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Pequenas fundações podem ter grande impacto

Em uma era de doações milionárias, pequenas fundações ainda podem provocar impactos consideráveis. Conheça sete técnicas para obter mais de seu investimento filantrópico.

Por Louis C. Boorstin

Pequenas Fundações Podem Ter Grande Impacto
Ilustração: Melinda Beck

Encontrei Bill Clarke pela primeira vez em agosto de 2013, durante o café da manhã num pequeno hotel em Washington, D.C. Bill era o presidente e principal financiador da Osprey Foundation, um projeto filantrópico familiar sediado em Baltimore, Maryland. A área do maior programa da fundação refletia o principal interesse de Bill: melhorar os serviços de água, esgoto e higiene (WASH, na sigla em inglês) disponíveis para pessoas pobres da África e da América Latina. Eu acumulava experiência nesse setor, tendo lançado e dirigido o programa WASH na Bill & Melinda Gates Foundation, onde trabalhei de 2005 a 2013.

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Nos meses seguintes, passei a conhecer melhor Bill, bem como a estratégia da Osprey e o portfólio existente de doações. No fim de outubro, eu já tinha familiaridade suficiente com os objetivos da fundação e com seus beneficiários para começar a oferecer a Bill alguma orientação.

“Você pode gastar seu dinheiro de outra maneira”, disse a ele.

“Como assim?”, perguntou Bill.

“Bem, no momento a maior parte dele vai para a entrega de serviços diretos. Por exemplo, fornecendo água e esgoto para comunidades carentes”, respondi. “É algo louvável, mas essas organizações financiadas pela Osprey obtêm a vasta maioria de recursos de doadores muito maiores, tais como a US Agency for International Development (Usaid, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) ou seus equivalentes no Reino Unido ou nos Países Baixos. E esses financiadores oficiais despendem a maior parte de suas verbas na abertura de poços e na construção de latrinas porque é isso que os políticos e os eleitores esperam. As ONGs dependem desse financiamento, é claro, mas ele também restringe o modo como operam, deixando-as com falta de recursos não atrelados a serviços de entrega. Então o que elas realmente necessitam é de um financiamento flexível, que lhes permita experimentar novas abordagens ou que reflita no que vêm fazendo.”

“Qual é o outro lado da moeda?”, Bill perguntou.

“Bem, há dois aspectos a considerar. Em primeiro lugar, se você vai fazer uma doação de verbas não vinculadas, precisa estar muito confortável com o modo como a organização beneficiária funciona, ou seja, com sua estratégia, capacidade de implementação, gerenciamento, governança, a parafernália toda. No caso de seu atual conjunto de beneficiários, sinto firmeza com alguns deles, um pouco menos com outros. Em segundo, você, como financiador, não verá um resultado direto de seu investimento. Se isso lhe parecer importante, não adote essa abordagem. Por outro lado, se não vê problema em desempenhar um papel indireto no apoio às atividades da ONG, ela faz sentido. Melhor ainda, você estará potencializando os milhões de dólares de financiamento vindos desses grandes doadores oficiais, para não mencionar todo o dinheiro gasto pelas famílias e os governos dos países nesses serviços básicos.”

“Gosto de potencializar”, respondeu Bill.

Aquele encontro desencadeou uma série de conversas sobre estratégias de financiamento que Bill e eu tivemos ao longo dos últimos nove anos. Ao repensarmos os papéis que um financiador pode desempenhar, modificamos o modo como a Osprey gasta seu dinheiro, orienta seus beneficiários (incluindo empresas de impacto) e usa sua voz para apoiar áreas de programas decisivos. Assim, criamos um conjunto de técnicas de financiamento que nos possibilita obter um impacto muito maior que o usualmente esperado de uma pequena fundação. (Nesse caso, “pequena” significa pagamentos anuais de cerca de US$ 5 milhões a US$ 6 milhões, com doações em geral oscilando entre US$ 100 mil e US$ 300 mil por ano.)

Pequenas Fundações Podem Ter Grande Impacto

Em minha experiência, a flexibilidade estratégica que a Osprey aplicou em sua política de doações é bastante rara e não teria sido possível sem certas qualidades de seu mecenas. Bill avalia cada situação de forma objetiva e em seu próprio contexto, fazendo poucas suposições. Ele aplica conhecimento fundamentado em sua experiência profissional no setor financeiro, mas não usa essa lente para filtrar perspectivas. Ouve de forma cuidadosa nossos beneficiários, parceiros e funcionários. Não tem mentalidade assistencialista pura e simples, no sentido de que seu objetivo não é distribuir coisas por aí, mas ajudar pessoas, famílias e comunidades a se ajudarem. Ele também é paciente, trabalha bem em equipe e gosta de fazer parceria com pessoas com objetivos comuns. Por último, compreende que abordagens duradouras frente aos desafios do desenvolvimento internacional raras vezes envolvem um único ator implementando um rápido conserto tecnológico.

A seguir, compartilho sete técnicas de financiamento de alto impacto que podem ser empregadas por fundações de menor e talvez até de maior porte. Essas técnicas são amplamente aplicáveis a múltiplos setores e estratégias, como aprendemos por meio de discussões com outros financiadores e organizações apoiadas. Cada técnica será introduzida por uma conversa entre Bill e eu, a começar pelo diálogo contado acima (As falas não são literais, mas apresentam os pontos essenciais das discussões que tivemos.).

 

  1. Financiamento Flexível para Iniciativas Alinhadas

 

Após minha conversa com Bill sobre recursos não vinculados em vez de financiamento direcionado, aprendi quão úteis US$ 250 mil em financiamento flexível podem ser para uma organização com um orçamento de US$ 15 milhões. Mas essa tática somente faz sentido se a organização estiver estrategicamente alinhada com a perspectiva do financiador sobre como alcançar sucesso em determinada área. No setor WASH, por exemplo, a Osprey acredita que o sucesso – que definimos como levar serviços WASH verdadeiramente sustentáveis de alcance do público a comunidades – exige uma combinação de mudança sistêmica e ação coletiva.

Além do alinhamento no tocante ao conteúdo de suas estratégias, nossos beneficiários nessa categoria compartilham dois outros atributos. Em primeiro lugar, apreciam plenamente o contexto estratégico em que operam. Isso significa que compreendem tanto o sistema mais amplo em que estão trabalhando quanto seu papel específico dentro dele. No jargão da fundação, tais organizações podem articular a diferença entre uma “teoria da mudança” geral para seu setor e uma “teoria de ação” específica para a organização. Um número surpreendente de organizações, tanto ONGs quanto empreendimentos sociais, não consegue fazer essa distinção, e isso pode resultar em estratégias confusas. Em segundo lugar, esses beneficiários são também, deliberada e orgulhosamente, organizações de aprendizagem. Elas têm o desejo, a capacidade e o orçamento dedicado para aprender com base em sua própria experiência e naquela de seus pares e para partilhar sua aprendizagem com outras pessoas. Além disso, têm também a intenção e a habilidade de adaptar sua trajetória com base nessa aprendizagem.

Tais organizações tornam-se fortes candidatas para o financiamento flexível (pressupondo que também preencham os critérios usuais concernentes a governança, liderança, gerenciamento, execução, e assim por diante). Alguns dos então beneficiários da Osprey enquadravam-se nessa categoria, e acrescentamos outros. Como resultado, terminamos com um grupo de beneficiários bem alinhados, que recebem financiamento flexível por dois ou três anos, com boa probabilidade de renovação. Além de os deslocarmos do campo do apoio vinculado para o do não vinculado, nós nos envolvemos mais ativamente com suas equipes de gerenciamento e em um caso até assumimos uma cadeira em seu conselho diretor.

 

  1. Influência Interna para Profissionais Alinhados

 

A Osprey tinha outros beneficiários WASH, alguns dos quais não estavam, pela minha perspectiva, seguindo boas práticas e que provavelmente não mudariam. (Com o tempo, paramos de trabalhar com eles.) Mas havia um terceiro grupo, intermediário, que exigia uma abordagem diferente e que provocou uma série de discussões com Bill, como a seguinte.

“E quanto aos nossos beneficiários de água e esgoto que não estão plenamente alinhados com nossa abordagem?”, Bill me perguntou. “Como vamos lidar com eles?”

“Boa pergunta”, respondi. “Veja o caso da CARE, que opera em vários países. Em alguns desses lugares, a CARE adota a abordagem correta: de fato, é amplamente reconhecida por buscar as melhores práticas em mudança sistêmica e ação coletiva. Em outros, porém, segue um caminho mais tradicional, talvez porque um financiador quer apenas contar o número de poços escavados, independentemente de quanto tempo vão durar. A boa notícia é que a equipe global da CARE conhece a diferença entre essas abordagens e recentemente atualizou sua estratégia, de modo que ela focalize em mudança sistêmica.”

“Então, como trabalhamos com eles?”, perguntou Bill. “Lembro que há alguns anos a CARE usou alguns de nossos recursos para produzir um relatório sobre lições aprendidas que ajudou a difundir boas práticas com base em programas de países mais fortes para os mais fracos.”

“Proponho que nos concentremos em modalidades de influência e apoio internos”, respondi. “Por exemplo, a equipe de liderança global em água da CARE quer estudar todos os programas nos diversos países à luz dos princípios de boas práticas e continuar a documentar o que dá certo e o que não funciona. Se financiarmos a equipe global para esse tipo de trabalho, influenciamos todos os seus programas nos países (que despendem coletivamente US$ 30 milhões ou US$ 40 milhões a cada ano em água e esgoto) para se alinhar melhor com meios efetivos de trabalhar. Também podemos influenciar outras áreas de programas, tais como segurança alimentar e nutrição.”

A lógica dessa abordagem se baseia na estrutura das grandes ONGs internacionais que queremos influenciar. Tais organizações descentralizaram boa parte de seu pessoal e de instâncias de tomadas de decisão para o nível de país. Essa estrutura tem muitos benefícios, dos quais o mais notável talvez seja o fato de empoderar aqueles mais próximos das pessoas que estão sendo amparadas. Mas também pode conduzir a um elevado grau de variabilidade no modo pelo qual os programas são implementados. Isso pode ser desafiador em setores como WASH, em que as abordagens mais efetivas (mudança de sistemas, ação coletiva) não são as mais instintivas (cavar poços, construir latrinas). Na condição de pequeno financiador, não temos a menor perspectiva de financiar suficientemente programas de alcance nacional. O que podemos fazer, porém, é apoiar as pequenas equipes globais WASH dessas grandes ONGs – por meio de influência interna, aconselhamento técnico e unidades de aprendizagem – se estiverem ajudando seus programas de alcance de país a adotar melhores práticas.

Embora o financiamento fornecido nessa abordagem seja direcionado para unidades específicas, o dinheiro dá flexibilidade à organização que o recebe. Essas equipes internas quase nunca contam com financiamento direto, mas dependem de alocações de um núcleo central de (ambicionados e limitados) recursos não vinculados. Portanto, ao direcionar desse modo o dinheiro, o financiador estará influenciando atividades ao nível de país e, ao mesmo tempo, sinalizando à alta administração da ONG que alguém fora da organização reconhece e valoriza o trabalho daquela unidade central. Uma tal mensagem pode ser reforçada por meio de encontros periódicos entre o financiador e a liderança da ONG, somando desse modo a voz do doador a seu dinheiro.

 

Ficamos intrigados pelo potencial para desempenhar um papel que pudesse se adequar particularmente bem à Osprey: ingressar em transações arriscadas e pioneiras que criam um exemplo catalisador que outros possam seguir.

 

Recentemente, a Osprey teve a sorte de vivenciar o melhor cenário desse financiamento técnico. Estávamos fornecendo US$ 100 mil por ano para influência interna junto à unidade de apoio técnico na WaterAid, que tem um orçamento anual de mais de US$ 100 milhões. Quando a WaterAid empreendeu uma revisão detalhada, ao longo de um ano, para delinear uma nova estratégia de longo prazo, aquela unidade interna dispunha dos recursos e da capacidade para fornecer insumos e liderança. Não posso dizer com certeza que a estratégia resultante não teria enfatizado mudança de sistemas e ação coletiva na mesma extensão se não estivéssemos financiando a unidade interna, mas Bill e eu ficamos felizes por não ter de desvendar isso por nós mesmos.

Também tivemos experiências menos afortunadas, nas quais nos envolvemos com beneficiários que afirmaram estar dispostos a fazer uma mudança estratégica, mas não conseguiram implementá-la. Esse risco é um dos inconvenientes de serem abertos quanto à estratégia: pode tornar mais fácil aos solicitadores de subsídios manipular seus interesses. Temos consciência dessa possibilidade, está claro, e por isso trabalhamos diligentemente para avaliar as intenções reais dos possíveis beneficiários. Fazemos isso por meio de discussões diretas e de conversas com outros profissionais e financiadores, para podermos desfrutar de sua experiência em lidar com determinada organização. Mas às vezes avaliamos erroneamente uma organização; nesse caso, terminamos o relacionamento depois do primeiro aporte e em seguida refletimos sobre o que aprendemos.

 

  1. Apoiando um Centro de Coordenação

 

Em setembro de 2018, estávamos considerando aumentar substancial nosso financiamento de um centro global para organizações WASH dedicado a fortalecer sistemas locais por meio da ação coletiva: a Agenda WASH para a Mudança. O centro fora lançado vários anos antes e se desenvolvera até o ponto em que, pela primeira vez, os membros pensavam em contratar funcionários em tempo integral.

“Existem duas maneiras de examinar essa oportunidade”, falei a Bill. “De uma perspectiva positiva, trata-se de um excelente modo de alcançarmos alavancagem: nosso subsídio colocaria a pequena equipe do centro em condições de melhorar a eficácia dos membros da organização em dezenas de países. Por sua vez, esses programas a nível de país influenciariam as decisões tomadas por famílias, comunidades e governos sobre como implantar serviços de água, esgoto e higiene mais seguros e sustentáveis. Então nosso subsídio de US$ 400 mil por ano poderia ajudar a moldar o modo pelo qual centenas de milhões de dólares são gastos nos níveis local e nacional.”

“E a alternativa?”, Bill perguntou.

“Alguns diriam que somos idiotas por despejar dinheiro em uma iniciativa que está muitíssimo distante dos lares e comunidades que queremos ajudar”, respondi. “Gastar nossos recursos de um modo tão indireto aumenta o risco de que algo dê errado em algum ponto entre a entidade que estamos financiando e as pessoas que queremos ajudar.”

“Vamos discutir isso mais a fundo”, concluiu Bill.

Por que vale a pena financiar um centro que não fornece serviços básicos aos pobres, mas em vez disso facilita a aprendizagem, coordena profissionais e promove por uma abordagem particular no fornecimento desses serviços? A resposta a esta pergunta apresenta três aspectos. Primeiro, a abordagem que o centro apoia – usando ação coletiva para alcançar mudança de sistemas a longo prazo – é essencial para o sucesso no setor WASH. Mudança sistêmica é a área focal primordial para a estratégia de setor da Osprey, pois tínhamos um forte alinhamento estratégico com o centro. Segundo, a experiência com esses tipos de abordagem de ação coletiva demonstrou que ter um centro é um elemento essencial para o sucesso.1 Por isso, em maio de 2015, quando soubemos que quatro importantes organizações WASH haviam proposto um conjunto de princípios para abordagens colaborativas no setor, nós nos precipitamos para ajudá-los a avançar mais. Um ano mais tarde, fornecemos financiamento inicial enquanto continuávamos a participar do comitê diretor do centro. Terceiro, bem poucos financiadores chegam a pensar no apoio a um centro, tendo em vista seu caminho indireto para ter impacto. Essa limitação mental forneceu a uma financiadora como a Osprey razões mais que suficientes para considerá-lo.

Cabe acrescentar que não tomamos levianamente a decisão de financiar o centro. Percebemos um amplo leque de desafios a superar para realizar as promessas do centro, a maior das quais era fazer organizações trabalharem juntas, organizações que, em outras circunstâncias, estariam “competindo” por financiamento das mesmas fontes. Nós nos envolvemos ativamente na governança do centro, tanto para proporcionar uma voz independente entre os profissionais quanto para aprender com a experiência deles. Apoiamos sua evolução ao longo de várias fases de crescimento, o que incluiu em determinado ponto o comissionamento de uma avaliação exterior do funcionamento interno do centro e das relações com seus membros. Outras fundações juntaram-se a nós no financiamento do trabalho do centro. A maioria delas, porém, prefere financiar atividades a nível de país, de modo que permanecemos como o principal apoiador dos três integrantes da equipe de coordenação internacional.

Decorridos sete anos do início de nosso relacionamento com o centro, ele está realizando seu potencial, após uma reestruturação concluída em 2021. O esforço resultou em uma estratégia atualizada com o foco no apoio a colaborações a nível de país, uma nova estrutura de governança conduzida pelas colaborações de cada país e novas lideranças, baseadas primordialmente na África. Nosso comprometimento e nossa paciência parecem estar dando frutos e estamos alcançando a alavancagem que esperávamos que esse investimento viesse a gerar.

 

  1. Bens Comuns para Inovadores Sociais

 

Em nossos esforços para chegar às pessoas necessitadas para oferecer serviços básicos sustentáveis dentro de suas possibilidades financeiras, nós da Osprey não nos limitamos a apoiar ONGs que trabalham para fortalecer sistemas. Também investimos em empresas sociais que concebem e testam novos meios de fornecer esses serviços. Tais investimentos de impacto são parte de nossa área de programa de financiamento de modelos inovadores. Esse setor de nosso portfólio conduziu a muitas discussões com Bill, uma das quais não seguiu nosso padrão habitual de mergulhar nos aspectos particulares de um empreendimento individual.

“Bill, tive uma ideia de como tornar a parte mais emocionante de nosso trabalho mais tediosa, mas talvez mais efetiva.”

“Qual é ela?”, ele perguntou.

“Nosso portfólio de inovação é constituído em larga medida por empreendimentos sociais em seus estágios iniciais”, expliquei. “Escolhemos cada um desses investimentos de impacto por seu potencial de demonstrar novos e melhores meios de encaminhar serviços básicos aos pobres. Outros investidores de impacto que conhecemos têm portfólios similares que financiam empresas sociais, com frequência nos mesmos campos em que estamos investindo.”

“Mas e se essa fascinação com empreendimentos individuais nos fizer perder uma oportunidade de identificar e estudar desafios comuns aos empreendedores sociais em determinado campo?”, perguntei. “Será que um tal estudo poderia ajudar a acelerar o progresso de múltiplas empresas no desenvolvimento de modelos de negócio viáveis?”

“Por que não verificar o que outros investidores de impacto pensam dessa ideia?”, argumentou Bill.

A Osprey escolheu focalizar seus esforços de desenvolvimento internacional em duas áreas principais de programas: WASH e uma culinária mais limpa. A decisão de se concentrar em apenas dois setores faz sentido, dados nosso número de funcionários e nossa capacidade de financiamento comparativamente limitados, assim como nossa crença de que, se estivermos suficientemente bem informados acerca desses setores, poderemos traçar e executar estratégias que farão diferença na vida das pessoas. Também nos sentimos confortáveis ao fazer tanto doações quanto investimentos de impacto.

Na prática, nossas escolhas de investimentos de impacto têm sido focalizadas de forma ainda mais estreita. Selecionamos alguns subsetores em cada área de programa – por exemplo, empresas de água potável e de esgoto baseado em contêineres – que acreditamos ter alto potencial para beneficiar os pobres com abordagens melhores, mais sustentáveis e mais ampliáveis. Mais ainda: dentro desses subsetores procuramos líderes do mercado – aqueles empreendimentos com a capacidade de demonstrar e ampliar novos modelos de negócio e de rastrear e compartilhar seu aprendizado ao longo do caminho.

 

Ainda assim, apoiar empresas individuais tem suas limitações, independentemente do quão bem escolhidas sejam. Aprendi essa lição há uma década, quando contribuí para um estudo sobre como aumentar o impacto de soluções inovadoras baseadas no mercado para servir os pobres. Tendo em mente esse aprendizado, em 2016 pensei que poderia valer a pena apoiar um estudo em profundidade em um dos subsetores em que a Osprey tinha investimentos de impacto: empresas de água potável (SWE, na sigla em inglês). São empreendimentos que usam lojinhas, pequenos sistemas com tubos ou outras abordagens descentralizadas para levar, a baixo custo, água potável, tratada com segurança, a cidades e vilarejos que não disponham desse serviço.

Aconteceu de outro financiador de SWE já estar pensando da mesma maneira, e no fim cinco de nós – três fundações privadas, uma afiliada corporativa e um financiador apoiado pelo governo – decidimos financiar conjuntamente uma análise de SWEs. Diga-se que as próprias SWEs estavam de início bem menos entusiasmadas com o estudo do que os financiadores, talvez porque as companhias acreditassem que já compreendiam plenamente seu negócio ou porque temessem perder conhecimentos e práticas exclusivas de cada uma. Com algum incentivo dos financiadores e garantias do consultor, a Dalberg Global Development Advisors, 14 SWEs concordaram em participar do estudo em uma base de anonimato. Cada SWE participante recebeu um relatório customizado para seu uso exclusivo, e o estudo mais amplo (com dados anônimos) foi partilhado publicamente em 2017.

Da perspectiva da Osprey, as revelações desse relatório sobre os desafios fundamentais diante das SWEs – tais como o envolvimento dos clientes e como operar com eficiência – valeram bem nossa cota nos custos de consultoria. O estudo deu às SWEs uma compreensão mais profunda de seus modelos de negócio e dos ambientes de operação. Suas lições também orientaram o relacionamento da Osprey com SWEs individuais e nossa estratégia mais ampla para o envolvimento com o subsetor. Mais ainda: quatro anos após o estudo original, a Dalberg conduziu um segundo estudo, dessa vez para avaliar o impacto da mudança climática sobre as SWEs, com o apoio de quatro dos cinco financiadores originais, entre eles a Osprey, e de um novo financiador. As descobertas desse estudo ajudaram as SWEs a se planejar diante das implicações a longo prazo da mudança climática.

O relatório de 2017 também encorajou as SWEs a conversar entre si sobre desafios comuns. Essas discussões contribuíram para o estabelecimento, no fim de 2018, da Comunidade de Práticas (COP, na sigla em inglês) SWE, uma coalizão de nove SWEs que acreditam que os benefícios do trabalho conjunto em várias prioridades partilhadas mais que compensam os custos de participação. Pequenas companhias não raro veem os custos de tal colaboração como muito altos, devido a sua capacidade bastante limitada para empreender atividades além de seu negócio imediato. Os próprios membros da COP definem suas prioridades, que no momento incluem aumentar seu conhecimento sobre seu impacto social e o de seus consumidores, desenvolver uma estrutura financeira comum e exercer influência em prol das SWEs.

A Osprey forneceu financiamento para as atividades da COP porque espera que o valor de uma compreensão mais profunda nessas áreas exceda em muito os custos da COP. Trata-se de um esforço relativamente novo – e um esforço que sofreu notavelmente durante a pandemia, na medida em que as SWEs se recolheram e focalizaram em sua própria sobrevivência –, mas acreditamos que vá gerar uma aprendizagem importante que muitas SWEs poderão aplicar para melhorar seu impacto, sustentabilidade e escala de operações.

 

  1. Investimentos de Impacto de Alto Risco

 

Em novembro de 2019, Bill e eu comparecemos a uma conferência em Nairóbi, no Quênia, organizada pela Clean Cooking Alliance, a associação global da indústria dedicada a fazer do simples ato de cozinhar uma refeição algo mais saudável, mais econômico e melhor para o planeta. Durante uma pausa entre sessões, Bill me falou sobre um contato que havia feito.

“Nossos amigos da BURN Manufacturing gostariam de nos encontrar amanhã cedo”, informou. “Eles querem ver se poderíamos fazer um empréstimo para expandir a venda de seus fogões a carvão na República Democrática do Congo. O melhor é que o empréstimo seria pago pelas receitas da venda de créditos de carbono na Coreia do Sul.”

“Parece interessante”, respondi. “E recebi um pedido para uma reunião com um grupo holandês, o Cardano Development, que me contatou pela primeira vez um ano atrás. Eles querem apresentar a ideia de uma transação envolvendo pagamentos por resultados ligados a benefícios de saúde e (ou considerando) o gênero. É algo análogo a pagar por créditos de carbono, exceto que neste caso alguém pagaria por impactos quantificáveis em benefícios para a saúde das mulheres. Esses benefícios viriam do uso de fogões sustentáveis aqui no Quênia e em outros países da África Oriental.”

“Vamos descobrir mais sobre isso também”, falou Bill.

Bill e eu concordamos em participar de ambos os encontros porque ficamos intrigados pelo potencial para desempenhar um papel que pudesse se adequar particularmente bem à Osprey: ingressar em transações arriscadas e pioneiras que criam um exemplo catalisador para outros seguirem em uma escala mais ampla. Tais transações de demonstração necessitam se alinhar bem com uma de nossas áreas de programa e gerar nítidos benefícios sociais e/ou ambientais – critérios que essas duas oportunidades preenchiam. Não queremos perseguir negócios de um tiro só, que parecem atraentes, mas na prática têm poucas chances de replicação em escala ampliada. Em ambos os casos, sabíamos que outros financiadores com bolsos muito mais fundos que os da Osprey – entre eles investidores de maior impacto e agências oficiais de desenvolvimento – estavam interessados nesse tipo de transação. No entanto, esses protagonistas não têm o apetite para risco, a flexibilidade ou a paciência para desenvolver novas estruturas de financiamento. É aí que atores de menor porte como a Osprey entram em cena. Ainda assim, mesmo para a Osprey, desempenhar o papel de pioneiro pode exigir muito de nossa paciência e de nossos bolsos, como aprendemos após os dois encontros iniciais em Nairóbi.

O segundo encontro levou a uma transação que oferece um dos poucos exemplos de pagamentos baseados em resultados para benefícios para saúde considerando o gênero das pessoas. O uso de fogões sustentáveis gera múltiplos benefícios em comparação a fogões básicos ou a fogueiras com três pedras: menos infecções respiratórias devido à reduzida poluição do ar no interior das casas; economia de tempo para as mulheres, porque os fogões consomem menos lenha, cozinham mais rápido e conservam limpas as panelas; desmatamento reduzido; e mais baixas emissões dos gases de efeito estufa. No entanto, ainda que esses benefícios sejam potencialmente cumulativos quando fogões aperfeiçoados são usados, eles raramente são medidos ou avaliados – o que significa que provavelmente ninguém vai pagar por eles. Até o momento, a exceção têm sido os créditos de carbono, para os quais existe um crescente mercado corporativo e varejista. O conceito de pagar por benefícios para a saúde e considerando o gênero é atraente tanto socialmente (são dois dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas) quanto economicamente (são externalidades positivas que merecem apoio público). Mas, na prática, imaginar como avaliar, quantificar, medir e verificar esses impactos tem sido uma proposta desafiadora, de modo que o conceito ainda precisa se tornar uma realidade.

Achamos muito atraente a combinação de um grande potencial para benefício social e um arriscado primeiro passo para mostrar como poderia ser realizado na prática. Mais ainda: estávamos sendo instados a desempenhar um papel crítico na transação proposta, que seria estruturada da seguinte maneira: 1) Uma companhia de fogões sustentáveis obteria um empréstimo cujo montante permitiria reduzir o preço de seus fogões no varejo e expandir as vendas para clientes mais pobres; 2) À medida que os fogões fossem usados ao longo de vários anos, gerariam benefícios para a saúde feminina (neste caso, doenças evitadas e horas poupadas do tempo das mulheres); 3) Se esses benefícios fossem verificados de maneira independente, um financiador de resultados compraria os benefícios a um preço predeterminado; 4) Esses pagamentos seriam usados para cobrir o empréstimo inicial e os custos da transação, e eventuais sobras iriam para a companhia de fogões.

No âmbito dessa estrutura, era solicitado que a Osprey fosse o financiador de resultados, até porque o gerenciador da transação, o Cardano, já havia abordado mais de cem outros financiadores potenciais. Geralmente os financiadores de resultados são usualmente agências oficiais de desenvolvimento como a Usaid, que gostam desse papel porque desembolsam os recursos dos contribuintes apenas quando os objetivos do desenvolvimento são alcançados. Ainda que algumas agências oficiais de desenvolvimento demonstrassem interesse pelo conceito, os riscos de uma estrutura não testada eram demasiado grandes para elas encararem – mas não para nós.

Por mais clara que essa estrutura parecesse em princípio, transações pioneiras sempre apresentam desafios não antecipados. Qual a métrica correta para benefícios associados a gênero? De que modo precificar esses benefícios? Como implementar estudos de campo destinados a medi-los? Como funciona o processo de verificação de impacto e quem vai supervisioná-lo? O Cardano arcou com a maior parte dos encargos financeiros para lidar com esses e outros desafios. Mas quando o custo das atividades preliminares excedeu o nível esperado (a maior parte generosamente financiada pela Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês) do Banco Mundial), fornecemos uma doação suplementar para reduzir o peso dos custos sobre o Cardano. A transação foi finalmente executada em setembro de 2022, depois que se determinou que os benefícios potenciais em saúde e segurança eram substanciais. As partes na transação planejam compartilhar amplamente o modelo para promover a replicação em uma escala muito maior, e com tempos de desenvolvimento de projeto e custos de transação muito menores, agora que começamos a pavimentar o caminho.

O primeiro encontro na conferência em Nairóbi também resultou em uma transação útil, um empréstimo da Osprey para a BURN Manufacturing em apoio a maiores vendas de fogões para pessoas mais pobres na República Democrática do Congo. Esse empréstimo seria pago exclusivamente com os recursos das vendas de créditos de carbono gerados pelo uso desses fogões. No entanto, o aspecto inicialmente mais interessante do empréstimo – a possibilidade de vender créditos de carbono no mercado sul-coreano, que paga um preço muito maior que outros mercados – não se materializou. Como resultado, terminamos com uma estrutura de transação similar à utilizada por fornecedores de empréstimos especializados no mercado de carbono. Por termos uma experiência limitada nessa área, mobilizamos um consultor financeiro especializado nos mercados de carbono e um consultor jurídico com ampla experiência internacional. Esses especialistas orientaram as posições da Osprey e protegeram nossos interesses, assegurando ao mesmo tempo que a estrutura e a documentação da transação alcançassem os mais altos padrões, o que torna mais fácil para outros investidores não especializados de impacto seguirem nossa trilha no futuro. Também escrevemos uma nota técnica detalhando a fundamentação, a estrutura e os termos da transação, novamente com o objetivo de encorajar outros investidores de impacto a buscar oportunidades similares em escala maior.

 

  1. Envolvimento Proativo com Outros Financiadores

 

Era março de 2019, e Bill e eu estávamos saindo de uma reunião na cidade de Haia com cerca de uma dezena de outros financiadores WASH.

A Osprey havia ajudado a organizar o encontro, juntamente com cinco financiadores com quem vínhamos colaborando um tanto informalmente nos últimos quatro anos. Outros financiadores WASH haviam ouvido falar de nosso grupinho e, assim, um dia antes da importante conferência, convidamos alguns deles para se encontrar conosco.

“Bill, você se lembra daquela ideia que teve no início de 2015 sobre envolver outros financiadores no setor WASH?”, perguntei. “Você queria ver se eles estariam interessados em cofinanciar uma consultoria de especialistas sobre como ter um impacto mais profundo no setor.”

“Aquela ideia que gerou um pequeno estudo sobre como poderia funcionar na prática?”, perguntou Bill.

“Sim, aquela mesma”, respondi. “Demos um tempo no projeto quando ficou evidente, em entrevistas com outros financiadores, que eles não estavam inclinados a colaborar seguindo esse caminho.”

“Por que você está perguntando?”

“Bem, eu estava pensando hoje nesse estudo porque acredito que estamos começando a concretizar sua visão”, respondi. “Sei que demorou um bocado e que não vamos conseguir cofinanciamento em consultoria estratégica, mas acho que estamos encontrando meios efetivos de aprender com nossos pares influenciando no modo como trabalham.”

Uma das coisas legais sobre ser um pequeno financiador de grandes ambições é que você pensa quase o tempo todo sobre alavancagem. A Osprey emprega vários tipos diferentes de alavancagem: financeira (catalisar outras fontes de financiamento para aumentar o dinheiro que flui para uma atividade escolhida como alvo), demonstrativa (estabelecer um exemplo replicável para outros seguirem em maior escala), relacional (aprender com organizações que pensam de forma semelhante e ao mesmo tempo influenciar como trabalham) e conceitual (gerar novos meios de pensar sobre o que constitui sucesso, bem como sobre os caminhos para chegar lá). Eu havia usado todas essas abordagens em graus variados em cargos anteriores, mas tinha bem menos experiência em buscá-las sozinho ou com apenas alguns colegas. Vim para a Osprey depois de passar por grandes instituições nas quais eu podia me apoiar em equipes internas, formadas tanto dentro de minha própria unidade quanto em outros departamentos. E, antes que eu ingressasse na Osprey, Bill vinha fazendo a maior parte da concessão de doações sozinho, com algum auxílio de sua familia e de uma firma de consultoria filantrópica. (Vários anos após meu ingresso, decidimos contratar um programador em meio período, Lauren Maher Patrick, para trabalhar comigo e administrar parte de nosso portfólio WASH.) Terminei por compreender que trabalhar em um empreendimento pequeno tem vantagens (flexibilidade, agilidade na tomada de decisões, rápidas correções de curso), mas também limitações (o tempo dos funcionários é geralmente nosso grande fator restritivo). Em resposta, comecei a reunir um grupo de colegas de outras pequenas fundações, que ajudou a ampliar nosso impacto, afiar nosso pensamento e se constituiu em uma fonte inesperada de camaradagem e amizade.

 

Vim a pensar em meus cofinanciadores como colegas em quem eu podia confiar; como se pertencêssemos à mesma organização. Também aprendi com parceiros questionadores, que faziam perguntas difíceis.

 

 

Eu gostaria de receber o crédito por organizar o primeiro encontro de financiadores WASH em novembro de 2015 em Londres, mas não seria justo. Essa honra vai para The Stone Family Foundation, do Reino Unido, e de fato, o encontro foi concebido para financiadores britânicos, até que pedi para ingressar e sugeri que convidássemos outro grupo dos Estados Unidos, a Conrad N. Hilton Foundation. A partir desse encontro inicial, nós seis (quatro fundações do Reino Unido – The Stone Family Foundation, Vitol Foundation, The Waterloo Foundation e The One Foundation – e as duas fundações dos Estados Unidos) nos encontramos periodicamente ao longo dos três anos e meio seguintes para compartilhar nossas estratégias, trocar figurinhas sobre atuais ou potenciais beneficiários/empresas que receberam ou receberiam investimentos e aprender com as experiências uns dos outros. Era um grupo informal, e nos reuníamos em conferências do setor ou quando outra viagem coincidisse.

A iniciativa mais formal que fizemos foi contribuir para uma planilha, que a The Stone Family Foundation gentilmente administrou, com os atuais portfólios WASH e os projetos planejados de doações e investimentos de impacto para todas as seis fundações. Isso nos auxiliou a ter uma visão mais clara de quais organizações estávamos cofinanciando e como nossas estratégias estavam sendo postas em prática. Também utilizamos esse fórum para providenciar cofinanciamento de estudos (tais como o relatório SWE descrito acima) e, ocasionalmente, para pedir favores (por exemplo, quando a Vitol compartilhou um relatório de campo sobre um potencial beneficiário em uma parte remota de Gana, que a Osprey decidiu então financiar). Nesses casos, vim a pensar em meus cofinanciadores como colegas nos quais eu podia confiar, como se pertencêssemos à mesma organização. Também aprendi com parceiros reflexivos, estrategicamente orientados, que faziam perguntas difíceis e ofereciam perspectivas perspicazes, algumas das quais se alinhavam com as nossas, outras não.

Dado esse sucesso inicial, convidamos vários outros financiadores WASH para nos encontrar em Haia para uma avaliação do interesse em expandir nosso grupo. Esse encontro correu bem, então levamos o conceito adiante. O envolvimento resultou no lançamento de um grupo ampliado e um tanto formalizado de financiadores WASH em junho de 2020, que incluía 18 membros – os seis membros originais e 12 novos integrantes. Desde essa data, sob a orientação de um coordenador em tempo parcial baseado em Londres, realizamos muitos encontros virtuais sobre tópicos que vão desde o que a mudança de sistemas significa no setor WASH até administração de higiene menstrual e mudança climática. O coordenador também supervisionou o desenvolvimento de uma base de dados online com informações sobre todas as nossas doações e investimentos existentes ou potenciais, com análises sobre cofinanciamentos e alinhamentos estratégicos. A partir de junho de 2022, o grupo cresceu para 26 membros, que na maioria participam ativamente dos encontros para compartilhar estratégias e sessões de aprendizagem. Com base nesses encontros, um financiador chegou a convencer seu conselho diretor a fazer um deslocamento estratégico no sentido de financiar mudança de sistemas. Esse é apenas um dos sinais que indicam que estamos expandindo nossa influência junto a outros financiadores WASH e aprendendo com eles.

 

  1. Mudando o Debate

 

A viagem que Bill e eu, juntamente com Lauren, fizemos a Haia em março de 2019 foi muito produtiva. Depois de nos encontrarmos com os financiadores WASH, comparecemos aos três dias do simpósio All Systems Go. Essa conferência concentrou-se na mudança de sistemas no setor WASH e foi organizada pela IRC WASH (IRC), uma das beneficiárias da mudança de sistemas da Osprey e membro fundador do centro WASH Agenda for Change.

Enquanto voltávamos para o hotel após o encerramento da sessão, perguntei a Bill: “O que achou da conferência?”.

“Eles fizeram um ótimo trabalho”, ele respondeu. “Tanto os temas e tópicos da sessão quanto os oradores refletiram muito pensamento e muita preparação. Minha única queixa foi de que muitas vezes eu queria comparecer a mais de uma sessão ao mesmo tempo.”

“Concordo”, observei. “Mas esse é um bom problema de se ter. Muitas das sessões a que assisti fizeram o campo avançar, e esse é o maior elogio que posso fazer a uma conferência. Penso que boa parte desse sucesso foi devido a como a IRC a organizou: eles trabalharam com 12 outras ONGs WASH como copatrocinadoras para escolher os temas da conferência e preparar as sessões.”

“Bem, essa abordagem claramente deu resultados”, reconheceu Bill.

A conversa me fez lembrar de outro diálogo que tive 30 anos atrás, quando um de meus mentores, Shinji Asanuma, deixou uma posição sênior em um banco de investimentos em Tóquio para voltar ao Banco Mundial. Shinji havia iniciado sua carreira ali várias décadas antes e estava retornando como administrador sênior. Perguntei a Shinji o que ele planejava fazer em seu novo cargo.

“Louis, algumas pessoas administram projetos”, ele explicou. “Outras administram pessoas. Quero administrar ideias.” Foi essa a minha introdução à alavancagem conceitual, o uso de novos ou aperfeiçoados meios de pensar sobre um importante desafio para alterar fundamentalmente o modo como este é abordado.

Muitos anos depois, tive a oportunidade de ver essa abordagem testada em escala. Uma colega minha na Gates Foundation, Rachel Cardone, desenvolveu duas grandes doações com a IRC (diga-se que integrei mais tarde o conselho diretor da IRC, bem depois de ter saído da Gates Foundation). Uma das doações demonstrava o conceito de entrega de serviço sustentável: em vez de procurar simplesmente abrir mais poços ou construir mais latrinas, esse aporte definia o sucesso como garantir que famílias e comunidades tivessem serviços WASH sustentáveis. Essa não foi a única iniciativa a focalizar na nova definição de sucesso para o setor WASH, mas revelou-se altamente influente devido à estratégia da IRC de incentivar outros participantes – de governos a doadores internacionais e agências das Nações Unidas – a adotar a abordagem.

O segundo subsídio do IRC desenvolveu e testou o conceito de custos com tudo incluído, pelo ciclo de vida, dos serviços WASH, o que envolve levar em conta: custos do capital inicial; custos da operação em andamento; custos periódicos de aumento de capital; e custos para regular o setor. Esse método contrastava em muito com a abordagem convencional de considerar apenas os custos de construção do capital. Também nesse caso, a IRC promoveu o novo meio de pensar por todo o setor.

Ambas as iniciativas ajudaram a modificar o debate no setor WASH ao redefinir o que significa o sucesso (serviços sustentáveis) e o que é necessário para atingi-lo (custos abrangentes). Sem dúvida, é mais fácil apoiar esse tipo de esforço com os recursos e o nome mundialmente reconhecido da Gates Foundation. No entanto, financiadores menores também encontram oportunidades de aplicar a alavancagem conceitual para modificar o pensamento e as práticas do setor como um todo. Por exemplo, a Osprey batalhou incansavelmente pela mudança de sistemas como o meio para alcançar serviços WASH sustentáveis. Temos sido também um ávido financiador e um impulsionador verbal da iniciativa Uptime, que, a nosso ver, está mudando fundamentalmente o debate sobre serviços de água no meio rural. A Uptime desenvolveu e implementou uma abordagem baseada em resultados pela qual os fornecedores de serviços de água no campo recebem pagamento suplementar apenas se alcançarem determinados critérios de desempenho previamente estabelecidos, tais como ter água disponível ao menos 29 dias por mês. Apoiar tais inovações pode alcançar impactos de grande alcance, que melhoram o modo pelo qual serviços básicos são entregues e financiados.

 

Maximizando Efeitos Catalisadores

 

A Osprey percorreu uma longa distância desde que Bill e eu tivemos aquele primeiro encontro em um café da manhã há mais de nove anos. Os princípios e valores orientadores que motivaram a decisão da família de Clarke de criar a fundação não tinham mudado, mas as estratégias e as abordagens que usamos para materializar aquela visão se deslocaram para maximizar o efeito catalisador de nosso financiamento e de nossas pessoas.

Esperamos seguir utilizando as técnicas aqui descritas, descobrir outras novas e continuar a aprender com os nossos beneficiários de financiamentos e outros financiadores e parceiros. Quanto melhor fizermos isso, maior será a eficácia que alcançaremos no desafio de fornecer serviços básicos para aqueles que mais necessitam deles.

 

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O AUTOR

Louis C. Boorstin é diretor administrativo da Osprey Foundation; trabalhou antes para a Bill & Melinda Gates Foundation e para a Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial.



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