos livres. É óbvio que os empreendedores precisam influenciar os outros: primeiro os investidores, mesmo que sejam somente amigos e familiares. Depois, atrair colegas de equipe e os funcionários, para trabalharem com eles. E, finalmente, os clientes, para comprarem suas ideias e suas inovações. A questão é diferenciar o engajamento do empreendedor na ação direta e em outras ações indiretas e apoiadoras.

Os empreendedores demonstram coragem em todo o processo de inovação, suportando a carga do risco e encarando o fracasso repetidas vezes. Com frequência, isso exige que corram grandes riscos e tomem atitudes que os outros consideram imprudentes ou até irreversíveis. Smith, por exemplo, precisou convencer a si mesmo e ao mundo de que fazia sentido adquirir uma frota de jatos e construir um aeroporto gigantesco e um centro de triagem em Memphis, para poder fazer as entregas no dia seguinte sem que as encomendas passassem pelas mãos de terceiros. A FedEx se incumbia da entrega, de ponta a ponta. Smith fez isso em uma época em que todos os seus concorrentes tinham apenas frotas de caminhões para coleta e entrega local – eles com certeza não operavam aeroportos nem possuíam um grande número de aeronaves.

Finalmente, os empreendedores têm a firmeza necessária para conduzir suas soluções criativas até que o mercado as aprove e usufrua delas. Nenhum empreendimento avança sem reveses nem  reviravoltas inesperadas, e o empreendedor precisa ser capaz de encontrar formas criativas de contornar as barreiras e os desafios que surgem. Smith teve de descobrir como manter a confiança dos investidores de que a FedEx acabaria atingindo a escala necessária para bancar a enorme infraestrutura fixa de caminhões, aviões, aeroportos e sistemas de TI necessários para o novo modelo que ele estava criando. A FedEx teve de superar a perda de centenas de milhões de dólares antes de atingir uma situação de fluxo de caixa positivo e, sem um empreendedor comprometido no comando, a empresa teria falido há muito tempo.

 

Resultados do Empreendedorismo

 

O que acontece quando um empreendedor é bem-sucedido ao utilizar suas características pessoais para enfrentar um equilíbrio insatisfatório? Ele cria um novo equilíbrio estável, que fornece um nível significativamente mais alto de satisfação aos participantes do sistema. Para aprofundar a ideia original de Say, o empreendedor projeta uma mudança permanente que leve o equilíbrio da baixa qualidade para a alta. O novo equilíbrio é permanente porque primeiro ele sobrevive e depois se estabiliza, mesmo que alguns aspectos do equilíbrio original possam persistir (por exemplo, sistemas de entrega de encomendas onerosos e menos eficientes, vendas de garagem e outros). Sua sobrevivência e seu sucesso acabam indo além do empreendedor e do empreendimento original. É por meio da adoção do mercado de massa, de níveis significativos de imitação e da criação de um ecossistema em torno e dentro do novo equilíbrio que ele primeiro se estabiliza e depois se mantém em segurança.

Quando Jobs e Wozniak criaram o computador pessoal, eles não reduziram a dependência dos usuários da rede de computadores – eles simplesmente a destruíram, mudando o controle da “casa de vidro” para o desktop. Assim que os usuários viram o novo equilíbrio surgir diante dos olhos, eles abraçaram não só a Apple como os vários concorrentes que entraram na disputa. Em relativamente pouco tempo, os fundadores haviam criado um ecossistema completo com vários fornecedores de hardware, software e periféricos, canais de distribuição e revendedores de valor agregado, revistas sobre PC, exposições etc.

Por causa desse novo ecossistema, a Apple poderia ter saído do mercado em alguns anos sem desestabilizá-lo. Em outras palavras, o novo equilíbrio não dependia da criação de um único empreendimento – nesse caso, a Apple –, mas da apropriação e replicação do modelo, e da reprodução de uma infinidade de outros negócios relacionados. Em termos schumpeterianos, o efeito combinado estabeleceu uma nova geração de computação sólida e tornou obsoleto o antigo sistema.

No caso de Omidyar e Skoll, a criação da eBay proporcionou uma maneira melhor de conectar compradores e vendedores, dando origem a um equilíbrio mais elevado. Surgiram então formas completamente novas de fazer negócios, assim como novos negócios para engendrar um poderoso ecossistema que simplesmente não podia ser desmontado. Do mesmo modo, Smith inventou um novo mundo de entrega de encomendas que elevou os padrões, mudou as práticas de negócios, gerou novos competidores e até criou um novo verbo: “FedExar”.

Em cada caso, a distância entre a qualidade do antigo equilíbrio e do novo era enorme. O novo equilíbrio rapidamente se tornou autossustentável, e o empreendimento de risco inicial gerou vários imitadores. Juntos, esses resultados garantiram que todos os beneficiados obtivessem um padrão mais elevado.

 

Mudança para o empreendedorismo social

 

Se esses são os componentes mais importantes do empreendedorismo, então o que distingue o empreendedorismo social de seu primo com fins lucrativos? Primeiro, acreditamos que a forma mais útil e clara de definir o empreendedorismo social é estabelecer sua coerência com o empreendedorismo, enxergando-o como alicerçado nesses mesmos três elementos. Qualquer outra combinação é confusa e inútil.

Para entender a distinção entre os dois tipos de empreendedores, é importante desfazer a noção de que a diferença pode ser atribuída apenas à motivação – empreendedores motivados pelo dinheiro e empreendedores sociais motivados pelo altruísmo. A verdade é que os empreendedores quase nunca são motivados pela perspectiva de lucro financeiro, porque a probabilidade de ganhar muito dinheiro está claramente contra eles. Em vez disso, tanto o empreendedor quanto o empreendedor social são fortemente motivados pelas oportunidades que identificam, perseguindo essa visão de maneira incansável e obtendo uma considerável recompensa psíquica no processo de percepção de suas ideias. Independentemente de operarem num contexto de mercado ou num contexto sem fins lucrativos, a maioria dos empreendedores nunca é totalmente recompensada pelo tempo, risco, esforço e capital que investem em suas iniciativas.

Acreditamos que a principal diferença entre empreendedorismo e empreendedorismo social está na própria proposição de valor. Para o empreendedor, a proposição de valor prevê mercados que podem pagar confortavelmente pelo novo produto ou serviço e está organizada para atendê-los – assim, ela é projetada para gerar lucros financeiros. Desde o início, a expectativa é que o empreendedor e seus investidores obtenham algum lucro financeiro pessoal. O lucro é uma condição essencial para a sustentabilidade de qualquer empreendimento, e representa o meio para alcançar larga escala no mercado e, finalmente, atingir um novo equilíbrio.

No entanto, o empreendedor social não prevê gerar lucros financeiros substanciais para seus investidores – na maior parte organizações filantrópicas e governamentais – ou para si mesmo, nem se organiza para isso. Ao contrário, ele visa ao valor como um benefício transformador em grande escala que se acumula para um segmento significativo da sociedade ou para a sociedade em geral. Ao contrário da proposição de valor empresarial, que pressupõe um mercado que pode pagar pela inovação e até fornecer vantagens substanciais para os investidores, a proposição de valor do empreendedor social foca uma população desassistida, ignorada ou extremamente desfavorecida que não dispõe de recursos financeiros nem de influência política para alcançar o benefício transformador por conta própria. Isso não significa que os empreendedores sociais, por princípio, devam evitar proposições de valor lucrativas. As iniciativas de risco criadas por empreendedores sociais certamente podem gerar renda e podem se estabelecer como organizações sem fins lucrativos ou com fins lucrativos. O que distingue o empreendedorismo social é que ele prioriza o benefício social, o que Greg Dees, professor da Duke University, caracteriza em seu trabalho referencial na área como a busca pelo “impacto relacionado à missão”.5

O empreendedorismo social é definido de acordo com três componentes: (1) identificar um equilíbrio estável, mas inerentemente injusto, que cause a exclusão, a marginalização ou o sofrimento de um segmento da sociedade que não dispõe de recursos financeiros nem de influência política para obter qualquer benefício transformador por conta própria; (2) identificar uma oportunidade nesse equilíbrio injusto, desenvolvendo uma proposição de valor social e contribuindo para a inspiração, criatividade, ação direta, coragem e firmeza, desafiando assim a hegemonia da estabilidadel; e (3) forjar um novo equilíbrio estável que libere o potencial aprisionado ou alivie o sofrimento da comunidade, e que, por meio de imitação e da criação de um ecossistema estável em torno do novo equilíbrio, garanta um futuro melhor para o grupo-alvo e até para a sociedade como um todo.

Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank e pai do microcrédito, é um exemplo clássico de empreendedorismo social. O equilíbrio estável desfavorável que ele identificou consistia nas opções limitadas dos pobres de Bangladesh para conseguir até os menores empréstimos. Como não tinham condições de obter crédito no sistema bancário por vias formais, eles só podiam angariar empréstimos se aceitassem as exorbitantes taxas de juros dos agiotas locais. Em geral, eles acabavam se submetendo à mendicância nas ruas. Esse era um equilíbrio estável dos mais lamentáveis, que perpetuava e até exacerbava a pobreza endêmica de Bangladesh e a miséria dela decorrente.

Yunus enfrentou o sistema provando que os pobres representavam riscos de crédito extremamente baixos, emprestando a hoje famosa quantia de 27 dólares de seu próprio bolso para 42 mulheres do vilarejo de Jobra. Elas pagaram todos os empréstimos. Yunus descobriu que, mesmo com quantias mínimas de capital, elas investiam em sua própria capacidade de gerar renda. Com uma máquina de costura, por exemplo, costuravam roupas e ganhavam o suficiente para pagar o empréstimo, comprar alimentos, educar os filhos e sair da pobreza. O Grameen Bank se sustentava cobrando juros sobre seus empréstimos e reciclando o capital para ajudar outras mulheres. Yunus levou inspiração, criatividade, ação direta, coragem e firmeza para seu empreendimento de risco, provou sua viabilidade e ao longo de duas décadas gerou uma rede global de organizações que replicaram seu modelo ou o adaptaram a outros países e culturas, estabelecendo solidamente o microcrédito como um mercado mundial.

O conhecido ator, diretor e produtor Robert Redford evidencia um caso menos familiar, mas também ilustrativo de empreendedorismo social. No início da década de 1980, Redford se afastou por um período de sua carreira de sucesso para reivindicar espaço na indústria cinematográfica para os artistas. Ele viu uma série de interesses opostos em jogo. Identificou um equilíbrio inerentemente opressor, mas estável, na forma como Hollywood trabalhava com seu modelo de negócios cada vez mais movido por interesses financeiros, suas produções que gravitavam em torno de sucessos de bilheteria chamativos e, muitas vezes, violentos, e seu sistema dominado pelos estúdios que se concentravam cada vez mais em controlar a forma como os filmes eram financiados, produzidos e distribuídos. Ao mesmo tempo, ele observou que uma nova tecnologia estava surgindo – equipamentos de vídeo e de edição digital mais simples e baratos – que ofereciam aos cineastas as ferramentas de que precisavam para ter mais controle sobre seu trabalho.

Identificando uma oportunidade, Redford aproveitou a chance de alimentar essa nova geração de artistas. Primeiro, criou o Instituto Sundance para retirar do filme o elemento monetário e dar aos jovens cineastas espaço e apoio para desenvolverem suas ideias. Em seguida, criou o Festival Sundance de Cinema para exibir o trabalho de cineastas independentes. Desde o início, a proposição de valor de Redford se concentrou nos profissionais independentes que estavam surgindo, cujos talentos não eram reconhecidos nem atendidos pelo mercado dominado pelo sistema de estúdios de Hollywood.

Redford estruturou o Instituto Sundance como uma empresa sem fins lucrativos, convocando sua rede de diretores, atores, escritores e outros para contribuir com sua experiência como mentores voluntários para os cineastas inexperientes. Ele fixou preços razoáveis para o Festival Sundance de Cinema de forma que ele atraísse um público mais amplo e fosse acessível a esse público. Vinte e cinco anos depois, o Sundance é reconhecido por ter sido o precursor do movimento do cinema independente, que hoje garante que cineastas possam produzir e distribuir seus filmes, e que os cinéfilos tenham acesso a uma grande variedade de opções – desde documentários provocadores até trabalhos internacionais de ponta e animações divertidas. Um novo equilíbrio, que até há uma década parecia frágil, agora está firmemente estabelecido.

Victoria Hale é um exemplo de empreendedora social cujo empreendimento de risco ainda está em seus estágios iniciais e para quem nossos critérios se aplicam ex-ante – ou seja, com base em suposições. Hale é uma cientista da área farmacológica que ficou cada vez mais frustrada com as forças de mercado que dominam sua indústria. Embora as grandes corporações farmacêuticas detivessem patentes de fármacos capazes de curar inúmeras doenças infecciosas, esses medicamentos não eram desenvolvidos por uma simples razão: as populações que mais necessitavam deles não tinham condições de comprá-los. Motivada pela necessidade de gerar lucros financeiros para seus acionistas, a indústria farmacêutica se concentrava na criação e na comercialização de medicamentos para doenças que afetavam os mais abastados, que viviam principalmente em mercados do mundo desenvolvido e podiam pagar por eles.

Hale decidiu desafiar esse equilíbrio estável que, para ela, era injusto e intolerável. Ela criou o Institute for OneWorld Health, a primeira empresa farmacêutica sem fins lucrativos e que tem por missão garantir que os medicamentos indicados para doenças infecciosas no mundo em desenvolvimento cheguem às pessoas que mais precisam deles, independentemente de seu poder aquisitivo. A iniciativa de Hale já avançou bastante. Seu primeiro medicamento,  a paromomicina, foi desenvolvido, aprovado e passou pela agência regulatória do governo da Índia. A paromomicina representa uma cura de baixo custo para a leishmaniose visceral – doença que mata mais de 200 mil pessoas por ano.

Embora seja muito cedo para afirmar que Hale será bem-sucedida em criar um novo equilíbrio capaz de garantir um tratamento mais igualitário das doenças que afetam os mais pobres, ela preenche claramente os critérios de uma empreendedora social. Primeiro, ela identificou um equilíbrio estável, mas injusto, na indústria farmacêutica. Segundo, percebeu e aproveitou a oportunidade para intervir, aplicando inspiração, criatividade, ação direta e coragem para lançar um novo empreendimento de risco que oferecesse opções para uma população desfavorecida. Terceiro, está demonstrando firmeza ao provar o potencial de seu modelo com um sucesso inicial.

O tempo mostrará se a inovação de Hale inspirou outros a replicar seus esforços, ou se o próprio Institute for OneWorld Health atingiu a escala necessária para provocar essa mudança permanente de equilíbrio. Os sinais parecem promissores. Com um horizonte de uma década ou mais, seus investidores – a Skoll Foundation é um deles – poderão imaginar o dia em que o Institute for OneWorld Health de Hale terá criado um novo paradigma farmacêutico, com os mesmos benefícios sociais claros e duradouros, agora solidamente estabelecidos, da indústria de microcrédito e dos filmes independentes.

Limites do empreendedorismo social

 

Ao definir empreendedorismo social, é importante também estabelecer limites e fornecer exemplos de atividades que podem ser extremamente meritórias, mas não se enquadram em nossa definição. Sem conseguir identificar fronteiras, a expressão empreendedorismo social ficaria tão aberta que praticamente perderia o sentido.

Existem duas formas principais de atividade socialmente valiosa que precisam ser diferenciadas do empreendedorismo social. O primeiro tipo de empreendimento social de risco é a prestação de serviços sociais. Nesse caso, um indivíduo corajoso e comprometido identifica um equilíbrio estável desfavorável – órfãos da aids na África, por exemplo – e cria um programa para abordá-lo – uma escola para as crianças em condições de garantir que recebam assistência e educação. A nova escola certamente as ajudaria e permitiria que algumas saíssem da pobreza e transformassem sua vida. Mas, a menos que seja projetada para ter grande escala, isto é, que seja tão atraente a ponto de lançar legiões de imitadores e replicadores, ela provavelmente não levará a um novo equilíbrio melhor.

Esses empreendimentos de risco de serviço social nunca ultrapassam sua estrutura limitada: seu impacto continua restrito, sua área de atuação segue limitada a uma população local e seu escopo é determinado pelos recursos que consigam obter. São inerentemente vulneráveis, o que pode significar interrupção ou ausência do serviço às populações por eles atendidas. Há milhões de organizações desse tipo no mundo todo – bem-intencionadas, com propósitos nobres e, muitas vezes, com uma execução exemplar –, mas não devem ser confundidas com empreendedorismo social.

Seria possível reformular uma escola para órfãos da aids como empreendedorismo social, mas isso exigiria um plano em que a própria escola geraria uma rede completa de escolas e garantiria a base para um apoio contínuo. O resultado seria um novo equilíbrio estável que garantiria que, mesmo que uma escola fechasse, em seu lugar haveria um sistema robusto que continuaria oferecendo a educação rotineira dos órfãos da aids.

A diferença entre os dois tipos de iniciativa – o empreendedorismo social e o serviço social – não está nos contextos empresariais iniciais ou em muitas das características pessoais dos fundadores, mas nos resultados. Imagine se Andrew Carnegie tivesse construído apenas uma biblioteca, em vez de conceber o sistema de bibliotecas públicas que hoje atende a milhões de cidadãos norte-americanos. Uma única biblioteca de Carnegie teria claramente beneficiado a comunidade. Mas sua visão de todo o sistema de bibliotecas criou um novo equilíbrio permanente – garantindo o acesso à informação e ao conhecimento a todos os cidadãos do país – que sistematizou sua reputação como empreendedor social.

A segunda categoria de atividade social é o ativismo social. Nesse caso, o motivador da atividade é o mesmo – um equilíbrio estável desfavorável. E vários aspectos das características dos atores também estão aqui – inspiração, criatividade, coragem e firmeza. O que difere é a natureza da ação do ator. Em vez de executar uma ação direta, como faria o empreendedor social, o ativista social procura criar mudanças por meio de ações indiretas, induzindo outros – governos, ONGs, consumidores, trabalhadores etc. – a agir. Os ativistas sociais não necessariamente criam iniciativas ou organizações para promover as mudanças que buscam. O ativismo bem-sucedido pode produzir melhorias substanciais nos sistemas existentes e até resultar em um novo equilíbrio, mas a natureza estratégica da ação é diferente – ela enfatiza a influência e não a ação direta.

Por que não chamar essas pessoas de empreendedores sociais? Não seria nenhum disparate, mas elas têm um nome a zelar há muito tempo e uma tradição incontestável: a tradição de Martin Luther King, Mahatma Gandhi e Vaclav Havel. Eles são ativistas sociais. Atribuir-lhes um nome completamente novo – como empreendedores sociais – confundiria o público em geral, que já sabe o que é um ativista social, e não seria útil para a causa dos ativistas sociais nem para a dos empreendedores sociais.

Tons de cinza

 

Tendo criado uma definição de empreendedorismo social e diferenciando-a da prestação de serviço social e do ativismo social, deve-se reconhecer que, na prática, muitos atores sociais incorporam estratégias associadas a essas formas puras ou criam modelos híbridos.

 Na forma pura, o empreendedor social bem-sucedido assume a ação direta e gera um equilíbrio novo e sustentado. O ativista social influencia outros para gerar esse mesmo tipo de equilíbrio. E o prestador de serviço social assume a ação direta para melhorar os resultados do equilíbrio existente.

É importante fazer a distinção desses tipos de iniciativas sociais quando estão em suas formas puras, mas no mundo real provavelmente existem mais modelos híbridos que formas puras. Pode-se argumentar que Yunus, por exemplo, tenha recorrido ao ativismo social para acelerar e ampliar o impacto do Grameen Bank, um tipo clássico de empreendedorismo social. Ao utilizar uma sequência híbrida – empreendedorismo social seguido de ativismo social –, Yunus transformou o microcrédito em uma força global para a mudança.

Outras organizações híbridas fazem simultaneamente o empreendedorismo social e o ativismo social. Organizações de normalização ou de certificação são exemplos. Embora as ações das organizações de normalização não criem mudanças sociais – aquelas que são estimuladas ou forçadas a obedecer aos padrões realizam as ações que produzem a verdadeira mudança social –, a organização pode demonstrar empreendedorismo social ao criar uma abordagem convincente para configurar padrões e comercializá-los com reguladores e participantes do mercado. A certificação e o marketing de produtos de comércio equitativo são um exemplo familiar, com organizações como a Cafédirect, no Reino Unido, e a TransFair USA, nos Estados Unidos, criando nichos de mercado para o café e outras commodities vendidas a um preço elevado que garante uma remuneração mais equitativa para os pequenos produtores.

A campanha de Kailash Satyarthi, da RugMark, é um exemplo particularmente interessante de um modelo híbrido. Reconhecendo as limitações inerentes a sua luta para resgatar crianças em condições de trabalho infantil no comércio de tapetes da Índia, Satyarthi concentrou-se na indústria de tecelagem de tapetes. Ao criar o programa de certificação da RugMark e uma campanha de relações públicas com o objetivo de educar os consumidores que involuntariamente perpetuam um equilíbrio injusto, Satyarthi alavancou sua efetividade como prestador de serviços adotando a estratégia indireta do ativista. Ao comprar um tapete com o selo RugMark, os compradores têm a garantia de que o produto foi tecido sem mão de obra infantil e sob condições justas de trabalho. Ele pensou: eduque suficientemente esses potenciais compradores e teremos uma chance de transformar toda a indústria da tapeçaria.

A ação de Satyarthi de criar a RugMark situa-se na encruzilhada do empreendedorismo e do ativismo: o selo RugMark representou uma solução criativa e exigiu ação direta, mas é um artifício destinado a educar e influenciar os outros com o objetivo final de estabelecer e garantir um equilíbrio novo e muito mais satisfatório entre produção e mercado.

A prestação de serviço social associada ao ativismo social em um nível mais tático também pode produzir um resultado equivalente ao do empreendedorismo social. Pense, por exemplo, em um prestador de serviço social que opera uma única escola para um pequeno grupo de crianças desfavorecidas e gera ótimos resultados para seus alunos. Se a organização utilizar esses resultados para criar um movimento de ativismo social com o intuito de promover um forte apoio do governo na adoção generalizada de programas semelhantes, então o prestador de serviço social pode provocar uma mudança geral de equilíbrio e produzir o mesmo efeito que um empreendedor social.

A Manchester Bidwell Corporation, de Bill Strickland, um programa nacionalmente reconhecido de treinamento profissional e educação artística em centros urbanos, lançou o Centro Nacional de Artes e Tecnologia para promover sistematicamente a replicação de seu modelo de Pittsburgh em outras cidades. Strickland está liderando uma campanha de mobilização para alavancar o apoio federal com o objetivo de ampliar seu modelo. Até agora, quatro novos centros estão em operação nos Estados Unidos e vários outros em andamento. Com um sistema sustentável de centros nas cidades de todo o país, Strickland terá sido bem-sucedido em estabelecer um novo equilíbrio. É por causa dessa campanha que a Skoll Foundation e outros estão investindo nos esforços dele.

Por que se preocupar em esmiuçar essas diferenças entre vários modelos puros e híbridos? Porque, com essas definições em mãos, estaremos todos mais bem equipados para avaliar os diferentes tipos de atividade social. Entender os meios pelos quais um empreendimento produz seu benefício social e a natureza do benefício social que ele promove permite que os apoiadores – entre os quais incluímos a Skoll Foundation – prevejam a sustentabilidade e o alcance desses benefícios, antecipem como uma organização poderá ter de se adaptar ao longo do tempo e projetem de forma mais racional o potencial resultado da iniciativa.

Por que deveríamos nos preocupar?

 

Apesar de ignorado pelos economistas, cujos interesses gravitam em torno de modelos baseados no mercado e orientados pelos preços, o empreendedorismo passou por uma espécie de renascimento de interesse nos últimos anos. Aproveitando os alicerces estabelecidos por Schumpeter, William Baumol e outros estudiosos procuraram recuperar o lugar a que o empreendedor tem direito na teoria de “produção e distribuição”, demonstrando no processo o papel inspirador do empreendedorismo.6 De acordo com Carl Schramm, CEO da Fundação Ewing Marion Kauffman, os empreendedores, “apesar de serem ignorados ou explicitamente apagados de nosso drama econômico”,7 são o ingrediente essencial do sistema de livre iniciativa e absolutamente indispensáveis para as economias de mercado.

Estamos preocupados com o fato de que pensadores sérios também possam ignorar o empreendedorismo social, e receamos que o uso indiscriminado do termo possa minar seu significado e sua importância para aqueles que procuram compreender como as sociedades mudam e progridem. Acreditamos que o empreendedorismo social é tão vital para o progresso das sociedades quanto para o progresso das economias, e merece uma atenção mais rigorosa e séria do que tem recebido até agora.

É evidente que ainda há muito a aprender e compreender sobre o empreendedorismo social, o que inclui saber por que o motivo de seu estudo não pode ser levado a sério. Nossa visão é que uma definição mais clara de empreendedorismo social ajudará no desenvolvimento do setor. O empreendedor social deve ser entendido como alguém que tem como alvo o equilíbrio estável, ainda que desfavorável, daquilo que causa o desprezo, a marginalização ou o sofrimento de um segmento da humanidade. Alguém que contribua para melhorar essa situação com sua inspiração, ação direta, criatividade, coragem e firmeza. E que almeje e acabe afetando o estabelecimento de um novo equilíbrio estável que garanta benefícios permanentes para o grupo-alvo e a sociedade em geral.

Essa definição ajuda a diferenciar o empreendedorismo social da prestação de serviço social e do ativismo social. Que prestadores de serviço social, ativistas sociais e empreendedores sociais, muitas vezes, tenham de adaptar-se às estratégias mútuas e desenvolver modelos híbridos, para nós é menos inerentemente confuso e mais respeitoso que o uso indiscriminado desses termos. Esperamos que nossa categorização possa ajudar a esclarecer o valor diferenciado que cada abordagem traz para a sociedade e, no final, levar a uma melhor compreensão e a uma tomada de decisão mais consciente por aqueles que estão comprometidos com o avanço de mudanças sociais positivas.

Os autores agradecem aos colegas da Skoll Foundation Richard Fahey, diretor de operações, e Ruth Norris, diretora sênior do programa, que leram as versões preliminares deste artigo e contribuíram com ideias importantes.

 

OS AUTORES

 

ROGER L. MARTIN foi reitor da Faculdade de Administração Joseph L. Rotman, da Universidade de Toronto, desde 1998. Ele é diretor das escolas do Instituto AIC para a Cidadania Corporativa e membro do Conselho da Fundação Skoll. Em 2004, recebeu o Prêmio Marshall McLuhan de liderança visionária e, em 2005, foi indicado um dos sete “Gurus da Inovação” pela Business Week.

SALLY OSBERG foi presidente e CEO da Skoll Foundation desde 2001. Antes de trabalhar na Skoll, ela foi diretora executiva do Museu Discovery para Crianças, em San Jose. É membro do Conselho da Fundação da Educação da Oracle e do Museu Discovery para Crianças. Seu trabalho sobre a mudança de cenário da filantropia foi incluído em Empreendedorismo Social: Novos Modelos de Mudança Social Sustentável, publicado em 2006 pela Oxford University Press.

Este artigo é conteúdo original da revista Stanford Social Innovation Review publicado na edição Primavera de 2007

 

NOTAS

1 Jean-Baptiste Say, citado em J. Gregory Dees, “The Meaning of ‘Social Entrepreneurship,’” reformatado e revisado em maio de 2001.

2 Joseph A. Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e Democracia (São Paulo: Editora Unesp Digital, 2017).

3 Peter F. Drucker, Inovação e Espírito Empreendedor (São Paulo: Cengage Learning, 2016).

4 Israel Kirzner, citada em William J. Baumol, “Return of the Invisible Men: The Microeconomic Value Theory of Inventors and Entrepreneurs.”

5 Dees, 2.

6 Baumol, 1.

7 Carl J. Schramm, “Entrepreneurial Capitalism and the End of Bureaucracy: Reforming the Mutual Dialog of Risk Aversion,” 2.

Biblioteca Essencial de Inovação Social

Conheça a lista de artigos fundamentais para líderes da transformação social publicados na Stanford Social Innovation Review:

– Impacto Coletivo

– Design Thinking para a Inovação Social

– O Desafio de Romper o Círculo

– Hora de Pensar em Modelos de Financiamento 

– A Ciência do que Desperta a Empatia

– Da Conscientização à Ação

– Redescobrindo a Inovação Social

– A Inovação não é o Santo Graal

– O Despertar da Liderança Sistêmica

– Empreendedorismo Social: uma Questão de Definição



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