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Uma nação de formandos

Nos Estados Unidos, um esforço conjunto de 20 anos produziu avanços inéditos no combate à evasão escolar no ensino médio, levando a taxas recorde de conclusão dessa etapa de ensino; como usar as lições aprendidas na campanha GradNation para avançar mais e enfrentar outras mazelas?

Por Bob Falzanz e John Bridgeland

 

Ilustração de Ibrahim Rayintakath

 

A Virgínia Ocidental se destaca por sua gente diligente, seus recursos naturais abundantes e sua beleza deslumbrante. Mas esse estado americano, famoso pela paisagem montanhosa, tem também um dos PIBs mais baixos do país e altas taxas de desigualdade, desemprego, pobreza infantil e de depressão e dependência química entre adultos. 

Com esse cenário, poucos teriam imaginado que o estado viraria um caso de sucesso na educação. Em 2001, quando uma legislação federal (a No Child Left Behind, “nenhuma criança fica para trás”, ou NCLB) lançou as bases para uma campanha nacional de incentivo à conclusão do ensino médio com a adoção de testes padronizados e a cobrança de resultados de escolas, a taxa de conclusão local era de pouco mais de 74%. Em 2020, já ultrapassava os 92% – a mais alta do país. No caso de alunos de baixa renda, essa taxa chegou a 87%, a quarta maior dos Estados Unidos. Mais de 15 anos de um esforço continuado melhoraram o rendimento acadêmico de estudantes de todos os estratos socioeconômicos.

Essa melhora impressionante resultou da aplicação sistemática de práticas voltadas a produzir um progresso constante e sustentável. O avanço – na Virgínia Ocidental e em outros estados – foi tamanho que especialistas chegaram a questionar sua legitimidade. Mas nós dois – Bob Balfanz, diretor do Everyone Graduates Center, centro de pesquisa aplicada que desenvolve soluções práticas para problemas educacionais na Universidade Johns Hopkins (JHU, na sigla em inglês), e John Bridgeland, ex-diretor do White House Domestic Policy Council da Casa Branca e CEO da Civic (antiga Civic Enterprises) – vínhamos acompanhando havia 15 anos as taxas de conclusão do ensino médio país afora e sabíamos que os dados eram fiáveis. 

Nossa análise das taxas de conclusão do Centro Nacional de Estatísticas Educacionais e de outros dados de desempenho acadêmico dissipou qualquer dúvida. O progresso na Virgínia Ocidental ia além dessas taxas. O ensino médio local havia melhorado em todos os quesitos de avaliação. Nossas conclusões, corroboradas por um estudo de 2020 da Brookings Institution, mostraram que o avanço nas taxas de conclusão, tanto no plano estadual quanto no nacional, veio de ações para melhorar a responsabilidade por resultados e a transparência no sistema educacional, não da manipulação dos dados.

Nessas duas décadas, o país todo registrou progresso, embora em diferentes proporções e ritmos. Diferentemente dos 30 anos anteriores, quando os índices de conclusão do ensino médio ficaram praticamente estagnados, a taxa nacional subiu de 71% em 2001 para 86,5% em 2020. Houve avanços consideráveis entre alunos negros, latinos e de baixa renda, cujas taxas de conclusão passaram de menos de 70% no início do século 21 para mais de 80% em 2020. Nesse período, um contingente adicional de mais de 5 milhões de alunos concluiu o ensino médio – em vez de abandoná-lo.

Iniciativas colaborativas lançadas no começo da década de 2000 e consolidadas em uma campanha nacional para melhorar taxas de conclusão do ensino médio (batizada de GradNation em 2010) contribuíram em grande medida para esse sucesso. A campanha mobilizou lideranças – de diretores de escola a presidentes da nação – e promoveu a adoção de práticas eficazes em instituições públicas e de baixo rendimento com uma população estudantil volumosa e com sérias carências. 

Em 2020, as taxas de conclusão do ensino médio em 10 estados americanos chegavam a 90% ou mais; outros 10 estavam a menos de um ponto percentual da meta e 15 estados com população menor precisavam formar menos de mil alunos adicionais para atingir os 90% (a pandemia de covid-19 interrompeu temporariamente esse progresso: a taxa nacional caiu em 2021, mas menos de um ponto percentual; em 2022, voltou aos níveis pré-pandêmicos). 

Vimos também que o número de instituições de ensino médio com taxas de conclusão muito baixas, de 60% ou menos, caiu em dois terços no país. Embora o número de escolas dessa categoria – que chamamos de “fábricas de evasão escolar” – ainda seja grande, a queda acentuada, de mais de 2.000 para cerca de 700, ao fim da campanha, mostra que é possível aumentar as taxas em qualquer lugar.

Para produzir esse avanço inédito, os estados adotaram reformas e práticas propostas pela campanha nacional, fundada em quatro pilares: instituir metas ousadas e medir o progresso por pelo menos uma década; mirar áreas de maior necessidade; ouvir o público-alvo; e cultivar e sustentar uma resposta multissetorial, em escala nacional, com base em práticas comprovadas.

Ao contar aqui como foi essa campanha, nossa intenção é compartilhar aquilo que aprendemos – às vezes a duras penas – ao promover uma iniciativa com parceiros improváveis e mantê-la em tempos de extrema polarização. Esperamos que essas lições inspirem novas iniciativas para atingir a difícil meta de 90% de conclusão do ensino médio e sirvam de base para outras campanhas sociais.

 

Grito de alerta

Em 1981, o governo Ronald Reagan criou um grupo de trabalho – a Comissão Nacional de Excelência Educativa – a fim de diagnosticar problemas do sistema de ensino americano e propor soluções. Após dois anos, o grupo publicou o relatório “A Nation at Risk” (Uma nação em perigo), que apontava desafios de escala nacional, como baixas expectativas para alunos, pouco tempo dedicado ao estudo, má qualidade do ensino e falta de rigor curricular. Ao avaliar a deplorável situação da educação americana, o relatório não mediu palavras: “Se uma potência estrangeira hostil tivesse tentado impor aos Estados Unidos o desempenho educacional medíocre que vemos hoje, é possível que considerássemos esse gesto um ato de guerra”. 

O relatório atraiu a atenção da mídia e deflagrou uma série de reformas. No entanto, não teve impacto perceptível nas taxas de conclusão do ensino médio do país entre 1981 e 2000 – em parte porque, nesse período, as escolas, os distritos escolares que as regem e os estados não tinham de prestar contas sobre essas taxas.

No início do século 21, a evasão escolar era um desafio, com sérias consequências para os estudantes, a sociedade e a economia no país. Em 2001, mais de um quarto de todos os alunos nos Estados Unidos – e um terço ou mais de alunos negros, latinos e indígenas – não se formava com a turma inicial. 

A economia americana passou a se ancorar cada vez mais no conhecimento durante as décadas de 1980 e 1990, agravando, ano a ano, as consequências dessa evasão. Quem abandonava a escola tinha muito mais probabilidade de ficar desempregado, viver na pobreza, depender de benefícios do Estado, ir parar na prisão e ter filhos que também abandonavam a escola. Enquanto membros das gerações anteriores podiam chegar à classe média sem diploma do ensino médio, sobretudo pelo emprego em fábricas sindicalizadas, as gerações Millennial e Z vão precisar não só desse diploma, mas também de alguma formação posterior para ter acesso à maioria dos postos de trabalho de classe média. Além disso, o impacto macroeconômico da evasão vinha custando ao país bilhões de dólares ao ano, devido à perda de trabalhadores produtivos dos quais a economia precisava para fazer o PIB crescer – além dos custos associados a desemprego, encarceramento e problemas de saúde.

O impacto social e econômico dessa crise de evasão escolar levou quatro organizações – a Civic, liderada por Bridgeland; o Everyone Graduates Center, liderado por Balfanz; a America’s Promise Alliance, liderada pelo general Colin Powell, por Alma Powell e Marguerite Kondracke; e a Alliance for Excellent Education, liderada pelo ex-governador da Virgínia Ocidental Robert Wise – a orquestrar uma campanha nacional de conclusão do ensino médio ancorada na NCLB, a lei de 2002 do governo George W. Bush. 

Pela primeira vez, escolas seriam responsabilizadas por taxas de conclusão do ensino médio. Estratégias da campanha foram ajustadas à luz de dois relatórios que, somados, chamaram atenção para a causa – “Locating the Dropout Crisis” (Localizando a crise de evasão), publicado em 2004 por Balfanz, e “The Silent Epidemic: Perspectives of High School Dropouts” (A epidemia silenciosa: perspectivas sobre a evasão no ensino médio), publicado por Bridgeland em 2006, com base em pesquisas feitas em 2004.

Inicialmente, tivemos dificuldade para achar colaboradores. O assunto não era prioridade para nenhum líder educacional, autoridade pública ou organização de defesa da educação. Iniciativas de reforma no ensino eram voltadas a melhorar o desempenho acadêmico, não a elevar taxas de conclusão – em parte porque uma avaliação geral concluiu que haviam sido inócuos os esforços federais feitos na década de 1990 nesse sentido.

Dados do Censo americano de 2001 também contribuíam para isso, contando alunos que obtinham um GED (diploma de equivalência do ensino médio) e assim ocultando o fato de que cerca de um terço dos estudantes não terminava essa etapa no prazo. Outra distorção dos dados era que, ao apresentar apenas cifras nacionais e por estado, taxas mais elevadas de conclusão do ensino médio em zonas de alta renda ocultavam os resultados piores em bolsões de baixa renda. Por essa ótica, parecia não haver uma crise séria, já que as taxas gerais de conclusão do ensino médio eram bem mais altas do que taxas de conclusão no prazo regular. Apesar desse descaso com o tema, seguimos em frente com a campanha para apresentar o problema de forma correta e, no processo, atrair colaboradores para o projeto.

 

Adotar metas e parâmetros ousados 

Quando iniciamos nossa campanha, educacional e os estatísticos do governo adotavam critérios diferentes para medir taxas de conclusão do ensino médio – todos com falhas fundamentais. Um artigo de 2005 do Manhattan Institute for Policy Research descobriu que
cálculos de agências governamentais eram “os menos plausíveis” devido à falta de uma metodologia unificada e fiável. Os cálculos do governo federal não contabilizavam os alunos que haviam ingressado no sistema judicial juvenil; em certos estados, a metodologia não considerava estudantes que tinham deixado seu distrito escolar original ou parado de frequentar a escola sem oficialmente abandoná-la. Esses alunos muitas vezes eram classificados como “não localizados” e omitidos do cômputo geral, inflando as taxas de conclusão. 

Para corrigir essas falhas, um fórum de governadores, a National Governors Association, lançou em 2004 uma iniciativa para padronizar o cálculo de taxas de conclusão. Em 2005, os 50 governadores decidiram adotar a “taxa de graduação de coorte ajustada” (ACGR, na sigla em inglês). O indicador   calculava as taxas de conclusão com base na porcentagem de alunos que ingressavam no ensino médio e tiravam o diploma (e não um GED) no prazo regular de quatro anos. Um processo de verificação de transferência escolar foi implantado para determinar com precisão se o aluno havia mudado de escola e garantir que fosse removido dos registros da escola anterior. Por fim, o país todo adotou uma mesma metodologia de cálculo de taxas de conclusão, a fim de permitir a comparação de metas.

Em 2006, tivemos uma reunião com a então secretária de educação dos Estados Unidos, Margaret Spellings, para pedir a adoção do ACGR como parâmetro nacional. Deu certo. Em 2008, o ACGR se tornou a metodologia oficial de cálculo de taxas de conclusão dessa etapa do ensino em todo o país, a partir da turma de 2011. Estados também foram obrigados a adotar metas claras, e mais ambiciosas, de conclusão do ensino médio e a estabelecer objetivos de melhoria para alcançá-las. Até então, cada estado adotava os próprios critérios de mensuração e podia, se quisesse, instituir metas pífias de progresso. Essa padronização, aliada a objetivos de melhoramento expressivos, permitiu cobrar resultados e fazer comparações entre estados, distritos e tipos de escola.

No fim de 2008, as quatro organizações à frente da campanha reuniram lideranças da área da educação, do setor sem fins lucrativos, de entidades de direitos civis, do meio empresarial, do mundo filantrópico e do setor público para desenvolver um plano de ação cívica para enfrentar o desafio da evasão escolar. À luz desse plano, estados e distritos escolares se comprometiam a adotar metas claras e mensuráveis para melhorar taxas de conclusão do ensino médio, fechando o foco em comunidades com baixas taxas, incentivando a adoção de expectativas acadêmicas elevadas com o respaldo de material pedagógico interessante e maior tempo de aprendizado, dando capacitação e apoio a professores e à administração de escolas, instituindo sistemas de alerta e intervenção, aumentando a idade obrigatória da escolaridade e conectando a conclusão do ensino médio a uma agenda de formação e capacitação pós-secundária para tornar relevante o certificado de conclusão.

Ao cabo de 18 meses, a campanha – já batizada de GradNation – teve início, com mais de cem parceiros comprometidos a agir de forma coordenada para alcançar taxas de conclusão do ensino médio de 90% até 2020.

Para gerar motivação, as organizações à frente da campanha organizaram eventos em mais de 200 localidades país afora para mostrar aprendizados de distritos e estados que vinham registrando os maiores avanços. A Civic e o Everyone Graduates Center assumiram o compromisso de divulgar, ao longo de uma década, um relatório anual à nação, para cobrar resultados tanto da campanha quanto do país.

Naquele ano, 2010, nosso parceiro na America’s Promise Alliance, o general Colin Powell, anunciou, em um encontro no Salão Oval com o presidente Barack Obama transmitido pela TV, o primeiro relatório “Building a GradNation”. O documento mostrava que certos estados e distritos escolares estavam conseguindo aumentar expressivamente a taxa de conclusão graças às soluções promovidas pela campanha. Pouco depois, Obama assumiu oficialmente o compromisso de alcançar a taxa de 90% na turma de 2020. Era uma meta ambiciosa, já que 31 estados tinham taxas na casa dos 70%, 7 na casa dos 60% e 1 na dos 50%.

Em nosso relatório, elaborado com dados da turma de 2008, registramos o início de um progresso real. Tennessee e Nova York exibiam avanços de 15% e 10% em taxas de conclusão do ensino médio, respectivamente. De 2002 a 2008 a taxa havia subido em 29 estados. 

Também observamos um declínio de 13 pontos percentuais no número de escolas consideradas “fábricas de evasão”, com 400 mil estudantes a menos matriculados nessas escolas em 2008 (ante 2002). Em certos estados – como Tennessee, Texas, Alabama e Geórgia – havia avanços em zonas urbanas e rurais e em cidades de distintos portes, sugerindo que era possível melhorar em qualquer distrito escolar. “A nação pode pôr fim à crise da evasão escolar do ensino médio”, concluímos no relatório.

 

Mirar áreas de maior necessidade

A segunda providência para elevar taxas de conclusão do ensino médio foi garantir que escolas com índices de 60% ou menos recebessem mais recursos e adotassem medidas para melhorar o desempenho, intensificando a cobrança por resultados. Com o recurso a leis federais e estaduais que ordenavam a prestação de contas, foram identificadas escolas com baixas taxas – que, então, tiveram acesso a verbas adicionais destinadas especificamente a melhorias do ambiente escolar, de currículos acadêmicos, do desenvolvimento de educadores e do suporte a alunos. Essas escolas foram incentivadas a trabalhar com parceiros externos experientes em dar apoio a instituições de baixo rendimento. Elas também tinham de agir dentro de prazos estipulados na esfera federal para evitar penalidades, como trocas de liderança e de equipe.

Na década de 1990, antes dessa campanha federal, alguns estados implantaram medidas para melhorar taxas de conclusão do ensino médio. Maryland foi um dos primeiros a identificar escolas de fraco desempenho e ameaçar intervir caso não houvesse avanços. Em 1994, o estado declarou a Patterson High School passível de intervenção – o que significava que, se não melhorasse consideravelmente em três anos, o estado assumiria o controle administrativo da escola.

A Patterson fica em uma zona industrial de Baltimore. No ano letivo de 1994-1995, foram matriculados 2.096 alunos. Mais da metade deles estava na nona série e, destes, mais da metade, 600 dos 1.208 calouros, repetia o 9º ano [primeiro dos quatro anos do ensino médio americano] pela segunda ou terceira vez. Somente 235 alunos estavam matriculados no 12º ano. 

A maioria dos alunos chegava à Patterson com habilidades de matemática e leitura equivalentes às do 6º ano. Não se sabe qual foi a taxa de conclusão do ensino médio da Patterson para a turma de 1994, pois não houve coleta de dados então. A única estatística disponível era a taxa anual de evasão, de 19%; análises posteriores de pesquisadores do Centro para a Organização Social de Escolas (CSOS, na sigla em inglês), da Universidade Johns Hopkins, mostraram que 64% dos calouros de 1994 abandonaram a escola no intervalo de quatro anos. 

Esses problemas, além da elevada incidência de faltas (problema crônico entre 75% dos alunos) e das notas baixas em exames (só 28% passaram em um teste funcional de matemática do oitavo ano), colocaram a Patterson na mira da reestruturação.

O estado ofereceu à Patterson uma verba adicional para o melhoramento. No segundo semestre de 1995, o diretor da escola fez uma parceria com o CSOS, onde Balfanz trabalhava e cuja missão era implementar reformas baseadas em evidências em escolas vulneráveis. Juntos, criaram uma academia do 9º ano com um espaço exclusivo na escola. Ali, os alunos iniciavam sua experiência no ensino médio com equipes interdisciplinares de professores, cujos métodos pedagógicos se voltavam para aumentar a frequência escolar por meio de um ambiente acolhedor e pela conexão das atividades curriculares com o futuro dos alunos. 

A grade horária foi alterada, com quatro blocos de 90 minutos, em vez dos tradicionais oito períodos de 45 minutos. As equipes que lecionavam para o 9º ano tinham professores de matemática, inglês, ciências e estudos sociais que trabalhavam com um mesmo grupo de 75 a 90 alunos ao longo do ano. Eram agora apenas 90 alunos, em vez de 180, o que permitiu que dedicassem mais tempo aos estudantes. 

O novo esquema visava mitigar danos causados pela grade tradicional de ensino médio, na qual professores davam aulas em diferentes séries ao longo do dia e alunos tinham um grupo distinto de colegas em cada aula. Como a organização tradicional não contemplava a importância social de relacionamentos, os alunos volta e meia se sentiam perdidos e desamparados, sobretudo os calouros. Com a mudança, os docentes podiam mudar a grade diária de sua turma, permitindo, por exemplo, que um professor de ciências tivesse um tempo em laboratório mais longo em uma semana, se isso fosse ajudar os alunos.

Todos os calouros participavam de um seminário para aprimorar habilidades de estudo e relacionamentos interpessoais e explorar alternativas profissionais e de ensino superior. Além disso, a escola foi organizada em career academies, academias profissionais, do 10o ao 12o ano. No segundo semestre do 9º ano, os alunos escolhiam o programa técnico ou profissional que queriam frequentar com base em seus interesses. Eles tinham de cursar ao menos três disciplinas de formação profissional e técnica nessa “academia”. 

Essas reformas abordaram os três principais fatores da evasão: a apatia provocada pela sensação de anonimato (“Qual o sentido, se ninguém me conhece ou se importa comigo?”); a sensação de que o diploma tem pouco valor (“Vou conseguir o mesmo emprego se me formar ou não”); e o medo de estar muito atrasado para vencer (“Disseram que meu nível de leitura é de sexto ano, então não vou me formar nunca”).

O ambiente e a frequência escolar tiveram uma melhora imediata e expressiva, trazendo avanços posteriores em taxas de conclusão do ensino médio e no índice geral de melhoria escolar do Departamento de Educação de Maryland, segundo análise de dados do estado e de distritos feita por pesquisadores do CSOS. 

 

Escolas com taxa de conclusão do ensino médio abaixo de 60% foram incentivadas a trabalhar com parceiros externos experientes.
Elas também tinham de agir dentro de prazos estipulados na esfera federal para evitar penalidades, como trocas de liderança e de equipe

Sondagens de professores feitas pela equipe do CSOS mostraram uma mudança radical em sua percepção sobre o comportamento dos alunos. Dois anos depois da implementação das reformas, a porcentagem de docentes que achavam que atrasos e faltas eram problemas sérios caiu de 83% para 17% e de 96% para 17%, respectivamente. Paralelamente, a taxa de professores que diziam ver desinteresse dos alunos em aprender caiu de 67% para 21%, e a de alunos sem interesse em uma futura profissão caiu de 57% para 20%. A frequência subiu 15% no 9º ano, e 10% na escola em geral. 

Além disso, o número de alunos que repetia o 9º ano caiu de 50% para 15%, e o de estudantes que chegavam ao penúltimo e último anos quase dobrou. Uma alta de 20 pontos percentuais em alunos aprovados no teste funcional de matemática deu à Patterson a maior taxa de aprovação entre todas as escolas de ensino médio da vizinhança. No índice de desempenho escolar, a Patterson foi da segunda pior posição para a segunda melhor posição entre as escolas não seletivas de Baltimore. 

Análises posteriores mostraram que a turma de 2000 – o primeiro grupo de formandos a vivenciar as reformas durante toda a duração do ensino médio – teve uma redução de 18% na taxa de evasão e um aumento de 9 pontos percentuais na taxa de conclusão do ensino médio, na comparação com coortes anteriores que não viveram as reformas.1

Ilustração de Ibrahim Rayintakath

O sucesso inicial da Patterson High School despertou o interesse de outras escolas e distritos em todo o país. A partir de 2000, Balfanz e colegas seus no CSOS visitaram várias dessas instituições para estudar a possibilidade de uma aliança para implementar reformas como as da Patterson. Em todo lugar, eles se depararam com problemas muito parecidos aos que tinham enfrentado na Patterson. Isso fez com que se perguntassem quantas escolas de ensino médio americanas teriam, a exemplo da Patterson, muito mais alunos no primeiro do que no último ano do ciclo. Não demorou para descobrirem que não havia dados que permitissem determinar o número de escolas com baixas taxas de conclusão do ensino médio. 

Decididos a achar a resposta e sabendo que toda escola tinha de informar o número de alunos matriculados em cada série, Balfanz e sua colega Nettie Legters compararam o número de calouros matriculados em um ano com o dos inscritos três anos depois em cada escola pública de ensino médio do país. Ao analisar quantos estabelecimentos tinham 60% ou menos de alunos no último ano do que os que haviam iniciado o ciclo, puderam estimar quantas escolas similares à Patterson havia, onde estavam localizadas e quem as frequentava. 

A análise inicial foi apresentada em um congresso em Harvard em 2001 e atualizada, já com novos dados, em 2004. Com isso, estava mapeada a crise da evasão escolar no país. Os resultados mostraram que cerca de 2.000 escolas de ensino médio (15% das escolas públicas e vocacionais com mais de 300 alunos) eram “fábricas de evasão”, responsáveis por metade dos estudantes que abandonavam a escola entre o 9º e o 12o ano. Além disso, a análise constatou que esses estabelecimentos atendiam predominantemente alunos de baixa renda e jovens negros e latinos. Em 2001, 40% dos alunos negros e 33% dos latinos estavam matriculados em uma dessas escolas.

Nessas fábricas de evasão, alunos desapareciam em um processo quase mecânico. Os calouros que chegavam com lacunas de aprendizado entravam em escolas grandes e desorganizadas, onde se sentiam ignorados e desamparados. O número de faltas disparava. Tarefas não entregues viravam notas zero nos registros de professores, levando à reprovação na disciplina. Múltiplas reprovações levavam o aluno a repetir o 9º ano – sob as mesmas condições. A maioria repetia, mas com ainda menos motivação, o que levava a mais insucessos e, muitas vezes, a uma breve passagem por uma escola alternativa antes de abandonar de vez os estudos. Calculamos que cerca de 15% dos alunos deixariam a escola de qualquer maneira devido a circunstâncias como a necessidade de trabalhar para ajudar a família, gravidez, situação de moradia instável ou passagem pela Justiça de menores. Parte do esforço para enfrentar a crise da evasão incluiria a criação de oportunidades melhores de recuperação, uma segunda chance e escolas alternativas para alunos nessas circunstâncias.

A identificação das escolas que vinham alimentando a crise de evasão no país – somada às evidências de que era possível reformá-las – fez as autoridades agirem. Em 2001, o governo George W. Bush lançou um programa federal, o Smaller Learning Communities, para ajudar a converter grandes escolas de ensino médio (com mil alunos ou mais) em comunidades menores de aprendizagem, incluindo programas de apoio ao aluno do 9º ano e currículo profissionalizante, como feito na Patterson. No governo Obama, as fábricas de evasão foram prioridade no programa para a educação: todas tinham de passar por reestruturação geral (com mudanças na liderança da escola, na equipe e/ou na gestão) e implementar melhorias baseadas em evidências no ambiente escolar, no ensino, no desenvolvimento profissional e no apoio a alunos em um prazo de cinco anos, sob pena de fechamento. O governo destinou bilhões de dólares em verba para escolas com essa finalidade.

Nesse período, nenhuma abordagem se impôs como a mais eficaz. Cada distrito encontrou sua própria maneira de mudar a dinâmica das fábricas de evasão e dar ao aluno o apoio e as experiências de aprendizagem necessárias para que concluísse a etapa. 

No início da década de 2000, por exemplo, Nova York fechou a maioria das escolas de ensino médio de grande porte (2.000 alunos ou mais) com taxas de conclusão do ensino médio abaixo de 50%, substituindo-as por centenas de escolas menores com foco temático. A gestão do prefeito Michael Bloomberg determinou que abrir escolas menores seria mais eficaz do que reformar as grandes. O movimento teve grande sucesso: a taxa de conclusão dessa etapa na cidade subiu de 54% em 2004 para 75% em 2015, e taxas de aprovação dobraram em um exame do estado, o Regents. Pesquisadores da Universidade de Nova York atribuíram grande parte do aumento à substituição de grandes fábricas de evasão por escolas temáticas menores.

Chicago foi por outra via. Em 2007, adotou para o distrito todo a ênfase na retenção dos alunos desde o ano mais problemático do ensino médio, o 9º – no qual, segundo estudos, começavam as dificuldades acadêmicas da grande maioria dos que não se formavam. E isso com no máximo uma reprovação por disciplina por semestre. Diretores de escolas tinham de monitorar taxas de aprovação dos alunos do ano inicial e usar estratégias baseadas em evidências, como equipes de apoio aos alunos, cujos professores se reuniam semanalmente para analisar dados, compartilhar aprendizados e desenvolver e implementar soluções para melhorar taxas de aprovação. Dados mostraram como o avanço nessas taxas em todo o distrito de Chicago tinham forte correlação com o posterior aumento das taxas de conclusão do ensino médio, que subiram de 49% em 2007 para 80% em 2019.

Em outros distritos, escolas de ensino médio com baixas taxas de conclusão fizeram parcerias com a sociedade civil para dar apoio adicional a estudantes. A Daniel Webster High School, em Tulsa, Oklahoma, registrou um salto de 53% em 2013 para 75% em 2016 graças à colaboração com ONGs locais. A City Year, uma entidade que recruta jovens para um ano de serviço comunitário, montou um time com dez universitários recém-formados para que cada um acompanhasse cerca de dez alunos durante a jornada escolar. Essa turma recebia os alunos pela manhã, ia a aulas de matemática e inglês para ajudar com as tarefas e incentivava a participação em atividades extracurriculares. A ONG Communities in Schools, da Virgínia, enviava à escola um coordenador para conectar jovens e famílias com dificuldades a serviços sociais e entidades que pudessem ajudar o aluno a permanecer em dia com os estudos. Um facilitador na escola coordenava as equipes de professores e representantes da City Year e da Communities in Schools para monitorar a frequência às aulas, o comportamento e o desempenho acadêmico de alunos e, juntos, formular respostas adaptadas às dificuldades vividas por cada um.

 

Nenhuma abordagem se impôs como a mais eficaz. Cada distrito escolar encontrou sua própria maneira de mudar a dinâmica das chamadas
“fábricas de evasão” e dar ao aluno o apoio e as experiências de aprendizagem necessárias para que concluísse o ensino médio

Essas medidas localizadas, combinadas com a iniciativa isolada de alguns pais de matricular os filhos em escolas com taxas de conclusão mais altas, derrubaram o número de fábricas de evasão. Elas foram de aproximadamente 2.000 em 2001 para cerca de 700 em 2019. Mais impressionante ainda foi a queda na porcentagem de alunos negros e latinos que frequentavam essas escolas: de 40% e 33%, respectivamente, para cerca de 15%.

Ouvir o público-alvo 

Quando iniciamos o trabalho que levou à campanha para a conclusão do ensino médio, sabíamos que precisávamos conhecer melhor o estudante que abandonava a escola, para poder entender quem era, por que desistia e o que o poderia reter. Infelizmente, não achamos nenhum estudo em escala nacional que trouxesse relatos de alunos. Em 2004, Bridgeland e Geoff Garin, da Hart Research, em parceria com Marie Groark, da Fundação Bill & Melinda Gates, fizeram uma série de grupos de discussão com jovens e sondagens com um total de 467 ex-alunos, de 16 a 25 anos, em 25 localidades americanas.

Quase metade dos jovens da pesquisa disseram que as aulas não eram interessantes, estimulantes ou relevantes para o futuro que tinham imaginado para si. Dois terços falaram que teriam se esforçado mais se os professores tivessem exigido mais. Nos grupos de discussão, alguns falaram da importância de o professor os conhecer. “Se os professores tivessem sabido meu nome, quais meus interesses, de que livros eu gostava, eu jamais teria deixado a escola”, disse uma jovem da Filadélfia.

Como observaram Bridgeland, John Dilulio e Karen Morison, da Civic, no relatório de 2006 sobre os dados que reuniram – o já citado “The Silent Epidemic” –, ninguém abandona a escola de forma súbita ou aleatória. Isso resulta de um lento processo de desconexão com a escola, com vários sinais de alerta que professores, administradores e pais deveriam identificar (alunos às voltas com circunstâncias pessoais difíceis são exceções a essa regra). Além disso, em 35 estados americanos não havia leis exigindo que o aluno permanecesse na escola até os 18 anos ou a conclusão do ensino médio. Em alguns, aos 16, o estudante podia simplesmente assinar um documento e deixar a escola para sempre ou parar de ir às aulas sem dever explicações.

Quando esse relatório saiu, escrevemos a todos os governadores pedindo que a crise da evasão escolar fosse tratada como prioridade no discurso anual de prestação de contas do governo (o “State of the State Address”), que o assunto entrasse nas prioridades orçamentárias e que todos continuassem batalhando pelas metas de conclusão do ensino médio. Para estados com leis obsoletas de idade de escolarização, Bridgeland e colegas da Civic redigiram um relatório com propostas de ação, dando o exemplo de legislações de referência de outros estados, além de informações sobre mecanismos de apoio a alunos com dificuldades de eficácia comprovada (como mentoria e tutoria, mais tempo em laboratórios de leitura e academias de apoio ao 9º ano). Isso levou a maioria dos estados a aumentar a idade da escolaridade obrigatória para 17 ou 18 anos ou a exigir que alunos permanecessem na escola até a conclusão da etapa. Pesquisadores haviam mostrado que cerca de 25% dos alunos sob risco de evasão ficavam na escola por causa dessas leis etárias (ainda não há, em estados que elevaram a idade escolar obrigatória, estudos que atestem se a mudança realmente contribuiu para o aumento de taxas de conclusão do ensino médio).

Houve intersecções importantes entre nossos esforços por ouvir estudantes e por identificar escolas com altas taxas de evasão. Sondagens com jovens, muitos deles oriundos das chamadas “fábricas de evasão”, mostraram que, quando quase metade dos alunos abandonava os estudos, a tendência criava na escola uma cultura na qual essa atitude era aceitável. Alguns chegaram a dizer que sentiam pressão dos colegas para deixar a escola. O ato de deixar a escola era normalizado nesses lugares, ainda que nossas entrevistas revelassem que a maioria queria se formar e reconhecia a importância de concluir o ensino médio para a vida laboral. Esse esforço duplo – que de um lado humanizou o problema com a voz de alunos e mostrou que a maioria poderia ter se formado com o apoio certo e, de outro, identificou as escolas responsáveis por metade da evasão no país – deu esperança a líderes da área da educação, de ONGs, de empresas e de governos. Nosso trabalho e “The Silent Epidemic” geraram grande atenção pública e da mídia, incluindo uma capa da revista Time em 2006 intitulada “Dropout Nation”, dois episódios do The Oprah Winfrey Show e uma coluna no jornal The Washington Post redigida pelo ganhador do Pulitzer David Broder. Essa conscientização nacional ajudou a mudar a narrativa sobre a evasão escolar. De um fracasso individual, ela passou a ser vista como consequência de problemas sistêmicos. Tornar o desafio tão visível para todos os americanos facilitou a formação de uma coalizão para o enfrentamento do problema.

 

Criar e manter uma coalizão multissetorial

A partir de 2004, trabalhamos com duas parceiras, a America’s Promise Alliance e a Alliance for Excellent Education, para montar uma coalizão. Começamos por ouvir quem era mais diretamente afetado pela crise: alunos, professores, administradores, pais e orientadores. Pesquisas que fizemos com esses grupos entre 2004 e 2012 mostraram que muitos não conheciam plenamente a magnitude e o impacto do problema. Mas, uma vez cientes e munidos de evidências, começaram a se mobilizar em torno de soluções de eficácia comprovada: adoção de mecanismos para detectar logo alunos com dificuldades; monitoramento da frequência de cada aluno; maior oferta de tutores e mentores; criação das “academias de 9º ano” para facilitar a crucial transição para o ensino médio; e ampliação de iniciativas para demonstrar a relevância da educação para o sucesso profissional, incluindo dupla diplomação, obtenção de créditos em disciplinas universitárias e escolas alternativas com forte ligação com a capacitação para o trabalho. 

Buscamos o apoio de organizações de defesa do estudante; dos dois principais sindicatos de professores (American Federation of Teachers e National Education Association); e de associações que congregavam orientadores, administradores e pais. Cada organização dessas compartilhou nossos informes e planos com sua respectiva rede e colaborou com autoridades municipais e estaduais para enfrentar o desafio. Dado o impacto desproporcional em alunos não brancos, também fizemos parcerias com a National Association for the Advancement of Colored People e o National Council of La Raza (hoje UnidosUS). Muitas das seções dessas organizações trabalharam para aumentar a conscientização sobre o problema da evasão escolar no ensino médio e para incentivar a ação.

Organizações de desenvolvimento juvenil com filiais em todo o país – United Way, City Year, Communities in Schools, Boys & Girls Clubs of America e Big Brothers, Big Sisters – também aderiram à iniciativa para alinhar seu trabalho com a meta de manter alunos no ensino médio até a conclusão dessa etapa. Também incentivamos o conselho dessas entidades a incluir o problema entre suas prioridades. Para muitas delas, incorporar o aumento de taxas de conclusão do ensino médio a sua missão serviu como um sólido indicador para demonstrar a seus apoiadores e financiadores que a organização estava tendo um impacto tangível na vida dos estudantes.

 

Conseguimos orquestrar uma coalizão ampla porque mostramos que trabalhar juntos para enfrentar a crise da evasão escolar era bom para o
trabalho de to­dos, fosse qual fosse sua área de atuação, já que o sucesso na educação é determinante para outras ações junto à população jovem

 

Também buscamos maior exposição na mídia. Aproveitando a ampla cobertura de grandes veículos de comunicação, Bridgeland organizou o National Summit on America’s Silent Epidemic, um encontro em parceria com Time, MTV e National Governors Association, que teve o apoio da Fundação Bill & Melinda Gates. Esse encontro levou a uma parceria com a Corporation for Public Broadcasting (CPB) e inspirou a iniciativa da CPB batizada de American Graduate, que mobilizou e bancou uma cobertura extensa da crise da evasão escolar por várias afiliadas (TV, rádio, digital e online) da rede pública de comunicação e congregou líderes locais de diferentes setores. 

A CPB também financiou o Student Reporting Labs, que treinou estudantes para reportar e incentivar ações sobre o problema da evasão em suas escolas. Como parte da iniciativa American Graduate, a Public Broadcasting System (PBS) abordou a questão em seu principal programa, o NewsHour, e incentivou centenas de emissoras afiliadas a conclamar lideranças da sociedade civil a trabalhar juntas no enfrentamento do problema.

O retorno das campanhas da CPB e da PBS foi expressivo e mensurável. A iniciativa American Graduate teve o forte apoio da CEO da CPB, Pat Harrison, e do conselho, que participou de muitas das nossas cúpulas anuais. Ao apresentar os resultados da campanha ao conselho da CPB, Bridgeland contou que em 88% das comunidades onde a CPB e a PBS tinham dado destaque ao projeto American Graduate, as taxas de conclusão do ensino médio tinham subido duas vezes mais do que a média nacional.

Também trabalhamos para mobilizar o interesse da iniciativa privada no assunto. Uma parceira, a Alliance for Excellent Education, produziu um relatório em 2011 que mostrava o forte impacto econômico da crise da evasão escolar em indivíduos, na sociedade e na economia nas esferas municipal, estadual e nacional. O impacto econômico da evasão passou a ser um tema central das mais de 200 cúpulas que fizemos país afora a partir de 2006, inspirando lideranças empresariais presentes a esses encontros a agir. 

Um caso de destaque foi o da AT&T, que lançou um projeto de investimento de US$ 500 milhões ao longo de uma década. O projeto incluía subsídios a escolas, distritos escolares e ONGs que lidam diretamente com o problema para melhorar taxas de conclusão do ensino médio. Randall Stephenson, CEO da empresa, virou um forte defensor da luta por resultados educacionais melhores e pelo preparo de jovens para o mercado de trabalho, promovendo, em entrevistas, argumentos que usaríamos em defesa da causa.

Também tivemos o apoio do setor da saúde pública. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) declarou a evasão no ensino médio um problema de saúde pública, já que a conclusão dessa etapa é um dos fatores sociais de maior peso na saúde do indivíduo. Um general que acabara de voltar de uma missão no Afeganistão foi ao nosso encontro anual para descobrir como programas do Exército americano em escolas poderiam ajudar alunos a não abandonar os estudos. Mais tarde, fizemos uma parceria com o programa National Guard Youth Challenge, que ajudava estudantes que sentiam dificuldades no ambiente escolar tradicional a encontrar vias para uma vida laboral produtiva e o engajamento cívico. Para continuar dando destaque à perspectiva de estudantes sobre a crise da evasão, a America’s Promise Alliance, sob o CEO John Gomperts, e o Center for Promise, liderado por Jon Zaff, publicaram em 2014 um relatório contundente sobre experiências que levavam o aluno a abandonar a escola.

E, claro, envolvemos autoridades públicas em todas as esferas. A campanha trabalhou de perto com a Presidência, com secretários de educação e outras autoridades federais de diferentes governos; com a National Governors Association; o Council of Chief State School Officers; o Chiefs for Change; a United States Conference of Mayors; a National League of Cities; e diversas outras associações. George W. Bush fez da reforma da educação uma de suas prioridades, enquanto Barack Obama deu continuidade ao trabalho, com ênfase especial na melhoria das escolas de baixo desempenho. Os secretários de educação Margaret Spellings, Arne Duncan e John King frequentemente nos convocavam para atualizar suas equipes e participavam com destaque em nossas cúpulas.

Governadores e prefeitos de diferentes partidos fizeram da conclusão do ensino médio uma prioridade – o que, em alguns casos, os levou à reeleição. Ao mostrar que era possível fazer progresso em estados republicanos, democratas e indefinidos e que governadores e prefeitos, progressistas ou conservadores, estavam tomando medidas e conseguindo resultados, essa campanha incentivou outros a dar destaque ao problema da evasão escolar em suas próprias comunidades e a adotar reformas e soluções que estavam surtindo efeito em outras localidades e estados.

Republicanos, em particular, gostavam de ver o forte envolvimento da iniciativa privada na questão, com CEOs e outras lideranças empresariais participando de nossos encontros e empresas como AT&T fazendo da educação uma prioridade em suas iniciativas filantrópicas. Democratas viam recursos públicos sendo aplicados a iniciativas baseadas em evidências e produzindo retornos melhores, incluindo o aumento das taxas de conclusão para alunos de estratos desfavorecidos, uma vez que o governo federal estava desagregando taxas de conclusão do ensino médio por raça, etnia, renda, deficiência e proficiência de inglês e nossos relatórios anuais mostravam o progresso dessas populações.

Fundações também entraram em cena. A Fundação Bill & Melinda Gates foi uma das primeiras a financiar nossas sondagens com alunos que deixavam a escola, com pais e professores, além de organizar conosco uma primeira cúpula nacional, reunindo a National Governors Association, a Civic, a Time e a MTV. Além disso, a fundação mobilizou e aportou recursos a sua grande rede de organizações ativistas para mobilizar seu público no combate à crise da evasão.

A Fundação Raikes apoiou nosso relatório “Hidden in Plain Sight” (Escondido bem debaixo dos nossos olhos), que escancarou para a nação o drama da evasão escolar por alunos sem moradia. Já a Fundação Lumina – que tinha, assim como nossa campanha, a meta de aumentar a qualificação de alunos após o ensino médio – virou uma parceira regular nesse trabalho de garantir que os formandos tivessem sucesso em etapas posteriores de educação, capacitação e preparação para o mercado de trabalho. Fundações comunitárias também foram parceiras importantes em diferentes áreas do país. 

Em todos os casos, financiadores viram um grande retorno sobre o investimento, com duas décadas de avanços em taxas de conclusão do ensino médio que, por sua vez, gerariam benefícios para indivíduos, a sociedade e a economia. Em suma, conseguimos orquestrar uma coalizão ampla porque mostramos que trabalhar juntos para enfrentar a crise da evasão escolar era bom para o trabalho de todos, fosse qual fosse sua área de atuação, já que o sucesso na educação é determinante para outras ações junto à população jovem.

 

Além dos 90

Apesar de todo o progresso feito, a campanha GradNation não atingiu a meta de elevar a taxa de conclusão do ensino médio a 90% em todo o país até 2020. A campanha encontrou obstáculos que não conseguimos vencer. Era alarmante o ritmo de rotatividade na gestão de escolas e de distritos, comprometendo a durabilidade dos avanços produzidos quando havia estabilidade na gestão. 

Além disso, em grandes escolas públicas de ensino médio normalmente havia mais de mil estudantes por orientador. E aumentar taxas de conclusão, por si só, não garantia o sucesso do aluno no futuro, já que a maioria dos empregos hoje e amanhã vão exigir formação ou educação pós-secundária.

O compromisso de nossos parceiros externos com a campanha também oscilou, já que a missão de cada um não era voltada unicamente ao problema da evasão escolar e, se mudava a liderança, mudavam também as prioridades. Novos governos e novos governantes em geral queriam novas iniciativas e perdiam o interesse na crise da evasão. Com a troca na liderança de empresas e fundações normalmente surgiam prioridades diferentes. Um importante parceiro deixou de participar porque ficamos ligeiramente aquém da ambiciosa meta de 90%. Encerrar a campanha nacional antes de bater essa meta foi uma grande decepção. E, com a pandemia de covid-19, todo o sistema de educação saiu dos eixos.

Isso posto, a campanha produziu resultados em uma escala que poucos julgavam possível. O progresso não foi fruto só de mudanças demográficas, do reconhecimento de que abandonar os estudos levava a um beco sem saída ou da manipulação do sistema. A variabilidade no momento, no ritmo e na sustentabilidade dos avanços mostrou que a taxa de conclusão do ensino médio subiu em comunidades que reconheceram a importância de elevá-la e trabalharam a questão no longo prazo, aprendendo à medida que avançavam. 

Nossas visitas a mais de cem escolas ao longo de 20 anos mostraram reiteradamente que salas de aula, escolas e distritos podiam, sim, criar uma “cultura em que todo aluno importa”, nas palavras de um superintendente de Indiana cuja escola figurou na capa da Time e cujos esforços elevaram a taxa de conclusão do ensino médio de 72% para 92%. E estudo atrás de estudo mostrou progresso considerável em todo os Estados Unidos. Após 30 anos de estagnação nessas taxas – até a virada do século 21 –, a campanha GradNation mostrou ao país que era possível fazer avanços expressivos e trabalhou com diferentes esferas políticas, setores e áreas do país para dar cabo da missão.

Não podemos parar agora. Chegar a 90% e superar essa marca exigirá mais trabalho em escolas, distritos e estados que estão ficando para trás. A boa notícia é que há evidências de que qualquer escola, distrito ou estado pode fazer progresso. Assim como ocorreu nas últimas duas décadas, distintos setores terão de unir forças, dedicar lideranças e recursos e se comprometer com reformas baseadas em evidências e em resultados para avançar. 

Com um mercado de trabalho cada vez mais exigente, que exige capacitação e educação pós-secundária, estamos trabalhando com nossos parceiros na Jobs for the Future, na Fundação Bill & Melinda Gates, na Walton Family Foundation e na Fundação Lumina para criar uma iniciativa, a Future Pathways, que conecte escolas de ensino básico e médio, instituições de ensino superior e empresas com a meta de elevar a porcentagem de jovens que chegam aos 25 anos inseridos em suas comunidades e com empregos com bons salários.

Nossa experiência compartilhada em uma campanha nacional com tantas lideranças e instituições extraordinárias em todo o país nos faz acreditar que é possível avançar em problemas internos aparentemente intratáveis, mesmo em tempos de grande polarização política. Sugerimos que líderes de outras áreas estudem a fórmula de quatro pilares da campanha para adaptá-la aos problemas que estejam buscando resolver. E sugerimos que atuem de forma incansável para criar uma plataforma de trabalho colaborativo que explore toda a inventividade, a criatividade e o espírito empreendedor do povo americano.

 

OS AUTORES

Bob Balfanz é distinguished research professor do Centro para a Organização Social de Escolas (CSOS), da Universidade Johns Hopkins, onde atua como diretor do Everyone Graduates Center.

John Bridgeland é presidente-executivo do Office of American Possibilities, uma organização voltada a explorar o talento empreendedor da sociedade americana para encontrar soluções ambiciosas para desafios sociais. É, ainda, CEO da Civic. Durante o governo George W. Bush, foi diretor do Conselho de Política Interna da Casa Branca e, no governo Barack Obama, integrou o Conselho de Soluções Comunitárias da Casa Branca.

 

Nota

A JHU encerrou sua parceria com a Patterson High School em 2000, quando a nova diretoria da escola julgou que poderia continuar a melhorar seus resultados sem um parceiro externo. A escola de fato continuou melhorando, mas, ao longo da década de 2010, com o constante rodízio na liderança, as reformas iniciais foram sendo deixadas de lado. Os resultados da escola também começaram a piorar e, hoje, a taxa de conclusão do ensino médio está na faixa de 60%. A importância de Patterson para nossa história – além de ter nos levado ao conceito de “fábrica de evasão” – não está tanto em ter nos levado a identificar uma série de reformas eficazes, mas em nos permitir demonstrar que uma abordagem abrangente e baseada em evidências podia promover mudanças positivas. Com o tempo, outras escolas puderam aprender com as reformas da Patterson e encontrar maneiras de torná-las mais sustentáveis.



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