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Convivência multigeracional: solução acessível para crises de moradia e cuidados

Modelo tradicional de convivência familiar ganha força contra os custos crescentes com habitação e cuidados de crianças e idosos

Por Jonathan F.P. Rose

Foto cortesia de Jonathan Rose

Há alguns anos, passei algumas noites em uma casa em Chebisa, no Butão, um vilarejo himalaio localizado no alto de uma montanha e próximo à fronteira com o Tibete. Quatro gerações viviam juntas ali. Durante o preparo do jantar, os bisavós conversavam com um famoso carteiro idoso, conhecido em sua juventude por ser o mais rápido do país. Uma das avós ninava o bebê, enquanto o avô jogava com os pré-adolescentes, permitindo que a neta acendesse o fogo e cozinhasse a refeição. Todos estavam envolvidos, cada idoso e criança recebia atenção com amor, e todos eram cuidados.

Durante a maior parte da história humana, as pessoas viveram assim, em núcleos familiares multigeracionais. Em sociedades organizadas a partir de uma visão relacional do mundo, os indivíduos são considerados parte de um todo maior e interdependente: família, clã, vila, tribo e todas as formas de vida. O escritor indígena norte-americano Ilarion Merculieff descreve esse tipo de dinâmica como “um portal mais profundo de interconexão e consciência que existe entre os seres humanos e todos os seres vivos”.

A convivência multigeracional reforça essa visão de mundo, mas a maioria das sociedades ocidentais fragmentou as famílias. Nos Estados Unidos, os indivíduos costumam se perceber como autossuficientes, com o bem-estar derivado de sua independência. Lares multigeracionais são raros. As crianças crescem e deixam os pais para trás, formando novas unidades familiares “nucleares”. O que impulsiona esse estilo de vida historicamente incomum?

As formas de convivência familiar são tanto uma função da habitação quanto da cultura. O modelo de ocupação imobiliária centrado em famílias nucleares de duas gerações foi fortemente promovido pelos beneficiários secundários da habitação unifamiliar no início do século 20: corretores de imóveis, empresas de hipotecas residenciais, fabricantes de pneus de automóveis e indústrias petrolíferas. Buscando expandir a demanda por mais casas, essas indústrias fizeram lobby para regulamentações de zoneamento que limitavam quem poderia viver em uma casa. Por exemplo, na década de 1930, conseguiram que a recém-formada Autoridade Federal de Habitação dos Estados Unidos concedesse crédito hipotecário exclusivamente para casas suburbanas unifamiliares, excluindo cooperativas e arranjos de moradia mais amplos.

Essas formas de viver, no entanto, implicam muitos custos econômicos e sociais, pois pais estressados e com pouco apoio devem cuidar de seus filhos e pais idosos de seus apartamentos ou de casas isoladas. Em busca da “independência”, criamos uma sociedade fragmentada e dissociada, perdendo muito de nosso parentesco íntimo e apoio mútuo inerente às famílias extensas. Portanto, os cuidados com idosos e crianças – como profissões extrafamiliares – tornaram-se não apenas invenções relativamente modernas, mas também caras.

Em 2020, o custo mediano nos EUA do atendimento com um cuidador em domicílio foi de quase US$ 55 mil. Já o de um quarto privado em uma casa de repouso custava o dobro, estimado em quase US$ 106 mil. Como resultado, 24% dos idosos que vivem no país são classificados como socialmente isolados, o que está associado a um risco aumentado em aproximadamente 50% de desenvolver demência, 32% de acidente vascular cerebral, 68% de hospitalização e 57% de precisar procurar um serviço de emergência.

Enquanto isso, os cuidados com crianças têm sido distribuídos entre creches, avós e irmãos mais velhos, babás, amas de leite e outros. Os pais combinam os cuidados infantis com programas pré-escolares, atividades extracurriculares e acampamentos de verão, porque não há uma única solução acessível. Em 2024, o custo médio mensal de manter uma criança em uma creche nos EUA foi de US$ 1.230. Cuidados infantis acessíveis deveriam custar 7% ou menos da renda familiar anual, mas não há nenhum estado americano onde uma família que ganha a renda mediana se encaixe nesse critério. Enquanto isso, os custos com habitação estão se tornando inviáveis: 35% das famílias americanas gastam mais de 30% de sua renda em moradia, enquanto não há um único condado no país no qual uma família que ganha o salário mínimo possa alugar um apartamento de dois quartos.

Juntos, os custos de moradia e cuidados com crianças e idosos não cabem no bolso da maioria das famílias americanas. Muitos pais que trabalham, mergulhados nas necessidades de seus filhos e seus pais, se endividam para prover seus cuidados, o que reduz sua capacidade de financiar o custo da educação continuada ou da compra de uma casa. Isso afeta particularmente as mulheres, que muitas vezes cuidam de crianças ou idosos e frequentemente precisam reduzir suas horas de trabalho remunerado para fazê-lo. Segundo a AARP, organização dedicada ao bem-estar de idosos nos EUA, isso pode ter consequências negativas a longo prazo, incluindo perda de renda, oportunidades de carreira e poupança reduzidas e, consequentemente, benefícios mais baixos da Previdência Social e da aposentadoria. Em 2021, o valor econômico estimado do trabalho não remunerado de cuidadores familiares foi de aproximadamente US$ 600 bilhões.

O relatório do Pew Research Center sobre a demografia de lares multigeracionais identificou que a convivência entre gerações tem vantagens financeiras significativas. Lares multigeracionais geralmente contam com mais pessoas que ganham renda do que lares com apenas um núcleo familiar. Ao combinar a renda dos membros da família e a previdência social ou pensões dos aposentados, os americanos que vivem em lares multigeracionais têm níveis mais baixos de pobreza. Enquanto 13% dos idosos americanos com mais de 85 anos vivem na pobreza, apenas 8% que vivem em lares multigeracionais estão nessa estatística, uma redução de 40%.

Uma solução para o desmembramento da família americana multigeracional é tão antiga quanto a própria humanidade: facilitar a habitação multigeracional. No entanto, criar a oportunidade para várias gerações de famílias viverem juntas requer a construção de espaços apropriados. Isso significa transformar os regulamentos de zoneamento, as estruturas financeiras e os padrões sociais que as separaram há pouco mais de um século.

A mudança de zoneamento mais viável seria simplesmente permitir que unidades habitacionais acessórias (ADUs, na sigla em inglês) sejam adicionadas às casas unifamiliares existentes, o que atualmente não é permitido na maioria das zonas unifamiliares. As ADUs fornecem um espaço separado para uma casa destinada aos avós ou outros parentes, geralmente em uma garagem, um quintal ou um porão ocupável. Em 2016, a Califórnia aprovou um conjunto de regras em todo o estado que facilitou a construção de ADUs e, em 2022, mais de 80 mil novas ADUs foram erguidas. Desde então, Oregon, Washington, Connecticut, Maine, Nova York e Minnesota seguiram o exemplo, tornando mais fácil adicionar ADUs a residências unifamiliares.

As ADUs são apenas uma maneira de expandir as moradias unifamiliares existentes. E se as moradias pudessem ser construídas especificamente para esse fim? Regulamentos de zoneamento que permitem a ocupação multigeracional têm se espalhado pelo mundo. Em Amsterdã, por exemplo, a Three Generation House oferece um apartamento para os avós no último andar, que pode ser acessado por um elevador, com a casa da família abaixo, projetada para integrar privacidade e comunidade para as diferentes gerações. A Plain Tiles House, em Surat, na Índia, acomoda um casal, seus filhos e pais em uma série de cômodos ao redor de um pátio central.

Existem outros obstáculos regulatórios à vida multigeracional que precisam ser discutidos. Estima-se que 2,6 milhões de crianças americanas sejam atualmente criadas por seus avós, mas eles raramente se qualificam para receber os mesmos auxílios financeiros que os tutores de lares temporários recebem. É particularmente desafiador para avós de baixa renda abrigar seus netos sob as regulamentações típicas de ocupação de moradias acessíveis. Mas isso também está mudando. Por exemplo, a 570 Washington Street, atualmente em construção no West Village de Nova York, será uma das primeiras comunidades de idosos acessíveis projetadas para avós criarem seus netos. Localizada em um distrito escolar de alto desempenho, ajudará a cidade a atingir sua meta de matricular crianças de baixa renda nas melhores escolas públicas do município. E o projeto fornecerá uma gama completa de serviços sociais para as famílias, enriquecendo a vida dos idosos e de seus netos.

Outra barreira são os sistemas de financiamento que incentivam a ocupação de uma ou duas gerações: 80% das moradias de Cingapura, por exemplo, são construídas pela HDB, a agência estatal de habitação, e até recentemente, a HDB se concentrava em abrigar solteiros idosos, casais e pais com crianças. Mais recentemente, no entanto, reconhecendo os benefícios da habitação intergeracional, a agência agora oferece incentivos financeiros para duas formas de ocupação multigeracional. No primeiro, o “3 Gen Flats”, as famílias podem optar por apartamentos maiores para acomodar várias gerações. Uma vez que nem todas as famílias querem viver tão juntas, elas também têm a opção de ocupar dois apartamentos próximos em novos empreendimentos e construí-los para atender às suas necessidades. Para incentivar o apoio familiar multigeracional, a HDB também fornece um subsídio de proximidade para ajudar as famílias a comprar ou alugar apartamentos próximos uns dos outros.

Nem todas as famílias podem viver juntas na mesma comunidade, portanto, a habitação multigeracional, que integra núcleos familiares jovens e idosos sem parentesco em unidades separadas, pode fornecer muitos dos benefícios dos lares multigeracionais. O Giesserei, em Winterthur, na Suíça, contém 140 apartamentos, variando em tamanho de 1,5 a 9 quartos, abrigando famílias de múltiplas gerações. Também inclui uma variedade de usos não residenciais de apoio, incluindo um restaurante, uma filial das bibliotecas de Winterthur, um estúdio de cerâmica e uma galeria de arte. Existem oito salas comuns, incluindo um grande salão para eventos internos e públicos, duas salas de convivência, um espaço de prática musical e três oficinas. O desenvolvimento cooperativo é gerido pelos próprios moradores, que se concentram em fornecer programas sociais para ativar a comunidade.

A coabitação também oferece comunidades multigeracionais. Nesse modelo, as famílias vivem em apartamentos menores ou pequenas casas unifamiliares, normalmente agrupadas em torno de um pátio e um centro comunitário compartilhado maior que oferece um lugar para se reunir, lavar roupa e compartilhar refeições, creche e outras comodidades. Os espaços físicos são animados por uma cultura de sociabilidade que incentiva projetos em grupo, uma refeição compartilhada normalmente uma ou duas vezes por semana e apoio mútuo. A tomada de decisão da comunidade é coletiva e geralmente por consenso. Atualmente, existem 165 comunidades de coabitação nos EUA, e um número ainda maior na Europa. Na Dinamarca, por exemplo, mais de 50 mil pessoas vivem em coabitação. Em Berlim, há mais de 150 comunidades desse tipo na área metropolitana. Esses empreendimentos são previstos pelos códigos de zoneamento e amplamente disponíveis graças a empréstimos cooperativos para desenvolvimento habitacional de agências governamentais e empréstimos de bancos para residentes, que normalmente exigem apenas um adiantamento mínimo de 5% do preço de compra.

Em Helsingborg, uma cidade no sul da Suécia, o projeto de coabitação SällBo oferece moradia para idosos a preços acessíveis para maiores de 70 anos e moradia para jovens entre 18 e 25 anos, muitos dos quais são refugiados. A comunidade inclui espaço variado para interação: cada andar tem cozinhas comunitárias, uma sala de estar, uma biblioteca, uma sala de carpintaria, uma sala de arte, uma sala de ioga e um jardim, todos projetados intencionalmente para apoiar a socialização.

Há muito a aprender com esses e outros exemplos. Nos EUA, os códigos de zoneamento, combinados com apoio financeiro, podem tornar o desenvolvimento de moradias intergeracionais muito mais fácil. Para famílias de baixa renda, os programas do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano norte-americano e as iniciativas de habitação acessível da maioria das cidades podem viabilizar o custeamento do aluguel de apartamentos adjacentes ou próximos para famílias multigeracionais. A regulamentação de zoneamento para permitir ADUs pode ser ampliada, bem como a que permite que pessoas sem parentesco compartilhem casas multigeracionais. Isso legalizaria os acordos de compartilhamento de casas, em que os proprietários alugam parte de sua casa para outras famílias, estudantes ou idosos. O Crédito Fiscal de Habitação de Baixa Renda (LIHTC, na sigla em inglês) pode ser ajustado para incentivar construtoras a incluir unidades multigeracionais ou familiares em projetos habitacionais acessíveis. E um crédito fiscal de habitação para “trabalhadores essenciais” poderia expandir a oferta de moradias acessíveis para trabalhadores de segurança pública, enfermeiros e trabalhadores de hospitais, professores e administradores, cuidadores de idosos e crianças, e outros em áreas para esse fim. 

Programas que oferecem vouchers para moradia, como o Seção 8, nos EUA, poderiam permitir seu uso em arranjos de coabitação ou moradia compartilhada intergeracional. Construtoras poderiam ser recompensadas com maior densidade em troca da inclusão de unidades de coabitação ou intergeracionais em novos empreendimentos, aumentando a oferta de habitação em áreas de alta demanda. E programas de serviços sociais que apoiem a vida multigeracional, como creches localizadas perto de moradias para idosos, ou serviços de saúde projetados para atender tanto adultos mais velhos quanto famílias, deveriam ser incentivados.

Atualmente, as agências governamentais tendem a promover suas políticas e operações de forma isolada. Como as agências de habitação, creches, saúde e cuidados com idosos funcionam de forma independente, é muito mais difícil criar soluções integrativas. Por exemplo, será que um programa para financiar moradias multigeracionais poderia ser financiado pelos orçamentos dedicados a habitação, cuidados com idosos e creches? Não seria o momento de adotar uma categoria mais ampla, o bem-estar da família, que possa integrar departamentos separados? A habitação multigeracional é um exemplo do que uma integração mais sistêmica de objetivos e soluções de bem-estar poderia alcançar, apoiando famílias, crianças e idosos e aliviando a pressão sobre os pais e sobre os sistemas sociais e de saúde.

O AUTOR

O trabalho de Jonathan F.P. Rose nos âmbitos empresarial, de políticas públicas, ensino, pesquisa, escrita e organizações sem fins lucrativos se dedica à criação de cidades mais ambientalmente, socialmente e economicamente resilientes.



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