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Um novo modelo para a liberdade de imprensa

Como financiar, proteger e expandir a informação de interesse público

Por Patrice Schneider

Ilustração de iStock

 

No coração da Europa Central, uma batalha pela independência da mídia recentemente demonstrou tanto a fragilidade da liberdade de imprensa quanto o poder de soluções inovadoras para protegê-la. Conhecido por seu jornalismo independente e reportagens de alta qualidade, o Rzeczpospolita, um dos mais respeitados diários da Polônia, enfrentou uma ameaça existencial quando a gigante estatal de petróleo Orlen sinalizou sua intenção de adquiri-lo.

Essa não foi apenas uma transação comercial. Representou um método mais amplo do antigo governo nacional-conservador do partido Lei e Justiça como parte de seus esforços abrangentes para controlar a mídia pública e privada. A captura de empresas de mídia independentes por meio de estatais é uma forma sofisticada de controle que ameaça o discurso democrático disfarçado sob a fachada de operação de mercado.

A ameaça foi particularmente preocupante devido ao histórico da Orlen. A empresa já havia adquirido uma editora de jornais regionais significativa, a Polska Press, levantando sérias preocupações sobre a independência editorial e a concentração da propriedade da mídia em mãos alinhadas ao Estado. Para os jornalistas do Rzeczpospolita, seus leitores e a sociedade civil polonesa, a perspectiva da propriedade pela Orlen lançou um sinal sombrio sobre o futuro do jornalismo independente no país.

Um novo modelo surge


No entanto, o que aconteceu em seguida demonstrou o poder de uma “terceira via” na propriedade da mídia – uma abordagem que transcende a dicotomia tradicional entre o controle estatal e as forças puramente de mercado. Uma organização sem fins lucrativos atuante há três décadas, o Media Development Investment Fund (MDIF), criou uma coalizão que incluiu fundações comprometidas com a liberdade de imprensa, investidores comerciais interessados em negócios de mídia sustentáveis, bancos que reconhecem a importância econômica do fluxo livre de informação de qualidade e indivíduos de alto patrimônio líquido que compreendem a vital importância do jornalismo independente para uma sociedade democrática. Ao reunir recursos e combinar diferentes tipos de investidores, esse grupo, formado como uma empresa de responsabilidade limitada orientada por missão, a Plūrālis BV, conseguiu apresentar uma proposta competitiva que priorizava a sustentabilidade financeira mantendo a independência editorial.

O sucesso dessa proposta não apenas preservou a independência do Rzeczpospolita, mas também estabeleceu um modelo para proteger a liberdade de mídia em ambientes desafiadores.

Por que a terceira via importa

 

O caso do Rzeczpospolita é ainda mais relevante considerando os desafios que a liberdade de imprensa enfrenta globalmente. O retorno de figuras como Donald Trump ao poder em democracias estabelecidas destaca a necessidade de vigilância constante e proteção para a mídia independente. Além disso, ilustra como os modelos tradicionais de financiamento para veículos de interesse público são cada vez mais insuficientes diante do complexo cenário político e econômico atual.

As vantagens da terceira via:

 

  1. Proteção pela diversidade
    Esse modelo reúne organizações com interesses diversos, criando resiliência contra o controle. Nenhuma entidade única –seja estatal, corporativa ou individual – pode exercer influência indevida sobre as decisões editoriais.

  2. Capital alinhado à missão
    Diferentemente de veículos tradicionais de investimento focados apenas em retornos financeiros, o capital alinhado à missão prioriza a independência editorial como parte essencial do modelo de negócios.

  3. Sustentabilidade a longo prazo

O modelo combina rigor comercial com capital paciente. Os investidores reconhecem que construir uma mídia independente e sustentável exige tempo e estão dispostos a adotar uma visão de longo prazo, diferentemente de investidores tradicionais do mercado. Essa paciência permite investimentos em jornalismo de qualidade e transformação digital sem sacrificar padrões editoriais por ganhos imediatos. As empresas apoiadas pela Plūrālis também têm acesso ao amplo conhecimento estratégico e técnico de seus investidores, que as ajuda a otimizar investimentos e aproveitar novas oportunidades emergentes.

Construindo para o futuro

O sucesso desse modelo na proteção do Rzeczpospolita oferece lições valiosas para o futuro da mídia de interesse público em escala global. Três elementos são essenciais para replicar esse modelo:

1. Construção de coalizões

O sucesso exige que organizações diversas trabalhem juntas, unidas pelo compromisso com a independência da mídia. Isso inclui:

  • Investidores de impacto dispostos a aceitar retornos financeiros abaixo da média do mercado em troca de impacto social;

  • Investidores com experiência em gestão de mídia, capazes de agregar tanto conhecimento empresarial quanto integridade jornalística;

  • Investidores comerciais que, cada vez mais, reconhecem o valor econômico do fluxo de informações confiáveis.

Também são fundamentais fundações e filantropos que possam oferecer financiamento paciente, alinhado à missão, e até mesmo doações para mitigar riscos.

Por exemplo, o modelo da Plūrālis ganhou destaque com o apoio da Fundação Oak, que fez uma doação substancial para proteger a mídia independente. Esse aporte filantrópico estratégico desonerou outros investidores, criando um amortecedor financeiro que tornou a participação mais atraente para investidores comerciais e com foco em impacto social. A doação da Oak demonstrou como o capital filantrópico pode gerar investimentos mais amplos em liberdade de imprensa, criando um efeito multiplicador que expande a contribuição inicial.

2. Proteções estruturais

A estrutura de propriedade deve incluir proteções explícitas para a independência editorial, como:

  • Marcos de governança claros, que separem operações comerciais das decisões editoriais;

  • Mecanismos transparentes para lidar com potenciais conflitos de interesse;

  • Representação forte de vozes independentes no conselho;

  • Compromissos explícitos com padrões e ética jornalística.

Um exemplo seria a instalação de um Código de Ética de Governança, assinado por todos os membros do conselho, estabelecendo padrões para garantir a independência editorial, proibindo interferências em decisões de conteúdo e exigindo cobertura imparcial.

3. Pluralidade na propriedade para sustentar a pluralidade na mídia

Tradicionalmente, a pluralidade na mídia se destina a garantir que o discurso público seja mediado por diversos veículos independentes. O modelo da Plūrālis introduz uma extensão inovadora desse princípio: alcançar a pluralidade midiática por meio da pluralidade societária.

Ao estruturar deliberadamente a propriedade entre uma ampla gama de organizações e entidades – que inclui investidores cívicos, fundações, fundos de impacto e organizações de mídia –, o modelo cria múltiplas camadas de proteção contra o controle. Cada proprietário traz, além de capital, um compromisso com a liberdade de imprensa e os valores democráticos. A natureza distribuída da propriedade garante que nenhuma entidade única, independentemente de recursos financeiros ou influência política, possa acumular controle suficiente para comprometer a independência editorial.

Essa pluralidade na propriedade cria um ciclo virtuoso: protege veículos individuais enquanto contribui para o ecossistema mais amplo do jornalismo independente. Quando vários interessados têm um compromisso com a independência editorial, eles formam uma defesa robusta contra interferências políticas e pressões de mercado que poderiam comprometer a integridade jornalística. O modelo demonstra que proteger a pluralidade na mídia não se trata apenas de ter diferentes veículos, mas de garantir que a estrutura de propriedade sustente e reforce essa diversidade.

De olho no futuro

A Plūrālis já impediu a tomada de duas outras empresas de mídia, na Eslováquia e na Croácia. O sucesso na proteção da independência de organizações por meio desse modelo de financiamento traz esperança para a mídia independente em escala global. À medida que as ameaças à liberdade de imprensa se tornam mais elaboradas, indo além da censura direta para formas mais sutis de captura, por meio da propriedade e pressão econômica, soluções criativas são mais urgentes do que nunca.

Essa terceira via demonstra que é possível construir estruturas de propriedade que protejam a independência editorial, garantindo ao mesmo tempo sustentabilidade financeira. Mostra que capital alinhado à missão pode competir efetivamente com entidades apoiadas pelo Estado quando organizado e implantado adequadamente. Mais importante ainda, fornece um modelo prático que pode ser adaptado e replicado em outros contextos nos quais a mídia independente enfrenta ameaças semelhantes.

O AUTOR

Patrice Schneider é ex-jornalista, diretor de estratégia do Media Development Investment Fund e secretário do conselho de supervisão da Plūrālis BV.



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