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Iniciativas intersetoriais devem começar pequenas

Projetos colaborativos volta e meia têm dificuldade para tirar do papel o desejo de fazer o bem. Criamos o processo do benefício mínimo viável para  ajudar grupos a definir sua pauta, entrar em ação e avançar na direção certa

Por Vanessa Laird, Kathy Quick e J. Myles Shaver

Ilustrações de Juan Bernabeu

Somos uma equipe de docentes da Universidade de Minnesota com experiência profissional e acadêmica nos setores privado, público e não governamental em direito, relações públicas e estratégia empresarial. Nos últimos oito anos, trabalhamos de perto com profissionais em início e meio de carreira, em diferentes setores, interessados em promover mudanças positivas na sociedade. Além de estudar e orientar projetos para conceber e sustentar iniciativas intersetoriais, criamos e ministramos disciplinas de pós-graduação e de educação executiva sobre as possibilidades e os desafios de iniciativas do gênero.

Vimos quão difícil pode ser para iniciativas colaborativas transformarem o desejo de fazer o bem em um plano viável para gerar impacto. Em resposta a isso, criamos um processo para a definição da pauta de iniciativas intersetoriais. Como startups, essas iniciativas trabalham com recursos limitados e hipóteses ainda não testadas. A rota proposta pela metodologia Lean Startup para o lançamento de produtos leva em conta essas limitações, priorizando a agilidade e a economia na introdução de produtos para testar e ajustar o modelo de negócios com base no feedback de clientes.1 Experimentos que permitem a uma startup obter feedback sobre o produto com recursos limitados são chamados de “produtos minimamente viáveis”, ou MVP (do inglês minimum viable product).

Nosso processo de definição da pauta de iniciativas intersetoriais segue uma abordagem de experimentação estruturada semelhante.2 Ele se organiza em torno da definição de um benefício mínimo viável (MVB, ou minimum viable benefit): uma contribuição tangível, que os envolvidos possam colocar em prática e avaliar. A informação gerada pelo MVB ajuda a decidir entre prosseguir e expandir a iniciativa, mudar seu rumo ou interrompê-la. O Processo MVB permite, portanto, definir uma agenda mesmo diante da incerteza e de recursos limitados. Ele oferece a dupla vantagem de impulsionar iniciativas intersetoriais promissoras e de desenvolver a capacidade de liderança colaborativa e contatos para integrantes do grupo, contribuindo para elevar a capacidade da comunidade para futuras ações.

O Processo MVB permitiu que um grupo de trabalho em St. Cloud, Minnesota, determinasse a melhor maneira de preencher vagas de emprego na região. O grupo, com profissionais nas áreas de marketing e comunicação, desenvolvimento comunitário, direitos humanos, educação, bancos e construção civil, foi formado entre o fim de 2019 e o início de 2020, antes das medidas restritivas impostas pela pandemia de covid-19. Ele partiu da percepção de que havia, na região, muitas vagas de nível médio não preenchidas – em geral, postos que exigiam mais do que o ensino médio, mas não formação universitária. Sua ideia era casar essas vagas com trabalhadores da região em busca de oportunidades de ascensão, contribuindo para o crescimento econômico e para a inclusão na região.

 

Para criar uma intervenção útil, o grupo precisa ter tanto o conhecimento dos fatos ligados ao problema quanto de medidas já tomadas para remediá-lo naquele mesmo contexto

 

Pedimos ao grupo que começasse por dizer quem eram seus integrantes, em termos de qualificação, formação, experiência de vida e conexões, para formar uma visão clara dos recursos disponíveis para o trabalho. Em seguida, apresentamos o grupo a estudantes de pós-graduação que poderiam ajudar a avaliar dados demográficos, de emprego e de participação da força de trabalho para identificar setores com vagas abertas e populações locais eventualmente disponíveis para preenchê-las. A análise concluiu que havia um número relativamente grande de vagas na construção civil e duas populações locais – imigrantes da Somália e militares voltando à vida civil – possivelmente qualificadas para ocupar esses postos. Novas análises mostraram que o índice de desemprego e de subemprego era maior na comunidade somali, a qual dependia mais da comunicação verbal (e menos da internet) para conseguir informações sobre vagas. Isso tudo sugeria que a pauta deveria se estruturar em torno de estratégias de recrutamento presencial para a construção civil na comunidade somali local – uma iniciativa que, se bem-sucedida, poderia servir de modelo para outras campanhas de recrutamento.

Antes que o grupo pudesse lapidar essa estratégia, a pandemia se instalou, frustrando a ideia da comunicação pessoal. Apesar desse contratempo, o grupo estava satisfeito com o que tinha descoberto.

Segundo um membro do grupo, o processo permitiu identificar novos parceiros e novos métodos de contratação. “Isso me deu novo olhar para práticas rotineiras e me fez notar que pequenos passos colaborativos podem ajudar a comunidade a melhorar. Levei essas lições a meu trabalho atual junto a distintas organizações para aprimorar a infraestrutura do cuidado à criança em nossa região.” A participação no Processo MVB ajudou o grupo a sair da fase de definição da agenda e a adquirir confiança em sua capacidade de contribuir para a vida econômica e social da região.

Quando a colaboração emperra

Identificamos quatro obstáculos recorrentes enfrentados por grupos colaborativos na hora de definir a pauta de iniciativas de engajamento cívico.

O primeiro é a complexidade do desafio social que o grupo se propõe a abordar. Tanto organizações como indivíduos podem se ver paralisados diante da complexidade do problema a enfrentar e penar para achar um ponto de partida do qual conceber a agenda para uma eventual intervenção. Pensemos, por exemplo, no impacto da dependência de opioides em comunidades rurais nos Estados Unidos. O problema afeta não só o dependente e seu círculo mais próximo, mas também empregadores, organizações de saúde, o Poder Judiciário e o sistema prisional. A crise tem inúmeras causas sociais e econômicas e gera uma série de problemas interligados. Tanto organizações como indivíduos podem se ver paralisados diante da complexidade de problemas assim e penar para achar um ponto de partida do qual conceber a agenda para uma eventual intervenção. Chamamos esse obstáculo de “ficar preso no atoleiro”.

Um segundo obstáculo é quando o colaborativo traça planos de ação ambiciosos demais, que abordam os múltiplos fatores e sistemas por trás de um problema, mas que excedem sua capacidade de execução. O sucesso do grupo pode ser limitado por fatores como tempo, conhecimento, capacidade de coleta de dados e disponibilidade de colaboradores, além de financiamento e autoridade.

Vimos como esse tipo de limitação atrapalhou um grupo que buscava promover a participação equitativa no Censo americano em 2020. Entre as ideias para ajudar comunidades historicamente sub-representadas, estava a de bancar o deslocamento de recenseadores a certos bairros. O grupo se reuniu várias vezes para determinar o que poderia ser feito. A iniciativa esmoreceu quando seus integrantes perceberam que não tinham nem compreensão do problema, nem tempo para estudar os principais obstáculos ou as iniciativas existentes para superá-los.

Um terceiro obstáculo recorrente é chegar a um consenso quanto à definição do problema e de prioridades para resolvê-lo. O alinhamento pode ser particularmente difícil em iniciativas intersetoriais, que exigem que entes com compromissos, metas e expectativas organizacionais distintas cheguem a um acordo.

Esse desafio impediu o avanço de um grupo de agências governamentais, entidades comunitárias, organizações ambientais, negócios de paisagismo e empresas florestais que se aliaram em 2011 para lidar com a chegada, em Minnesota, da broca-verde-do-freixo, um inseto nativo da Ásia que já dizimou milhões de freixos desde sua descoberta na América do Norte em 2002.

Integrantes divergiam quanto a prioridades. Deviam usar recursos na aplicação de pesticidas para proteger árvores de alto valor em áreas infestadas? Ou controlar a circulação de produtos madeireiros que poderiam introduzir a praga em novas regiões e, assim, proteger zonas ainda não afetadas? Ou derrubar freixos infestados para evitar consequentes danos a bens e pessoas?

Também havia importantes divergências quanto ao cronograma (curto prazo ou longo prazo), escalas geográficas (local ou regional) e abordagens (combater ou aceitar). Na falta de consenso na definição do problema – árvores isoladas ou florestas inteiras, prevenção ou adaptação, otimização da saúde ecológica ou minimização de danos patrimoniais –, foi impossível chegar a um acordo sobre atividades conjuntas, além de monitorar e notificar a disseminação do inseto. Embora tenha gerado dados valiosos para a compreensão da natureza e da escala do problema, a ação do grupo não teve efeito proativo no controle da disseminação da praga.

O quarto obstáculo decorre da falta de processos ou papéis definidos – em outras palavras, da ausência de uma estrutura estabelecida de tomada de decisões – em iniciativas colaborativas, diferentemente do que ocorre em parcerias estabelecidas ou organizações formais. Em alguns dos grupos com os quais trabalhamos havia participantes com experiência prévia em governança ou que já haviam se relacionado entre si, o que compensava parcialmente essas deficiências e facilitava as decisões. Certos grupos possuem recursos para contratar ou destacar pessoal para governança. Na falta de ao menos um desses atributos, grupos que observamos tinham dificuldade para definir em que se concentrar, que metas perseguir e como avançar.

Processo de definição da pauta

O processo MVB ajudou um grupo de cinco jovens profissionais a traçar um plano factível para superar esses quatro obstáculos. Eles se conheceram em um curso interdisciplinar de pós-graduação em liderança multissetorial da Universidade de Minnesota no segundo semestre de 2020 e tinham o desejo comum de mitigar o impacto negativo da pandemia na saúde e no bem-estar econômico dos habitantes do estado. O grupo era formado por um fiscal da vigilância sanitária, estudantes de direito especializados em privacidade e imigração, um gestor da fundação filantrópica de uma empresa e um organizador social que trabalhava com direitos de imigrantes.

Embora acreditassem que, com a colaboração, seu impacto poderia ser maior do que se agissem isoladamente, eles a princípio tiveram dificuldade para determinar como abordar de forma significativa aquele imenso desafio. Falando sobre suas habilidades, experiências, expertise e conexões, acabaram chegando a um problema específico no qual se concentrar. Ao identificar os recursos que possuíam, além de apontar aqueles que faltavam, determinaram que estavam em uma posição singular para atuar sobre problemas no abastecimento de carne, decorrentes da rápida disseminação da covid-19 no ambiente fechado dos frigoríficos.

Por abrigar várias das maiores plantas de processamento de carne suína dos Estados Unidos e pela alta concentração de empregos na indústria frigorífica, Minnesota é central para o abastecimento de carne no país. Durante a pandemia, trabalhadores do setor e seu círculo mais íntimo enfrentaram tanto a doença quanto demissões; alguns frigoríficos foram temporariamente fechados. Após analisar o problema e programas correlatos, o grupo descobriu que funcionários batiam ponto mesmo doentes por não entender seu direito a licença remunerada e pelo risco de perder a fonte de renda. O grupo também constatou que muitos hesitavam em relatar o contágio ou a exposição ao vírus por medo de ter de revelar informações sobre familiares em situação ilegal no país. Os frigoríficos precisavam desses trabalhadores – mas nem essas empresas, nem órgãos do governo estadual eram transparentes quanto ao número de infectados e a medidas para proteger o pessoal. Ao utilizar essa informação e seu conhecimento coletivo nas áreas da indústria frigorífica, de leis de imigração e privacidade de dados, organização comunitária e idiomas, o grupo descobriu uma área na qual poderia agir rapidamente: as barreiras enfrentadas por trabalhadores imigrantes de língua espanhola para relatar infecções por covid-19 e acessar serviços do sistema de saúde.

 

O Processo MVB para a definição de pautas está ao alcance até de grupos sem organização central, experiência em governança ou relacionamentos prévios relevantes

 

O grupo decidiu criar um aplicativo gratuito destinado a dar a pessoas cuja primeira língua era o espanhol, empregadas no sudoeste do estado, informação sobre seus direitos no local de trabalho, incluindo o de relatar doenças de forma confidencial. O aplicativo era voltado a ONGs que agiam junto a trabalhadores e imigrantes, agências de serviço social e um grande frigorífico. Essa intervenção permitiria que distintos setores cooperassem para informar os empregados e criar mecanismos confidenciais para comunicar infecções, o acesso a serviços e a redução da disseminação da covid. Embora a iniciativa fosse relativamente simples, se desse certo, poderia ser ampliada para uso em outros frigoríficos, em outros idiomas, ou em setores nos quais imigrantes sem domínio do inglês enfrentassem riscos ou barreiras semelhantes. O grupo conseguiu vencer a sensação de impotência diante da magnitude dos efeitos da pandemia ao explorar as próprias capacidades e estudar as necessidades da comunidade até achar uma área na qual pudesse começar com uma intervenção modesta, a fim de testar sua abordagem.

Para avançar rumo a seu objetivo com a ajuda do Processo MVB, o grupo teve de responder a uma sequência de perguntas interligadas, que devem ser consideradas individualmente, na sequência certa. Elas estão detalhadas a seguir e resumidas no quadro que acompanha este artigo.

Quem somos? | Pedimos que o grupo pense de forma crítica sobre sua composição e sua capacitação. Esse exercício exige tempo e a vontade genuína de tirar proveito da oportunidade de trabalhar com indivíduos com perspectivas variadas. Qual a bagagem profissional, cultural, geográfica e setorial do grupo, tanto individual como coletivamente? Que assuntos e lugares são de seu conhecimento? Quais suas preferências em termos de dados e análises, competências e valores? Essa reflexão inicial ajuda os integrantes do grupo a conhecer mais a fundo uns aos outros, o que pode promover a confiança e equalizar o acesso a informações, sobretudo quando alguns membros possuem relacionamentos prévios e outros, não.

Além disso, esse autoexame pode servir para discutir alinhamentos, de competências e de preocupações, que ajudem o grupo a se unir em torno de um MVB. Pode ser útil, também, para revelar recursos que se possam aproveitar e que porventura não tenham sido identificados inicialmente. Por exemplo, incentivamos advogados a explorar não só seu conhecimento jurídico, mas também a formação em resolução de conflitos e sua experiência pessoal. Começando com essa autorreflexão, o grupo evita estabelecer metas excessivamente ambiciosas, pois se vê obrigado a reconhecer suas vantagens e suas limitações.

Por quê? | Pedimos que o grupo aponte o desafio social que pretende enfrentar. A ideia é que essa etapa seja relativamente rápida e direta, ajudando a definir os contornos do desejo comum por trás da iniciativa e a reforçar seu investimento pessoal no esforço coletivo. Recomendamos que essa ação seja o segundo passo no Processo MVB, e não o primeiro, para que nela já se considerem a credibilidade, conexões e conhecimento dos membros, determinados na etapa anterior. Mirar questões sociais maiores sem esse contexto pode aumentar o risco de propor intervenções inviáveis ou ineficazes.

Em 2019, por exemplo, trabalhamos com um grupo de jovens profissionais da administração e do direito cujo interesse era a proteção do meio ambiente, em especial zonas de mata nativa em áreas visadas para atividades de mineração no norte de Minnesota, na zona conhecida como Iron Range, que concentra a extração de minério de ferro nos arredores do Lago Superior. A ideia era criar oportunidades de diversificação econômica que ajudassem a preservar a natureza. Infelizmente, durante todo o processo de definição da pauta, o grupo se concentrou quase exclusivamente nessa meta maior, sem considerar as próprias limitações. Como eram da área de Twin Cities e conheciam aquela região apenas como turistas, não sabiam o que era viver e trabalhar ali na Iron Range. Por mais que discutissem maneiras de angariar apoio de indivíduos e grupos locais para ajudar empresas locais a conceber negócios ambientalmente sustentáveis, não conseguiram traçar planos objetivos e críveis, pois não conheciam bem os valores, os anseios e os entraves locais. Sem isso, não podiam avançar.

Onde? | Pedimos aos grupos que concentrem sua atuação em um lugar que conheçam bem. Esse conhecimento pode ser de diversos tipos: membros podem ter morado ali, ou seu trabalho ou capacitação profissional podem tê-los qualificado para entender como o desafio (identificado na etapa do “Por quê?”) é sentido localmente. O objetivo desta pergunta, assim como o das anteriores, é focar o grupo em um MVB viável com base naquilo que possa realizar em um lugar e momento específicos. No exemplo do frigorífico, o grupo escolheu uma empresa em particular não só porque era uma empregadora importante para a região, mas também porque os contatos e as habilidades de alguns integrantes poderiam facilitar sua atuação. Um membro do colaborativo, por exemplo, era um organizador comunitário naquele mesmo condado e já tinha um relacionamento com organizações de trabalhadores e de proteção social que poderiam ajudar a informar funcionários sobre o novo aplicativo. Além disso, o frigorífico tinha entre seu pessoal muitos imigrantes da comunidade latino-americana que se comunicavam em espanhol – e o grupo tinha gente fluente nessa língua, que poderia ajudar a traduzir as ferramentas.

 

Conceber e lançar um MVB é agir com otimismo. É como dizer assim:  “Com base no que sabemos, achamos que isso pode funcionar.  Até agora, ninguém testou essa exata abordagem neste lugar, então vamos tentar e ver o que é possível aprender”

 

O quê? | Orientamos todo grupo a limitar o escopo do desafio social definido no segundo passo. Para isso, é preciso identificar facetas particulares do problema que sejam relevantes para o local escolhido e o impacto pretendido. Se o grande desafio identificado no segundo passo for, por exemplo, a inclusão digital, questões específicas a considerar neste passo podem ser capacitação, acesso a aparelhos e melhorar a qualidade da internet. Essa nova etapa ajuda os colaboradores a canalizar sua motivação maior – localizada no “Por quê?” – para uma ação específica que ajudará a definir o MVB, ao lado da informação reunida nas etapas “Quem?” e “Onde?”.

Quais são as bases factuais? | Como descobriu o grupo do Censo americano, para criar uma intervenção útil, o grupo precisa ter tanto o conhecimento dos fatos ligados ao problema – quem é afetado por ele, como e quando, e o que se sabe sobre suas causas – quanto de medidas já tomadas para remediá-lo naquele mesmo contexto. O ideal é que também analise intervenções que deram certo em outros lugares, a fim de determinar se algum aspecto delas é relevante no contexto em questão. Sem essa base factual ou com suposições não fundamentadas, os grupos devem buscar e assimilar essas informações antes de prosseguir. Caso contrário, podem acabar criando soluções falhas, redundantes ou que ignorem a oportunidade de adaptar um modelo que já deu certo em outro lugar.

Topamos com essa dificuldade em 2022, quando trabalhamos com outro grupo de St. Cloud interessado no excesso de vagas de trabalho não preenchidas na região. Esse outro grupo, porém, se concentrava em postos de nível iniciante. No começo do Processo MVB, a hipótese do grupo era que isso ocorria, em grande medida, porque formandos locais deixavam a região ao concluir o curso. Com base nisso, o grupo primeiro se propôs a criar uma série de eventos de networking e mentoria para ajudar os formandos a criar vínculos com a região. Entretanto, ao esmiuçar dados sobre a localização dos formados em instituições de ensino superior locais, o grupo descobriu que a porcentagem dos que permaneciam na região era muito maior do que tinham presumido. Diante dessa evidência, concluíram que sua meta não devia ser a retenção, mas, sim, atrair gente para a região.

O que é o MVB? | Nas etapas anteriores, o Processo MVB prepara o grupo para ser criativo e pragmático quanto ao que é possível. Neste ponto, formula uma hipótese sobre uma intervenção não redundante, condizente com sua capacidade e que aborde o problema escolhido no lugar selecionado – e que, se bem-sucedida, possa até ser reproduzida ou expandida. O grupo está pronto para definir seu MVB: uma versão da intervenção que possa ser testada quanto a ao menos uma das principais premissas de sua hipótese. Por exemplo: um grupo focado no impacto positivo da leitura em voz alta para o rendimento escolar de crianças pode decidir criar uma ferramenta que ajude pais com poucos recursos a encontrar livros facilmente. Por entender que o uso de celulares com o sistema Android é mais comum entre pais em sua comunidade, o grupo talvez resolva criar um aplicativo para Android. O MVB, então, poderia ser uma versão rudimentar do aplicativo – com, digamos, um número limitado de livros, para testar a adesão dos pais a uma ferramenta nessa plataforma. Se a resposta for positiva, o grupo poderia lançar uma segunda versão, para testar grupos etários com mais atividade e gêneros de livros que mais despertam interesse – e que, portanto, estimulariam a leitura em voz alta. Versões futuras do aplicativo levariam em conta essas informações.

Como implementar o MVB? | Sugerimos que o grupo prepare e execute um plano de um ano para lançar seu primeiro MVB. Esse plano deve incluir todas as atividades necessárias para desenvolver, produzir, lançar e obter feedback sobre o MVB. Isso inclui, por exemplo, o engajamento com outros stakeholders e parceiros, a atribuição de responsabilidades a cada membro do grupo, a obtenção e a alocação de recursos, um cronograma e uma estratégia de avaliação para medir o sucesso e assimilar lições.

Ampliar, mudar de rumo ou parar? | Aqui, o grupo deve avaliar o MVB para decidir como prosseguir. Com base no feedback e nos resultados, há três possibilidades para o colaborativo: desenvolver ainda mais ou ampliar o alcance da intervenção; ajustá-la de acordo com o feedback; ou abandonar a iniciativa, se sua hipótese não se comprovar e se não for possível alterar a intervenção para superar as deficiências. Ainda que o grupo resolva desistir nessa etapa, pedimos que registre o que aprendeu, pois a informação pode ser útil para iniciativas posteriores do mesmo grupo ou de interessados em questões correlatas.

 

Persistência coletiva amplia capacidade cívica

 

O modelo do MVB aborda obstáculos muito comuns em colaborações intersetoriais eficazes. O processo investe em identificar uma intervenção que o grupo possa realizar, testar e avaliar em um período relativamente curto de tempo. Esse foco pode tornar a atividade intersetorial mais administrável e evitar que o coletivo “fique preso no atoleiro”.

Pode, também, ajudar iniciativas embrionárias a evitar desafios que não sejam capazes de resolver, por falta de tempo, conhecimento, experiência ou recursos. Os passos “Quem?” e “Por quê?” ajudam a criar uma base e um vocabulário comuns para a priorização e a definição do problema. Além disso, o tempo dado à análise da capacitação e da motivação dos membros pode gerar confiança e produzir o alinhamento necessário.

Além disso, o roteiro proposto pelo Processo MVB para a definição de pautas está ao alcance até de grupos sem organização central, experiência em governança ou relacionamentos prévios relevantes.3 Embora nos últimos anos tenham surgido ferramentas, exercícios de diagnóstico e sistemas de classificação para lançar e implementar iniciativas intersetoriais às vezes exigem tempo, pessoal ou recursos de gestão que muitos dos novos líderes e coletivos com os quais trabalhamos não possuem.4 Segundo nossa experiência, esses grupos normalmente precisam de um roteiro com instruções relativamente simples e sequenciais. O Processo MVB dá a esses grupos uma rota a seguir, buscando combater o desânimo e a perda de motivação que podem surgir quando uma iniciativa atola. Quando esse potencial não é explorado, a comunidade sai perdendo.

Apesar de suas vantagens, o Processo MVB não é adequado para todo coletivo. O grupo não vai ter necessidade ou não vai poder segui-lo à risca caso tenha um acordo de financiamento que preveja entregas específicas, ou se trabalhar com modelos claramente aplicáveis, tiver recursos, poder político ou poder econômico expressivos, caso tenha trabalhado junto anteriormente em projetos de inovação social, se precisar cumprir requisitos regulatórios ou se já tiver um processo ou uma estrutura confiáveis para a definição de pauta. Além disso, o processo pode impor alguns desafios. Ao adotar um MVB personalizado e limitado para abordar uma questão complexa, o coletivo pode ser criticado por pessoas envolvidas com o mesmo problema por pensar pequeno demais e mirar apenas um aspecto do problema. Se não estiver seguro de si ou de sua pauta, o grupo pode sair da rota.

 

No entanto, o Processo MVB pode ajudar a resolver um conflito inerente à colaboração intersetorial – o de enfrentar problemas sociais multifacetados, de causas e manifestações complexas, com os recursos finitos de um único coletivo.5 Os passos do processo levam em consideração tanto esse contexto maior quanto as limitações do grupo. Definir um MVB envolve levantar hipóteses sobre como medidas de implementação e avaliação rápidas poderiam contribuir para a meta maior de abordar um desafio social significativo. O processo exige expressamente que o grupo considere se seus esforços iniciais podem ou devem ser adaptados, reproduzidos, expandidos ou descartados. Cada um desses resultados produz lições úteis para gerar conhecimento sobre o que é eficaz ou não em diferentes contextos. Por ser um processo sequencial, o MVB procura ajudar os coletivos a encontrar maneiras mais relevantes a cada passo, para contribuir para uma ação de caráter amplo sem se deixar paralisar decorrente da incapacidade de desmembrar um problema gigantesco em partes administráveis – como no exemplo da praga florestal citado anteriormente.

Embora a necessidade de mudar sistemas possa ser um forte motivador, adotá-la como meta pode ser contraproducente, pois exige demais dos envolvidos ou faz com que definam uma agenda inatingível. Além disso, a ênfase na mudança de sistemas pode levar um grupo a ignorar iniciativas potencialmente eficazes que envolveriam um melhor uso de um sistema existente – seja pela sua modificação, incrementação ou ampliação.6 O Processo MVB ajuda grupos colaborativos a se concentrar em problemas tratáveis, para os quais possam criar, testar, adaptar e expandir soluções.

O modelo do MVB é uma estratégia para quem quer persistir no desafio de trabalhar em colaboração para promover mudanças sociais positivas. Conceber e lançar um MVB é agir com otimismo. É como dizer assim: “Com base no que sabemos, achamos que isso pode funcionar. Até agora, ninguém testou essa exata abordagem neste lugar, então vamos tentar e ver o que é possível aprender”. Incentivamos todo grupo a pensar em seu MVB inicial como o primeiro elo de uma cadeia à qual o mesmo grupo ou outros, comprometidos com a iniciativa maior, possam adicionar novos elos – um MVB 2.0 ou 3.0, por exemplo. Independentemente do resultado final, todo MVB acaba gerando recursos – informações melhores, uma definição mais clara do problema, vitórias parciais – que podem reforçar iniciativas subsequentes. A inovação social requer essa persistência colaborativa.

 

OS AUTORES

Vanessa Laird é pesquisadora sênior do Centro para Liderança Integrativa da Universidade de Minnesota. Advogada, já atuou nas áreas do direito da saúde e do direito internacional.

Kathy Quick é professora associada de administração pública e planejamento urbano na Humphrey School of Public Affairs e codiretora acadêmica do Centro para Liderança Integrativa da Universidade de Minnesota.

J. Myles Shaver é professor de gestão estratégica e empreendedorismo e titular da cátedra Curtis L. Carlson de Estratégia Corporativa da Carlson School of Management, além de codiretor acadêmico do Centro para Liderança Integrativa da Universidade de Minnesota.

 

NOTAS

1   Ver Steven Blank, Why the Lean Start-Up Changes Everything, Harvard Business Review, May 2013; Thomas Eisenmann, Eric Ries e Sarah Dillard em “Hypothesis-Driven Entrepreneurship: The Lean Startup”, Harvard Business School Background Note 812-095, December 2011 (atualizada em julho de 2013).

2   Outras formas de aplicar o conceito do MVP a iniciativas de colaboração intersetorial incluem a abordagem voltada a consórcios (Minimal Viable Consortia) promovida pelo colaborativo The Stakeholder Alignment Collaborative, When Launching a Collaboration, Keep It Agile, Stanford Social Innovation Review, Spring 2022; e o voltado a atividades (Minimum Viable Actions), recomendado por Eva Flavia Martínez Orbegozo et al., Entry Points: Gaining Momentum in Early-Stage Cross-Boundary Collaborations, Journal of Applied Behavioral Science, vol. 58, no 4, 2022.

3   John Kania e Mark Kramer, em Impacto coletivo [disponível na seção Biblioteca Essencial do site da SSIR Brasil], e vários outros depois deles, identificaram que uma característica central de iniciativas bem-sucedidas nesse âmbito era a presença de uma espécie de núcleo operacional, que chamaram de backbone organization [traduzido, no artigo em português, como “organizações de apoio centralizado”].

4   Ver, por exemplo, ferramentas propostas pelo Intersector Project para a colaboração intersetorial, em https://intersector.com/toolkit/; exercícios de diagnóstico sugeridos por Jorritt de Jong et al. em Building Cities’ Collaborative Muscle, Stanford Social Innovation Review, Spring 2021; e a definição de “pontos de entrada” proposta por Orbegozo et al. em Entry Points: Gaining Momentum in Early-Stage Cross-Boundary Collaborations.

5   Zhia Khan e Kippy Joseph, em Embracing the Paradoxes of Innovation, Stanford Social Innovation Review, Summer 2013, apresentam uma série de situações contraditórias comumente encontradas em iniciativas de inovação para enfrentar problemas sociais, com ênfase na dificuldade de ampliação de pequenas intervenções. Acrescentamos, a esse desafio, o conflito enfrentado por novos grupos na hora de definir como começar a abordar, com intervenções limitadas, problemas de grande envergadura.

6   Kevin Starr, We’re Beating Systems Change to Death, Stanford Social Innovation Review, Spring 2021.



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