Priorizar a Equidade no Impacto Coletivo
Uma década aplicando a abordagem de impacto coletivo para lidar com problemas sociais nos ensinou que a equidade é fundamental nesse processo.
Por John Kania, Junious Williams, Paul Schmitz, Sheri Brady, Mark Kramer e Jennifer Splansky Juster
Em 2011, dois de nós, John Kania e Mark Kramer, publicamos um artigo na Stanford Social Innovation Review intitulado “Impacto coletivo”. Em pouco tempo, tornou-se o artigo mais baixado da história da revista. Até hoje, acumulou mais de um milhão de downloads e 2.400 citações acadêmicas. Mais importante ainda: incentivou milhares de pessoas em todo o mundo a implementar a abordagem do impacto coletivo em uma ampla variedade de desafios sociais e ambientais. Avaliações independentes confirmaram que a estratégia pode contribuir para impactos em larga escala1, o que fez surgir uma área internacional de profissionais do impacto coletivo. Seus esforços aprofundaram enormemente nossa compreensão acerca de muitos fatores que podem fomentar ou impedir o sucesso do impacto coletivo.
No artigo original, definimos impacto coletivo como “o comprometimento de um conjunto de atores importantes de diferentes setores em prol de uma agenda comum, a fim de solucionar um problema social específico”.
Identificamos, ainda, um processo estruturado com cinco condições fundamentais que distinguem o impacto coletivo de outros tipos de colaboração:
1. Agenda comum
Agenda comum, elaborada pela definição coletiva do problema e pela criação de uma visão comum para resolvê-lo.
2. Sistemas compartilhados de mensuração
Sistemas compartilhados de mensuração, baseados em um acordo entre todos os participantes para acompanhar e compartilhar o progresso da mesma maneira, o que permite aprendizado, melhoria e responsabilidade contínuos.
3. Atividades de reforço mútuo
Atividades de reforço mútuo integrando as várias e distintas atividades dos participantes para maximizar o resultado final.
4. Comunicação contínua
Comunicação contínua, o que ajuda a fomentar a confiança e a criar novos relacionamentos.
5. Organizações de apoio centralizado
Organizações de apoio centralizado, dedicadas a alinhar e coordenar o trabalho do grupo.
Nós também observamos que esses elementos centrais precisariam ser adaptados de acordo com as circunstâncias específicas de cada iniciativa.
Ao longo dos anos subsequentes, muitos profissionais e redes de impacto coletivo2 aprimoraram e ampliaram essas cinco condições originais de maneiras úteis.3 Em 2016, juntamente com o Collective Impact Forum – uma iniciativa da FSG e do Aspen Institute Forum for Community Solutions para apoiar profissionais do impacto coletivo –, publicamos oito princípios adicionais de práticas para a implementação do impacto coletivo, que, significativamente, incluíam o envolvimento dos membros da comunidade e a priorização da equidade.
Olhando para esses dez anos, observamos, graças às nossas próprias jornadas pessoais e profissionais e à experiência de outrem, que a principal razão pela qual os esforços do impacto coletivo fracassam é a ausência da centralização da equidade. Dessa forma, acreditamos que devemos redefinir o impacto coletivo de modo a incluir, como pré-requisito, a equidade em seu cerne. Assim, propomos uma revisão na definição do conceito: “Impacto coletivo é uma rede de membros de comunidades, organizações e instituições que promovem a equidade por meio do aprendizado conjunto, alinhando e integrando suas ações a fim de alcançar mudanças populacionais e sistêmicas”. Para se concentrar na equidade, esforços de impacto coletivo devem se comprometer com uma série de ações que iremos explorar neste artigo.
O que é equidade?
Ao nos comprometermos em priorizar a equidade nos deparamos, antes de mais nada, com entendimentos inconsistentes acerca de seu significado. Entre muitas definições alternativas, cada uma dotada de suas próprias virtudes, a que achamos mais útil vem da Urban Strategies Council, organização de pesquisa e defesa: “Equidade é a imparcialidade e a justiça alcançadas por meio da avaliação sistemática das disparidades em oportunidades, resultados e representações e a reparação [dessas] disparidades por meio de ações direcionadas”4. Essa definição mostra as necessidades de muitos grupos e populações diversos que atuam diariamente sob restrições estruturais que, há gerações, restringem sua capacidade de prosperar, resultando em marginalização e opressão severas e conjuntas, independentemente do lugar do mundo em que vivem. Apenas quando os esforços de impacto coletivo se dedicarem a compreender quem foi marginalizado e por que e como eles estão vivenciando a marginalização e, após tais investigações, adotarem uma ação direcionada para criar políticas, práticas e instituições que abordem iniquidades atuais e históricas, só então essas comunidades irão se libertar para atingir todo seu potencial.
A seguir, nos concentramos na equidade racial, uma vez que pessoas negras são, frequentemente, mais marginalizadas estrutural, institucional e interpessoalmente nos Estados Unidos e em muitos outros países5. Contudo, acreditamos que focar na equidade racial também nos permite apresentar estruturas, ferramentas e recursos que podem ser aplicados em outras áreas sujeitas a marginalizações — pessoas com deficiência, orientação sexual, gênero, classe, casta, etnia, religião etc.
Explorar a marginalização das pessoas, dentre uma variedade de identidades, pode também abrir espaço para a adoção de uma abordagem interseccional6 do trabalho, reconhecendo que aqueles dotados de múltiplas identidades (por exemplo, mulheres negras) encontram-se, muitas vezes, em situações mais difíceis que os demais. Nós incentivamos os profissionais a examinar dados locais e a ouvir as experiências das pessoas em suas comunidades para compreender quais populações são, sistematicamente, deixadas para trás e, então, trabalhar com as marginalizadas para adaptar as estratégias compartilhadas aqui a fim de melhorar suas vidas.
Devido ao aumento da atenção dada à equidade racial nos dias de hoje, provocado, em parte, pelo assassinato de George Floyd em maio de 2020 e por inúmeras outras vítimas de violência de cunho racista, o impacto heterogêneo da Covid-19 nas pessoas negras e o reconhecimento cada vez maior das consequências nefastas do racismo estrutural enraizado por toda a sociedade, nosso foco intensificado em equidade não será, para a maioria, uma surpresa. O desafio que nós e muitos outros enfrentamos, porém, é como colocar a equidade no centro da prática do impacto coletivo. Com este artigo, esperamos oferecer orientações específicas e práticas para os participantes de iniciativas de impacto coletivo, mostrando a eles o que precisa ser mudado em seu trabalho para que consigam atingir seus objetivos.
Em particular, acreditamos que priorizar a equidade exige repensar os fatos que aparentemente definem o problema, reconhecendo que populações marginalizadas dentro de qualquer comunidade têm experiências muito diferentes daquelas de muitos indivíduos e organizações que trabalham para ajudá-las. Como pessoas de fora, nós, frequentemente, não sabemos o suficiente para sermos úteis ou eficazes como deveríamos e, por isso, precisamos primeiro conversar, ouvir e aprender.
Também reconhecemos que o impacto coletivo tem eficácia duradoura apenas se voltar-se para a mudança de sistemas subjacentes, não apenas para o acréscimo de programas ou serviços novos. Colocar o foco na equidade exige uma representação diversificada mais ampla em cargos de liderança e em estratégias para mudar o poder, de modo que os detentores do poder formal – nos Estados Unidos e em boa parte do mundo ocidental, principalmente pessoas do sexo masculino e brancas – sejam capazes de se envolver com a comunidade, ouvi-la, compartilhar seu poder e, ainda, agir de acordo com sua sabedoria. Por fim, todos os envolvidos devem reconhecer e assumir a responsabilidade de seus papéis na perpetuação e na correção das iniquidades – um processo de mudança interior que, muitas vezes, é ignorado.
Como a equidade transforma o impacto coletivo
Priorizar a equidade altera a forma como os profissionais implementam o impacto coletivo. Vejamos a Chattanooga 2.0, iniciativa de impacto coletivo lançada em 2016, em Chattanooga, Tennessee, e que trabalha para garantir que crianças e jovens tenham educação de qualidade e oportunidades profissionais promissoras. Desde o início, o projeto estabeleceu a equidade como o resultado almejado. Contudo, os participantes não compreenderam isso e tampouco a abordaram de modo proativo – somente após o recente despertar da justiça social no país é que foram levados a admitir a necessidade de um plano estratégico completamente novo.
“Parte do problema estava no fato de que nossa comunidade não tinha um léxico comum sobre o significado de equidade, o que fazia com que, muitas vezes, a divisão na comunidade parecesse depender de semântica e não do problema à mão mais urgente”, explica Molly Blankenship, diretora executiva, branca, da equipe de apoio centralizado da Chattanooga 2.0. Um novo processo de planejamento estratégico a fim de estabelecer uma agenda comum mobilizou um grupo muito mais diversificado do ponto de vista racial e intersetorial de moradores e líderes que incorporou as contribuições da comunidade e os compromissos públicos de ações em prol da equidade racial. A Chattanooga 2.0 também mudou sua estrutura administrativa para aumentar a diversidade racial e garantir transparência. Pediu-se para que todos os membros da coalização assinassem uma carta pública mostrando seu comprometimento com a equidade tanto no que dizia respeito ao processo como ao resultado.
Além disso, a Chattanooga 2.0 reestruturou suas avaliações de progresso para separar os dados por raça, mostrando diferenças gritantes dentro da comunidade. De uma forma explícita, revelou e abordou desequilíbrios de poder que afetavam a comunicação e os relacionamentos entre os participantes, alterando, assim, a cultura interna com o propósito de assegurar que as contribuições de todos os membros colaboradores fossem igualmente valorizadas. Focou-se, ainda, no desenvolvimento de empatia e compreensão entre os líderes envolvidos no trabalho, em especial aqueles sem experiência direta com os problemas. “À medida que o poder se acumula, a capacidade de se identificar com aqueles que foram privados de seus direitos e do controle sobre suas vidas frequentemente diminui”, afirma Blankenship.
A atenção da Chattanooga 2.0 se afastou de intervenções programáticas e voltou-se para mudanças mais sistêmicas, tais como trabalhar para que a cidade de Chattanooga deixe de ser fornecedora têxtil e passe a ser uma área onde o sistema educacional é, desde cedo, mais coordenado e alinhado. Até a equipe de apoio centralizado teve de rever seu papel. Com o suporte de seus comitês executivo e de gestão, Blankenship assumiu uma nova competência.
“Como líder branca ciente do ônus desse trabalho, posso agir para que os membros da coalizão consigam fazer um trabalho mais ousado”, explica. “Posso me valer de meu privilégio não só para abrir espaço para que as vozes dos líderes e membros da comunidade BIPOC [sigla em inglês para negros, indígenas e pessoas de cor] sejam ouvidas, mas também para elevá-las. E posso usar minha própria voz – a plataforma e o capital político que me foi dado – para falar verdades que precisam ser ditas, me posicionar na linha de frente, quando necessário, e ser útil para os beneficiários da nossa coalizão.”
A experiência de Blankenship destaca os passos necessários para aqueles que detêm o poder priorizem a equidade no impacto coletivo e sirvam melhor às comunidades que desejam ajudar. Sem articular explicitamente o trabalho para priorizar a equidade e abrir espaço para fazer esse trabalho, os esforços de impacto coletivo não atingirão seu potencial e não serão capazes de acabar com iniquidades há muito existentes, reparar injustiças históricas e promover melhores resultados para aqueles que foram esquecidos.
Cinco estratégias para centralizar a equidade
Felizmente, muitos esforços de impacto coletivo ao redor do mundo já progrediram no que diz respeito à priorização da equidade. Estudando algumas dessas iniciativas em diferentes regiões e acerca de questões variadas, observamos surgir, em particular, cinco estratégias fundamentais para o foco na equidade:
Basear o trabalho em dados e contexto e ter soluções direcionadas.
Concentrar-se na mudança sistêmica, além de em programas e serviços.
Alterar o poder entre os colaboradores.
Ouvir a comunidade e agir com seus membros.
Desenvolver liderança e responsabilidade com equidade.
Nenhuma dessas estratégias é nova, mas, ainda assim, seguem sendo áreas que exigem compreensão e comprometimento para terem sucesso. Desenvolvidas juntas, formam a base para uma abordagem compreensiva e integrada para a equidade no cerne do impacto coletivo. Vamos observá-las separadamente.
Estratégia 1: Basear o trabalho em dados e contexto, e ter soluções direcionadas.
Basear o trabalho em dados e contexto apropriados exige que os participantes da iniciativa de impacto coletivo desenvolvam uma compreensão nova e comum da terminologia, da história, dos dados e das percursos pessoais. Ainda que falsas e prejudiciais, muitas narrativas amplamente aceitas na nossa sociedade são usadas por aqueles que detêm o poder – com ou sem intenção – para esconder o racismo estrutural. Muito antes de analisar dados ou propor soluções, os participantes devem criar uma linguagem comum sobre definições a respeito de raça e equidade com as quais concordem7.
Além disso, é importante que compartilhem uma compreensão mais precisa das origens e da natureza das iniquidades existentes. Essa consciência deve incluir o entendimento da diferença entre racismo estrutural e culpa pessoal, bem como o desenvolvimento da empatia para além de sentimentos individuais de culpa entre os privilegiados, ou de vergonha entre os marginalizados. Trabalhos eficientes de equidade antirracista quase sempre começam com um conhecimento histórico mais profundo.
Vemos essa estratégia no trabalho da médica Zea Malawa, mulher negra e profissional da saúde pública, pediatra e mãe, que comanda a Expecting Justice, iniciativa de apoio centralizado para o impacto coletivo que se concentra na melhoria da saúde infantil e maternal entre famílias negras e oriundas de ilhas do Pacífico em San Francisco. Apesar da riqueza da cidade, um em cada sete bebês negros nasce prematuramente – um índice duas vezes maior que o de bebês brancos. Desde seu início, a Expecting Justice voltou todos seus esforços para resolver as iniquidades raciais que são as causas originárias de resultados tão díspares.
“Procuro sempre pensar em como podemos fazer o antirracismo parecer algo irresistível”, afirma Malawa. Sua equipe começa por assegurar que todos os participantes entendam a história por trás dos dados. “As pessoas são capazes de identificar que os outros podem ser pobres e que estão enfrentando problemas de saúde porque são pobres, mas, na maioria das vezes, não sabem dizer os motivos”, explica. “E na ausência da capacidade de descrever o motivo, aparecem com suposições que realmente mostram a presença do racismo cultural.”
Para dar uma nova roupagem ao assunto, Malawa destaca momentos críticos da história americana, desde o tempo da escravidão nos Estados Unidos até formas de opressão modernas que negaram aos negros oportunidades de participar de maneira justa do progresso econômico americano8. O endosso deliberado do governo às práticas de redlining [recusa de crédito para os moradores de áreas consideradas de risco econômico] para o financiamento da casa própria depois da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, explica os motivos pelos quais as pessoas negras foram segregadas em bairros pobres e tiveram o acesso à casa própria negado, ficando, assim, apartadas daquela que é a fonte primária de riqueza intergeracional das famílias de classe média branca. Malawa mostra mapas de redlining de décadas passadas que traçam, de modo preciso, os contornos das regiões de baixa renda atuais.
Malawa oferece ajuda extra aos líderes da Expecting Justice que não têm muita experiência com a comunidade atendida pela iniciativa para que possam compreender melhor as forças motrizes da iniquidade. Ela elaborou, por exemplo, quatro cenários diferentes que ilustram barreiras estruturais enfrentadas por mulheres prestes a dar à luz – em um espectro que vai desde marginalizada devido a sua raça até privilegiada racialmente. E, então, envolveu os membros do comitê gestor no desenvolvimento de um “mapa de compreensão” para a mãe grávida em cada cenário, destacando como os obstáculos e desafios são maiores para as mães marginalizadas racialmente.
As falsas narrativas não vivem apenas na história, mas nos dados coletados atualmente. Estamos acostumados a descrever os problemas da sociedade com dados agregados: índice nacional de desemprego, índice de pessoas que completaram o ensino médio, número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, ou a porcentagem de mortes neonatais. Contudo, os dados agregados mascaram as variações por características como raça e etnia, gênero, idade, orientação sexual, nível da renda e geografia. A não ser que os dados sejam separados, não podemos compreender verdadeiramente os problemas, desenvolver soluções adequadas ou documentar o progresso.
Testemunhamos, por exemplo, o problema que pode surgir quando os dados estão agrupados e não se apresentam soluções direcionadas durante a pandemia da Covid-19, quando muitas jurisdições não estavam coletando e/ou compartilhando informações sobre as taxas de infecção ou checando os dados com base em raça e etnia. Mais tarde, foram reveladas taxas de incidência contrastantes e possivelmente evitáveis9.
A simples obtenção de dados separados pode ser um desafio porque, muitas vezes, eles não são coletados com especificidade suficiente, tais como dados coletados de “asiáticos” sem que se especifique sua origem nacional. A falta desses dados esconde muitos problemas e pode resultar em programas e políticas ineficazes. Uma mudança sistêmica importante que pode advir de esforços de impacto coletivo é a defesa de agências públicas, pesquisadores e outros guardiões de conjuntos de dados administrativos para melhorar a precisão tanto de sua coleta de dados quanto de seus relatórios, apoiando análises mais equitativas e soluções mais direcionadas.
Dados não agrupados são fundamentais, mas não são suficientes. A priorização da equidade no trabalho de impacto coletivo exige uma compreensão mais holística da experiência de vida das populações marginalizadas, algo que pode ser obtido por meio de entrevistas, questionários, grupos focais, narrativas pessoais e um genuíno envolvimento. Muitas vezes, os conjuntos de dados, em especial aqueles que são apenas quantitativos, não conseguem reproduzir um contexto importante que apenas as pessoas mais impactadas, e aquelas mais próximas a elas, conhecem, e os grupos que interpretam esses dados nem sempre incluem aqueles que passaram por tais experiências em sua interpretação. Para resolver esse problema, muitas iniciativas de impacto coletivo começam com todos os participantes do projeto, incluindo líderes organizacionais e moradores que vivenciaram os problemas, estudam dados visuais de fácil compreensão e, juntos, analisam e interpretam as informações dos dados, criando um significado comum.
A Expecting Justice fez da contextualização precisa de dados um princípio fundamental de seu trabalho. A maior parte de seu comitê gestor é composta por líderes brancos de agências governamentais e de outras grandes organizações, muitas das quais com contato direto limitado com mães e famílias, mas incluem também várias mães negras e oriundas de ilhas do Pacífico. A equipe de apoio centralizado reconheceu que olhar para a experiência dessas mães é um dado essencial e, assim, passou vários meses fomentando uma relação de confiança com o grupo para abrir espaço para que elas pudessem compartilhar suas histórias, tornando-as parte do trabalho de construção de contexto do comitê gestor a respeito dos nascimentos prematuros.
O próprio ato de ir atrás dos grupos afetados e ouvir suas histórias pode oferecer um alicerce para fomentar a confiança junto às partes interessadas da comunidade. O uso ativo das histórias pode, também, servir para localizar e centrar a narrativa de mudança na comunidade. Esse passo é capaz de mudar os diálogos sobre soluções, deixando de lado respostas programáticas mais convencionais e passando a adotar soluções mais sistêmicas focadas mais concretamente em alcançar uma equidade maior.
Uma vez que tenham provocado percepções suficientes dos contextos históricos e dos dados quantitativos e qualitativos não agrupados traçando a experiência daqueles que estão sendo marginalizados, os participantes devem direcionar as estratégias de diferentes maneiras para que os subgrupos consigam resultados melhores dentro da comunidade. A abordagem universalmente direcionada da john a. powell, do UC Berkeley’s Othering & Belonging Institute, demonstra uma forma de operacionalizar a equidade racial por meio de intervenções direcionadas a subgrupos. “Não se promove a justiça tratando aqueles que vivem em condições especiais como se vivessem em condições comuns”, explica powell. “Uma estratégia universalmente direcionada é aquela que é inclusiva quanto às necessidades tanto dos grupos dominantes quanto dos marginais, mas que presta atenção particularmente à situação do grupo marginalizado.”10
O universalismo direcionado defende, de modo importante, que nosso objetivo não deve ser apenas reduzir as disparidades, mas obter melhores resultados para todos. Se o percentual de crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental que sabem ler é de 50% para as brancas e de 30% para as negras, diminuir essa disparidade ainda relega 50% das crianças a um nível inferior ao esperado. Podemos ter um objetivo universal para nossa comunidade, tal como proficiência em leitura, mas precisamos entender as diferentes barreiras enfrentadas pelos subgrupos e adaptar nossas estratégias e nossos recursos para superar essas barreiras específicas. Deixar de produzir intervenções direcionadas provavelmente manterá e, às vezes, exacerbará as disparidades existentes.
Estratégia 2: Concentrar-se na mudança sistêmica, além de em programas e serviços.
Resultados e soluções equitativos que se concentram na solução das principais causas dos problemas sociais em nível comunitário, regional ou nacional não são obtidos realizando um programa de cada vez. Para isso é preciso que ocorram mudanças profundas em estruturas, políticas, culturas e sistemas públicos e privados que, consistentemente, geram (e, em geral, foram elaborados para gerar) resultados racistas ou iníquos.
A mudança de sistema é um conceito frequentemente discutido, mas pouco compreendido. Uma estrutura que se mostrou útil para muitos profissionais do impacto coletivo é considerar a mudança de sistema em três níveis de clareza11. O primeiro é o nível da mudança estrutural: mudanças em políticas, práticas e fluxo de recursos. Esse nível é claro, uma vez que as pessoas envolvidas no sistema podem prontamente identificar tais condições. Depois, há o nível da mudança relacional – especificamente relacionamentos e conexões e dinâmicas de poder entre pessoas ou organizações. Esse nível tende a ser semievidente, posto que, em alguns casos, essas dinâmicas podem ser vistas, ao passo que, em outros, elas encontram-se fora do alcance de visão de algumas das figuras importantes do sistema. O terceiro nível é a mudança transformativa: os modelos mentais, as visões de mundo e as narrativas por trás da nossa compreensão dos problemas sociais. Em geral, esse nível está implícito nos esforços, mas é aquele que tem mais poder para orientar o comportamento individual e sistêmico a longo prazo.
Ao se envolverem no trabalho de mudança sistêmica, muitas pessoas e organizações investem o grosso de seu tempo e recursos na tentativa de mudar as condições do primeiro nível. Tais soluções estruturais são importantes. No entanto, mudar a estrutura sem alterar relações, dinâmicas de poder e modelos mentais pode levar a soluções irrelevantes, ineficazes, desprovidas de responsabilização e insustentáveis. Essa tendência se mantém, particularmente, se as soluções forem desenvolvidas em um contexto no qual grupos marginalizados não tenham voz nem poder. Iniciativas de impacto coletivo devem, portanto, trabalhar concomitantemente nos três níveis de mudança de sistema a fim de produzir alterações mais profundas e sustentáveis.
Embora o trabalho de mudança sistêmica seja essencial para conseguir equidade, o progresso, em geral, é obtido a longo prazo, não sendo visível para os membros da comunidade que estão, no momento, passando por dificuldades. Intervenções que melhorem programas e serviços atendem às necessidades das pessoas prontamente e, muitas vezes, mantêm moradores e membros da comunidade ativos nos esforços colaborativos, porque seu impacto é mais tangível e relevante para a vida cotidiana das pessoas. O trabalho programático também pode caracterizar as mudanças estruturais, sistêmicas e políticas necessárias para a obtenção de resultados mais amplos. Esforços de impacto coletivo mais altamente capacitados atuam tanto em nível programático quanto sistêmico e de modo a priorizar a equidade. A Expecting Justice nos dá um exemplo.
Em seus esforços programáticos, a Expecting Justice trabalha para fortalecer e ampliar programas existentes para atender às necessidades mais imediatas das mães negras e oriundas de ilhas do Pacífico em San Francisco. Por exemplo, ela financia e apoia a ampliação das ofertas da SisterWeb, rede de doulas em uma comunidade de San Francisco. Estudos mostram que o cuidado das doulas ajuda a melhorar o parto e seus resultados, principalmente para mulheres negras de baixa renda, e ampliar esse programa tem potencial para beneficiar pais em San Francisco imediatamente.
Em seus esforços para mudar o sistema, a Expecting Justice está envolvida nos três níveis da mudança sistêmica. Em nível estrutural, está lançando o Abundant Birth Project – programa-piloto para oferecer uma receita suplementar irrestrita durante a gravidez e nos seis meses após o parto para essas mães. Essa receita, assegurada para as mães durante a gravidez, é a primeira do tipo nos Estados Unidos, pavimentando o caminho para um programa mais amplo de receita básica financiada pelo Estado da Califórnia, e seus impactos serão estudados para futuras implicações políticas para a região de San Francisco. No nível relacional das mudanças sistêmicas, a Expecting Justice fomentou a confiança entre fornecedores e membros da comunidade, alterando o poder no processo de tomada de decisão. Mães com experiência comprovada, por exemplo, têm a “última palavra” no comitê gestor antes do início das votações. E no nível transformativo da mudança sistêmica, a Expecting Justice trabalhou para acabar com modelos mentais racistas e com preconceitos, conscientes ou não, de supremacia branca no sistema de saúde e no serviço social de San Francisco. Por meio da reformulação do problema e da desagregação dos dados, a organização está mudando os modelos mentais que provocam nascimentos prematuros e, ainda, aumentando a conscientização a respeito das principais causas estruturais, institucionais e interpessoais desses nascimentos.
À medida que esforços de impacto coletivo buscam alterar sistemas, devem também adaptar sua mensuração, avaliação e aprendizagem não apenas para acompanhar as mudanças implementadas nos sistemas, mas também para aprender com elas, bem como com as mudanças nos resultados individuais. Vejamos, por exemplo, o Opportunity Youth Forum, do Aspen Institute, que apoia iniciativas de impacto coletivo nos Estados Unidos para melhorar as perspectivas dos jovens que estão fora da escola e do mercado de trabalho. O projeto acompanha não apenas os resultados agrupados dos jovens (por exemplo: obter um diploma do ensino médio ou equivalente, matricular-se na universidade, conseguir um emprego), mas também mudanças nos sistemas (evidências de mudanças no poder da comunidade, em suas narrativas, nas políticas públicas, nos financiamentos e opções de melhores caminhos a serem trilhados). Medidas de mudança sistêmica identificam se os sistemas que sustentam os problemas estão mudando para melhor apoiar a equidade nas populações-alvo. Com frequência, dados qualitativos oferecem medidas de mudança sistêmica mais significativas do que medidas quantitativas, uma vez que informações qualitativas ajudam a compreender as dinâmicas complexas inerentes aos sistemas, além de fornecer insights sobre os motivos que provocam mudanças no sistema.
Estratégia 3: Alterar o poder entre os colaboradores.
Políticas públicas, regras e fluxos de recursos são, muitas vezes, controlados por indivíduos que não levam em conta nem representam as populações afetadas por suas decisões. Produzir resultados equitativos e obter mudanças sistêmicas exige que o poder seja transferido para aqueles que são afetados.
Vejamos um esforço de impacto coletivo da remota cidade de Bourke, 800 quilômetros a noroeste de Sidney, Austrália. Em 2017, os índices de criminalidade e encarceramento das populações aborígenes estavam entre os mais altos do país. A política por trás da criação de soluções para os problemas da pequena cidade em que 21 grupos diferentes de aborígenes vivem é complicada devido a seu histórico de remoção forçada e reassentamento provocados pelo colonialismo branco. Como os moradores estavam preocupados com o fato de que todos os demais dentro do sistema tinham mais informações e poder, o projeto de impacto coletivo começou usando dados para promover conversas substanciais entre moradores e fornecedores de serviços para promover confiança e estabelecer uma visão comum. Líderes indígenas trabalharam, então, com organizações estaduais e filantrópicas para criar o Maranguka Justice Reinvestment Project, cujo objetivo é redirecionar o financiamento da justiça criminal para iniciativas preventivas, diversionistas e de desenvolvimento comunitário que resolvam as principais causas dos crimes.
Embora o esforço envolva todas as partes detentoras do poder de tomar decisões em relação às crianças, o trabalho é orientado por um conselho tribal que representa os doze grupos aborígenes. Instituições governamentais, em vez de comandar, como costumavam fazer desde os tempos da colonização, seguem agora o líder da comunidade. As equipes lideradas por comunidades aborígenes trabalham em parceria com fornecedores de serviços e garantem que todas as crianças sejam contempladas. A transferência do poder para a comunidade produziu resultados melhores, fazendo com que houvesse reduções substanciais de crimes graves e aumento dos suportes que ajudam as crianças a prosperar, tais como ter relacionamentos adultos positivos. Onde anteriormente os membros da comunidade tinham pouca força na tomada de decisões, eles passaram a estabelecer as prioridades da comunidade, ter influência na distribuição dos recursos públicos e privados e responsabilizar tanto os programas como os sistemas.
Muitas pessoas sentem-se mais confortáveis falando sobre diversidade e inclusão em vez de poder, mas sem discutir poder, iniciativas que ressaltam a diversidade lidam apenas com questões superficiais. A Frontline Solutions, empresa de consultoria de propriedade de pessoas negras que atende aos setores filantrópicos e sem fins lucrativos, define poder como “a capacidade ou autoridade de influenciar os outros, decidir quem terá acesso aos recursos e determinar a realidade ou exercer controle sobre si ou sobre os outros”. Alguns detêm o poder graças a cargos formais, outros pela capacidade de controlar recursos financeiros, e há aqueles que o detêm devido à influência de seus relacionamentos. Aqueles que controlam os recursos e elaboram as políticas – líderes governamentais, filantropos, empresários e líderes de grandes instituições, tais como hospitais e universidades – detêm maior poder não apenas na sociedade, mas, muitas vezes, também na gestão do impacto coletivo.
Envolvê-los no processo de impacto coletivo é parte do que pode tornar um projeto eficaz – promover mudanças em larga escala, ter influência para alterar as narrativas e trazer os recursos necessários, ainda que, com frequência, não façam parte das populações afetadas por suas decisões. Nos Estados Unidos, e em boa parte do mundo ocidental, aqueles em posição de poder são geralmente homens e brancos. Muitas vezes focamos na diversidade para mudar quem participa do conselho sem alterar as dinâmicas subjacentes que fazem parte das decisões tomadas pelos conselhos, alterando a cultura e o poder. Resultados equitativos demandam conselhos mais equitativos.
O poder também existe em comunidades em que as pessoas têm relações e influências que promovem conhecimento, confiança e credibilidade essenciais para o sucesso do impacto coletivo. Uma grande quantidade de iniciativas iniciais de impacto coletivo refletia tomadas de decisões verticais, agregando líderes institucionais com pouca relação com parceiros e membros da comunidade, bem como pouco conhecimento genuíno sobre eles ou tampouco credibilidade. Muitos enfrentaram a resistência da comunidade, não tiveram sucesso na hora de alinhar os parceiros necessários e não conseguiram obter resultados, aprendendo da maneira mais dura que as experiências práticas e o conhecimento do contexto12 eram necessários para tomar decisões melhores. Ter tanto líderes institucionais quanto comunitários dividindo o poder na hora de tomar decisões é fundamental para alinhar recursos, parceiros e comunidades para promover mudanças programáticas e sistêmicas. No entanto, dois problemas surgem com frequência quando grupos tomadores de decisão tornam-se mais diversificados. Primeiro: líderes de impacto coletivo não desenvolvem nem fomentam uma cultura inclusiva. Por isso, aqueles com mais poder institucional ou recursos assumem o controle ou recebem deferência. Segundo: aqueles com poder institucional ou recursos se opõem mais a processos inclusivos menos eficientes e que envolvem conversas desagradáveis ou discordâncias e, por isso, eles ou abandonam o conselho ou delegam sua função para outros menos influentes.
Em nossa experiência, mudar o poder de uma comunidade exige atenção e intenção explícita. Os líderes devem concordar com a importância da prática da equidade para produzir resultados equitativos, além de estar dispostos a alterar os processos de tomada de decisão e a abrir mão de parte de seu poder. Todavia, líderes devem definir claramente o objetivo do envolvimento comunitário, porque isso é necessário para seus objetivos programáticos e de mudança sistêmica; caso contrário, o comprometimento diminui e os membros da comunidade notam o enfraquecimento da determinação.
Muitos observadores acreditam que mudanças no poder ocorrem apenas como resultado de eventos amplos e dramáticos. Porém a mudança também pode advir de inúmeros pequenos eventos – de dados e narrativas recentemente compartilhados, do desenvolvimento das relações, de problemas diretamente vivenciados – que provocam mudanças nas mentes e nos corações. Com o tempo, o poder pode ser alterado em direção à equidade de formas até então inconcebíveis. Funcionários da equipe de apoio centralizado e membros do comitê gestor podem incentivar relacionamentos e empatia entre os membros promovendo almoços com pequenos grupos de diversos participantes para aprender a respeito das origens de cada um, bem como de suas motivações e de seu comprometimento para com a iniciativa. A equipe de apoio pode, ainda, organizar reuniões em espaços da comunidade – reuniões realizadas em mesas pequenas, em vez de nas grandes mesas dos conselhos, para estimular o diálogo – e facilitar uma cultura transparente e justa que apresente e negocie dinâmicas desagradáveis e que fomente a confiança entre os membros. Isso tudo pode parecer pequenas ações, mas são capazes de produzir resultados surpreendentes e poderosos.
A experiência da Jackson Collaborative Network na mudança de poder em um condado relativamente conservador de Michigan é edificante. Monica Moser, CEO, branca, da Jackson Community Foundation, explica que a rede começou com dados: “As disparidades raciais eram evidentes e claras e nós trouxemos também as narrativas dos moradores para ilustrar as barreiras que criavam tais disparidades”. Em 2020, para mudar as dinâmicas de poder e apoiar o engajamento inclusivo, a rede reorganizou seu trabalho em torno da solução das causas principais das iniquidades ao aumentar substancialmente a diversidade de seu comitê gestor e criar oportunidades de liderança dentro do comitê para participantes que representassem tanto lideranças de base quanto organizacional. Relacionamentos e confiança foram ingredientes fundamentais na mudança, mas demoraram para ser construídos.
“Temos relacionamentos produtivos com líderes de base, algo que não tínhamos anteriormente”, afirma Moser. “Não surgimos apenas para entrevistar de modo empático os moradores com experiências práticas – nos envolvemos com eles para ajudá-los a criar soluções e avaliar o modo como trabalhavam. Eles viram sua influência.”
Estratégia 4: Ouvir a comunidade e agir com seus membros.
Quando olhamos honestamente para as raízes dos desafios que muitas comunidades enfrentam, descobrimos que deveríamos deixar de trabalhar nas comunidades e passar a trabalhar com elas, apoiando o trabalho realizado ali. Se reconhecermos, por exemplo, a dificuldade de se atingirem doze mil mulheres em idade fértil em seis códigos postais dotados de grandes disparidades nos resultados dos partos, vamos perceber que aqueles que já estão em um relacionamento com essas mulheres e que têm sua confiança são fundamentais para que consigamos chegar aos resultados desejados. Famílias, amigos, vizinhos e grupos que já operam ali têm conhecimento, competência e experiência essenciais para a realização de mudanças equitativas.
Ouvir a comunidade exige confiança e envolvimento; não pode ocorrer por meio de um único grupo focal ou uma pesquisa rápida. Exige saber quem são os beneficiários pretendidos e qual é nossa proximidade com eles. Ouvir é uma ação frequentemente mais contínua e orgânica quando a equipe de apoio centralizado e o conselho de liderança incluem pessoas que têm as mesmas origens dos beneficiários pretendidos, moram nas regiões atendidas e possuem experiência prática com os problemas abordados. Se membros da equipe de apoio, do comitê gestor e dos grupos de trabalho não tiverem essa diversidade de perspectivas comunitárias, devem trabalhar com parceiros confiantes para trazer para o conselho uma série de perspectivas da comunidade. Afinal, ninguém pode ser a voz da comunidade, então várias vozes devem ser ouvidas.
Mais mudanças transformativas e equitativas acontecem, quando agimos com as comunidades, reconhecendo as pessoas e os poderes que possuem e neles se baseando. Essa abordagem exige vermos as comunidades e os moradores como uma vantagem, e não como problemas que precisam ser solucionados13. Assim, reconhecem-se o talento e o comprometimento dos moradores, a importância das relações locais e o valor das instituições comandadas por membros da comunidade como alicerces das mudanças. Rejeitando as abordagens dos “brancos salvadores” vindos de fora, tais esforços levantam as seguintes perguntas: quais problemas querem solucionar?; que poder a comunidade já tem?; quais soluções que já estão sendo desenvolvidas nós podemos apoiar? Começamos admitindo, por exemplo, que a mulher que cuida das jovens mães em seu bairro faz parte da saúde pública, bem como o dono da loja que orienta meninos da região participa do desenvolvimento juvenil. A questão não é quem atende à comunidade ou quem nela trabalha, mas em quem os membros da comunidade confiam.
A Hope Starts Here (HSH), parceira dedicada à primeira infância em Detroit, ilustra o que significa ouvir a comunidade e ali fomentar relações de confiança. Desde seu início, a HSH concentra-se na competência que famílias e organizações têm em navegar pelo sistema voltado para os primeiros anos de vida. A HSH criou uma estrutura para o envolvimento dos pais, dando a eles protagonismo em cada uma das estratégias essenciais, alocando sete coordenadores para além da comunidade – cada um morando no local que coordena – e uma equipe de especialistas in loco. Por meio desses especialistas, os pais aprendem sobre o desenvolvimento do cérebro infantil para que possam ter influência nas políticas do Estado, defender experiências de qualidade para a primeira infância de seus filhos e adotar as melhores práticas para usar em casa.
“A comunidade está realmente liderando e definindo este trabalho”, afirma Camarrah Morgan, coordenadora do envolvimento da comunidade negra. “Nós sabemos como navegar pelo sistema e como obter recursos para que, quando o financiamento dado ao HSH chegar ao fim, ainda haja um mecanismo para nos defender e defender nossas crianças.”
Estratégia 5: Desenvolver liderança e responsabilidade com equidade.
Aqui, nosso foco é na liderança e responsabilidade que centra a equidade no trabalho promovendo as estratégias discutidas neste artigo. Essa liderança não deve estar centralizada, mas distribuída por todo o projeto de impacto coletivo com a equipe de apoio centralizado e as partes interessadas, tais como membros do comitê gestor, conselheiros e fundadores dos grupos de trabalho, bem como organizações parceiras e a comunidade em geral.
O que significa para a equipe de apoio centralizado comandar de maneira voltada para a equidade? Primeiro, significa ter uma equipe que reflita a diversidade da população atendida pelo grupo. Para muitos esforços, isso exigirá mudar ou expandir essa equipe e pode exigir que seus membros deem mais espaços para diferentes perspectivas, principalmente para as vozes das pessoas com experiências práticas ou de financiadores para apoiar a ampliação da equipe e melhor refletir a comunidade.
Embora muitos profissionais do impacto coletivo imaginem a função da equipe de apoio centralizado como a de um agente imparcial, a equipe não pode, nem deve, ser neutra quando se trata de promover explicitamente a importância da equidade no trabalho do grupo. Igualmente importante: outros líderes da iniciativa devem abraçar o foco na equidade de maneira resoluta.
Esse comprometimento significa responsabilizar as pessoas em posição de poder – em geral líderes brancos – pelo progresso em sua ação em prol da equidade tanto pessoal quanto profissional. Além de repaginar o problema para reconhecer como o racismo estrutural, organizacional e interpessoal ou outras formas de opressão contribuíram para sua consolidação, líderes devem realizar uma introspecção profunda que lhes permita compreender suas próprias contribuições para o status quo.
A apropriação e a responsabilidade pessoal podem tomar formas diversas. Para líderes brancos, pode significar fazer uma declaração pública apontando a presença do racismo, mesmo quando pareça arriscado. Pode, também, envolver e expor o racismo praticado por si próprio ou por sua organização no passado, reconhecendo os danos causados. Significa, ainda, mostrar aos demais sua responsabilidade no combate ao racismo.
Estruturalmente, manter a responsabilidade por uma liderança equitativa pode ser difícil, porque o impacto coletivo não é uma abordagem hierárquica. O comitê gestor e a equipe de apoio centralizado, por exemplo, não têm autoridade formal sobre os envolvidos no trabalho. Por conseguinte, apenas os colegas e as expectativas comuns do grupo podem manter a responsabilidade. Em Jackson, Michigan, por exemplo, Moser, certa feita, repreendeu um dos maiores doadores da fundação por um comentário público racista. O conselho, que vinha aprofundando seu conhecimento acerca da equidade racial, a apoiou mesmo diante do risco de perder o financiamento. “Aquilo estabeleceu um padrão e uma medida para os demais, demonstrando nossa seriedade”, explica Moser.
A Expecting Justice incorporou a responsabilização dos colegas em seu trabalho de impacto coletivo de diferentes maneiras. A iniciativa usa grupos com afinidades raciais para criar um fórum para que os participantes negros discutam juntos os problemas e para que os participantes brancos apoiem uns aos outros em seu trabalho interno a respeito da equidade racial. E promove, ainda, o uso de “parceiros de responsabilidade” – um parceiro confiável com quem os participantes possam compartilhar sua dedicação pessoal e o progresso de seu comprometimento para com a equidade racial. Por fim, honrar a expertise das mães com experiência prática dentro do grupo, dando a elas a palavra final no comitê gestor antes de se tomar uma decisão, é um poderoso lembrete de que a responsabilidade para com as mães e seus bebês é o principal objetivo da Expecting Justice.
Nossa estrela guia
O impacto coletivo nunca foi uma estrutura rígida capaz de garantir sucesso. É uma abordagem que deve ser adaptada às circunstâncias de cada comunidade e de cada questão. A última década testemunhou um entusiasmo contínuo com relação ao conceito. Mais do que isso, milhares de pessoas que atuam em diferentes contextos pelo mundo aprenderam e aprimoraram sua abordagem. Das muitas lições aprendidas pelos profissionais, a mais importante, de longe, diz respeito à relevância de se colocar a equidade no centro do trabalho.
Somos gratos aos muitos parceiros e grupos que nos ajudaram a aprender e a desenvolver nossas ideias acerca da equidade como prioridade. E esperamos que muitos outros possam usar as cinco estratégias descritas aqui com o senso de urgência que exigem. Sem uma atenção resoluta a essas e outras estratégias práticas, o impacto coletivo corre o risco de reforçar, em vez de eliminar, as iniquidades que estão na raiz dos problemas que buscamos resolver. Se alcançar equidade e justiça é nossa estrela guia, devemos começar tendo em mente o fim.
OS AUTORES
JOHN KANIA é diretor executivo do Collective Change Lab. Anteriormente, foi diretor internacional de gestão da FSG, onde ainda atua como membro do conselho de diretores.
JUNIOUS WILLIAMS é diretor da Junious Williams Consulting, Inc. e conselheiro sênior do Collective Impact Forum. Ele é o antigo CEO do Urban Strategies Council.
PAUL SCHMITZ é CEO da Leading Inside Out e conselheiro sênior do Collective Impact Forum. Ele é também autor de Everyone Leads: Building Leadership from the Community Up.
SHERI BRADY é vice-presidente de estratégia e programa do Children’s Defense Fund. Ela foi diretora de parcerias estratégicas do Aspen Institute Forum for Community Solutions.
MARK KRAMER é cofundador e consultor sênior do FSG e professor da Harvard Business School.
JENNIFER SPLANSKY JUSTER é diretora executiva do Collective Impact Forum.
NOTAS