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A inovação não é o Santo Graal

É hora de passar da inovação como ideologia para a inovação como processo.

Por Christian Seelos e Johanna Mair

Todos os anos, centenas de livros de inovação são publicados com boas intenções e recomendações interessantes para administradores e organizações. Eles apregoam os fatores de sucesso da inovação como uma cultura de risco, liderança inspirada e abertura para ideias novas. A inovação é tida como o Santo Graal do progresso por um setor social cada vez mais impaciente em consequência da percepção de que décadas de esforços tradicionais de desenvolvimento global equivalem a anos perdidos, com bilhões de dólares gastos e muito pouco para lhes mostrar. A escala dos desafios relacionados à pobreza e os níveis crescentes de desigualdade global resultam em um senso de urgência e numa frustração com as antigas receitas de desenvolvimento. Esses desafios – essa crise, se preferir – legitimaram uma busca coletiva por novas soluções – inovações!

Junto com o foco na inovação surgiu uma tendência de adotar a linguagem dos mercados e dos negócios, como empreendimentos sociais de risco, modelos de negócios híbridos e investimento de impacto. Mas, embora a linguagem da inovação tenha sido adotada, a base de conhecimento organizacional e gerencial existente sobre a inovação em sua maior parte se manteve inalterada. Os estudos aplicados tendem a tratar a inovação principalmente como um resultado e, portanto, implicam que a inovação social ocorre quando os resultados desejados podem ser observados como uma mudança social positiva, por exemplo. Ao mesmo tempo, ainda que as organizações sejam consideradas o epicentro das atividades de inovação, pouco sabemos sobre como a inovação social se desenvolve dentro delas.  Elas são tratadas como uma caixa-preta.

Além disso, embora muitas pesquisas sobre inovação social tenham explorado a abertura empresarial de novas organizações sociais, sabe-se muito menos sobre a capacidade daquelas já estabelecidas de inovar continuamente. Esse é um espaço importante de oportunidade – porque fundos significativos tornaram-se disponíveis para inovação, mas a aptidão de organizações menores e mais jovens de absorver grandes fundos é limitada. Gerar impacto também depende da capacidade das organizações de operar e inovar na escala dos problemas sociais subjacentes. A habilidade das organizações estabelecidas de continuar inovando, portanto, é fundamental para compreender a ligação entre inovação e progresso social.

Em um projeto recente com a Fundação Rockefeller1, exploramos o que propicia inovação contínua em organizações estabelecidas do setor social que operam em uma escala eficiente na entrega de produtos e serviços. Realizamos uma revisão da literatura organizacional e administrativa dominante sobre esse tópico e ficamos surpresos tanto com a magnitude dessa linha de pesquisa quanto com os insights que obtivemos. Primeiro, descobrimos que tanto as evidências de longo prazo de estudos de organizações do setor social quanto as evidências empíricas recentes desafiam o mantra de que “mais inovação é melhor”. Em segundo lugar, constatamos que muitas das suposições sobre inovações no setor social podem ser enganosas. E, em terceiro, vimos que promover a inovação pode abrir espaço ao progresso, mas pode também reprimi-lo.

 

Nenhuma resposta fácil de pesquisa de inovação

 

Milhares de artigos acadêmicos e práticos foram publicados sobre inovação apenas nas últimas duas décadas. Embora nosso conhecimento de muitos aspectos organizacionais e contextuais da inovação tenha crescido tremendamente, as metarrevisões que sintetizam os estudos sobre inovação ressaltam consistentemente a natureza fragmentada da pesquisa sobre inovação. “O tema mais consistente encontrado na literatura sobre inovação organizacional é que os resultados de suas pesquisas têm sido inconsistentes”, afirmou um pesquisador, e ela é “fraca em termos de poder explicativo, oferecendo, portanto, pouca orientação aos profissionais”.2 Isso não quer dizer que a literatura seja irrelevante. Em vez disso, significa que precisamos questionar como usamos esse conhecimento para informar a prática. Receitas fáceis na forma de “três passos para melhorar a inovação”, muitas vezes no cerne dos livros populares de inovação, não se justificam, não importa quão tentadoras sejam ou quão plausíveis pareçam. A inovação é um processo complexo e depende da constelação única de muitos fatores organizacionais e externos em um determinado contexto. O envolvimento sério com as teorias e conhecimentos organizacionais existentes exige que lidemos com a inovação em toda a sua complexidade, e caso a caso. Da mesma forma, compreender ou promover a inovação nas organizações deve nos forçar a refletir não apenas sobre os fatores potenciais que podem fazer a inovação funcionar, mas também sobre os muitos fatores organizacionais e contextuais negativos que impedem a inovação ou a realização dos resultados esperados.

Com base nessa nossa revisão aprofundada da literatura, ficamos preocupados com o fato de que suposições amplamente aceitas sobre inovação social não estejam baseadas em perspectivas teóricas estabelecidas e possam ser enganosas. Acreditamos que três omissões contribuem para uma tendência de, ao mesmo tempo, superestimar e subestimar a inovação e minimizar as dificuldades de permitir a inovação em organizações do setor social.

Em primeiro lugar, a inovação é frequentemente percebida como um atalho de desenvolvimento, o que a torna superestimada. O enorme valor criado por melhorias progressivas das atividades básicas e rotineiras das organizações do setor social é posto de lado. Portanto, promover a inovação à custa do fortalecimento de atividades mais rotineiras pode, na verdade, destruir valor em vez de criá-lo.

Em segundo lugar, a inovação em organizações do setor social geralmente tem pouco impacto externo para mostrar quando é implementada em ambientes imprevisíveis. Mesmo as inovações comprovadas com frequência falham quando transferidas para um contexto diferente. Ainda assim, o aprendizado cumulativo com as falhas pode ser tremendamente valioso para entender como um determinado contexto funciona. Isso potencialmente constrói e fortalece a capacidade de uma organização de gerar inovação produtiva ao longo do tempo. Em outras palavras, se avaliarmos a inovação principalmente por seu resultado na forma de impacto externo, podemos subestimar o impacto organizacional interno positivo que vem do aprendizado com a inovação malsucedida.

Em terceiro lugar, os esperados fatores de sucesso para a inovação que os pesquisadores e consultores identificaram ignoram o poder dos fatores organizacionais negativos, como liderança ruim, equipes disfuncionais e metas de produção por demais ambiciosas.

Essas patologias podem tornar quase impossível a implementação de inovações. Consequentemente, uma confiança ingênua nos fatores de sucesso da inovação leva a subestimar as dificuldades em tornar as organizações mais inovadoras e pode gerar falhas de inovação ao impulsionar os fatores errados.

 

Superando o valor da inovação

 

 Todo mundo fala sobre rock atualmente; o problema é que eles esquecem o roll – Keith Richards

A maior parte do valor que as organizações do setor social estabelecidas criam vem de suas atividades básicas e rotineiras, aperfeiçoadas ao longo do tempo. Produzir e fornecer com eficiência produtos e serviços-padrão resulta em um valor tremendo, especialmente em locais com pobreza generalizada. A demanda pelos princípios básicos da vida é alta, e os mercados em que as organizações competem para servir aos pobres são frequentemente ineficientes ou inexistentes. Para organizações que encontraram um modelo de trabalho em um determinado contexto, os esforços em direção a melhorias previsíveis e progressivas – explorar o que uma organização sabe fazer bem, em vez de desenvolver inovações, conhecer novas atividades ou criar novos conhecimentos – são medidas que podem gerar resultados superiores ao longo do tempo. O Aravind Eye Care Hospital fornece uma ilustração vívida para apoiar essa afirmação.3 Desde a sua fundação em 1976 como um hospital de 11 leitos em Madurai, Índia, o Aravind tem cumprido sua missão de erradicar a cegueira evitável, centrando-se em uma intervenção principal: a cirurgia de catarata. O Aravind resistiu à tentação de se tornar um hospital oftalmológico de serviço completo, embora outros problemas oftalmológicos sejam comuns entre indianos. Em vez disso, concentrou-se em aprimorar sua especialização e mantê-la eficaz em termos econômicos. Hoje, o Aravind administra seis hospitais na Índia, que realizam mais de 300 mil cirurgias oculares por ano, lutando contra a cegueira evitável na mesma escala em que ela ocorre no país. O caminho do Aravind para se tornar o maior hospital de olhos do mundo foi marcado por uma abordagem disciplinada para desenvolver um sistema baseado em rotinas, melhorando as práticas continuamente e investindo os lucros para construir capacidade adicional. A dedicação à padronização, o fornecimento de medidas de desempenho em tempo real e o foco em melhorias progressivas impulsionaram a produtividade operacional.

O Aravind usa “acampamentos de olhos” para um exame rápido e eficiente de pacientes rurais em potencial, transportando grupos que precisam de procedimentos cirúrgicos para o hospital principal e de volta para seus vilarejos.

A especialização estrita de tarefas em todos os níveis da hierarquia organizacional – uma reminiscência da fábrica de alfinetes de Adam Smith – permite curvas de aprendizado íngremes e desenvolvimento de habilidades focado. Um médico do Aravind realiza mais de duas mil cirurgias por ano, em comparação com uma média de cerca de 200 nos hospitais indianos. Essa produtividade é baseada em competências profundas, que resultam em economia de custos, as quais, por sua vez, permitem o tratamento gratuito de dois terços dos pacientes mais pobres. Mesmo assim, o Aravind ainda obtém renda suficiente para permitir a expansão. A alta produtividade do Aravind também é baseada na avaliação cuidadosa das práticas, permitindo melhorias progressivas por longos períodos. Além disso, a força da cultura organizacional do Aravind cresceu com seus sucessos em termos de produtividade.

O que motiva os oftalmologistas, um recurso escasso na Índia, assim como enfermeiras e outros funcionários, a trabalhar nesse ambiente são as oportunidades únicas de aprendizado, os níveis incomparáveis de produtividade cirúrgica e a capacidade comprovada e confiável do Aravind de ajudar os pobres. Rotinas e competências constantemente empurram a fronteira das melhores práticas da instituição. A triagem meticulosa do que funciona e do que não funciona permite pequenas adaptações de rotinas e práticas, que rapidamente se espalham pelos seis hospitais. Réplicas perfeitas do hospital Aravind original, as unidades compartilham das melhores práticas pela eliminação de variações no contexto organizacional.

Mesmo assim, o Aravind teve tanto derrotas quanto vitórias. Para aumentar rapidamente o número de cirurgias de catarata e cumprir a ambiciosa meta de atingir um milhão de cirurgias oculares por ano até 2015, o Aravind em 2005 começou a experimentar novos modelos organizacionais que estabeleceram parcerias com hospitais existentes ou novos que concordaram em usar as melhores práticas do Aravind. Apesar de um treinamento intenso e de um período de monitoramento que envolveu médicos experientes do Aravind, esse programa de “Cuidado Supervisionado” foi interrompido após cinco anos. As rotinas desenvolvidas e continuamente aprimoradas e nutridas pelo Aravind não puderam ser totalmente transferidas para hospitais parceiros devido aos diferentes contextos organizacionais.

O exemplo do Aravind ressalta que a atenção incessante às melhorias incrementais está no cerne do poder de uma organização de construir capacidade e causar um impacto em uma escala apropriada ao problema social que está sendo abordado. Atividades de inovação imprevisíveis sempre competem com rotinas centrais previsíveis por escassos recursos organizacionais, como tempo e dinheiro da equipe. É preciso haver um equilíbrio saudável entre a alocação de recursos entre as atividades principais, que permitem melhorias e inovações previsíveis, e a alocação de recursos que levam a resultados imprevisíveis.

O exemplo do Aravind também enfatiza que muitos problemas recorrentes e relacionados à pobreza não precisam de soluções inovadoras, e sim de uma relação de compromisso de longo prazo que promova um progresso mais adequado e menos arriscado. Em ambientes onde a pobreza generalizada não é provocada por mudanças nas demandas dos consumidores, nem por novos avanços tecnológicos nem pela alta competição, o progresso e o impacto podem provir mais da dedicação e do trabalho rotineiro. Infelizmente, a dedicação e o trabalho rotineiro não têm um apelo tão sexy quanto a inovação.

Estranhamente, muitas vezes é a escassez de recursos nas instituições da área social que legitima a necessidade por mais inovação. No entanto, esse argumento se baseia na suposição errada e perigosa de que a inovação traz mais retorno para o dinheiro investido, funcionando como um atalho para desenvolvimento ao resolver grandes problemas mais rapidamente. Além disso, o progresso social geralmente depende da mudança nos modos de organização e normas, como também nos hábitos e crenças das pessoas. Por exemplo, para haver progresso social é preciso que os papéis e direitos das mulheres nas comunidades rurais mudem e que valores como prestação de contas, responsabilidade e compromisso de longo prazo sejam institucionalizados. Isso requer paciência, dedicação e um engajamento direto com os pobres, verdadeiros desafios para que as organizações permaneçam motivadas e focadas.

Defendemos que o discurso dominante sobre a inovação acaba levando as organizações a adotar práticas inovadoras, quando, na verdade, práticas de desenvolvimento progressivo produziriam mais valor a longo prazo.

 

Subvalorizando a inovação fracassada

 

A melhor maneira de entender um sistema complexo é interferindo nele – William Starbuck

Os resultados de ações inovadoras em um mundo social complexo são essencialmente imprevisíveis. Mesmo em organizações empresariais que operam em ambientes institucionais consolidados e previsíveis, onde o sucesso é avaliado principalmente pelo alcance de objetivos econômicos quantificáveis, a inovação muitas vezes falha. As organizações da área social que enfrentam os desafios da pobreza em geral operam em ambientes institucionais incertos e muitas vezes hostis e ainda têm de considerar múltiplos objetivos econômicos e sociais. Consequentemente, os resultados positivos e negativos da inovação são ainda mais difíceis de prever e avaliar. A inovação social produtiva depende muito, portanto, da experiência de tentativa e erro e do aprendizado organizacional. E, apesar das altas taxas de erro e do pouco impacto positivo a longo prazo, a inovação como experimentação é, muitas vezes, um pré-requisito essencial para a inovação social contínua.

A história da Gram Vikas, uma organização sem fins lucrativos indiana e líder mundial em água e saneamento, é um grande exemplo de inovação advinda do fracasso. Em 1971, um grupo de estudantes indianos organizou o Movimento para o Desenvolvimento de Jovens Estudantes (YSMD) e se mudou para o Estado de Orissa para socorrer as vítimas de um ciclone devastador e promover a igualdade e o desenvolvimento inclusivo. A primeira tentativa de inovação dos estudantes ativistas foi usar sistemas de irrigação para ajudar os agricultores locais a bombear água dos rios da região do delta de Orissa, para que pudessem conseguir mais de uma colheita por ano. Os proprietários mais ricos da região inicialmente concordaram em doar terras para o projeto estudantil, mas quando se deram conta do aumento dos rendimentos e dos lucros potenciais que resultariam do novo sistema de irrigação, tomaram as terras de volta. Desse modo, o projeto Gram Vikas (que até 1979 era conhecido como YSMD) fracassou em alcançar o objetivo de criar propriedades comunitárias e, assim, garantir a subsistência básica para os agricultores pobres em Orissa. No entanto, o fracasso nesse caso de inovação foi fundamental para que a jovem organização compreendesse as estruturas de poder locais e a pobreza.

De fato, o fracasso no projeto de irrigação fundamentou o experimento seguinte: a introdução da criação de vacas para produção leiteira em comunidades extremamente pobres e marginalizadas. Em 1976, a Gram Vikas juntou-se a um esforço nacional para desenvolver uma rede de laticínios em pequena escala que formaria cooperativas e ajudaria produtores a reter mais lucros de seus esforços. A rede leiteira foi vista como um instrumento principal de desenvolvimento em áreas rurais a longo prazo. Mas, depois de um ano, a Gram Vikas deu-se conta de que a produção leiteira não iria funcionar. “Não levou muito tempo para perceber que a produção de leite não era nem viável nem uma necessidade urgente das pessoas da região”, disse Joe Madiath, fundador da Gram Vikas, numa entrevista de 2005. “Não havia infraestrutura ou qualquer tipo de apoio veterinário. […] Nós [também] sentimos que estávamos mais preocupados com os animais, com o reembolso do empréstimo, com a venda de leite etc. do que com as pessoas e com sua aceitação de uma nova forma de criar vacas. Talvez tenhamos formatado demais o projeto, o que fez com que as pessoas não se envolvessem suficientemente e que logo a maioria delas optasse por vender as vacas.”

Embora a Gram Vikas tenha decidido abandonar a intervenção, o processo de fazer a experimentação em vilarejos remotos e de ser exposta aos costumes e realidades dos povos adivasis (moradores tribais de vilarejos) expôs uma das principais razões para as precárias condições de saúde e a pobreza dessas populações: a falta de saneamento. Com apoio financeiro de organizações internacionais de desenvolvimento, como a Agência Suíça de Desenvolvimento, o Programa de Saúde e Meio Ambiente Rural da Gram Vikas foi lançado no início da década de 1990. O aprendizado sistemático de uma série de intervenções de desenvolvimento anteriores, como a construção de usinas de biogás em vilarejos remotos, permitiu que a Gram Vikas desenvolvesse as habilidades e a assistência necessárias para implementar iniciativas em larga escala na área da saúde. Hoje, a Gram Vikas leva água e saneamento para mais de mil vilarejos e 66 mil famílias em Orissa. Seus programas ajudam a capacitar as comunidades a construir, gerenciar e manter suas próprias instalações de saneamento, bem como lançar iniciativas de desenvolvimento que melhorem a saúde e a qualidade de vida da comunidade.

A história da Gram Vikas mostra que a inovação como experimentação pode ser um grande mecanismo para o progresso. Embora a taxa de erro desse tipo de inovação seja alta, uma experimentação que conduz a fracassos em termos de inovação pode lentamente promover um entendimento por parte da organização de como um determinado ambiente funciona. A experimentação pode permitir que as organizações da área social encontrem maneiras de ultrapassar ou contornar obstáculos, criando progressos lentos, mas contínuos e cruciais. Embora a inovação produtiva nem sempre se traduza nos resultados ou impactos desejados, a aprendizagem sistemática e a construção de uma base de conhecimento sobre o que funciona e o que não funciona constituem um indicador importante para a capacidade de inovação de uma organização.

Defendemos que avaliar o desempenho da inovação principalmente com base em resultados positivos pode inibir a experimentação nas organizações, que, embora seja arriscada, é de suma importância para o progresso em ambientes difíceis e imprevisíveis.

Subestimando a dificuldade na inovação

 

Uma porcentagem muito alta de inovação em organizações sem fins lucrativos e governamentais ocorre paradoxalmente em organizações que são hostis à mudança – Paul Light

O foco nos resultados e no impacto na literatura sobre inovação social sugere que a parte organizacional dela seja trivial e possa ser obtida apenas fazendo as coisas certas. A urgência em fazer progressos rápidos fomentou uma caçada a fatores críticos de sucesso que possam gerar mais inovação nas organizações. No entanto, com base em nossa revisão da literatura, essa perspectiva apresenta sérios problemas. Foram identificadas centenas de fatores internos das organizações e externos a elas que afetam direta ou indiretamente as características e dinâmicas da inovação. A inovação produtiva depende, portanto, da constelação de um grande número de fatores organizacionais e contextuais. E mesmo um único fator negativo, como um líder de visão estreita ou uma cultura hostil à mudança, pode impedir a inovação.

As consequências dos fatores negativos geralmente se encaixam em dois domínios principais. Em primeiro lugar, em algumas organizações muitas ideias ruins são perseguidas, fato que está relacionado à incapacidade de aprender com os fracassos ou de agir sobre eles. Então, quando pouco valor é criado, o cinismo coletivo diminui a chance de que ideias futuras sejam desenvolvidas com o apoio, a motivação e o comprometimento suficientes. Em segundo lugar, em algumas organizações, poucas boas ideias são desenvolvidas até se tornarem novas atividades inovadoras, novos processos operacionais e de gestão ou novos produtos e serviços. Ambições e expectativas são reduzidas e formas criativas são concebidas apenas para justificar o status quo.

Não faltam evidências anedóticas desse problema. Todos temos lamentado a falta de novas ideias e inovação nas burocracias tanto no financiamento quanto na implementação de projetos. E lamentamos as doutrinas fracassadas das organizações tradicionais de desenvolvimento, impulsionadas pela crença de que o progresso vem de uma sequência de receitas desenvolvidas no mundo ocidental envolvendo apoio financeiro e técnico em larga escala de consultores e gerentes de projetos que têm pouco compromisso com os contextos locais ou uma compreensão limitada deles.

Um exemplo recente desse problema pode ser o fascínio de vários CEOs por Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2006. Yunus reconhece que sua ideia de usar a eficiência de corporações multinacionais para eliminar a pobreza atraiu rapidamente muitas pessoas do setor corporativo. Desde 2007, empresas como Danone, Veolia, Intel, Adidas e Basf abraçaram essa ideia e marcharam para Bangladesh para construir novos “negócios sociais” inovadores. Infelizmente, grande parte dos CEOs envolvidos falhou em explicar as razões dessas inovações e transmitir expectativas concretas tanto para suas empresas quanto para o progresso social em Bangladesh.

Yunus contou em 2007 como a parceria Grameen-Danone se desenvolveu. “A ideia da empresa”, escreveu ele em seu site, “nasceu em apenas um almoço casual que tive com Franck Riboud, presidente e CEO do Groupe Danone, uma grande empresa francesa, líder mundial em produtos lácteos. Levei apenas esse tempo para convencê-lo de que um investimento em um negócio social é uma coisa valiosa para os acionistas da Danone. Mesmo que isso não vá lhes dar nenhum dividendo pessoal, ele concordou com a proposta antes mesmo de eu explicá-la totalmente.”4

Será que as empresas ocidentais bem-sucedidas e seus CEOs sofrem de um otimismo organizacional excessivo – um sentimento de que suas competências avançadas devem ser valiosas para lidar com a pobreza generalizada? De qualquer modo, quando as organizações criam estratégias baseadas no otimismo, o resultado quase sempre são decisões ruins em relação à inovação. Nós e outros pesquisadores5 consideramos questionável que a inovação produtiva seja esperada quando as decisões dos CEOs se sobrepõem a uma análise completa e realista das complexidades, desafios e temporalidades envolvidas ao fazer “negócios com os pobres”.

Pesquisas organizacionais revelaram uma grande quantidade de fatores cognitivos, normativos e políticos que podem inibir ou inviabilizar processos de inovação.6 Lamentamos, portanto, que conceber a inovação com base em receitas simples e fatores de sucesso ainda seja o dogma predominante para líderes organizacionais, consultorias e artigos de pesquisa prescritivos. Isso nos lembra uma caçada frenética pela próxima dieta milagrosa que garanta a perda de peso em sete dias. Acreditamos fortemente que, a não ser que os líderes se engajem num diagnóstico honesto e crítico e na avaliação dos fatores organizacionais negativos e dos obstáculos à inovação, as recomendações bem-intencionadas fornecidas pela literatura de inovação poderão não ter muito impacto.

Defendemos que destacar os fatores de sucesso para a inovação ignorando os principais obstáculos organizacionais pode criar resultados negativos e inibir o desempenho da inovação.

 

Implicações para a inovação social

 

O foco nos resultados positivos que legitimam a inovação nas organizações sociais gerou um conjunto desorientador e confuso de descrições do que é inovação e de como alcançá-la. Essas descrições e prescrições inibem o progresso, já que o conhecimento não se acumula e os pressupostos subjacentes a termos como inovação social continuam questionáveis. É hora de passar da inovação como ideologia para a inovação como processo – uma transição que será menos glamourosa, mas mais produtiva. A partir do estudo das pesquisas existentes sobre inovação organizacional e de nossa própria pesquisa sobre o tema, apresentamos seis recomendações para inovação produtiva em organizações da área social:

1. Tratar a inovação como um processo e não essencialmente como um resultado. Os esforços para vincular explicitamente as características e as dinâmicas de inovação organizacional às suas consequências fornecem evidências valiosas para a tomada de decisões e permitem que as organizações identifiquem as áreas de apoio produtivas e façam um ajuste fino nas intervenções e estratégias para a provisão de recursos.

2. Considerar a inovação como uma variável independente e refletir sobre os múltiplos resultados positivos e negativos durante o processo de inovação.  O foco na inovação dentro das organizações permite uma avaliação precisa da dimensão interna e externa do valor criado pelas atividades de inovação.

3.  Reconhecer que o processo de inovação integra diferentes fatores organizacionais e externos. Esses fatores incluem indivíduos (por exemplo, criação de ideias), grupos (por exemplo, avaliação de ideias), organizações (por exemplo, alocação de recursos e formalização de novas atividades) e contextos (por exemplo, estruturas de energia externas ou colaboradores). Avaliar a inovação requer a consideração simultânea de vários níveis de análise.

4. Compreender as dimensões cognitivas, normativas e políticas vigentes nas organizações para determinar como elas podem estimular ou inibir a inovação. No caso das organizações mais jovens, isso permitiria monitorar melhor e suprimir os fatores negativos para a inovação e assim aumentar sua capacidade de aprendizado e inovação. No que se refere às organizações mais maduras, permitiria promover remodelagens organizacionais mais focadas, renovar processos e subsidiar decisões difíceis, mas necessárias.

5.  Capturar insights de inovações bem-sucedidas e malsucedidas nas organizações ao longo do tempo. Essa abordagem para a inovação social supera as abordagens correntes que generalizam fatores de inovação baseados em instantâneos estáticos nas organizações ou observações únicas de eventos de inovação. Também verifica a presença ou a ausência de um importante facilitador da inovação: o aprendizado organizacional.

6. Refletir sobre as diferenças em processos de inovação, fatores influenciadores e resultados em diferentes culturas e geografias em vez de em fatores de inovação genéricos. Sabemos muito pouco sobre os fatores relacionados à inovação, como criatividade, avaliação de ideias e aprendizado nas organizações quando aplicados em ambientes não ocidentais.

Essas recomendações deveriam permitir que as organizações da área social, seus parceiros e pesquisadores desenvolvam modelos e ferramentas analíticas para evidenciar fatores negativos que inibam a inovação produtiva. Do mesmo modo, os financiadores que cuidadosamente pensarem com base nas implicações descritas neste artigo poderão encontrar maneiras de evitar apoiar excessivamente iniciativas de inovação da moda em vez de apoiar propostas de inovação promissoras, embora difíceis, especialmente as que ocorrem em ambientes complexos em que as fórmulas para o progresso social ainda não foram encontradas.

Em suma, nossa abordagem do processo de inovação social é uma tentativa de levar o pêndulo do lado da oferta de inovação social para o lado da demanda da inovação social. Glorificar a inovação como “a” solução para as necessidades e problemas sociais e ambientais levou a esforços bem-intencionados para aumentar a quantidade de inovadores e empreendedores sociais. Isso certamente tem seus méritos, mas também veio em detrimento dos investimentos em organizações consolidadas da área social que operam em grande escala e que criam valor principalmente por meio de melhorias contínuas. Nossa esperança é que uma maior ênfase na inovação como um processo ajude a evitar maus investimentos na área social e a impedir debates improdutivos sobre correções superficiais para problemas sociais complexos.

Os autores agradecem à Fundação Rockefeller pelo apoio financeiro para nossa pesquisa sobre inovação e ao Stanford Center on Philanthropy and Civil Society por sediar nosso trabalho.

 

OS AUTORES

 

Christian Seelos é pesquisador visitante do Stanford Center on Philanthropy and Civil Society.

Johanna Mair é professora de gestão, organização e liderança na Hertie School of Governance em Berlim e na Hewlett Foundation e pesquisadora visitante do Stanford Center on Philanthropy and Civil Society.

Este artigo foi publicado na edição outono 2012 da Stanford Social Innovation Review 

 

Notas

 

1 Christian Seelos e Johanna Mair, “What Determines the Capacity for Continuous Innovation in Social Sector Organizations?”, Stanford PACS Report to the Rockefeller Foundation, jan. 2012.

2 Richard A. Wolfe, “Organizational Innovation: Review, Critique, and Suggested Research Directions”, Journal of Management Studies 31(3), 1994.

3 V. Kasturi Rangan e R. D. Thulasiraj, “Making Sight Acordable”, Innovations 2(4), 2007.

4 Muhammad Yunus, “Social Business”, 2007. www.muhammadyunus.org/Social-Business/social-business.

5 Christian Seelos e Johanna Mair, “Profitable Business Models and Market Creation in the Context of Deep Poverty: A Strategic View”, Academy of Management Perspectives 21(4), 2007; Bernard Garrette & Aneel G. Karnani, “Challenges in Marketing Socially Beneficial Goods to the Poor”, California Management Review 52(4), 2010.

6 Jan Schilling e Annette Kluge, “Barriers to Organizational Learning: An Integration of Theory and Research”, International Journal of Management Reviews 11(3), 2009.

Biblioteca Essencial de Inovação Social

Conheça a lista de artigos fundamentais para líderes da transformação social publicados na Stanford Social Innovation Review:

– Impacto Coletivo

– Design Thinking para a Inovação Social

– O Desafio de Romper o Círculo

– Hora de Pensar em Modelos de Financiamento 

– A Ciência do que Desperta a Empatia

– Da Conscientização à Ação

– Redescobrindo a Inovação Social

– A Inovação não é o Santo Graal

– O Despertar da Liderança de Sistema

– Empreendedorismo Social: uma Questão de Definição



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