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5 práticas que a filantropia deveria evitar

Entrevistas com doadores millennials do universo das startups do Vale do Silício e conversas com estudantes de MBA mostram um padrão de excessiva dependência de certos princípios do mundo que opera visando ao lucro no terreno das organizações sem fins lucrativos, apesar de falhas em potencial.

Por Judy Park & Kavya Shankar

Quando entrevistamos uma jovem executiva do setor de tecnologia em São Francisco sobre como ela escolhera as organizações sem fins lucrativos para que recebessem parte de sua riqueza recém-adquirida, sua resposta foi que queria maximizar o retorno sobre o investimento. A expressão “retorno sobre o investimento” (ROI, em inglês) nos fez refletir. Embora muito familiar para nós como graduados do MBA da Stanford University, o termo era normalmente empregado no contexto de nossas aulas de finanças e investimentos, não de filantropia. No entanto, ouvimos a expressão diversas vezes de doadores millennials ricos no Vale do Silício – tipicamente líderes de startups bem-sucedidas – que entrevistamos para nossa pesquisa sobre por que, como e para quem fazem suas doações.

Talvez não seja surpreendente que alguém use um referencial com que tenha familiaridade para dar sentido a uma situação desconhecida, mas ficamos surpresos em ver quão comum é para jovens doadores no Vale do Silício aplicar os mesmos princípios empresariais quando olham para suas startups ou para suas iniciativas filantrópicas.

Os princípios que norteiam empresas com fins lucrativos têm beneficiado a filantropia de muitas maneiras. Entretanto, nossas entrevistas nos fizeram pensar se alguns jovens doadores não teriam ido longe demais na aplicação de determinados princípios do mundo das startups para fazer o bem. Aqui vão cinco dessas práticas que estamos colocando em questão:

  1. Adoção de uma Abordagem de Portfólio que Enfatiza Amplitude Mais que Profundidade

No mundo dos negócios, somos ensinados a construir uma carteira de investimentos que diversifique o risco entre setores e empresas. Gestores de private equity focam 10 ou mais investimentos por fundo, ao passo que os de venture capital incluem ainda mais investimentos.

Ao conversar com nossos colegas e com entrevistados, vimos que eles tendem a olhar para a atividade filantrópica empregando uma abordagem semelhante àquela de uma carteira de investimentos. Para Paul Brest e Mark Wolfson, a abordagem típica concentrada em carteira de investimentos é inadequada para a filantropia e tende a induzir erroneamente os filantropos a fazerem doações seguras. Doadores individuais focados em um número pequeno de causas, assim como organizações, também correm o risco de doarem muito pouco a cada uma. Uma razão é a enorme quantidade de pesquisa necessária para uma abordagem do tipo carteira de investimentos – um doador que entrevistamos às vezes gastava de 20 a 30 horas por semana em sua atividade filantrópica enquanto mantinha seu emprego em tempo integral. Outra dificuldade envolve a profundidade do engajamento que a filantropia eficaz exige. Como mencionado no livro Giving 2.0, de Laura Arrillaga-Andreessen, um valor significativo da filantropia está no envolvimento não monetário: ser membro de uma diretoria, dar conselhos, fazer apresentações de pessoas, ajudar na captação de fundos e com tempo de voluntariado. Isso é quase impossível ao se lidar com uma carteira de dezenas de organizações sem fins lucrativos. Aprofundar, em vez de ampliar, pode ser uma abordagem mais realista e eficaz para doadores individuais.

  1. Avaliação de Organizações Sem Fins Lucrativos Como se Fossem Investimentos Visando a Lucros

Fomos ensinados a avaliar os investimentos com fins lucrativos de forma exaustiva, compreendendo todas as oportunidades “positivas” e os riscos “negativos”. O cumprimento de uma due diligence em geral leva meses, envolvendo muitas reuniões, pedidos de dados e checagem de referências em currículos. É perfeitamente normal e aceito que investidores rejeitem uma oportunidade ao fim de um longo processo de checagem.

Nossos colegas de classe e os doadores com quem conversamos no Vale do Silício, mesmo aqueles que não trabalham diretamente com investimentos, sentem-se obrigados a submeter as organizações sem fins lucrativos ao mesmo tipo de análise rigorosa. Eles acham apropriado entender todos os aspectos da organização, reunir-se com toda a equipe e enviar diversos pedidos de dados. Isso pode criar um ônus considerável para as organizações sem fins lucrativos, cujo pessoal e recursos muitas vezes estão sobrecarregados. É também um fardo para aqueles que fazem a avaliação – muitos de nossos entrevistados disseram que o tempo gasto com a necessária análise os impede de se envolverem com as organizações sem fins lucrativos.

Existem outras maneiras de avaliar uma possível doação filantrópica sem sobrecarregar organizações que disponham de recursos limitados. Muitos dados sobre entidades sem fins lucrativos estão disponíveis publicamente em sites de organizações ou de avaliadores como o GuideStar, por exemplo. Recursos como o Stanford PACS’ Guide to Effective Philanthropy, o guia de avaliação de entidades sem fins lucrativos da Laura Arrillaga-Andreessen Foundation, ou a ferramenta da Hewlett Foundation para avaliação de entidades beneficentes podem auxiliar a determinar as prioridades de uma avaliação, ajudando a garantir que ela se concentre em pedir às organizações sem fins lucrativos as informações mais importantes e não disponíveis em outras fontes.

  1. Dar Preferência a Organizações que Produzam Resultados em Curto Prazo 

Fizemos o famoso curso Stanford GSB Startup Garage, onde aprendemos que as melhores empresas colocam um “produto minimamente viável” no mercado o mais rápido possível, obtêm feedback de clientes e divulgam melhorias frequentes em seus produtos e/ou serviços. Por causa disso, vários de nossos colegas de classe optaram por criar empresas capazes de mostrar sinais de fracasso ou sucesso muito rapidamente, permitindo-lhes fornecer métricas que são de interesse para investidores potenciais.

Aplicar esse pensamento à filantropia pode influenciar benfeitores a doar para organizações que apresentam impacto imediato. Embora não seja exclusivo do mundo dos negócios, esse instinto pode ser fomentado ainda mais pela mentalidade de startup. Uma organização que constrói abrigos para pessoas sem-teto, por exemplo, talvez pareça mais atraente que entidades defensoras de soluções de longo prazo que abordem as causas estruturais da existência de pessoas sem moradia. Essa mesma visão também pode levar as pessoas a doarem para organizações que têm um “cliente” claro capaz de prover feedback, o que prioriza organizações sem fins lucrativos que ajudam indivíduos específicos em detrimento daquelas que trabalham com grupos complexos ou que financiam pesquisas. Finalmente, isso pode pressionar as organizações sem fins lucrativos a agir rapidamente para “colocar um produto no mercado” ainda que essa atitude possa ter consequências negativas para populações vulneráveis.

Nossos doadores entrevistados tendiam a se preocupar com problemas de longo prazo e mais sistêmicos (mudança climática e justiça social, por exemplo), mas apoiavam as organizações sem fins lucrativos que se inclinavam a oferecer um serviço mais direto e imediato, como a preservação da vida selvagem ou bancos de alimentos. Superar essa incoerência é importante para garantir que a filantropia considere soluções de longo prazo juntamente com soluções de curto prazo.

  1. Buscar Mensuração Clara ou Retorno do Investimento

No Stanford GSB, aprendemos sobre Milton Friedman e sua filosofia de que as empresas devem priorizar a otimização para um objetivo único e abrangente: o valor para o acionista. Para acompanhar seu progresso, as empresas e os investidores atribuem um alto valor à avaliação do desempenho dos funcionários e da companhia.

Jovens doadores envolvidos em atividades que visam ao lucro compreendem o valor da mensuração no setor social, mas eles tendem a esperar que as métricas filantrópicas sejam tão claras e simples quanto as do investimento com fins lucrativos, como o ROI.

Embora o ROI possa ser benéfico quando organizações similares são comparadas, uma abordagem de mensuração de “tamanho único” para todo o setor social é prejudicial. Os que criticam um altruísmo eficaz obcecado pela mensuração também notaram que essa abordagem distancia a atenção de questões importantes difíceis de mensurar, de organizações locais e menores e de novas pesquisas e inovações. Descobrimos que muitos de nossos doadores entrevistados que buscam uma mensuração clara tendem a favorecer organizações estabelecidas, grandes, em detrimento das mais novas e inovadoras.

  1. Liderar Falando Mais que Ouvindo

O mundo dos negócios costuma recompensar as pessoas que falam rapidamente e soam confiantes. No Stanford GSB, nossa participação frequentemente responde por mais de 50% de nossas notas. Muitas aulas são dadas por meio do estudo de casos, no qual a primeira pessoa a falar define a agenda da discussão. Somos orientados a falar com confiança e não empregar frases que possam sugerir falta de certeza, como “eu acho” ou “eu acredito”. A tendência de falar antes de ouvir tem sido um motivo de crítica comum aos executivos de empresas que têm assento em conselhos de administração de organizações sem fins lucrativos.

Dada sua dependência econômica dos doadores, as organizações sem fins lucrativos podem sentir-se compelidas a ouvir educadamente o que seus benfeitores têm a dizer, não importa qual seja a apreciação que tais pessoas de fora possam ou não ter pela cultura de trabalho, pelas operações e pela profunda experiência em uma questão social complexa. Doadores que escutam de maneira atenta e paciente em vez de falar primeiro tendem a construir melhores relacionamentos e soluções.

 

Reunindo Dois Mundos

 

Há muitas diferenças entre as estruturas organizacionais, as práticas e os objetivos dos setores social e privado. Observar as nuances de cada setor pode fortalecer ambos. Da mesma forma que as organizações sem fins lucrativos ganharam com a adoção do pensamento empresarial, o setor privado pode se beneficiar de alguns princípios do setor social: clareza em torno da missão e teoria da mudança, investimentos para ganhos de longo prazo, consideração de todos os interessados, métricas personalizadas e humildade de ouvir antes de falar. Numa época de crescente desigualdade e geração de riqueza no mundo empresarial, nossa esperança é que os novos doadores entrem no universo da filantropia com uma perspectiva aberta sobre como conduzir mudanças por meio desse setor, em vez de assumir que a abordagem das organizações com fins lucrativos é sempre a política correta.

 

AS AUTORAS

 

Judy Park é diretora da Owl Ventures, líder em investimentos em tecnologia educacional. É aluna da Stanford Graduate School of Business, onde realizou pesquisas com o Stanford Center on Philanthropy and Civil Society

Kavya Shankar é cofundadora e chief operating officer da Trust Neighborhoods, um empreendimento social que está trabalhando com comunidades para criar uma nova classe de bairros de renda mista. É aluna da Stanford Graduate School of Business, onde realizou pesquisas com o  Stanford Center on Philanthropy and Civil Society.

Este artigo foi publicado em agosto de 2020 no site da Stanford Social Innovation Review



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