Chatbot Taina salvaguarda saberes, direitos e biodiversidade em comunidades indígenas da Amazônia
Por Cristiane Prizibisczki
Taina é bastante curiosa. Desde o início de 2024, ela tem ajudado diferentes populações tradicionais da Amazônia brasileira a registrar seus saberes, guardando consigo a riqueza cultural e natural da floresta. Assim, ela poderá contribuir para garantir a biodiversidade e, sobretudo, os direitos dos povos indígenas sobre seu rico conhecimento.
De acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje o Brasil tem 1,6 milhão de pessoas indígenas, sendo que 51,2% delas são habitantes da Amazônia Legal. Em todo o país, são cerca de 260 povos, falantes de mais de 160 línguas, distribuídos em 731 Terras Indígenas.
Diferenças à parte, todos esses grupos compartilham um fato: sua sabedoria ancestral é preservada majoritariamente na memória, uma vez que, na tradição indígena, os conhecimentos são transmitidos oralmente, sendo os mais velhos os principais guardiões dessas riquezas.
A crise trazida pelas mudanças climáticas e o crescente incentivo à bioeconomia ampliaram a preocupação acerca dos direitos sobre esses saberes, apropriados por não indígenas há cinco séculos.
Com o objetivo de usar as tecnologias emergentes para equalizar oportunidades e garantir direitos, uma organização brasileira, o Instituto Oyá, se uniu à suíça Gain Forest, dando origem à assistente virtual Taina – o nome se inspira na protagonista da série de filmes “Tainá”, uma menina guardiã da floresta.
Ao contrário de outros chatbots, como o ChatGPT, Taina não dá respostas, mas faz perguntas. Ao ser “provocada”, inicia uma série de questionamentos, a fim de angariar, com o interlocutor, o máximo de informação possível. Por exemplo, se um indígena enviar, por celular, a imagem de uma planta para a Taina, ela o instigará a falar sobre a espécie: “Que planta bonita! Me conta mais sobre como vocês a utilizam?”.
Além de fotos, vídeos, sons, textos e áudios podem ser enviados à Taina. Não é preciso escrever, basta falar; a assistente reconhece o idioma e transcreve automaticamente em português e inglês. Taina também está sendo treinada, por meio de um processo de aprendizado de máquina, para reconhecer diferentes sotaques.
“O que construímos foi a partir das lições aprendidas no campo, nas aldeias, para basicamente imitar, de forma natural, o processo orgânico de transmissão de informações, através da contação de histórias”, explica David Dao, pesquisador sênior do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique e fundador da Gain Forest.
Para treinar as comunidades no uso da tecnologia, o Instituto Oyá e a Gain Forest têm promovido workshops com lideranças. O primeiro deles, realizado em janeiro deste ano, teve lugar na Comunidade Indígena Parque das Tribos, que reúne mais de 5.000 indivíduos de 35 diferentes etnias, na periferia de Manaus.
Ainda no começo do ano, mais um grupo do Amazonas recebeu treinamento e, até o final de abril, outras três comunidades, entre indígenas e ribeirinhos, devem ser capacitadas.
Cada grupo capacitado no programa recebeu um drone e equipamentos para gravação de áudio. O projeto também prevê a disponibilização de antenas de internet e de placas solares para as comunidades que não possuem acesso à rede.
Todo o material enviado à Taina vai compor um banco de dados específico para cada comunidade, que decidirá internamente sobre seu uso. A escolha pode ser abrir o acervo, criar um sistema de acesso por assinatura ou mesmo vender o conteúdo.
“A ferramenta é importante porque os conhecimentos indígenas ainda estão dentro da questão da oralidade. Essa inteligência artificial pode ser utilizada para resguardar esse conhecimento”, diz Vanda Witoto, líder índigena do povo witoto, do Alto Solimões.
Todas as informações guardadas por Taina podem, se as comunidades quiserem, ser associadas a bancos de dados de imagens de satélite e de sequenciamento genético de espécies amazônicas produzidos em outros projetos da Gain Forest.
A ideia é fortalecer o registro de potenciais direitos autorais sobre esses saberes. Mas, de acordo com Kamila Camilo, diretora-executiva do Instituto Oyá, além disso, as comunidades usuárias da tecnologia são remuneradas por cada inserção feita na assistente virtual.
Informações em texto e foto valem US$1; em vídeo, US$ 0,50 por megabyte, e as de áudio, US$ 0,01 por minuto. Os valores foram acordados com os diferentes povos participantes dos workshops.
“Cada equipamento de áudio grava até 12 mil minutos. Se estamos pagando US$ 0,01 por minuto, podemos pagar até US$120 para uma pessoa por pouco mais de uma semana de gravação. É mais do que o salário que essa pessoa receberia para cortar madeira, por exemplo”, diz Camilo.
A Taina, em associação com outros projetos de monitoramento das florestas tropicais desenvolvidos pelo Instituto de Tecnologia de Zurique, é finalista no XPRIZE Rainforest, uma competição global que se desenrola ao longo de cinco anos e que premia o vencedor com US$10 milhões. O objetivo é acelerar a inovação de tecnologias autônomas necessárias para a avaliação da biodiversidade e para melhorar nossa compreensão sobre as florestas tropicais. O resultado da disputa será divulgado em meados de 2024.
A AUTORA
Cristiane Prizibisczki é jornalista especializada em comunicação socioambiental. Escreve para ((o))eco.
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