O desafio de romper o círculo
Os financiadores devem tomar a iniciativa de interromper um círculo vicioso pelo qual as organizações sem fins lucrativos se tornam tão ávidas por infraestrutura decente que mal podem funcionar como organizações – muito menos servir a seus beneficiários.
Por Ann Goggins Gregory e Don Howard
Organizações que constroem uma infraestrutura robusta – o que inclui sistemas de tecnologia de informação, sistemas financeiros, treinamento de habilidades, processos de arrecadação de fundos e outras despesas gerais essenciais – são mais propensas a ter sucesso que aquelas que não o fazem. Isso não é novidade, e as organizações sem fins lucrativos não são exceção à regra.
Tampouco é novidade que a maioria das organizações sem fins lucrativos tem gastos insuficientes com despesas gerais e administrativas. Em nosso trabalho de consultoria para o Grupo Bridgespan, frequentemente observamos que nossos clientes concordam com a ideia de melhorar a infraestrutura e aumentar sua capacidade de gestão, ainda que relutem em realmente fazer essas mudanças por não quererem aumentar seus gastos gerais.
Mas o subfinanciamento dessas despesas pode ter efeitos desastrosos, conforme evidencia o Estudo sobre os Custos Indiretos das Organizações sem Fins Lucrativos, um projeto de pesquisa de cinco anos realizado pelo Centro Nacional de Estatísticas de Organizações Beneficentes do Instituto Urban e pelo Centro de Filantropia da Indiana University. Os pesquisadores examinaram mais de 220 mil formulários de informação à Receita Federal americana (IRS 990s) apresentados por organizações isentas de imposto de renda e conduziram 1.500 pesquisas em profundidade com organizações com receitas superiores a 100 mil dólares. Entre as muitas descobertas desanimadoras constatadas: computadores inoperantes, membros da equipe que não tinham o treinamento necessário para seus cargos e, em um determinado caso, mobiliário tão velho e danificado que os carregadores se recusaram a movê-lo. Os efeitos desse investimento mínimo em despesas gerais são sentidos muito além do escritório: sem computadores funcionais, não é possível monitorar os resultados do programa e mostrar o que está funcionando e o que não está; equipes mal treinadas não podem prestar serviços de qualidade aos beneficiários.
Apesar de descobertas como essas, muitas organizações sem fins lucrativos continuam a economizar nas despesas gerais. E planejam cortar ainda mais esses gastos para resistir à crise atual, constatou um recente estudo feito para o Grupo Bridgespan. Em uma pesquisa com mais de cem diretores executivos de organizações em todo o país, observamos que 56% dos entrevistados planejaram reduzir as despesas gerais. A diminuição do valor de gastos gerais já austeros (também chamados de despesas indiretas) pode prejudicar muito a própria existência das organizações – para não mencionar a capacidade de cumprir suas missões. E embora o pacote de estímulo da administração do presidente Barack Obama possa alimentar o rápido crescimento de algumas organizações sem fins lucrativos, muitas não terão a infraestrutura para gerenciar os recursos extraordinários e podem muito bem ser esmagadas sob o peso desses fundos bem-intencionados.
Por que tanto organizações sem fins lucrativos quanto financiadores continuam a depreciar as despesas gerais? Para responder a essa pergunta, estudamos quatro organizações sem fins lucrativos nacionais de atendimento a jovens. Cada organização é mantida por uma combinação de financiamento, que inclui recursos governamentais, de fundações e de fontes individuais. Entrevistamos líderes e gerentes de uma série de organizações sem fins lucrativos e de financiadores, bem como sistematizamos pesquisas existentes sobre custos indiretos no setor das organizações sem fins lucrativos.
Nossa pesquisa revela que um círculo vicioso alimenta o subfinanciamento persistente das despesas gerais. A primeira etapa do círculo são as expectativas irrealistas dos financiadores a respeito de quanto custa administrar uma organização sem fins lucrativos. Na segunda, essas organizações se sentem pressionadas a se conformarem às expectativas irrealistas dos financiadores. Na terceira, as organizações sem fins lucrativos respondem a essa pressão de duas maneiras: gastam muito pouco em despesas gerais e subnotificam seus gastos em formulários de impostos e materiais para arrecadação de fundos. Esses gastos menores e os relatórios com subnotificação, por sua vez, perpetuam as expectativas irrealistas dos financiadores. Com o tempo, eles passam a esperar que os beneficiários façam mais e mais com cada vez menos – um círculo que lentamente leva à morte as organizações sem fins lucrativos.
Embora vários fatores impulsionem o círculo de inanição dessas organizações, nossa pesquisa indica que adotar medidas na primeira fase – expectativas irrealistas dos financiadores – pode ser a melhor maneira de desacelerar ou até mesmo interromper o círculo. Mudar as expectativas dos financiadores, no entanto, exigirá um esforço setorial coordenado. Em um momento em que as pessoas precisam dos serviços das organizações sem fins lucrativos mais que nunca e que o governo está recorrendo cada vez mais a esses serviços para resolver problemas sociais, tal esforço é necessário para manter essas organizações saudáveis e em funcionamento.
Expectativas Irrealistas dos Financiadores
O círculo de inanição das organizações sem fins lucrativos é o resultado de comportamentos profundamente arraigados, uma situação que se assemelha ao problema da precedência do “ovo ou da galinha”, o que torna difícil determinar onde a disfunção realmente inicia. Nosso entendimento, no entanto, é que o ponto mais proveitoso para se começar a analisar esse círculo é o das expectativas irrealistas dos financiadores. A dinâmica de poder entre os financiadores e seus beneficiários dificulta, ou até impossibilita, que as organizações sem fins lucrativos se insurjam e enfrentem o círculo; a inconveniência é que isso pode se mostrar catastrófico para a organização, especialmente se outras organizações não seguirem o exemplo. Nestes tempos econômicos difíceis, uma organização que decida – por conta própria – resistir à tendência e apresentar seus verdadeiros custos indiretos pode correr o risco de perder doações importantes. Além disso, sua reputação pode igualmente ser prejudicada. Redefinir as expectativas do financiador ajudaria a abrir caminho para discussões francas com beneficiários.
Muitos financiadores sabem que organizações sem fins lucrativos declaram números de despesas indiretas artificialmente baixos e que os portfólios dos doadores frequentemente refletem composições de receitas de programas inteiramente imprecisas (a proporção das despesas referentes ao programa em relação às despesas indiretas). Sem dados exatos, os financiadores não sabem que índices devem ser destinados às despesas gerais. Embora analogias com organizações com fins lucrativos não sejam perfeitas para organizações sem fins lucrativos, elas fornecem algum contexto para pensar sobre quão realistas – ou não – os índices médios de despesas gerais no setor sem fins lucrativos são. Nas indústrias com fins lucrativos, eles variam, com a média incidindo em torno de 25% das despesas totais. E no setor de serviços – um análogo mais próximo das organizações sem fins lucrativos –, nenhuma indústria relata índices de despesas gerais médios abaixo de 20%.
Na ausência de dados claros e precisos, os financiadores devem confiar nos números que seus beneficiários informam. Mas, como discutiremos mais adiante, tais dados estão repletos de erros. Como resultado, rotineiramente os financiadores exigem que organizações sem fins lucrativos gastem quantias pouco saudáveis em despesas gerais. Por exemplo, as quatro organizações de atendimento a jovens que estudamos gerenciavam contratos governamentais locais, estaduais e de fontes federais, e nenhum desses contratos permitia que os beneficiários utilizassem mais de 15% das doações para despesas indiretas (que incluem operações, finanças, recursos humanos e angariação de fundos).
Algumas fundações alocam mais dinheiro para custos indiretos que agências governamentais. Ainda assim, as fundações variam bastante em sua destinação para custos indiretos, com a média oscilando de 10% até 15% de cada doação. Esses índices são verdadeiros mesmo para algumas das maiores e mais influentes fundações dos Estados Unidos. E as fundações podem ser tão rígidas em suas políticas de concessão para custos indiretos quanto os financiadores governamentais.
Muitas vezes, os valores destinados a gastos indiretos financiados pelas doações nem mesmo cobrem os custos de administrar as próprias doações. Por exemplo, quando um cliente do Grupo Bridgespan computou o número de horas que os membros da equipe gastaram para cumprir exigências para uma doação governamental específica, a organização descobriu que estava gastando cerca de 31% do valor da doação em sua administração. Ainda assim, o financiador especificou que a organização sem fins lucrativos gastasse apenas 13% da doação em custos indiretos.
A maioria dos financiadores está ciente de que seu índice de custo indireto é realmente muito baixo, revelou um recente estudo da Grantmakers sobre Organizações Eficazes. Nessa pesquisa nacional com 820 fundações doadoras, apenas 20% dos entrevistados disseram que suas doações incluem alocação de despesas gerais suficiente para compensar o tempo que os beneficiários gastam em relatórios.2
Não só os financiadores e doadores têm expectativas irrealistas, mas o próprio setor sem fins lucrativos também cultiva níveis de despesas gerais pouco saudáveis.
As expectativas dos doadores individuais também são distorcidas. Uma pesquisa de 2001 conduzida pela Wise Giving Alliance, da organização Better Business Bureau, constatou que mais da metade dos adultos norte-americanos achava que as organizações sem fins lucrativos deveriam ter índices de despesas gerais de 20% ou menos, e quase quatro em cada cinco achavam que os gastos gerais deveriam ser mantidos em menos de 30%. Na verdade, os entrevistados classificaram o índice das despesas gerais e a transparência financeira como atributos mais importantes na determinação de sua disposição de doar a uma organização que o próprio sucesso de seus programas.
Não apenas os financiadores e doadores têm expectativas irreais como o próprio setor sem fins lucrativos também cultiva índices de despesas gerais pouco saudáveis. “O padrão de 20% é perpetuado por financiadores, por indivíduos e pelas próprias organizações sem fins lucrativos”, diz o diretor financeiro de uma das que estudamos. “Quando comparamos nossos dados financeiros relatados, olhamos para outros, [e] percebemos que os outros relatam erros também. Uma das organizações semelhantes à nossa aloca 70% do tempo de seu diretor financeiro para programas. Isso é absurdo!”
Nesse contexto, as organizações sem fins lucrativos relutam em ir contra a corrente e serem verdadeiras em seus projetos de arrecadação de fundos mesmo sabendo que estão alimentando expectativas irrealistas. Elas acham difícil justificar os gastos com infraestrutura quando as organizações sem fins lucrativos comumente exaltam seus baixos custos indiretos. Por exemplo, a Smile Train, organização que trata crianças nascidas com problemas de fenda labial e palatina, afirmou que “100% de sua doação irá para programas […] 0%, para despesas gerais”. No entanto, as letras miúdas do material dizem que não é porque a organização não tem custos indiretos; em vez disso, é porque a Smile Train utiliza contribuições de “apoiadores fundadores” para cobrir seus custos não relativos ao programa.
Essa constelação de causas alimenta o segundo estágio do círculo de inanição das organizações sem fins lucrativos: pressão para se conformarem a expectativas irrealistas. Tal pressão vem de uma variedade de fontes, segundo o Estudo sobre os Custos Indiretos das Organizações sem Fins Lucrativos. A pesquisa detectou que 36% dos entrevistados sentiram pressão de agências governamentais, 30% sentiram pressão de doadores e 24%, das fundações.3
Despesas Gerais Subdimensionadas
Em resposta à pressão dos financiadores, as organizações sem fins lucrativos optam por uma cultura de “baixa remuneração, sobrevivência e subsistência com o que tiver”, como o Estudo sobre os Custos Indiretos das Organizações sem Fins Lucrativos a chama. Cada aspecto de uma organização sente a existência dessa cultura. Em nosso trabalho de consultoria com organizações sem fins lucrativos, por exemplo, frequentemente vemos clientes que são incapazes de pagar salários competitivos para especialistas qualificados e, em vez disso, se contentam em contratar pessoas que não têm a experiência ou o conhecimento necessários. Da mesma forma, muitas organizações que limitam seus investimentos em treinamento de pessoal têm dificuldade em desenvolver uma cadeia consistente de líderes seniores.
Esses déficits podem ser especialmente prejudiciais para as organizações de atendimento a jovens, observa Ben Paul, presidente e diretor executivo da After-School All-Stars, uma organização sem fins lucrativos, com sede em Los Angeles, que oferece programas no contraturno escolar e acampamentos de verão para jovens em risco em todo o país. “Está claro para qualquer pessoa que tenha liderado uma organização que o capital mais importante de uma empresa é o capital humano”, diz Paul. “Em programas do contraturno, temos um ditado: as crianças vêm para as atividades extracurriculares, mas ficam pela equipe envolvida. Se não contratarmos as pessoas certas, talvez seja melhor nem oferecer esses programas.”
Enquanto isso, sem sistemas de monitoramento eficientes, as organizações sem fins lucrativos têm dificuldade em diagnosticar que ações realmente impulsionam os resultados desejados. “O dilema é que, embora as organizações precisem de financiamento para capacitação a fim de investir em um monitoramento de desempenho sólido, muitos financiadores querem ver dados consistentes de resultados do programa antes de fornecerem esse suporte operacional geral”, diz Jamie McAuliffe, gerente de portfólio da Fundação Edna McConnell Clark, com sede em Nova York.
Veja o caso de uma rede respeitada de programas de desenvolvimento juvenil. Para proteger a identidade dessa organização, vamos chamá-la de Learning Goes On Network (LGON). Disposta a fazer um enorme esforço de crescimento, a LGON percebeu que seus sistemas de dados seriam absolutamente inadequados para acomodar mais clientes. Uma análise mostrou que a equipe do programa gastou 25% do seu tempo com coleta manual de dados. Um membro da equipe gastou 50% de seu tempo digitando os resultados em um banco de dados antiquado do Microsoft Access.
Membros de equipe podem ficar tão acostumados com circunstâncias extenuantes que têm problemas em justificar até mesmo os investimentos necessários para despesas gerais, nossas entrevistas revelaram. “Sabíamos há muito tempo que um diretor operacional seria vital para nosso crescimento, mas não fomos capazes de financiá-lo”, relata o diretor executivo de uma das quatro organizações de desenvolvimento juvenil que estudamos. Mas quando o conselho da organização finalmente criou a posição de diretor operacional, o resto da equipe resistiu. “Viveram tanto tempo em uma organização carente que a ideia de contratar um diretor operacional foi chocante para eles.”
Relatórios Enganosos
O agente determinante final do círculo a enfraquecer a infraestrutura das organizações sem fins lucrativos é a rotina de deturpação de quanto elas realmente gastam em despesas gerais. Os números que elas informam em suas demonstrações financeiras “[desafiam] a plausibilidade”, afirma o Estudo sobre os Custos Indiretos das Organizações sem Fins Lucrativos.
Ao examinar mais de 220 mil organizações sem fins lucrativos, os pesquisadores descobriram que mais de um terço delas informou não ter havido nenhum custo com arrecadação de fundos, enquanto uma em cada oito não declarou despesas gerais e de gestão. Uma análise mais aprofundada descobriu que 75% a 85% dessas organizações estavam informando incorretamente os custos associados às doações.
Nosso estudo também revelou discrepâncias entre o que as organizações sem fins lucrativos gastam em despesas gerais e o que informam gastar. Embora declarassem índices de despesas gerais que oscilavam de 13% a 22%, na verdade os índices reais variaram de 17% a 35%.
Muitos fatores contribuem para essa subnotificação dos custos das organizações sem fins lucrativos. De acordo com uma pesquisa realizada pela organização The Chronicle of Philanthropy em 2000, as organizações sem fins lucrativos, em sua maioria, afirmam que seus contadores as aconselharam a declarar valor zero na seção de captação de recursos do Formulário 990.3 Uma fiscalização limitada dos relatórios fiscais do Formulário 990 das organizações sem fins lucrativos apenas agrava o problema: a Receita Federal norte-americana raramente cobra a multa de 50 mil dólares devida por uma declaração incompleta ou imprecisa. Em geral, essa multa é aplicada apenas quando uma organização deliberadamente não apresenta o formulário. De acordo com o estudo da Chronicle, “declarar indevidamente essas despesas provavelmente terá pouca ou nenhuma consequência”.
As instruções ambíguas da Receita Federal também levam a erros, segundo várias fontes. Por exemplo, em nenhum lugar o formulário IRS aborda explicitamente como contabilizar o marketing e a comunicação das organizações sem fins lucrativos. Como resultado, muitas delas alocam todas as despesas com marketing e comunicação para programas quando, na maioria dos casos, essas despesas devem ser informadas como administrativas ou despesas gerais de captação de recursos.
As agências governamentais também têm definições variadas e ambíguas para custos indiretos. O Escritório de Gestão e Orçamento da Casa Branca, por exemplo, define custos indiretos como “aqueles que resultam de objetivos comuns ou conjuntos e não podem ser prontamente identificados com um objetivo específico de custo final”. Afirma, em seguida, que “por causa das diversas características e práticas contábeis de organizações sem fins lucrativos, não é possível especificar os tipos de custo que podem ser classificados como custo indireto em todas as situações”.4
Há algumas boas notícias. Atualmente, o governo dos Estados Unidos está conduzindo um estudo a respeito das definições de custos indiretos feitas por vários financiadores federais. Como explica Stan Czerwinski, o diretor de questões estratégicas do órgão de fiscalização governamental: “O objetivo é alcançar consistência para que quando as organizações sem fins lucrativos buscarem financiamento, elas tenham clareza (assim como os financiadores) sobre o que realmente será reembolsado”. O estudo está nos estágios iniciais, mas como Czerwinski observa, a necessidade é clara: “Não encontramos ninguém que considere que estejamos no caminho errado”.
Cuidado e Alimentação Adequados
Embora o círculo vicioso de inanição das organizações sem fins lucrativos tenha muitos pontos de entrada e agentes determinantes, acreditamos que o melhor lugar para terminar é onde se inicia: as expectativas irrealistas dos financiadores. Fundações e financiadores governamentais devem assumir a liderança porque têm uma enorme vantagem de poder sobre seus beneficiários. Quando os financiadores mudam suas expectativas, as organizações sem fins lucrativos sentem menos necessidade de subnotificar suas despesas gerais. Também se sentirão encorajadas a investir em infraestrutura.
Quando viável, os financiadores devem ajudar a atender às necessidades de infraestrutura identificadas pelos beneficiários, concedendo doações para despesas operacionais gerais.
O primeiro passo que os financiadores devem dar é mudar o foco, dos custos para os resultados. No mundo sem fins lucrativos, as organizações são tão diversas que não compartilham um indicador comum de efetividade de programas. Na ausência desse indicador, muitos financiadores tentam entender a eficiência da organização por meio do monitoramento das despesas gerais e de outros indicadores facilmente obtidos, embora falhos.
Os financiadores precisam redirecionar sua atenção para o impacto dos programas, perguntando “O que estamos tentando alcançar?” e “O que definiria sucesso?”. Dessa maneira, sinalizarão aos beneficiários que o impacto importa mais que qualquer coisa. Mesmo o foco em indicadores aproximados ou brutos (por exemplo: “Estamos obtendo um A ou um C em nossas metas de impacto?”) é melhor que o olhar para a eficiência de custos, já que isso pode levar a decisões restritas que prejudicam os resultados do programa.
Os financiadores também devem comunicar claramente os objetivos do programa aos beneficiários. Uma vez estabelecido que o financiador e o beneficiário compartilham os mesmos objetivos, os financiadores devem então insistir em respostas honestas à questão “O que será necessário para fornecer esses resultados de forma consistente, ou para fornecer esses resultados em um nível ainda mais alto de qualidade ou quantidade?”.
Um dos participantes do nosso estudo, por exemplo, trabalhou em estreita colaboração com seu principal financiador para pensar sobre essa questão e, ao final, determinou que era necessário um investimento considerável em tecnologia para apoiar seu crescimento projetado. O financiador concordou que apenas com esse investimento a organização seria capaz de fazer um monitoramento uniforme dos resultados e realizar melhorias no programa rapidamente.
Quando viável, os financiadores devem ajudar a atender às necessidades de infraestrutura identificadas pelos beneficiários, concedendo doações para despesas operacionais gerais. Doadores e organizações sem fins lucrativos concordam que um maior suporte operacional provavelmente significará melhoria na capacidade de uma organização em alcançar resultados, constata o estudo da Grantmakers sobre Organizações Eficazes de 2008. E um estudo de 2006 da CompassPoint Nonprofit Services com quase 2 mil executivos de organizações sem fins lucrativos em oito áreas metropolitanas revela que receber suporte operacional desempenhou papel importante na redução da exaustão e do estresse entre os diretores executivos.6
Ainda assim, embora 80% das fundações pesquisadas nesse estudo tenham feito alguma doação para despesas operacionais gerais, a quantia média doada para esse tipo de apoio foi de apenas 20% do total.
Independentemente do tipo de apoio que fornecem, os financiadores devem encorajar discussões abertas e francas com seus beneficiários sobre o que estes precisam para serem eficazes. Os processos de doação de muitos financiadores não são estruturados para considerar todo o escopo do que os beneficiários fazem e por quê. Como resultado, as doações não se mostram tão flexíveis quanto deveriam ser. No entanto, quando os financiadores entendem inteiramente as operações de seus beneficiários, eles têm mais probabilidade de atender às suas necessidades.
Embora a mudança de expectativas tenha o maior impacto sobre o círculo de inanição das organizações sem fins lucrativos, os financiadores também podem intervir de outras maneiras úteis. Ao fazerem concessões de recursos de aplicação restrita, eles devem se comprometer a desembolsar uma parcela maior para custos administrativos e de arrecadação de fundos. De fato, em 2004, o conselho do Terceiro Setor incentivou os financiadores a pagarem “a proporção justa de custos administrativos e de arrecadação de fundos necessários para gerenciar e sustentar tudo o que é exigido pela organização para executar um projeto específico”.
Da mesma forma, em vez de prescrever um índice de despesa indireta para todas as doações, os financiadores governamentais devem permitir que as organizações sem fins lucrativos definam suas verdadeiras necessidades de despesas gerais em pedidos de concessão e, desde que essas necessidades sejam justificáveis, paguem por elas. Por exemplo, alguns contratos de financiamento federal permitem que uma organização sem fins lucrativos justifique um índice para despesas gerais (de acordo com diretrizes) que pode ser usado para todos os seus pedidos de doações federais. A extensão de tal política a todos os contratos de instituições governamentais federais, estaduais e locais ajudaria muito as organizações sem fins lucrativos a oferecerem melhores programas, ao mesmo tempo que elas poderiam custear a gestão de seus recursos.
Finalmente, para estimular relatórios transparentes e exatos, os financiadores deveriam encorajar o desenvolvimento de uma definição padrão do termo “despesas gerais”. Hoje em dia, as organizações precisam informar suas despesas gerais de forma diferente para quase todas as doações que recebem. A padronização permitiria aos financiadores comparar coisas equivalentes, além de permitir que os beneficiários entendam melhor seus próprios investimentos gerais – ou a falta deles. Ter um diálogo sobre os índices de despesas gerais reais também pode ajudar a mudar o foco para o propósito efetivo: os resultados.
O que os Beneficiários Podem Fazer
O fardo de interromper o círculo de inanição financeira das organizações sem fins lucrativos não recai apenas sobre os financiadores. Os líderes dessas organizações também têm um papel a desempenhar. Como tarefa básica, devem estar comprometidos em entender seus custos indiretos e suas necessidades reais de infraestrutura. Na LGON, por exemplo, gerentes seniores passaram vários meses investigando seus custos, analisando seus sistemas, incluindo o deficiente processo de monitoramento da organização – e identificando lacunas em sua capacidade. Depois desse estratégico processo de planejamento, a organização pôde articular um plano claro para um novo sistema de monitoramento e um aumento, em três anos, de 150% no pessoal não relacionado a programas.
As organizações sem fins lucrativos devem então falar a verdade para a governança, compartilhando seus números reais com seus conselhos e, em seguida, envolvê-los na comunicação com os financiadores. Estudos de caso de organizações que investiram com sucesso em sua própria infraestrutura constataram repetidamente a necessidade de uma agenda compartilhada entre a equipe de liderança e o conselho. O diretor executivo da LGON, por exemplo, comunicou-se antecipadamente e com frequência com os membros do conselho durante o processo de planejamento estratégico. Ele também promoveu várias reuniões para tratar das necessidades de infraestrutura.
Por sua vez, cabe aos membros do conselho fazer as perguntas difíceis antes que os financiadores o façam, a saber: “O que essa organização realmente precisa para ter sucesso?”, “Onde estamos subinvestindo?” e “Quais riscos estamos assumindo ao investir menos nessas áreas?”. Os membros do conselho devem encorajar os líderes de organizações sem fins lucrativos a desenvolverem estratégias que reconheçam explicitamente as necessidades de infraestrutura. No desenvolvimento de planos para infraestrutura, os membros do conselho podem ajudar, observa Chris Brahm, presidente do Conselho de Administração da Larkin Street Youth Services, uma organização sem fins lucrativos de São Francisco que presta atendimento a jovens sem-teto: “As pessoas que dirigem as agências costumam ser consumidas por programas e arrecadação de dinheiro. Membros dos conselhos, sejam empresários ou não, podem trazer uma perspectiva externa sobre serviços de despesas gerais”.
Na LGON, por exemplo, o diretor executivo identificou alguns membros do conselho que eram partidários fervorosos da visão estratégica emergente. Eles então comunicaram a seus colegas quanto de despesas gerais essa visão exigiria.
Durante essas discussões, tanto os membros do conselho quanto os gerentes devem se concentrar na maneira como os investimentos em infraestrutura poderão favorecer os beneficiários da organização, mais que na redução de custos. Mesmo dentro dos limites de um “diálogo sobre custos”, eles devem enfatizar como os investimentos em infraestrutura podem, na verdade, reduzir os custos de atendimento aos beneficiários ao longo do tempo. Uma organização em nosso estudo, por exemplo, relatou que um investimento em infraestrutura tecnológica rendeu 350 mil dólares por ano ao liberar o tempo da equipe e consolidar sistemas “fragmentados”.
Finalmente, as organizações devem tentar educar seus doadores. “Os doadores não querem pagar por um aluguel da organização, ou pela conta de telefone, ou por selos”, observa Paul, “mas esses são componentes essenciais do trabalho diário. Você não pode administrar uma organização de alto desempenho de dentro de seu carro. E são muitas as maneiras de explicar esses tipos de despesa aos doadores.”
Tanto os financiadores quanto os beneficiários estão sentindo os efeitos da atual recessão. Mas essa desaceleração da economia não é desculpa para cortar o financiamento de despesas indiretas. “Se os líderes de uma organização sem fins lucrativos estão se sentindo como se não pudessem arrecadar fundos para sustentar as despesas gerais, acho que eles estão confundindo a questão”, diz Brahm. “O verdadeiro problema é que eles não conseguem captar dinheiro suficiente, ponto final. Ou eles não têm ou não foram capazes de demonstrar um histórico de resultados que fosse atraente para os financiadores.”
Mais que um motivo para reduzir os gastos gerais, a recessão é uma excelente oportunidade para corrigir o subinvestimento de décadas em infraestrutura das organizações sem fins lucrativos. “Existe real potencial de mudança se todas as principais partes interessadas – governo, financiadores privados e organizações sem fins lucrativos – tomarem medidas para reconhecer que o desenvolvimento de capacidades é crítico para a saúde de uma organização”, diz McAuliffe. E embora as forças que alimentam o círculo de inanição das organizações sem fins lucrativos sejam fortes, a oportunidade de conseguir mais para os beneficiários a longo prazo deve obrigar financiadores e beneficiários a interrompê-lo.
William Bedsworth, ex-gerente do Grupo Bridgespan, contribuiu para este artigo.
OS AUTORES
Ann Goggins Gregory é diretora de gestão do conhecimento no Grupo Bridgespan e ex-consultora na área de estratégia do Bridgespan. Em seu trabalho de consultoria, os clientes de Ann incluíam organizações de educação e desenvolvimento juvenil, bem como fundações.
Don Howard é sócio do Grupo Bridgespan, do qual dirige o escritório de São Francisco. Seus clientes incluíram fundações e organizações sem fins lucrativos que trabalham para aliviar a pobreza, eliminar a falta de moradia, revitalizar bairros e acabar com as desigualdades em educação e melhoria do meio ambiente.
Este artigo é conteúdo original da revista Stanford Social Innovation Review publicado na edição Outono de 2009.
NOTAS
Ver também Kennard Wing, Tom Pollak e Patrick Rooney, How Not to Empower the Nonprofit Sector: Under Resourcing and Misreporting Spending on Organizational Infrastructure, Washington, D.C.: Alliance for Nonprofit Management, 2004. Wing, Pollak e Rooney são três dos principais pesquisadores do Estudo sobre os Custos Indiretos das Organizações sem Fins Lucrativos.
William H. Woodwell Jr. e Lori Bartczak, Is Grantmaking Getting Smarter? A National Study of Philanthropic Practice, Washington, D.C.: Grantmakers for Effective Organizations, 2008.
Kennard Wing e Mark Hager, Who Feels Pressure to Contain Overhead Costs?, artigo apresentado na Arnova Annual Conference, 2004.
Holly Hall, Harvy Lipman e Martha Voelz, “Charities’ Zero-Sum Filing Game”, The Chronicle of Philanthropy, 18 maio 2000.
Escritório de Gestão e Orçamento da Casa Branca, Circular A-122 (revisada): Cost Principles for Nonprofit Organizations.