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Sustentabilidade digital para um futuro melhor

Se aplicada da forma correta, a tecnologia pode melhorar o desempenho organizacional e a vida das pessoas e proteger o planeta

Por Julia Binder e Michael Wade

O Google tem por meta zerar as emissões de carbono em todas as suas operações até 2030. Mas como uma empresa que depende de vários data centers que geram muito calor e, consequentemente, consomem muita energia para refrigeração pode fazer isso? Essa tarefa foi entregue à DeepMind, subsidiária de inteligência artificial (IA) do Google. A DeepMind coleta dados de vários sensores dos data centers do Google, que incluem informação sobre temperatura, pressão, consumo de energia e condições do equipamento de refrigeração. Para prever a temperatura e pressão em cada data center com até uma hora de antecedência, a empresa criou um modelo do sistema de refrigeração em tempo real que processa esses dados e otimiza as operações para controlar as variações de temperatura ajustando alguns parâmetros do equipamento, como velocidade dos ventiladores, pressão das bombas e posição das válvulas, para atender à demanda estimada para o resfriamento.

Como o sistema da DeepMind utiliza redes neurais e aprendizado por reforço, ele é capaz de se adaptar continuamente. Analisando novos dados e ajustando seu modelo ao longo do tempo, a IA melhora suas previsões e recomendações, reduzindo em 40% o consumo de energia na refrigeração. Esse aprendizado constante permite que o sistema se ajuste a diferentes condições, como flutuações no fluxo de uso do servidor ou variações nas condições meteorológicas, e garante que mantenha sua máxima eficiência em diferentes cenários.

Fazer a transição para uma economia sustentável talvez seja o maior desafio social e organizacional da atualidade. As tecnologias digitais são úteis em muitos aspectos da sustentabilidade, como reduzir as emissões de gases do efeito estufa, preservar a biodiversidade, aumentar a reciclagem, evitar o desmatamento e apoiar as metas da sustentabilidade das cadeias de valor. Ainda assim, os mecanismos para esse avanço continuam pouco explorados.

Entendemos essa lacuna como uma oportunidade perdida. Por natureza, as tecnologias digitais servem perfeitamente para visualizar, aperfeiçoar e estender processos – e, consequentemente, gerar impactos sustentáveis mais significativos e rápidos. Utilizá-las para a sustentabilidade pode nos permitir tomar decisões baseadas em dados e inovações que levam a um mundo mais verde.

 

O potencial da sustentabilidade digital

 

Os empreendedores não estão preocupados em introduzir a tecnologia digital e a sustentabilidade em suas empresas porque eles não percebem que elas são complementares. As organizações sempre utilizaram a digitalização em larga escala para obter vantagens econômicas, reduzir custos, aumentar a receita ou melhorar a agilidade e pouco se preocuparam com os impactos ambientais. Por outro lado, como a sustentabilidade se traduz em benefícios ao ambiente – por exemplo, eliminando gradativamente os resíduos ou reduzindo as emissões de gases do efeito estufa –, as empresas costumam subestimar a potência facilitadora das tecnologias digitais. Apesar desses vieses, um estudo realizado em 2022 com a participação de várias indústrias mostrou que somente 40% dos executivos acreditam que as tecnologias digitais podem ter efeito positivo em suas agendas de sustentabilidade.1

As ferramentas digitais podem impulsionar o desempenho organizacional e, se usadas corretamente, ajudar a proteger o planeta. Essa combinação, a que nos referimos como sustentabilidade digital, pode ser definida como o uso de recursos digitais para melhorar a sustentabilidade ambiental, embora, em alguns casos, possa ter um custo no desempenho organizacional.

Certamente, o impacto da tecnologia na sustentabilidade nem sempre é positivo. A poluição digital é responsável por cerca de 4% das emissões de gases do efeito estufa, o que supera a parcela da indústria da aviação.2 As próprias ferramentas digitais precisam se tornar mais responsáveis e sustentáveis.

No entanto, elas podem desempenhar um papel importante para metas de sustentabilidade. O Fórum Econômico Mundial e a Accenture estimam que as tecnologias digitais podem reduzir os gases do efeito estufa em até 20%.3 Um estudo da PwC avalia que 70% das metas do desenvolvimento sustentável das Nações Unidas poderiam ser atingidas utilizando tecnologias emergentes como IA, blockchain e internet das coisas (IoT, na sigla em inglês).4

Embora os empreendedores estejam bastante interessados em utilizar os recursos digitais para aumentar a lucratividade, eles ainda não exploraram completamente seu potencial para a sustentabilidade. Nossa pesquisa mostra que esses dois objetivos podem ser atingidos por meio de três grandes mecanismos, que analisamos a seguir: ver melhor, agir melhor e expandir melhor.

 

Vendo melhor

 

As ferramentas digitais e tecnologias são úteis quando ajudam a comprovar a clareza, visibilidade e transparência dos impactos da sustentabilidade. Como afirma um executivo da cadeia de suprimentos da Philips: “Acredito que a transparência seja essencial em toda a cadeia de valor, não só por seus efeitos na sustentabilidade, mas também porque ela melhora o desempenho da empresa”.

Para entender esse conceito, pensemos em um exemplo mais trivial: o uso doméstico da energia. Suponha que desejamos reduzir o impacto ambiental. Quando devemos começar? Nossos eletrodomésticos geralmente fornecem informações sobre a classificação de consumo de energia, mas mesmo quando temos esse dado, não sabemos como usá-lo corretamente. Para a maioria das pessoas, a pegada de carbono é como uma caixa-preta. Gostaríamos de reduzir essa pegada, mas simplesmente não dispomos de informação suficiente para saber o que fazer. Felizmente, os novos medidores inteligentes fornecem informação em tempo real sobre o consumo doméstico de energia e podem ser acessados por aplicativos nos celulares. Essa facilidade nos permite tomar decisões melhores e mais conscientes, o que pode diminuir o valor da conta e os impactos ambientais.

Atualmente, mais de mil empresas, que juntas totalizam US$16,4 trilhões em valor de mercado, se comprometeram formalmente a zerar efetivamente suas emissões entre 2025 e 2035.5 Embora seja relativamente simples lidar com emissões do escopo 1 e 2 – as que são diretamente controladas pela empresa –, as do escopo 3, que ocorrem em cadeias de suprimentos mais longas, são mais difíceis de sanar. A maioria das cadeias atuais são tão extensas, globais e fragmentadas que é difícil desentranhá-las e entendê-las. Mas, se quisermos abordar a sustentabilidade ao longo de toda a cadeia de valor ou identificar onde ocorrem as maiores emissões em uma rede de logística, precisamos ter total transparência. Várias companhias que monitoram suas cadeias de suprimentos nos disseram que acham o princípio de Pareto válido: 20% dos fornecedores são responsáveis por 80% dos impactos ambientais negativos, tanto no que se refere à poluição como quanto à má conduta ética.

 

Quando os ativos físicos são substituídos por equivalentes digitais, geralmente se obtém uma dupla vantagem: redução de custos e diminuição do impacto ambiental

 

Várias empresas estão fortemente empenhadas em medir as emissões do escopo 3. A Firmenich, por exemplo, líder global de perfumes e aromas, introduziu em 2021 uma iniciativa de rastreabilidade digital, a PATH2FARM. Esse sistema monitora os impactos sociais e ambientais das matérias-primas da Firmenich e permite que os clientes acessem a base de dados da empresa, com total transparência da cadeia de suprimentos, de ponta a ponta. A Basf também lançou, em 2022, um projeto similar, chamado Seed2Sew, que utiliza tecnologia blockchain para rastrear a cadeia de valor das confecções desde as sementes do algodão até a manufatura.

Outro exemplo é a Tony’s Chocolonely, uma empresa nos Países Baixos. A fábrica de chocolates tem um duplo foco socioambiental: ela quer eliminar a escravidão ao longo da cadeia de suprimentos do chocolate e também reduzir seu impacto ambiental. Quando a Tony’s percebeu que havia enormes lacunas de informação ao longo da cadeia, criou uma plataforma em nuvem chamada Beantracker, que monitora o movimento dos grãos do cacau desde o plantio no Oeste da África até as fábricas na Europa. A Beantracker reforça metas de sustentabilidade garantindo que os grãos sejam eticamente produzidos e desvinculados de qualquer tipo de trabalho análogo à escravidão ou de práticas abusivas de trabalho e, ao mesmo tempo, permite que a empresa avalie o impacto ambiental em seu transporte e produção.

Mas a visibilidade na cadeia global de suprimentos é somente o primeiro passo. O seguinte é utilizar ferramentas analíticas digitais, geralmente já com IA embutida, para analisar a maior quantidade de informação possível e garantir melhores decisões e previsões. A Beantracker permite que a Tony’s seja mais inteligente em relação aos impactos sociais e ambientais. Ao medir o impacto ambiental na cadeia de valor do chocolate, a empresa descobriu um fato interessante: a maior fonte de emissão de gases do efeito estufa não estava no cultivo, no transporte dos grãos ou na manufatura, mas no gado que produzia o leite em pó adicionado ao chocolate. Ao saber disso, a Tony’s tentou mitigar esse impacto, introduzindo em seu portfólio de produtos uma linha de chocolates veganos.

A Tony’s também costuma compartilhar suas boas práticas com parceiros, incluindo fornecedores, varejistas e alguns concorrentes, para trabalhar juntos e melhorar a sustentabilidade em toda a cadeia de valor do chocolate. A empresa utiliza satélites GPS e drones para mapear o tamanho das fazendas produtoras de cacau e compara os dados de localização com os de produção fornecidos pelos produtores rurais. Ao medir essa informação em relação aos dados de colheitas típicas, ela identifica anomalias, como uma produção excessiva de vagens sendo fornecidas por uma determinada fazenda. Isso pode indicar que o cultivo está sendo realizado em áreas protegidas, que está ocorrendo desmatamento, ou que as vagens estão sendo roubadas de fazendas vizinhas. Quando as anomalias são identificadas, a Tony’s inicia uma investigação. Por outro lado, quando a produção está abaixo dos níveis esperados, ela implementa programas de treinamento para ajudar os produtores a tomar melhores decisões.

 

Agindo melhor

 

Se uma empresa analisa dados sobre as vantagens da sustentabilidade, ela pode tomar decisões para aprimorá-la. Em específico, as ferramentas e tecnologias digitais podem melhorar três grandes ações. Primeiro, podem reduzir a necessidade de recursos físicos. Segundo, podem reduzir o impacto negativo desses recursos físicos. E, terceiro, podem oferecer melhores serviços ambientais.
A necessidade de prospectar, produzir, transportar, manter e eliminar recursos físicos gera muitos impactos sociais e ambientais negativos. Se os recursos físicos puderem ser completamente evitados, esses impactos podem ser eliminados e, nesses casos, várias tecnologias digitais podem facilitar essa ação.

Quando os ativos físicos são substituídos por equivalentes digitais, geralmente se obtém uma dupla vantagem: redução de custos e diminuição do impacto ambiental. Os gêmeos digitais são um bom exemplo desse modelo. Eles permitem simular digitalmente um produto ou componente para prever seu processamento e desempenho sob diferentes condições ao longo do projeto e do ciclo de vida. A Tesla, por exemplo, cria uma simulação digital de cada carro que vende. Os dados coletados por sensores colocados nos veículos são transferidos para a nuvem. O gêmeo digital informa antecipadamente onde falhas e avarias poderão ocorrer. Dessa forma a empresa reduz os custos de manutenção, evita recalls e melhora a experiência do cliente.

 

As ferramentas digitais permitem conectividade contínua e fornecem a infraestrutura necessária para expandir soluções sustentáveis

 

Do ponto de vista da sustentabilidade, a Baker Hughes, empresa que fornece produtos e serviços para campos petrolíferos, estende o conceito do gêmeo digital combinando dados simulados desse recurso com informações do desempenho do objeto físico, obtidos por meio de sensores e inspeções. A empresa cria assim o que ela chama de trigêmeo digital. Ele pode estender a vida útil dos produtos, melhorar a precisão dos prognósticos e reduzir a necessidade de construir protótipos físicos. Também ajuda a atingir metas de segurança e sustentabilidade: a empresa pode utilizar suas tecnologias digitais de campos petrolíferos para monitorar e garantir a saúde dos funcionários, a segurança e a proteção ambiental. O monitoramento remoto dotado de visão computadorizada e dados de sensores pode detectar de forma rápida e precisa efeitos de corrosão e possíveis vazamentos. Já os métodos analíticos de prognóstico baseados em IA ajudam a identificar e evitar falhas em equipamentos que poderiam ferir os operários e prejudicar o ambiente.

Além dos gêmeos digitais, outros tipos de desmaterialização, como manufatura aditiva e impressão 3D, podem beneficiar o ambiente de várias formas. Por exemplo, reduzindo o desperdício no processo de fabricação, produzindo mais com menos material e diminuindo os custos de logística e os impactos no transporte dos produtos até o cliente. Os processos físicos também podem ser substituídos por alternativas digitais, na forma de automatização de processos. Passar esses processos para o formato online pode reduzir a necessidade de papel, de mão de obra e de infraestrutura de transporte.

As tecnologias digitais não precisam reduzir ou eliminar os recursos físicos para estimular a sustentabilidade. Elas também podem ajudar a reduzir o impacto ambiental dos objetos físicos utilizados e contribuir para aumentar a eficiência, eliminar resíduos, reduzir a necessidade de viagens e estimular a reciclagem e reúso.

Em 2017, a cidade de Genebra, na Suíça, introduziu um sistema inovador de estacionamento inteligente para reduzir o congestionamento no trânsito e melhorar a produtividade para a população e os visitantes. Antes da implantação do sistema, 20% do tráfego da cidade, segundo estudos, era de veículos que circulavam à procura de vagas, aumentando o consumo de combustível e a poluição. A solução de Genebra inclui uma rede sofisticada de sensores embutidos embaixo dos estacionamentos, câmeras de alta resolução, mapeamento GPS de precisão e um aplicativo de fácil utilização pelo usuário. Com essa tecnologia integrada, os motoristas podem acessar em tempo real a informação sobre vagas disponíveis nos estacionamentos e escolher a opção mais próxima e mais conveniente. Esse aumento de eficiência não só economiza um tempo precioso dos motoristas, mas como também reduz o impacto ambiental da emissão de gases pelos veículos.

Outro exemplo são os sistemas de manutenção remota. A adoção deles, que eram já amplamente utilizados em boa parte do mundo antes da covid-19, acabou sendo acelerada por causa da pandemia. Esses sistemas utilizam sensores e métodos analíticos para prever componentes ou falhas do produto, permitindo reparos ou substituições no momento certo. Normalmente é preciso que um técnico se desloque até o local do problema. Mas agora, para evitar a necessidade de viagens, as organizações estão implantando sistemas de manutenção remota que podem envolver sistemas de realidade aumentada.

As equipes técnicas da Tetra Pak utilizam equipamentos de realidade virtual para realizar tarefas complexas de manutenção nas linhas de empacotamento de alimentos e bebidas em locais de difícil acesso como o Iêmen. Um técnico coloca óculos e fones conectados a um especialista que o orienta na execução do serviço. Esses sistemas reduzem o tempo ocioso do equipamento, o impacto ambiental e os custos, evitando deslocamentos.

Estender a vida útil de recursos físicos normalmente oferece vantagens financeiras e de sustentabilidade, baixando os custos de aquisição e reduzindo a necessidade de produzir peças de substituição. Isso inclui produtos de tecnologia digital, que geralmente têm um ciclo de vida limitado. Se a vida útil média de um smartphone ou de um laptop puder ser estendida em um ano, não só os custos e os impactos ambientais serão reduzidos, mas também o reúso de componentes será facilitado.

A tecnologia também pode ajudar a estender o tempo de vida de outros recursos, reduzindo assim os resíduos físicos. A Philips, empresa de tecnologia em saúde, projetou produtos de imageamento circular, no sentido de que seus componentes podem ser recondicionados e reaproveitados. A empresa está modificando outros elementos desde o hardware até o software para que possam ser atualizados em vez de substituídos. O rastreamento de tecnologia também faz parte da estratégia da Philips. Quando ela sabe a localização de um produto, pode providenciar para que ele seja devolvido, recuperado e redistribuído, estendendo assim o ciclo de vida do produto.

 

Embora muitos aspectos da sustentabilidade digital possam ajudar a reduzir custos, algumas iniciativas podem resultar em aumento de despesas ou queda de receita

 

Além dos impactos nos recursos físicos, as tecnologias digitais também podem oferecer novas soluções e modelos de negócio para aumentar o impacto positivo que uma organização possa ter no mundo. Na última década, a Basf, gigante de produtos químicos, investiu pesadamente em ferramentas e tecnologias digitais em suas linhas de negócios para melhorar a eficiência e o fluxo da informação e obter novas fontes de receita. Ela também foi a primeira a adaptar seus produtos e processos para reduzir os impactos negativos no planeta. No entanto, essas duas correntes – digital e sustentabilidade – funcionavam separadamente na organização.

Atualmente, essa estrutura está mudando. No segmento de agronegócios, a Basf combina dados de satélite e sensores com métodos analíticos para maximizar os resultados que beneficiem tanto o planeta como os lucros dos produtores rurais. Os satélites esquadrinham o campo procurando áreas secas, com ervas daninhas, ou arenosas etc. Os sensores reúnem as informações sobre o solo, ar, condições dos animais ou da vegetação. Esses imensos bancos de dados são meticulosamente analisados e processados por meio de algoritmos sofisticados, especificamente criados para tomar decisões importantes sobre quando e onde irrigar, aplicar fertilizantes e herbicidas. Ao contrário dos antigos algoritmos de decisão, projetados essencialmente só para reduzir custos ou maximizar a produtividade, o foco dos algoritmos atuais mudou. Agora, eles procuram não só otimizar lucros, mas também minimizar a pegada ecológica e alinhar melhor as práticas agrícolas com as metas de sustentabilidade.

A Restor, reconhecidamente a maior rede global para a recuperação e preservação da natureza, ilustra como as ferramentas digitais podem gerar lucros ambientais. Sua plataforma de fonte aberta baseada em mapas integra dados em tempo real e imagens de alta resolução de satélites para identificar áreas desmatadas que poderão ser recuperadas com projetos de reflorestamento. Os usuários da plataforma, que incluem especialistas em recuperação ambiental, ONGs, empresas, cientistas e governos, também aprendem quais espécies de árvores nativas são mais adequadas para a recuperação de determinadas áreas. Além disso, a Restor coleta dados de vários projetos de recuperação no mundo todo, promove a transparência nas atividades de recuperação e facilita as tomadas de decisão bem informadas. Esse ecossistema conecta profissionais, financiadores, voluntários e legisladores e estimula abordagens colaborativas para a recuperação ecológica em escala global.

O Environmental Insights Explorer da Google mostra como uma análise de dados avançada e recursos de modelagem podem ajudar cidades a se tornarem sustentáveis. A plataforma mede as fontes de emissões municipais e faz uma análise detalhada dos dados ambientais. Essa análise ajuda os planejadores urbanos, políticos e ativistas ambientais a obter insights valiosos sobre o impacto ambiental e identificar estratégias eficientes para tomar decisões bem-informadas e sustentáveis. Cidades podem utilizar essa ferramenta para identificar as fontes de poluição do ar e planejar como reduzir as emissões causadas pelos transportes ou por atividades industriais.

Utilizando dados em tempo real, técnicas modernas de modelagem e plataformas inovadoras, empresas podem reformular seus modelos de negócios para proteger o ambiente. As ferramentas digitais não só otimizam a eficiência operacional, como também capacitam as empresas a tomar decisões que contribuem diretamente para uma abordagem mais sustentável e ecologicamente consciente. Como resultado, as organizações estão em melhores condições do que jamais estiveram de apresentar soluções e estratégias inovadoras que produzam mudanças significativas para, no futuro, atingir as metas ambientais com respostas empresariais estratégicas e eficientes.

 

Expandindo melhor

 

Após utilizar as abordagens de sustentabilidade digital mais inovadoras e definir as melhores estratégias para a ação, o desafio é expandir essas soluções. A grande vantagem das ferramentas digitais é serem ampla e rapidamente dissemináveis.

No entanto, a responsabilidade de expandir a sustentabilidade digital não deve ficar restrita aos limites da organização. O caminho para chegar a soluções sustentáveis que possam ser ampliadas geralmente inclui vários stakeholders e uma colaboração intersetorial. Nesse ambiente, os princípios de competição cooperativa, ou “coompetição” são priorizados, à medida que as organizações, indústrias e até concorrentes se unem para enfrentar os desafios urgentes da sustentabilidade. Dados abertos e ferramentas open source podem catalisar esses esforços de colaboração e revelar o potencial de ações coletivas e mudanças transformadoras em escala global.

A Tony’s Chocolonely adotou uma abordagem única ao compartilhar com a concorrência os insights valiosos obtidos com seu sistema Beantracker. Imbuída desse espírito “coompetitivo”, a empresa criou uma plataforma inovadora chamada OpenChain, com o objetivo de promover a colaboração entre vários fabricantes de chocolate. Essa atitude facilita a troca de informação e de melhores práticas e pode criar um efeito em cascata que beneficia as empresas e ajuda a atingir metas de sustentabilidade mais amplas na indústria.

Graças a ferramentas digitais, vários stakeholders podem se conectar e se comunicar, independentemente de sua diversidade e localização. Em 2019, a Schneider Electric criou a Schneider Electric Exchange, uma plataforma dinâmica aberta dedicada ao compartilhamento de soluções envolvendo IoT para gerenciamento de energia e automação. O intercâmbio procura estimular a colaboração entre uma grande variedade de interessados – clientes, parceiros, desenvolvedores, especialistas, inovadores, profissionais do setor e defensores da sustentabilidade – para discutir questões críticas de sustentabilidade e eficiência. Entre outras vantagens, essa plataforma ajuda a resolver diversas questões que afetam a sociedade, como a otimização do consumo de energia em data centers e a melhoria da eficiência energética em edifícios e a de processos de automação industrial. Além disso, a plataforma oferece recursos e o apoio necessários para expandir as soluções, amplificando seu impacto.

Essas redes de colaboração não se limitam ao setor corporativo. A plataforma Wildlife Insights, por exemplo, abriga, em nuvem, o maior banco de dados de armadilhas fotográficas do mundo. Ela foi criada como uma parceria entre o World Wildlife Fund (WWF), Conservação Internacional, Instituto de Conservação da Biologia do Smithsonian, Sociedade de Preservação da Vida Selvagem, Museu de Ciências Naturais da Carolina do Norte, Sociedade Zoológica de Londres, Map of Life e Google. A Wildlife Insights é importante porque atende às necessidades mais prementes da preservação da vida selvagem como mapear, compartilhar e processar dados, atividades que ajudam ambientalistas a entender melhor as mudanças na fauna e flora e, consequentemente, a melhorar sua proteção.

 

As plataformas digitais também promovem a economia circular, ao conectarem pessoas e empresas interessadas na troca de itens usados, reduzindo a necessidade de nova produção e minimizando os resíduos. Caso, por exemplo, do aplicativo Too Good To Go, que liga restaurantes e supermercados locais aos consumidores que compram as sobras de alimentos com desconto, evitando seu descarte, o que reduz o desperdício e aumenta a consciência ambiental.

Para promover mudanças de sustentabilidade em todo seu setor, organizações precisam enxergar além de seus limites e colaborar com atores com os quais normalmente não interagem, até mesmo seus concorrentes.

A iniciativa Holy Grail 2.0 reúne mais de 160 organizações de toda a cadeia de valor de produtos de consumo imediato (PCI) para melhorar a gestão, separação e reciclagem de embalagens plásticas. Somente 14% dos plásticos são reciclados atualmente, e a maior parte acaba em aterros sanitários. No entanto, a complexidade do desafio e o grande número de stakeholders envolvidos – indústria química, fornecedores de matéria-prima, indústria de transformação, produtores finais, consumidores, cidades para coleta de resíduos, recicladores e instituições reguladoras – exigem soluções sistêmicas. O primeiro passo da iniciativa Holy Grail foi inserir marcas d’água em todas as embalagens dos produtos de seus membros para facilitar a separação do resíduo plástico. Câmeras de alta resolução instaladas nas unidades de reciclagem detectam e decodificam facilmente os códigos imperceptíveis, do tamanho de um selo postal, melhorando muito a precisão na separação dos resíduos plásticos.

A Catena-X é uma plataforma similar para o setor automotivo. Ela procura simplificar processos, otimizar a utilização de recursos e promover a transparência. Uma ação que merece destaque entre outros esforços foi o desenvolvimento de um “passaporte digital” inovador e padronizado para baterias, que promete revolucionar sua produção, garantindo rigorosa adequação às normas de compliance e transparência. O passaporte digital deverá conter um registro completo do ciclo de vida da bateria dos veículos elétricos, desde a produção até a reciclagem, e detalhar informações importantes – como o material utilizado, processos de manufatura, consumo de energia e até as emissões de carbono ligadas à sua fabricação. Isso permite que os fabricantes, agências reguladoras e consumidores tomem decisões que atendam às leis vigentes e promovam práticas mais verdes e responsáveis no setor.

Esses exemplos mostram que as ferramentas digitais permitem conectividade contínua e fornecem a infraestrutura necessária para expandir soluções sustentáveis. Elas são alternativas dinâmicas que as empresas podem incorporar para estimular cenários colaborativos e aumentar seu impacto positivo no planeta.

 

Três modelos de sustentabilidade digital

 

Embora a sustentabilidade digital seja bastante vantajosa, poucas organizações estão empenhadas em adotá-la. O motivo dessa relutância é principalmente prático: nas organizações, a tecnologia digital e a sustentabilidade são administradas por grupos separados de gestores, e esse trabalho compartimentado impede a geração de valor combinado. As empresas precisam, então, construir pontes, e isso nem sempre é fácil. Normalmente, as cadeias hierárquicas das equipes digitais e de sustentabilidade não se cruzam logo nas primeiras linhas do organograma. Para simplificar a questão, identificamos três diferentes modelos de gestão da sustentabilidade digital, cada um com suas vantagens e desvantagens.

Terceirização | Nesse modelo, as equipes digital e de sustentabilidade continuam separadas, mas trabalham com grupos externos para gerenciar o portfólio de projetos de sustentabilidade digital. Os grupos focam em seus respectivos pontos fortes e limitam a coordenação mútua entre funções a trocas esporádicas.

Por iniciativa de um CEO entusiasta, um fabricante dinamarquês de produtos de energia eólica que chamaremos de NordicEcoWind (nome fictício) adotou uma agenda de sustentabilidade digital a partir da equipe diretiva. No entanto, embora tanto a parte digital como a de sustentabilidade fossem pilares centrais da estratégia da empresa, as equipes de gestão tinham poucos pontos de intersecção. Mas, por outro lado, trabalhavam com vendedores externos para encontrar as melhores soluções, como implementar métodos analíticos avançados para otimizar a eficiência de energia, explorar inovações energéticas renováveis e desenvolver soluções ambientalmente conscientes para a cadeia de suprimentos.

Essa abordagem tem a vantagem de evitar disputas internas que surgem com frequência quando as equipes estão compartimentadas: várias pessoas precisam atuar juntas, porque a expertise geralmente se concentra nos vendedores externos e os mecanismos de transferência de conhecimento podem ser limitados, ou a empresa pode não dispor de uma forte cultura de aprendizado. Consequentemente, a abordagem pode dificultar a capacidade da empresa de estender essas iniciativas além dos projetos individuais. Os insights e a expertise adquiridos com essas parcerias externas muitas vezes são compartimentalizados, o que, muitas vezes, dificulta a difusão de uma estratégia de sustentabilidade digital coesa na organização toda.

Dois chapéus | No modelo de dois chapéus, a organização está focada tanto na digitalização quanto na sustentabilidade. Embora não se misturem formalmente, as duas equipes trabalham juntas com um sistema de rodízio de liderança entre diferentes executivos – diretor de sustentabilidade, diretor digital, ou diretor de inovação – nos diferentes projetos. No desenvolvimento, as equipes são formadas por pessoas de vários departamentos e, quando o projeto termina, elas retornam às suas funções originais.

A Firmenich adota esse tipo de abordagem. O diretor digital exerce uma dupla função: liderar as inovações tecnológicas da empresa e contribuir para seus esforços ambientais, sociais e de governança da empresa (por exemplo, a PATH2FARM). Nessas iniciativas, ele trabalha em perfeita sintonia com o diretor de sustentabilidade, e ambos recebem total apoio da equipe de gestão e do Conselho.

O modelo de dois chapéus requer uma estreita coordenação e alinhamento entre os grupos de tecnologia e sustentabilidade, mas tentar alinhar interesses conflitantes, prioridades e incentivos de diferentes grupos pode trazer dificuldades.

Enraizado | O modelo enraizado procura incutir a sustentabilidade digital na cultura organizacional, empoderando e incentivando todos os funcionários a promover simultaneamente a digitalização e a sustentabilidade. Esses modelos se apoiam quase sempre em fortes compromissos entre o CEO e outros líderes da equipe executiva, que exigem que a sustentabilidade digital seja incluída nos processos, projetos, compensações e metas de bonificação. Essas empresas geralmente aproveitam o poder das tecnologias digitais não só para melhorar o desempenho financeiro, mas também para promover metas ambientais.

 

A Philips incorporou metas de sustentabilidade digital em vários processos e indicadores-chave de desempenho. Ela exige que os funcionários assinem anualmente um documento atestando os princípios da sustentabilidade. A empresa mede e divulga publicamente os impactos ambientais e atrela os bônus de desempenho individual da maioria de seus líderes ao cumprimento de metas de sustentabilidade. A sustentabilidade é centralizada, mas apoiadores de outros departamentos, incluindo o digital, defendem a agenda verde da empresa. Representantes da sustentabilidade e do digital são obrigados a revisar todos os grandes projetos de negócios para garantir que sejam compatíveis com os objetivos da companhia.

O modelo enraizado procura incorporar a sustentabilidade digital na empresa estimulando uma cultura de aperfeiçoamento contínuo e colaboração interfuncional. Ele facilita o intercâmbio de ideias e de práticas e abre horizontes para identificar novas oportunidades que podem melhorar a sustentabilidade e o desempenho dos negócios. No entanto, essa abordagem ainda precisa avançar em alguns pontos. Os funcionários devem ser mais bem treinados tanto na área da sustentabilidade como na digital a fim de que adquiram o conhecimento e as habilidades necessárias para contribuir efetivamente. Além disso, esse modelo pode tornar o processo de tomada de decisão ainda mais complexo para os funcionários, que precisam considerar vários outros critérios, incluindo a sustentabilidade, em suas atividades cotidianas. Apesar disso, essa abordagem holística geralmente traz resultados positivos em inovação, envolvimento dos stakeholders e criação de valor de longo prazo.

 

Expandir nas três frentes

 

Juntar as estratégias de transformação digital e de sustentabilidade da organização pode ter um resultado positivo para o ambiente, além de beneficiar ou, em alguns casos, prejudicar o desempenho organizacional. Embora muitos aspectos da sustentabilidade digital possam ajudar a reduzir custos, como a automatização e a desmaterialização de processos digitais, algumas iniciativas podem resultar em aumento de despesas ou queda de receita. A Tony’s arca com o custo adicional de usar um equipamento de monitoramento digital para avaliar os impactos ambientais em toda a cadeia de valor. A Philips reconhece que estender a vida útil dos equipamentos médicos pode representar uma queda na venda de novas unidades. No entanto, essas empresas estão dispostas a suportar uma série de impactos no desempenho econômico em troca de maior sustentabilidade.

As ferramentas digitais podem apoiar as metas da sustentabilidade das empresas de três formas: fornecendo visibilidade e transparência, melhorando continuamente os resultados e expandindo os benefícios para todas as organizações e indústrias. Várias tecnologias podem facilitar o atingimento de cada um desses objetivos. Mesmo que a sustentabilidade ainda seja um conceito em desenvolvimento, os exemplos descritos iluminam o caminho a seguir.

As três estratégias não devem ser adotadas isoladamente. Para obter avanços reais, é preciso seguir as três abordagens juntas. As organizações que utilizam tecnologias digitais para melhorar sua visibilidade e implementar programas para reduzir impactos nocivos ainda não conseguem expandir essas iniciativas e acabam com um conjunto fragmentado de projetos-piloto e provas de conceito, dos quais poucos atingem a dimensão necessária para gerar vantagens reais. Por outro lado, as organizações focadas na ação e na expansão, mas que ainda não desenvolveram a visibilidade e a transparência para entender completamente as principais razões das questões de sustentabilidade, muitas vezes se concentram em áreas que não atacam suas questões mais relevantes e correm o risco de menosprezar aspectos potencialmente importantes. Por isso, as organizações precisam expandir seus esforços de sustentabilidade nas três áreas.

Tendo em vista a infinidade de problemas ambientais que enfrentamos, precisamos apressar o passo para aumentar a escala de soluções inovadoras e empreendedoras para o desenvolvimento da sustentabilidade. Nesse sentido, o papel das tecnologias digitais não pode ser subestimado. Por sua natureza virtual e que propicia a replicação, elas são perfeitamente adequadas para atingir impactos sustentáveis robustos mais rapidamente.

 

OS AUTORES

Julia Binder é diretora do Centro de Sustentabilidade e Empresas Inclusivas e professora de inovação e transformação de empresas sustentáveis do Instituto Internacional de Desenvolvimento Gerencial (IMD), em Lausanne, Suíça. Incluída na Thinkers50 Radar List de 2022, ela é especialista em pesquisar e ensinar formas de ajudar empresas a alinhar impactos sociais, ambientais e econômicos.

Michael Wade é professor de inovação e estratégia do IMD e fundador e diretor do Centro Global de Transformação de Negócios Digitais do instituto. Escreveu dez livros sobre tópicos relacionados às transformações digitais, dados e tecnologia e é membro do Hall da Fama de Formadores Digitais da Suíça.

 

NOTAS

1 James Anderson e Greg Caimi, “A Three-Part Game Plan for Delivering Sutainability Digitally”, Bain & Company, 10 de janeiro de 2022.
2 The Shift Project, “Lean ICT: Towards Digital Sobriety”, março de 2019.
3 Manju George, Karen O’Regan e Alexander Holst, “Digital Solutions Can Reduce Global Emissions by Up to 20%. Here’s How”, Fórum Econômico Mundial, 23 de maio de 2022.
4 PwC, “Over Two-Thirds of Sustainable Development Goals Could Be Bolstered by Emerging Tech, Including AI and Blockchain”, 17 de janeiro de 2020.
5 Data-Driven EnviroLab, Universidade de Utrecht, e CDP, Global Climate Action 2022: Progress and Ambition of Cities, Regions, and Companies, 2022.



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