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Em defesa das alianças climáticas

Líderes empresariais estão sob pressão para enfrentar a crise climática, mas não podem fazer isso sozinhos. Alianças podem ajudá-los, e a suas companhias, a implementar com mais ambição, responsabilidade e eficácia as mudanças necessárias para salvar o planeta

Por Matteo Gasparini, Knut Haanaes, Emily Tedards e Peter Tufano

Ilustração de Caroline Gamon

 

Cidadãos, governos e empresas ao redor do mundo estão sentindo o impacto crescente das mudanças climáticas, à medida que a temperatura média já atinge 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais. Líderes empresariais estão sob pressão para lidar com as consequências estratégicas do aquecimento global e implementar as agendas climáticas cada vez mais ambiciosas de suas empresas. Embora cada vez mais empresas estejam expandindo seus compromissos para combater as mudanças climáticas, 64% das pessoas entrevistadas em 14 países acreditam que as empresas não estejam cumprindo suas promessas, segundo um relatório especial da Edelman.¹

Apesar dos altos níveis de confiança do público nas empresas, cidadãos ao redor do mundo se mostram céticos quanto à disposição e à capacidade delas de cumprir suas promessas climáticas.

Líderes empresariais podem promover suas agendas climáticas até certo ponto, mas suas ações são limitadas pelos sistemas nos quais operam. Uma empresa não pode descarbonizar sua cadeia de suprimentos se não conseguir encontrar os produtos ecológicos de que precisa ou se seus fornecedores e distribuidores não estiverem acompanhando o ritmo de descarbonização. Uma empresa não pode justificar para seus investidores as despesas necessárias em pesquisa e desenvolvimento para descarbonizar seus produtos se a demanda for incerta e se a empresa corre o risco de criar uma desvantagem competitiva, caso venha a ser a primeira a agir. Uma empresa não pode relatar dados de emissões úteis, consistentes e precisos ou estabelecer metas de emissões sem estruturas padronizadas de relatórios e de definição de metas.

A mudança climática – como outros desafios de sustentabilidade empresarial – é um problema sistêmico que exige soluções sistêmicas.² Formuladores de políticas e reguladores desempenham um papel fundamental, mas, dada a magnitude do problema, o ritmo exigido pela ciência das mudanças climáticas, as habilidades e os recursos necessários e o cenário político fragmentado, líderes empresariais devem agir de forma decisiva.

A escala e o escopo das mudanças necessárias para avançar na redução do aquecimento global e na adaptação a um planeta mais quente exigem que líderes olhem além de suas organizações e colaborem com outros atores. Pesquisa realizada de 2009 a 2017 pela MIT Sloan Management Review e pelo Boston Consulting Group (BCG) descobriu que 90% de mais de 60 mil executivos e gerentes entrevistados em 118 países acreditam que “a colaboração é essencial para o sucesso da sustentabilidade”.³ Esse consenso explica por que, na última década, centenas de líderes empresariais optaram por se unir a alianças, coalizões e outras iniciativas conjuntas para enfrentar as mudanças climáticas.

Por décadas, estudiosos têm analisado os antecedentes, as formas e as consequências do desempenho de alianças estratégicas – definidas pelo acadêmico de gestão Ranjay Gulati como “acordos voluntários entre empresas envolvendo troca, compartilhamento ou codesenvolvimento de produtos, tecnologias ou serviços”.4 Analisamos um tipo específico desses acordos, que chamamos de “alianças climáticas”. Nelas, as empresas colaboram mutuamente e, em alguns casos, com ONGs e atores governamentais para promover metas climáticas, ambientais ou de sustentabilidade. Essas alianças podem ser específicas do setor ou incluir diferentes setores.

Pesquisadores começaram recentemente a examinar como essas alianças estão se formando e promovendo a agenda climática.5 Ao mesmo tempo, essas organizações estão vendo membros se retirarem e vêm enfrentando desafios com conotações políticas, na forma de alegações antitruste.6 Revestidas de termos jurídicos e de políticas públicas, essas acusações afirmam que as empresas usam alianças climáticas para agir em conluio e mascarar sua falta de atividade. Alguns economistas, aplicando modelos estreitos, continuam a argumentar que apenas a concorrência irrestrita e os impostos sobre o carbono são apropriados, e não a coordenação entre companhias. Reguladores governamentais questionam o que as empresas fazem em conjunto que não poderiam fazer sozinhas. Potenciais membros de alianças também precisam se fazer essa pergunta.

Para as companhias, a decisão de aderir a alianças climáticas – ou sair delas – é cada vez mais urgente. Dado o grande número, determinar quais desses acordos têm potencial de eficácia é uma tarefa crucial para membros potenciais ou existentes. No entanto, há poucas orientações para ajudar os líderes a navegar na complexa paisagem das alianças climáticas. Para entender melhor essas escolhas, identificamos mais de 75 alianças e entrevistamos mais de 20 líderes desses acordos e de empresas, a fim de encontrar problemas e oportunidades que podem induzir líderes a se juntarem a alianças, as maneiras pelas quais elas podem ajudá-los a preencher lacunas em suas capacidades e os desafios e limitações das alianças climáticas. Também conversamos informalmente com outros líderes e membros de alianças. Embora tenhamos extraído temas amplos de nossas entrevistas e compartilhemos as falas dos participantes, não identificamos seus nomes ou organizações. Esperamos ajudar líderes empresariais a tomar decisões melhores sobre se e como se engajar com esses veículos colaborativos para maximizar o impacto climático – e permanecer dentro da lei. 

 

Três gargalos 

A medida que mais empresas definem suas estratégias climáticas, os responsáveis pela implementação – de membros do conselho e executivos seniores a gerentes de portfólio e diretores de compras – se veem diante do monumental desafio de enfrentar a mudança climática. Como exatamente podem fazer isso e de que ajuda precisam? Realizamos pesquisas e entrevistas para encontrar temas e padrões que surgiram entre alianças e líderes empresariais. Identificamos três gargalos que impedem seu progresso: falta de prontidão organizacional, na forma de disposição e capacidades; falta de prontidão do mercado, na forma de interdependências não resolvidas; e falta de prontidão institucional, na forma de políticas e padrões globais consistentes. 

É comum que companhias façam promessas climáticas sem ter planos de implementação ou equipes capacitadas. No entanto, líderes de fato comprometidos com tais promessas precisam superar a resistência interna a novas ideias e práticas em processos produtivos

Prontidão organizacional | Um estudo feito em 2021 pela Universidade de Nova York com 1.188 diretores de empresas da Fortune 100 dos Estados Unidos descobriu que apenas cerca de 1% tinha credenciais de sustentabilidade, como experiência em práticas empresariais sustentáveis, desenvolvimento sustentável, clima e energia, conservação da natureza e legislação ambiental.7 Da mesma forma, em uma pesquisa global conduzida com membros de conselhos pela Insead e pela consultoria de recrutamento executivo Heidrick & Struggles, 65% dos entrevistados disseram que o conhecimento sobre mudanças climáticas não é requisito para atuar no conselho ou para a seleção de CEOs, e 74% não priorizam as mudanças climáticas entre as competências do conselho ou na avaliação de desempenho executivo.8

Essa falta de expertise não se restringe aos altos cargos. Um relatório da BCG de 2023 encontrou um déficit de qualificações ambientais afetando 7 milhões de trabalhadores.9 Um relatório de 2023 da LinkedIn Global Green Skills chegou a conclusão semelhante.10 Outros cargos gerenciais superiores sofrem com o mesmo déficit. Na área mais técnica de gestão de riscos em empresas de serviços financeiros, uma pesquisa de 2022 com diretores de risco (CROs) revelou que quase 40% estão preocupados com a “disponibilidade de funcionários qualificados” nos próximos cinco anos.11

É comum que companhias façam promessas climáticas sem ter planos de implementação ou equipes capacitadas. Alguns podem chamar esses compromissos de pensamento ilusório; outros, de ambição. No entanto, líderes de fato comprometidos com tais promessas precisam superar a resistência interna a novas ideias e práticas em processos produtivos, redirecionar a área de pesquisa e desenvolvimento, reestruturar cadeias de suprimentos, reformular processos de gestão de riscos, contabilidade e divulgação, reestruturar sistemas de incentivos, entre outros. As fontes de resistência são muitas e decorrem da falta de conscientização interna, de capacidades científicas e gerenciais, ou de apoio da liderança e de partes interessadas. Um líder com experiência em alianças climáticas nos disse que converter o clima de um “problema de risco para um problema estratégico” é um “enorme desafio organizacional”, que se estende a todas as funções. Para muitas empresas, implementar as mudanças exigidas pode estar fora de suas capacidades corporativas tradicionais. Os encarregados da implementação podem precisar de treinamento, assistência e outras formas de apoio externo vindo de especialistas, consultores, ONGs, educadores e outras empresas. Em resumo, muitos líderes acham difícil contratar e desenvolver as mentalidades e competências necessárias para esse fim.

Prontidão do mercado | Para as empresas, pode ser mais fácil comprometer-se com a descarbonização de suas cadeias de valor internas que com as externas.12 Identificar e, mais, lidar com interdependências, seja em níveis superiores, seja nos inferiores, é uma tarefa enorme. Diante das cadeias de suprimentos complexas e interconectadas de hoje, as empresas dependem de componentes, matérias-primas e serviços provenientes de centenas de diferentes localidades e provedores. Em alguns casos, lacunas de mercado impedem que diretores de compras e gerentes de portfólio adquiram componentes, tecnologias, produtos e investimentos mais sustentáveis. 

Embora algumas soluções verdes sejam viáveis em termos científicos e tecnológicos, os fornecedores podem não ter os sinais de demanda e modelos de negócios necessários para oferecê-las. Líderes também podem hesitar em investir em tecnologias verdes se perceberem o risco do pioneirismo – por exemplo, se os produtos ecologicamente corretos forem mais caros que suas alternativas e os consumidores não estiverem dispostos a pagar por opções similares de baixa emissão de carbono. Algumas soluções verdes, como a remoção e o armazenamento de carbono, exigirão investimentos em pesquisa e desenvolvimento para chegar ao mercado. Sem fortes sinais de demanda do consumidor ou de ação política, tomadores de decisão (incluindo financiadores) podem não estar dispostos a fazer esses investimentos.

Para uma única empresa ou líder de sustentabilidade,descarbonizar todo um mercado ou cadeia de suprimentos, da aquisição de matérias-primas à venda do produto final, é intimidante. A combinação de incerteza, “curto-prazismo” e falta de impostos consistentes sobre emissões de carbono em todo o mundo desestimula o investimento em tecnologias necessárias para a descarbonização, muito caras e arriscadas para uma empresa desenvolver sozinha. 

Prontidão institucional | Assim como nas estradas, mercados precisam de regras e limites de velocidade e, no espaço climático, estes precisam ser globais para serem eficazes – ou pelo menos globalmente coerentes. Embora o aquecimento global não esteja limitado por fronteiras nacionais, o cenário global carece de intervenção governamental consistente e sofre com políticas, padrões e estruturas de responsabilidade fragmentados. 

Algumas empresas podem aproveitar o vácuo regulatório para mascarar suas atividades por meio de greenwashing, obtendo vantagem competitiva sem gerar impacto positivo. Esse comportamento pode desencorajar ações climáticas por parte de companhias bem-intencionadas. Líderes podem ter dificuldade ao selecionar quais estruturas ou práticas adotar e na hora de investir tempo e recursos para adotá-las, caso a credibilidade ou a legitimidade dessas medidas forem incertas. Além disso, a inconsistência de dados e a falta de validação limitam o papel de responsabilização por parte de reguladores, mercados financeiros e consumidores e retardam o desenvolvimento do mercado. Cada vez mais, governos e instituições financeiras levam em conta a divulgação de dados relacionados ao clima em seus processos regulatórios e de investimento, mas, se as empresas adotarem diferentes padrões para comunicar seus riscos e impactos ambientais – e seus caminhos de transição –, os stakeholders não poderão comparar empresas ou diferenciar bons e maus atores.

Em resumo, enfrentar a crise climática requer uma transformação multidimensional. Processos governamentais podem não produzir a inovação institucional de que precisamos na velocidade e na escala apropriadas, dada a natureza politizada das discussões sobre mudanças climáticas e as dificuldades de coordenar a regulamentação internacional. Abordagens tradicionais para a concorrência podem não produzir as capacidades organizacionais e estruturas de mercado necessárias. No entanto, líderes empresariais podem e estão forjando um terceiro caminho para mudanças organizacionais, de mercado e institucionais, colaborando entre si – às vezes até mesmo com concorrentes. Alianças climáticas estão se mostrando um veículo essencial para essas colaborações. 

 

Como alianças climáticas ajudam

Um líder de uma aliança de serviços financeiros ofereceu uma explicação simples sobre por que as empresas se unem: “Não dá para alcançar suas metas climáticas sozinho”. Ao considerar participar de alianças climáticas, líderes devem ter claro quais problemas buscam resolver e até que ponto os objetivos, estratégias e práticas de uma aliança climática permitirão que o façam. Alianças podem ajudá-los a atender às reais necessidades de suas empresas de pelo menos cinco maneiras. 

Desenvolver capacidades para implementação | Alianças climáticas podem ajudar líderes empresariais a aumentar o conhecimento e as capacidades de suas organizações para combater as mudanças climáticas. Essas alianças reúnem atores com diversos conhecimentos e competências, promovem networking e a troca de boas práticas e facilitam a resolução de problemas.

Por exemplo, a missão da Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep FI, na sigla em inglês) é gerar conscientização e construir conhecimento para capacitar instituições financeiras a colocar em prática ações climáticas. A Unep FI reúne líderes de instituições financeiras para identificar desafios comuns (como a avaliação de riscos relacionados ao clima) e desenvolver soluções. Ela fornece orientações práticas e ferramentas para que empresas se engajem em ações climáticas, como metodologias para avaliar riscos climáticos em portfólios financeiros. Iniciativas promovidas pela Unep FI ajudaram empresas de investimento a incorporar considerações sobre sustentabilidade à tomada de decisões e contribuíram para o aumento dos investimentos sustentáveis.

Uma aliança climática da indústria financeira realizava pesquisas anuais com participantes do mercado para identificar suas principais dificuldades, conforme relata seu chefe.  “Fornecemos orientações detalhadas que os ajudam com esses pontos problemáticos”, diz. “Relatórios [anuais] de progresso e status têm sido inestimáveis para moldar o trabalho futuro.” Uma das pesquisas revelou que as empresas enfrentavam dificuldades com a análise de cenários, levando a aliança climática a mudar o foco de suas atividades para ajudá-las a organizar o planejamento de cenários, buscar ferramentas de análise e interpretar os resultados.

Ao estruturar problemas, criar plataformas para diálogo e troca e fornecer soluções técnicas para superar desafios, alianças climáticas ajudam a aumentar a conscientização sobre riscos climáticos dentro das companhias, desenvolver narrativas compartilhadas sobre desafios e soluções climáticas, gerar adesão para a ação climática e fomentar novas habilidades e competências necessárias para a implementação. Essas atividades reforçam de forma tangível a adoção de normas e estruturas climáticas e ajudam a estabelecer uma cultura mais orientada e consciente nas empresas. 

Coordenar ambição conjunta | Alianças climáticas também permitem que empresas se alinhem em torno de uma visão compartilhada de mudança a longo prazo. A iniciativa Race to Zero, uma aliança global com o objetivo de acelerar a transição para uma economia de carbono zero, reúne grupos dispersos de organizações afins em uma comunidade multissetorial, composta de 8.307 empresas, 595 instituições financeiras, 1.136 cidades, 52 estados e regiões, 1.125 instituições educacionais e 65 instituições de saúde. Cada membro deve se comprometer a desenvolver planos para atingir emissões líquidas zero até 2050. Embora essas empresas ajam individualmente, a Race to Zero as ajuda a converter o apoio à agenda climática em compromissos concretos e quantificáveis com etapas de ação. A aliança desenvolveu disposições – como cinco critérios que todos os membros devem cumprir – para direcionar a ambição conjunta para a ação. Além disso, ela mitiga a desvantagem do pioneiro, permitindo que os membros se envolvam em atividades mais limpas de forma pré-concorrencial e simultânea. 

Interagir com colegas pode levar líderes empresariais e suas companhias a aspirar a mais. Um entrevistado que acompanhou a elaboração de um conjunto inicial de princípios climáticos no nível da indústria afirmou que a “pressão interna de pares” entre empresas expandiu as aspirações de sustentabilidade das corporações, individualmente. “Parte do design das alianças é: como você as projeta para criar um ciclo de ambição que seja para cima, não para baixo?”, ele disse. “Claro, é possível criar algo que também destrua a ambição rapidamente. Mas acho que, se for bem estruturado, você pode criar essa corrida para o topo.”

As empresas são cautelosas em relação a qualquer coisa que possa ser interpretada como truste. No entanto, algumas alianças agregam valor ao fornecer estruturas organizacionais formais, processos, transparência e governança necessários para possibilitar a ação coletiva, mas mantendo a conformidade com a lei. Elas vinculam suas interações a tarefas específicas, simplificam e reduzem custos de coordenação e permitem que atores desenvolvam soluções sistêmicas para preencher lacunas críticas.

Por exemplo, apesar das alegações de greenwashing, a Iniciativa Climática de Petróleo e Gás (OGCI, na sigla em inglês) é uma plataforma na qual 12 concorrentes da indústria de petróleo e gás unem seus recursos e competências. Ao fundar o Fundo de Investimento Climático de US$ 1 bilhão e serem parceiros limitados nele, membros da OGCI fazem investimentos conjuntos como indústria, em vez de fazê-lo como empresas individuais. Embora esses aportes constituam uma fração pequena de seus orçamentos combinados de pesquisa e desenvolvimento, o tempo coletivo de trabalho de suas equipes, a expertise técnica e o financiamento representam uma alocação significativa e mensurável de recursos para inovações em energia limpa.

Alianças podem criar e agregar sinais de demanda desencadeiam externalidades positivas e economias de escala e escopo, acelerando inovação, comercialização e ampla adoção de produtos ecológicos

Moldar oferta e demanda futuras | A descarbonização das economias exige a criação – e a disseminação – de ondas de inovações. A transição da adoção pioneira para a adoção em massa, ou de uma tecnologia para outra, pode ser lenta, em especial quando os mercados estão interligados. Ao facilitar o alinhamento dentro dos setores e entre eles, alianças climáticas permitem que líderes empresariais abordem as interdependências de mercado. Elas podem criar e agregar sinais de demanda críveis, que desencadeiam externalidades positivas e economias de escala e escopo, acelerando inovação, comercialização e ampla adoção de produtos ecológicos em toda a economia. 

Ilustração de Carolina Gamon

Alianças climáticas adotam duas abordagens: pressão da demanda (“demand pull”) e oferta estimulada (“supply push”). A OGCI é uma iniciativa de oferta estimulada; ela agrega fundos para investir em novas tecnologias e empresas, incentivando os fornecedores a fazer mais. A pressão da demanda, às vezes na forma de compromissos de mercado antecipados, faz com que compradores se comprometam antecipadamente a adquirir produtos em mercados emergentes, incentivando novos fornecedores e financiadores a desenvolver novos mercados.

Atividades de pressão da demanda são implementadas pelo Climate Group, organização sem fins lucrativos de líderes empresariais e governamentais que trabalha para desenvolver e ampliar tecnologias existentes, como o aço sem combustíveis fósseis e o concreto de emissão líquida zero. O Climate Group usa o poder de compra coletivo de seus membros para gerar sinais de demanda: os membros indicam seu interesse em adquirir aço, concreto ou outras matérias-primas ou produtos com emissões líquidas zero no futuro. Desde seu lançamento, em 2017, os 127 membros da iniciativa EV100 do Climate Group se comprometeram a comprar um total de quase 6 milhões de veículos elétricos em mais de cem países até 2030. Da mesma forma, a Frontier Climate, um compromisso de mercado antecipado fundado pelas companhias Stripe, Alphabet, Shopify, Meta e McKinsey, visa expandir a oferta de remoção de carbono, garantindo demanda futura. Os membros se comprometeram a investir mais de US$ 1 bilhão em atividades permanentes de remoção de carbono (que extraem carbono da atmosfera e o armazenam no subsolo ou em outras formas por pelo menos um século), de 2022 a 2030, enviando um sinal de mercado para investimentos e inovações em pesquisa e desenvolvimento.

Ao aproveitar seu poder de compra coletivo para moldar oferta e demanda, tanto o Climate Group quanto o Frontier permitem a abordagem coletiva das interdependências das empresas participantes na produção de bens e serviços. Essas alianças estão mudando os incentivos para pesquisa, desenvolvimento e construção de capacidade em toda a cadeia de valor. Assim, estão transformando mercados existentes e criando novos mercados para soluções climáticas – um progresso que nenhum membro delas poderia ter alcançado sozinho. 

Estabelecer estruturas de responsabilização | A preocupação com a formação de truste pode impedir que empresas imponham sanções ou consequências legais contra seus pares, levantando dúvidas sobre a responsabilização em torno dos compromissos climáticos voluntários das empresas. Talvez por essa limitação, quase metade dos especialistas em estratégia empresarial ouvidos em 2018 pela MIT Sloan Management Review discordou da ideia de que a autorregulação da indústria poderia ajudar a mitigar as mudanças climáticas. No entanto, alianças – que às vezes incluem ONGs, autoridades reguladoras e outros atores – estão surgindo como terceiros com potencial para lidar com deficiências institucionais. Elas estão capacitando líderes para expandir e propelir os esforços de suas empresas contra as mudanças climáticas, mesmo na ausência de ação governamental ou de uma estrutura regulatória unificada.

Alianças climáticas usam diferentes mecanismos externos de responsabilização para que os compromissos voluntários de seus membros se traduzam em ações concretas. Por exemplo, a Iniciativa de Metas Baseadas na Ciência (SBTi, na sigla em inglês) – um esforço colaborativo que ajuda empresas a definir metas de redução de emissões de gases de efeito estufa de acordo com os achados científicos mais recentes – desenvolveu padrões técnicos para empresas que queiram estabelecer metas de net zero. De forma individual e voluntária, as companhias submetem metas de emissões e seguem um caminho amparado pela ciência para alcançá-las. A SBTi exige que, para permanecer na aliança, suas empresas cumpram objetivos intermediários e também valida e revisa as metas, acompanhando o progresso. A revisão independente por um terceiro ajuda a promover a transparência e a credibilidade dos avanços das companhias. 

Facilitar a inovação e a convergência de políticas | Alianças oferecem espaços para que empresas desenvolvam e alinhem padrões, apresentem perspectivas unificadas a formuladores de políticas e defendam reformas coletivamente. Nas palavras de um líder de aliança, “o que enlouquece [as companhias] é ter muitos caminhos diferentes e não alinhados, e uma das razões para se juntar a uma coalizão é a convergência”. 

O Consumer Goods Forum (CGF), rede de empresas do setor de bens de consumo que trabalha para promover práticas sustentáveis, ajudou a criar essa convergência. O CGF agregou perspectivas do setor sobre esquemas de responsabilidade estendida do produtor (políticas que tornam os produtores responsáveis pelas fases posteriores do ciclo de vida de seus produtos), permitiu que atores da indústria se unissem em torno de um conjunto de recomendações e publicou um documento com a posição coletiva sobre o tema.13 Da mesma forma, a Câmara de Comércio Internacional consolidou as perspectivas de seus membros sobre a inserção de considerações climáticas e de sustentabilidade na legislação antitruste.14 O mesmo líder citado no parágrafo anterior acrescentou que a convergência não apenas nos padrões, mas também em medidas, prontidão tecnológica, custos de capital e expectativas para a velocidade de implementação torna-se “muito útil para as empresas”.

Além de servir como interface entre líderes empresariais e formuladores de políticas, alianças climáticas testam e promovem modelos que governos podem considerar na formulação de marcos regulatórios. A Força-Tarefa em Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês), por exemplo, foi uma iniciativa internacional que desenvolveu padrões para uniformizar anúncios relativos ao clima. Empresas adotaram esses padrões porque eles aumentaram a credibilidade e a comparabilidade de seus comunicados. Posteriormente, governos e órgãos globais de definição de padrões (como o Conselho Internacional de Normas de Sustentabilidade, ou ISSB, na sigla em inglês) criaram marcos de divulgação climática com base no modelo da TCFD. Ao alcançar seu objetivo final, a TCFD transferiu suas atividades para o ISSB em 2023 e foi dissolvida. “Ao colaborar e demonstrar que as coisas funcionam, empresas exercem uma pressão saudável sobre o sistema político”, disse um consultor.

No entanto, o estabelecimento de padrões impulsionado pela indústria não está isento de críticas. Uma coalizão de 62 grupos ambientais, por exemplo, assinou uma carta criticando a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD, na sigla em inglês) por “minar soluções reais”.15 Segundo a petição, o processo de estabelecimento de padrões incluiu as empresas responsáveis pela degradação ambiental, mas não incluiu os afetados, não abordou impactos importantes relacionados à natureza e não levou em conta questões de justiça ambiental.

Em teoria, alianças podem ajudar empresas a desenvolver novas capacidades, criar ciclos positivos de ambição, moldar novos mercados e instituições, facilitar a convergência de práticas e criar responsabilidade em torno da ação ambiental. Na prática, elas têm ajudado empresas a superar desafios organizacionais, de mercado e institucionais que atrasam a transição para práticas de negócios mais sustentáveis. 

 

Limitações das alianças climáticas

As alianças podem claramente ajudar no avanço do combate às mudanças climáticas, mas elas também têm limitações. Líderes que entrevistamos destacaram desafios que representam riscos para o funcionamento, a integridade e o impacto dessas alianças. 

Desafio 1: metas e alinhamento | Algumas alianças falham em articular metas e estratégias claras e concretas, o que pode levá-las a prometer demais e entregar de menos, para os membros e para a sociedade em geral. Metas muito amplas são difíceis de traduzir em um conjunto claro de atividades. Alianças que se concentram em objetivos específicos – como criar um novo produto, financiar um novo investimento ou resolver um problema de um setor – têm mais chances de sucesso.16 “O mais importante é o foco”, disse um gerente sênior de uma aliança de manufatura. “Dissemos: ‘Vamos fazer apenas três coisas, e só isso’.” 

Estabelecer “incentivos para a colaboração” faz toda a diferença, segundo o líder de outra aliança. As alianças não podem impor comportamentos, mas podem informar e alinhar os incentivos dos membros. Aquelas que não abordam problemas reais de negócios dos membros perdem relevância.

Articular um propósito claro, específico e relevante permite que membros de alianças climáticas se unam em torno de um entendimento comum acerca da motivação para colaborarem, o que ajuda a conduzir os membros para os resultados desejados.17

“Acho que o desejo subjacente é fazer algo que faça a diferença, preencher uma necessidade que precisa ser atendida”, disse um membro do conselho de uma aliança do setor financeiro. “Isso ajuda a compensar a falta de autoridade para unir as pessoas e a tomar decisões de maneira realmente coletiva e construtiva.”

Por exemplo, a TCFD definiu um objetivo claro: fornecer aos mercados financeiros mais informações para alcançar a mitigação climática por meio das forças de mercado. Isso permitiu que membros da aliança concentrassem sua atenção no que diretores de sustentabilidade e investidores precisavam e no desenho de padrões para enfrentar seu desafio específico. 

Desafio 2: equipe estável e modelo operacional | Muitas alianças climáticas optaram por estabelecer uma secretaria ou uma equipe de gestão para supervisionar suas operações. No entanto, o alto índice de rotatividade nessas equipes pode se tornar um desafio, devido em parte a fluxos de financiamento instáveis. “Muito desse mundo opera por projetos”, disse um gerente de aliança. “Você recebe financiamento para um projeto. Quando o projeto termina, precisa encontrar outro. […] Poucos têm a estrutura institucional que permita um bom crescimento e desenvolvimento da equipe de gestão.” 

Sem funções de longo prazo ou oportunidades de desenvolvimento de carreira em suas equipes de gestão, alianças climáticas têm dificuldade para atrair e reter talentos. E, sem uma equipe central estável, enfrentam dificuldades para que processos e modelos operacionais sejam incorporados à rotina e para criar continuidade para membros e investidores.18 Nesse cenário, o trabalho diário da aliança se torna desestruturado, pontual, inconsistente e, às vezes, excessivamente focado apenas em atrair recursos para garantir a sobrevivência de curto prazo. O líder citado no parágrafo anterior observou que a rotatividade na força-tarefa levou membros da aliança a “perder parte da conectividade que tinham”. O diretor administrativo de uma aliança global vê uma lacuna entre “a capacidade de líderes realmente impressionantes – pessoas que estabelecem uma visão poderosa – e as capacidades de suas equipes operacionais”.

Por outro lado, nossa pesquisa descobriu que alianças com equipes e estruturas operacionais mais estáveis investem menos tempo na sobrevivência e nas operações diárias e dedicam mais recursos para gerar valor para seus membros e partes interessadas.

Desafio 3: escopo de afiliação, governança e responsabilização | Embora alianças climáticas possam de início querer expandir seu quadro de membros, ser excessivamente inclusivo na aceitação de candidatos pode exacerbar os desafios operacionais. “A primeira questão é quem você reúne”, disse um operador de aliança. “Quem você quer na sala em termos de empresas e pessoas?” Algumas alianças têm afiliação dirigida para determinado setor, enquanto outras praticam o que um consultor que entrevistamos chamou de “inclusão intencional”, em que atores da sociedade civil são convidados a participar ao lado de líderes empresariais, funcionando como uma equipe disciplinadora que denuncia se as companhias, em algum momento, estiverem agindo em interesse próprio, e não em benefício da sociedade. 

Para outras alianças, o critério de seleção é o escopo. O líder de uma aliança industrial disse: “Queremos as empresas mais ambiciosas do ponto de vista da descarbonização. […] Preferimos ter as dez mais ambiciosas a envolver toda a indústria. […] Isso cria um mecanismo de atração no mercado, em vez de uma abordagem pelo menor denominador comum”.

Muitas alianças carecem da governança necessária para estruturar a tomada de decisões, deixando suas agendas vulneráveis a interferências de financiadores. A falta de diversificação de recursos pode dar aos financiadores uma influência excessiva sobre as atividades e operações da aliança. Em alguns casos, isso leva a uma dispersão de esforços ou fragmentação das atividades.

“Abraçamos tudo e fazemos o que podemos porque precisamos de dinheiro para sustentar nosso movimento”, disse um líder de uma aliança. “É preciso ter uma boa governança e garantir que não haja conflito de interesses.”

A boa governança também é necessária para gerenciar incentivos conflitantes dos membros nas tomadas de decisão (por exemplo, o desejo de minimizar custos, por parte das companhias, e o de cumprir suas missões, por parte das ONGs). “Quando um grupo como este se reúne, como ninguém realmente se conhece, ninguém tem autoridade intrínseca”, disse um CEO corporativo. “Não há uma noção de hierarquia predefinida. A diferença [em relação a uma corporação] é que não está claro quem deve decidir.”

Falhar em delinear funções, responsabilidades e normas claras para membros pode prejudicar a eficácia das tomadas de decisões. Por outro lado, aproveitar essa dinâmica pode levar a resultados produtivos, pois os participantes, em certa medida, deixam de lado seus interesses organizacionais para focar no trabalho comum a ser feito.

A governança adequada ajuda a garantir que todos contribuam para o objetivo comum. “Em um ambiente colaborativo, como você garante a execução?”, perguntou um líder sobre a prática de se beneficiar sem contribuir. “Você tenta colaborar e ser cordial, e aí alguém não cumpre sua parte.” Nossos entrevistados enfatizaram que prever procedimentos e critérios para excluir membros (caso não cumpram seus compromissos) é tão importante quanto definir os critérios de entrada, porque a sensação de oportunismo enfraquece a participação dos membros. A governança deve estar atenta às proibições legais sobre certos tipos de colaboração. 

Desafio 4: métricas e medição de impacto | Aderir a uma aliança traz custos. Embora taxas de adesão e outros custos financeiros sejam em geral modestos, membros potenciais também devem considerar exigências de tempo, impacto reputacional e possíveis complicações legais e pesar esses fatores em relação aos benefícios da participação. Os ganhos precisam ser medidos, e o progresso deve ser acompanhado. 

Infelizmente, é comum que alianças climáticas não acompanhem seus próprios indicadores de desempenho, ou os de seus membros. Quando o fazem, muitas vezes não os divulgam publicamente. Assim, não conseguem quantificar ou monitorar os avanços

O uso de métricas e indicadores-chave de desempenho (KPIs, na sigla em inglês) é crucial para estabelecer alinhamento, responsabilização e credibilidade. Para empresas individuais, a SBTi desenvolve ferramentas para que membros definam suas estratégias de net zero. Companhias que aderem à iniciativa determinam e divulgam claramente seus KPIs, que devem ser alcançados em prazos definidos. Além disso, os membros são obrigados a relatar seu progresso em metas de curto e longo prazo. Uma equipe independente valida o alinhamento entre as metas e as medidas científicas relevantes que relacionam ações à redução de emissões.

Infelizmente, é comum que alianças climáticas não acompanhem seus próprios KPIs ou os de seus membros. Quando o fazem, muitas vezes não os divulgam publicamente. Assim, não conseguem quantificar ou monitorar os avanços, nem entender quem está contribuindo para esse progresso.19

Os parâmetros que os membros devem levar em conta para medir a eficácia de uma aliança climática variam de acordo com o tipo de aliança. Por exemplo, para medir o impacto de alianças focadas em capacitação, os membros poderiam avaliar se a participação melhora as habilidades e capacidades de sua própria companhia. Líderes empresariais poderiam medir o impacto de alianças coordenadoras de ambição pelo número de compromissos públicos com as metas da aliança, além de pesquisas de opinião com pessoas nas organizações integrantes da aliança. Avaliar alianças que definem padrões requer não apenas identificar as regras e normas que elas estabelecem, mas também avaliar sua qualidade, integridade e, principalmente, a escala de adoção delas.

A mensuração é importante e deve ser ajustada de acordo com os objetivos da aliança. “Fazer a coalizão avançar, criar um ímpeto – isso é importante”, disse o líder de uma aliança. Mas, continua, se o projeto “durar mais de uma década, ele não alcançou seus objetivos”.

Desafio 5: discurso aberto e debate inclusivo | Pesquisas anteriores sobre alianças e colaborações climáticas estabeleceram que a confiança entre parceiros – uma crença em sua intenção positiva e compromisso com o objetivo comum – é crucial para que elas funcionem de maneira eficaz.20 No entanto, nas palavras de um dos entrevistados, “nem sempre essas alianças se caracterizam por um alto nível de confiança, comprometimento, debate aberto e discussão”. Essa discrepância é particularmente verdadeira devido ao temor de questionamentos antitruste.

Governança não é o único fator importante para permitir um discurso produtivo, um debate inclusivo e a troca entre membros. Alguns líderes de alianças optam por cultivar uma comunicação aberta por meio de intervenções estruturais. Um líder com quem conversamos observou que membros de sua aliança (que incluía companhias e governos) não falavam com franqueza durante grandes reuniões plenárias, que eram abertas à imprensa. Eles decidiram, então, criar fóruns menores para permitir a troca entre pares.

“Às vezes, é como se os membros quisessem que todo mundo fosse honesto, mas eles mesmos não querem ser”, disse o líder. “Isso pode ser um desafio. […] Nossa capacidade de criar esses espaços é muito importante – confiança nesse tipo de ambiente, a portas fechadas.”

Incentivar um discurso aberto e o debate pode exigir que líderes e equipes operacionais de alianças facilitem ativamente a discussão e a tomada de decisões. “Coalizões são de fato difíceis, e entre diferentes setores ainda mais, porque eles nem sempre confiam no critério de tomada de decisão um do outro”, disse um líder sênior de aliança. Enquanto alguns líderes estão preocupados com a rapidez e a eficiência na tomada de decisões, outros priorizam alcançar o consenso e o diálogo. “Sempre estivemos abertos ao debate”, disse um deles. “Sei que isso é problemático muitas vezes, porque as pessoas sentem que as coisas se estendem. Mas não interrompemos [nenhuma] discussão ou debate. Permitimos que as pessoas sentissem que foram realmente ouvidas sobre as questões que lhes interessavam.”

Se os membros não confiam uns nos outros, isso diminui seu envolvimento e sua disposição para comprometer recursos, se comunicar e trocar informações de forma produtiva. Nessas circunstâncias, eles podem priorizar seus próprios interesses em detrimento do objetivo coletivo. 

Desafio 6: permanecer do lado certo da lei, da política e da história | Alianças e seus membros devem sempre lembrar que, por melhores que sejam suas intenções, certas ações podem expô-los a fiscalizações antitruste ou sanções. Embora as regras variem de acordo com a jurisdição e estejam em constante mudança, políticos que se opõem à descarbonização podem alegar formação de truste ou violações de dever fiduciário, e seus aliados podem orquestrar boicotes.21 Isso tem sido particularmente notável nos Estados Unidos. 

Algumas alianças adotaram práticas para evitar questionamentos antitruste, como treinamentos regulares sobre o tema (ou seja, garantindo que seus membros estejam cientes dos limites legais relevantes) e revisando diretrizes antitruste no início de cada reunião. O Climate Action 100+, que foi alvo de várias alegações anticompetitivas e de audiências no Congresso dos Estados Unidos, afirma explicitamente em seu site e em sua comunicação que, embora investidores possam se reunir para coletar informações e expressar preferências, eles tomam suas próprias decisões de investimento e voto de forma independente.

Esperamos que as gerações futuras possam se orgulhar do papel que companhias desempenharam contra essa ameaça existencial, em vez de correr contra o relógio do carbono, aumentando os danos ao planeta

Outros veem a contratação de advogados como uma ação prudente. “Eles têm um papel importante a desempenhar”, disse um profissional da área jurídica que entrevistamos, embora tenha acrescentado que surgem desafios quando “há muitos conselhos jurídicos diferentes vindos de vários escritórios de advocacia”.

Essas medidas podem não bastar para proteger totalmente uma aliança ou seus membros de se tornarem alvos políticos. Para mitigar riscos, algumas coalizões estão adotando novas estratégias. Ao comunicar seu escopo, por exemplo, certas alianças afirmam explicitamente o que não fazem. Um entrevistado descreveu que, em vez de tomar decisões conjuntas que seriam sensíveis sob a perspectiva antitruste, sua aliança exige que as empresas membros as tomem individualmente. Outras coalizões estão incluindo representantes do governo ou da sociedade civil para aumentar a responsabilização e o impacto. Um líder de aliança descreveu as dinâmicas intersetoriais que levaram seu grupo a reunir empresas, governo e atores da sociedade civil: “As ONGs estão pressionando as empresas. As empresas estão pressionando os governos. Agora, os governos estão pressionando de volta as empresas”. Colocá-los juntos pode fazer com que essa pressão seja mais produtiva. Outros temem que essa abordagem limite a franqueza das interações, pois os membros podem ser mais cautelosos em seu envolvimento com partes interessadas de fora do setor privado.

Empresas e alianças também devem ter em mente o contexto mais amplo das mudanças climáticas e o futuro da humanidade. Elas precisam ser prudentes em relação aos custos legais e políticos de sua adesão a alianças, não apenas para permanecerem dentro das regras nesses âmbitos, mas também do lado certo da história. Esperamos que as gerações futuras possam se orgulhar do papel que companhias desempenharam no combate às mudanças climáticas – que possam ver que elas agiram de forma construtiva contra essa ameaça existencial, em vez de correr contra o relógio do carbono, aumentando os danos ao planeta. 

 

O caminho da colaboração

A urgência e a magnitude da crise climática com frequência levam a duas soluções aparentemente opostas. A abordagem focada no mercado sustenta que, por meio da inovação e do empreendedorismo, companhias competirão isoladamente por um futuro mais sustentável. Essa visão encontra um problema de incentivos, pois empresas enfrentam poucas ou nenhuma consequência por emitirem gases de efeito estufa ou por realizarem outras ações ambientalmente prejudiciais. A abordagem focada no governo, por outro lado, depende de políticos, reguladores e tribunais para soluções abrangentes, combinando impostos, regulamentações e políticas industriais. No entanto, a regulação governamental pode ser ineficaz se não for bem-informada e global ou se estiver paralisada por impasses políticos. Embora atores empresariais e governamentais tenham feito avanços no combate às mudanças climáticas, ainda estamos aquém do necessário para prevenir uma catástrofe climática. 

A colaboração oferece um terceiro caminho complementar para que líderes empresariais enfrentem as mudanças climáticas. Alianças estão em posição para amplificar e estender o impacto que companhias, agindo individualmente, e ações governamentais podem gerar. Ao reunir líderes empresariais – e às vezes atores da sociedade civil e do governo –, alianças podem ajudar corporações a serem mais ambiciosas, responsáveis e eficazes em seus esforços para acelerar a mudança sistêmica e salvar o planeta.

Notas

Edelman Trust Institute, “2023 Edelman Trust Barometer: Special Report: Trust and Climate Change”, 2023.

² Ver Donatella Meadows, Thinking in Systems, Chelsea Green Publishing, White River Junction, Vermont: 2008; John Sterman, “System Dynamics Modeling: Tools for Learning in a Complex World”, California Management Review, v. 43, n. 4, 2001; Jay W. Forrester, “Industrial Dynamics – After the First Decade”, Management Science, v. 14, n. 7, 1968.

³ Ver David Kiron et al., “Corporate Sustainability at a Crossroads: Progress Toward Our Common Future in Uncertain Times”, MIT Sloan Management Review, 23.mai. 2017.

4 Ver Ranjay Gulati, “Alliances and Networks”, Strategic Management Journal, v. 19, n. 4, 1998. Ver também Ranjay Gulati, Tarun Khanna, e Nitin Nohria, “Unilateral Commitments and the Importance of Process in Alliances”, MIT Sloan Management Review, 15 abr. 1994, e Jeffrey H. Dyer, Prashant Kale, e Harbir Singh, “How to Make Strategic Alliances Work”, MIT Sloan Management Review, 15.jul. 2001.

5 Ver Calder Tsuyuki-Tomlinson et al., “A Vision for the Global Climate Action Ecosystem”, documento de trabalho, 2021; Marya Besharov et al., “The Decisive Decade: Organising Climate Action Catalytic Collaboration for Systems Change”, documento de trabalho, 2021.

6 Ver Matteo Gasparini, Knut Haanaes e Peter Tufano, “When Climate Collaboration Is Treated as an Antitrust Violation”, Harvard Business Review, 17.out. 2022.

7 Tensie Whelan, “U.S. Corporate Boards Suffer from Inadequate Expertise in Financially Material ESG Matters”, jan. 2021.

8 Insead Corporate Governance Centre e Hendrick & Struggles, “Changing the Climate in the Boardroom”, 2021.

9 Ver BCG, “Will a Green Skills Gap of 7 Million Workers Put Climate Goals at Risk?”, 14.set.2023.

10 Ver LinkedIn Economic Graph, “Global Green Skills Report 2023”, 2023.

11 Ver Global Association for Risk Professionals, “Fourth Annual Global Survey of Climate Risk Management at Financial Firms: Steady Progress Amid Increasing Regulatory Scrutiny”, 2022.

12 Ver CB Bhattacharya e Paul Polman, “Sustainability Lessons from the Front Lines”, MIT Sloan Management Review, v. 58, n. 2, 2017.

13 Ver Consumer Goods Forum, “Building a Circular Economy for Packaging: A View from the Consumer Industry on Optimal Extended Producer Responsibility”, ago.2020.

14 Ver International Chamber of Commerce, “How Competition Policy Acts as a Barrier to Climate Action”, 27.nov.2023.

15 Ver Joint CSO Letter to the TNFD, 31.mai.2023.

16 Rosabeth M. Kanter e Tuna Cem Hayirli, “Creating High-Impact Coalitions: CEOs Can Lead the Charge on Society’s Biggest Problems”, Harvard Business Review, v. 100, n. 2, 2022, argumentam que as alianças devem se concentrar em soluções, citando o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19. BCG e United Nations Global Compact, “Joining Forces: Collaboration and Leadership for Sustainability”, MIT Sloan Management Review, 2015, argumentam que as alianças devem aproveitar as capacidades e a expertise dos membros para desenvolver soluções inovadoras.

17 Kanter e Hayirli, “Creating High-Impact Coalitions”, argumentam que as alianças “exercem liderança moral” ao ajudar as empresas a entender questões sociais mais amplas, que também podem beneficiar seus negócios, e levam as empresas a progredir. Marya Besharov et al., “The Decisive Decade: Organising Climate Action: Catalytic Collaboration for Systems Change”, jun. 2021, argumentam que colaborações exigem uma narrativa compartilhada que descreva o problema e as soluções propostas. Esse requisito pode ajudar os stakeholders internos a enquadrar suas atividades, e os externos a ver a iniciativa como um conjunto coerente de ações para combater as mudanças climáticas.

18 BCG e United Nations Global Compact, “Joining Forces”, argumentam que um secretariado é importante para facilitar as atividades e para a aquisição de capacidades necessárias. Ram Nidumolu et al., “The Collaboration Imperative”, Harvard Business Review, abr. 2014, argumentam que a gestão de projetos especializada pode ser frequentemente necessária e que os membros da aliança devem perceber a gestão de projetos como neutra, sem visar objetivos específicos de determinadas partes interessadas.

19 David Young, Simon Beck e Konrad von Szczepanski, “How to Build a High-Impact Sustainability Alliance”, BCG, 14.fev.2022, listam entre os fatores de sucesso das alianças de sustentabilidade a capacidade de medir e acompanhar o progresso de forma transparente. Eles argumentam que uma estratégia clara com métricas divulgadas publicamente tende a ser mais eficaz. Besharov et al., “The Decisive Decade”, discutem como estabelecer metas claras e aumentar a responsabilidade é importante na colaboração climática. Tsuyuki-Tomlinson et al., “A Vision for the Ecosystem”, também destacam como ser claro sobre compromissos e progressos é essencial para identificar novas áreas de trabalho, em especial em meio ao aumento do greenwashing.

21 Para exemplos, ver Nidumolu et al., “The Collaboration Imperative”, e Young et al.,  “How to Build a High-Impact Sustainability Alliance”.

 

OS AUTORES

Matteo Gasparini é doutorando na Smith School of Enterprise and the Environment da Universidade de Oxford e bolsista de clima no Instituto de Negócios na Sociedade Global da Harvard Business School.

Knut Haanaes é professor de estratégia e titular da Cátedra Lundin de Sustentabilidade no Instituto Internacional para Desenvolvimento Gerencial (IMD, na sigla em inglês).

Emily Tedards é doutoranda na Harvard Business School e bolsista de doutorado na iniciativa Reimaginando a Economia da Harvard Kennedy School.

Peter Tufano é professor da Fundação Baker na Harvard Business School e conselheiro sênior do Instituto Salata para Clima e Sustentabilidade de Harvard.



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