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O movimento pelo lobby do bem

Muitas organizações sem fins lucrativos e fundações rejeitam o lobby como algo suspeito. Mas um novo movimento vem defendendo essa prática como essencial para a promoção de uma mudança social

Por Alberto Alemanno

Ilustração por Mike McQuade

Os líderes das organizações sem fins lucrativos veem o lobby, tal como ele é praticado e compreendido atualmente, como uma conduta corrupta que exerce influência indevida em detrimento de um fazer político justo, imparcial e eficiente. A imaginação popular associa o lobby a negócios escusos em salas escondidas cheias de fumaça.

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Mas, na realidade, o lobby pode ser um antídoto para tais negociações secretas. A prática do lobby diz respeito a fornecer ideias e partilhar preocupações com os formuladores de políticas públicas para fazer com que eles – e o processo de formulação como um todo – sejam mais eficazes em produzir respostas. O lobby permite à sociedade lidar com as causas profundas dos principais desafios com que nos deparamos, e não com os sintomas. Na verdade, é um dos meios mais eficientes para instaurar a mudança política, econômica e social.

Sem dúvida, hoje, a prática do lobby é dominada pelas grandes corporações e por representantes de interesses especiais. Isso bloqueia o progresso em temas críticos, que vão da ação climática até a regulamentação da inteligência artificial. Poucas organizações sem fins lucrativos praticam lobby e menos ainda são as que sabem fazê-lo. Nos Estados Unidos, só 31% das organizações não rentáveis relatam ter feito advocacy ou lobby ao longo dos últimos cinco anos, o que corresponde a menos da metade do percentual das que relataram ter feito lobby em 2000 (74%).1 Na Europa, apenas uma fração mínima das reuniões com funcionários públicos ocorre com a presença de organizações não rentáveis.2 Ao fracassar em dar voz às pessoas mais pobres, sub-representadas, e aos interesses que defendem, as organizações sem fins lucrativos estão abrindo mão do direito ao lobby. Essa lacuna intensifica o impacto dos representantes de interesses especiais, que já dominam o processo de formulação de políticas públicas. Também reforça as desigualdades políticas, ao deslegitimar ainda mais a prática aos olhos do público e, em última instância, mina a confiança no processo político. Não tem de ser assim.

Hoje, um grupo diverso de atores – vindos de organizações sem fins lucrativos, empresas sociais e iniciativas cívicas e tecnológicas, e até de algumas entidades filantrópicas de apoio, bem como de companhias e investidores por todo o mundo – está desafiando esse preconceito. O crescente movimento pelo lobby do bem está moldando uma nova compreensão do público sobre o que é realmente a prática: o meio mais rápido e mais poderoso para fazer com que ideias inovadoras ou programas para o bem comum ganhem escala. Em uma democracia vibrante, o lobby é o meio de fazer com que a prática cotidiana dos governos responda melhor às aspirações populares.

 

Desmistifique

 

Organizações sem fins lucrativos e outros adeptos da mudança social têm suas razões para ficar longe da prática do lobby. Como poderia uma atividade percebida como egoísta e corrupta auxiliar o progresso da missão de uma nobre organização não rentável? De forma reveladora, mesmo quando fazem lobby, as organizações sem fins lucrativos e as entidades filantrópicas evitam usar a palavra, preferindo empregar o termo “advocacy”, menos carregado, que designa a prática de advogar por uma causa a fim de influenciar a formulação de políticas públicas.

Em vez disso, o setor social deveria reivindicar o lobby como uma forma legítima de inovação política, definida por Johanna Mair, Josefa Kindt e Sébastien Mena como “um esforço contínuo e coletivo tendo como base um compromisso compartilhado com princípios democráticos e com a mobilização de uma massa crítica de pessoas e ideias para efetuar mudanças políticas”.3 O lobby do bem pode transformar o campo da mudança social.

Uma ampla variedade de organizações já está tentando desmistificar a prática do lobby, tornando-a mais corriqueira e benigna. A Open Government Partnership (OGP) – uma colaboração única, de múltiplas partes interessadas, entre governos, corpos legislativos, a sociedade civil e o setor privado, que defende um governo aberto em escala mundial – fornece um exemplo adequado. Desde sua criação, em 2011, a OGP defendeu o lobby como uma “atividade legítima, que permite a diferentes grupos de interesse demonstrar suas perspectivas para funcionários públicos”. Na visão de seus 75 países membros, “em uma democracia forte, essa prática pode reforçar a qualidade da elaboração de políticas e o debate público, bem como apoiar a livre expressão”.4 Para desmistificar o lobby, a OGP está promovendo a adoção de regulamentos que visam enfatizar transparência e acessibilidade.

 

Elevar o nível do lobby, facilitando o acesso à prática por parte das organizações sem fins lucrativos e dos cidadãos, pode ser uma estratégia melhor para lidar com a desigualdade política do que só
restringir a atividade

 

Outras organizações sem fins lucrativos mundo afora realizam esforços similares. Por exemplo, o Citizens’ Climate Lobby (CCL) – organização não rentável, não partidária, de raízes populares, destinada a influenciar a elaboração de políticas públicas e voltada para a mudança climática – encoraja os voluntários a estabelecer relações com representantes eleitos, por meio de reuniões com líderes do Congresso americano, da publicação de cartas e artigos de opinião e da organização em centenas de grupos locais nos Estados Unidos e em escala internacional.

Essa nova compreensão não se limita ao setor social, ela atinge parte do setor privado. Ainda que muitas companhias possam ter concebido a prática como um instrumento privilegiado para fazer avançar seus interesses próprios, outras estão atendendo às expectativas do público de que façam lobby pela mudança social positiva.

“Os consumidores cada vez mais vão considerar as empresas responsáveis por seu impacto ambiental”, diz Fred Krupp, presidente do Environmental Defense Fund. “Os CEOs precisam reduzir a poluição climática gerada pelas operações de sua própria companhia e acionar o instrumento mais poderoso de que dispõem: sua influência política.” As companhias estão ouvindo tais demandas. “Queremos usar nossa voz – e a estamos usando – para pressionar pelas políticas que pensamos que o mundo necessita”, diz a diretora de sustentabilidade da Microsoft, Melanie Nakagawa.

Essas companhias e organizações exemplificam uma tendência mundial que reivindica o lobby como uma atividade legítima, aberta a todos, que possibilita a diferentes grupos comunicar suas visões aos funcionários públicos. Nessa perspectiva, o lobby é uma prática democrática fundamental. Em primeiro lugar, pode fortalecer a qualidade da elaboração de políticas e do debate público, ao fornecer enorme riqueza de informações aos formuladores para moldar a legislação. Em segundo lugar, ela move a agenda política, ao chamar a atenção dos elaboradores de políticas para problemas antigos e novos e ao partilhar possíveis soluções. Em terceiro, a prática também desempenha uma função de controle democrático, ao responsabilizar os tomadores de decisões e “cutucar” os funcionários para que façam seu trabalho.

Mais ainda, o lobby ajuda a todos a fazer parte do processo político, por manter um canal adicional de contato entre os representantes eleitos e o público. Em uma famosa observação do economista e filósofo Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel em 1998, a participação tem um valor intrínseco para os cidadãos, que aprendem sendo expostos à elaboração de decisões coletivas e veem revigorados seu senso de autoeficácia e sua autonomia.5

 

Democratize

 

Para libertar a prática de concepções errôneas, devemos torná-la acessível a todos. Para muitas pessoas e organizações, em especial as pouco familiarizadas com o modo como se constroem políticas nas capitais, o lobismo parece uma atividade fora de seu alcance. Mas uma nova onda de organizações cívicas e tecnológicas vem tentando possibilitar aos cidadãos comuns fazerem lobby junto a seus representantes.

São exemplos a Cicero, que diz ser “a mais precisa base de dados sobre funcionários eleitos e distritos eleitorais no mundo”; a VoteSpotter, que rastreia votos dos funcionários eleitos nos Estados Unidos e servidores em unidades federativas selecionadas; e a Parliament Watch (Abgeordnetenwatch), que ajuda a capacitar cidadãos alemães comuns para que façam lobby junto a seus representantes. Outros esforços estão buscando melhorar o acesso dos cidadãos ao governo por meio de aplicativos que facilitam a submissão às demandas do Freedom of Information Act [similar à Lei de Acesso à Informação]. Os exemplos incluem a WhatDoTheyKnow, baseada no Reino Unido, e a AsktheEU, na União Europeia.

Pudemos ver o surgimento de muitas abordagens diferentes para democratizar a prática do lobby. A NOSSAS, uma iniciativa brasileira não lucrativa, oferece aconselhamento estratégico para que cidadãos do Rio de Janeiro organizem projetos de lobby dirigidos ao governo local. A The Good Lobby, organização não lucrativa que fundei em 2015 em Bruxelas e que tem escritórios em Madri, Milão e Paris, baseia-se na partilha pro bono de habilidades para colocar em contato com acadêmicos, advogados e lobistas corporativos organizações não rentáveis europeias que precisem exercer influência.

 

A restrição ao lobby faz fundações, que gostam de pensar que preferem a mudança sistêmica ao mero fornecimento de serviços, renunciarem a um dos mecanismos mais eficientes para estimular a mudança sistêmica

 

Tais equipes agem como centros de lobby do bem que defendem interesses difusos ou de minorias e representam as vozes normalmente não ouvidas no processo político. Elas impulsionam iniciativas que, em outras circunstâncias, não ganhariam escala e fornecem as habilidades e estratégias necessárias para alcançar as autoridades públicas. Geram normalmente um esforço ou um compromisso mais substantivos que uma plataforma de campanha na internet. Em vez de iniciar ou apoiar uma causa por meio de uma assinatura online, os novos centros de lobby do bem possibilitam às organizações e aos cidadãos a chance de liderar uma campanha ou usar suas habilidades para ela.

Em última análise, essas novas organizações representam uma nova forma de lobby que não contrata lobistas nem mobiliza as estratégias usuais da prática, mas antes empodera os interessados para terem voz no processo político. Por exemplo, organizações de campanha como WeMove Europe desafiaram com êxito, por todo o continente, o glifosato, o herbicida de maior êxito e mais controvertido da Monsanto, por meio de uma combinação nada convencional de petições transnacionais e flash mobs. A organização ajuda cidadãos individuais da União Europeia a ter acesso a membros do Parlamento Europeu por meio de interfaces de email fáceis de usar. Similarmente, essa nova abordagem da prática do lobby possibilitou que outras organizações sem fins lucrativos, como o Eurogroup for Animals – uma associação de lobby integrada por mais de 60 organizações na liderança da defesa dos direitos dos animais na Europa –, moldassem a agenda legislativa, levando a União Europeia a proibir jaulas para animais em fazendas e a banir o abate para a obtenção de peles.

 

Eleve o nível

 

Mesmo depois de ser desmistificada e democratizada, a prática do lobby enfrenta outros desafios. Devido ao preconceito do público contra ela, os governos estão tentando reduzir a influência desproporcional de poucos, pela restrição do acesso aos elaboradores de políticas. Seus esforços incluem exigir requisitos de registros e relatórios de obrigações, bem como colocar limites a ambos, para diminuir a capacidade das organizações sem fins lucrativos de praticar lobby.

Embora talvez bem-intencionada, essa abordagem restritiva já está gerando consequências importantes e inesperadas. Primeiro, freios à prática do lobby expandiram, não diminuíram, a influência corporativa em detrimento de outras vozes. As regras sobre a prática do lobby são cada vez mais vistas como violações à liberdade de expressão ou ao direito de dirigir petições ao governo, porque inerentemente restringem o engajamento político e, por vezes, criminalizam de forma indevida práticas de influência comuns. O argumento da liberdade de expressão fundamentou a decisão da maioria da Suprema Corte americana no processo Citizens United v. Federal Election Commission (Cidadãos Unidos contra a Comissão Federal de Eleições), que invalidou os tetos em doações para gastos políticos feitos em relação aos chamados dispêndios independentes – despesas para apoiar ou derrotar um candidato, realizadas independentemente dos pleiteantes ou dos partidos políticos. Ao tornar as doações políticas corporativas virtualmente ilimitadas, essa decisão garantiu um nível sem igual de influência corporativa sobre o governo dos Estados Unidos e provavelmente piorou, não ampliou, o acesso das organizações sem fins lucrativos aos elaboradores de políticas.

As leis sobre o lobby também estão defasadas em relação às práticas de influência, que seguem em rápida evolução. Restrições ao acesso a elaboradores de políticas terminam por incentivar e recompensar as práticas de influência da elite, como o astroturfing – falsas operações populares financiadas pelas corporações e pelos muito ricos.6 Na elaboração de políticas, seus encarregados terminam expostos a um número menor, não maior, de interesses.

Tudo somado, essa tendência restritiva na prática do lobby está derrotando os esforços dos governos de todo o mundo para ampliar a participação e o acesso ao processo político. Ao dissuadir ainda mais as organizações sem fins lucrativos e os atores da mudança social do ingresso na arena política, apenas distorcem o lobby que efetivamente ocorre. Em resposta, deveríamos tanto questionar quanto reverter a postura cultural e reguladora dominante em relação à prática.

 

A fim de manter sua licença para operar, as companhias são cada vez mais instadas não apenas a reavaliar suas práticas de lobby, mas também a seguir rumo a formas autoimpostas de um lobby do bem

 

Se o sistema político favorece os privilegiados, elevar o nível do lobby facilitando o acesso à prática por parte das organizações sem fins lucrativos e dos cidadãos pode se revelar uma estratégia melhor para lidar com a desigualdade política que a abordagem atual, limitada a restringir a atividade. Na verdade, esse pensamento motivou algumas reformas que podem mitigar e potencialmente superar o estigma do lobby. Cada vez mais governos encorajam todas as partes interessadas a apresentar seus pontos de vista sobre a elaboração de políticas. Nos Estados Unidos, três quartos de todas as cidades desenvolveram oportunidades para os cidadãos e as organizações sem fins lucrativos participarem do planejamento estratégico. A União Europeia também criou múltiplas instâncias para a consulta e a participação do público. Para apoiar a participação comunitária em escala mundial, o World Bank investiu US$ 85 bilhões ao longo da última década.

Os reformadores estão sugerindo ideias ainda mais radicais. Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos e acadêmico estudioso de políticas públicas, propõe a introdução de um “vale-lobby” saído do bolso do governo, para dar às pessoas um papel mais direto e igualitário na modelagem de decisões legislativas. Sob um tal sistema, votantes receberiam vales que poderiam destinar a organizações sem fins lucrativos ou resgatar pelo trabalho voluntário para essas instituições.7 Ao fornecer às pessoas recursos para apoiar as causas com que se importam, os “vales-lobby” poderiam reduzir a influência desproporcional dos interesses dos mais ricos.

Outra ideia que venho promovendo é a ajuda para lobby.8 Assim como o Estado paga um advogado para pessoas sem recursos, o governo também poderia pagar um lobista profissional para representar determinada causa. As despesas poderiam ser pagas pela renda gerada por um imposto sobre o lobby, análogo ao proposto pela senadora americana Elizabeth Warren quando concorreu nas primárias presidenciais do Partido Democrata, em 2020. Pela sua proposta, as companhias que gastassem mais de US$ 1 milhão por ano com lobby pagariam 60% de imposto sobre a prática, e as que gastassem mais de US$ 5 milhões, 75%.

Enquanto isso, diversas companhias vêm testando meios de possibilitar que seus empregados façam lobby por causas que essas companhias apoiam. Um experimento comprovado é o tempo cívico remunerado, mediante o qual permitem que seus empregados desempenhem, em horário laboral, deveres cívicos e atividades como trabalho voluntário para uma organização que defenda sua causa favorita. A organização não lucrativa americana Time To Vote reuniu centenas de companhias, entre as quais Abercrombie & Fitch e Google, para estender o tempo cívico pago a seus mais de 2 milhões de empregados no país.

Outra prática crescente é a iniciativa pro bono, pela qual empregados se voluntariam com suas habilidades, na esfera legal, por exemplo, para influenciar a formulação de políticas públicas, a serviço das organizações sem fins lucrativos. Tal trabalho possibilita aos profissionais ter um impacto positivo na sociedade ao compartilhar sua expertise, incluindo na prática do lobby, com aqueles que de outra forma podem não ter acesso a ela. Por exemplo, membros da Global Pro Bono Network coordenam, sem custo, projetos de partilha voluntária de habilidades em 36 países. A rede também propõe um engajamento cívico que visa lidar com desafios globais prementes e responder a necessidades comunitárias, como, por exemplo, promover os interesses de gerações futuras perante as autoridades públicas na União Europeia.

Os reformadores estão propondo outras ideias para reduzir as disparidades de poder no lobismo. Alguns deles estão repensando o desenho das consultas públicas e o acesso a elas, um caminho crítico para o lobby junto aos governos. Por exemplo, os acadêmicos estudiosos de políticas públicas Lee Drutman e Christine Mahoney propõem um novo sistema de consultas públicas a que chamam “POST-MAP-ASK”.9 Ele possibilita que todos os grupos dedicados a influenciar a formulação de políticas submetam suas posições e documentos para postagem no website da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos (POST, postar), encarrega a Biblioteca do Congresso de criar uma ferramenta para os escritórios dos congressistas e o público encontrarem essas posições e navegarem por onde os grupos se situam (MAP, mapear) e possibilita que os comitês relevantes do Congresso solicitem comentários de grupos e partes interessadas que estejam faltando (ASK, perguntar). Similarmente, propus medidas concretas para diversificar e expandir a participação através do convite direto a partes interessadas específicas, identificadas como sub-representadas, para contribuir com a consulta.10 Desse modo, o sistema do lobby poderia ser aberto, ajudar a embasar políticas públicas e a aperfeiçoar a prática democrática. Em última análise, somente cercado de sólidos anteparos é que o novo poder do lobby vai funcionar bem.

Financie

 

Para que o lobby se torne uma prática de participação democrática socialmente aceita, inclusiva e vibrante das maneiras que descrevemos, é necessário apoio, tanto financeiro quanto por outros meios disponíveis. Ainda que as organizações sem fins lucrativos tendam a ser retratadas como cronicamente carentes de pessoal e de recursos, a realidade é mais matizada.11 Com frequência, essas entidades escolhem não fazer lobby não por falta de recursos, mas porque desejam destiná-los a outras áreas. Por sua vez, as fundações, em sua maioria, tendem a ficar longe do lobismo porque não desejam ser vistas como excessivamente políticas. Mais ainda, órgãos filantrópicos muitas vezes interpretam erroneamente a lei sobre organizações não rentáveis para dissuadir seus próprios beneficiários de usar seu financiamento de um modo que possa ser interpretado como fazer lobby. Por exemplo, proibem, em contrato, seus beneficiados de fazer lobby ou advocacy.

Paradoxalmente, essa restrição faz fundações, que gostam de pensar que preferem a mudança sistêmica ao mero fornecimento de serviços, renunciarem a um dos mecanismos mais eficientes para estimular a mudança sistêmica. Tal erro não só pode levar seus beneficiários a fracassar em suas próprias missões como também reduz o potencial impacto social de seus investimentos.

Faltam-nos dados suficientes acerca de quanto dinheiro as fundações alocam para apoiar os esforços de prática do lobby de seus beneficiários. No entanto, alguns exemplos notáveis se destacam. A Fundação Bill & Melinda Gates tem equipes para influenciar a formulação de políticas públicas e fornece subvenções para uma ampla variedade de organizações sem fins lucrativos, como Malaria No More, e redes globais, como a RBM Partnership to End Malaria, visando fortalecer a elaboração global de políticas contra a malária. A Open Society historicamente apoiou múltiplos grupos de lobby, e, mais recentemente, o fez para promover distribuição igualitária de vacinas contra covid-19, incluindo a concessão de apoio financeiro à People’s Vaccine Alliance, uma coalizão de organizações e ativistas que fazem campanha pela equidade no acesso aos imunizantes.

O advocacy parece uma via promissora para organizações sem fins lucrativos e fundações alcançarem seus objetivos. A questão é se o movimento pelo lobby do bem e seu ethos de mudança de sistema centrada no impacto pode vencer a tradicional desconfiança das entidades filantrópicas para apoiar o lobby e encontrar espaço nas teorias dos doadores acerca de estruturas de impacto e mudança. Eles podem resistir em decorrência da tensão inerente entre o horizonte de curto prazo dos subsídios e a natureza de mais longo prazo da prática do lobby. A mudança política leva tempo, é caótica e não linear, impedindo os esforços para avaliar a influência na formulação de políticas públicas e a prática do lobby usando métricas confiáveis.12

De que modo as fundações estabelecem uma conexão causal entre um esforço de lobby e um resultado político? Como atribuem o sucesso de um projeto de influência na formulação de políticas públicas a uma organização ou rede de organizações em particular? Uma abordagem quantitativa, baseada no número de reuniões e de outras interações com os elaboradores de políticas, não consegue apreender o valor agregado dos esforços de lobby. Por mais que essa abordagem baseada em representantes funcione a contento para avaliar programas de fornecimento de serviços, tais como bancos de alimentos, não faz jus a todos os benefícios potenciais que se originam de um esforço de influenciar a formulação de políticas públicas e corre o risco de dar crédito a resultados produzidos por outros. Em resumo, essa abordagem pode ser, ao mesmo tempo, muito estreita e muito ampla.

As entidades filantrópicas poderiam encontrar uma abordagem mais promissora se interpretassem a prática do lobby não como uma atividade que seus subsidiados devam realizar, mas, sim, como uma capacidade que devem cultivar.

Assim, por exemplo, as fundações podem esperar que seus beneficiários tenham a habilidade e a capacidade de fazer advocacy com objetivos provisórios, entre os quais o mapeamento de todos os stakeholders importantes – sejam eles oponentes conhecidos ou potenciais aliados –, de modo a incluí-los em seus esforços por coalizão e em suas estratégias de comunicação. As fundações podem então avaliar a qualidade, a viabilidade e a execução de tais planos para alcançar seus objetivos, ou, pelo menos, para se adequar ao propósito para que foram formulados.

Sem dúvida, há desafios metodológicos para medir a capacidade de fazer advocacy, em vez de seus resultados. Mas dessa métrica deriva uma nova e necessária base conceitual para avaliar os esforços de organizações não rentáveis e fundações pró-lobby do bem. Até hoje, há pouca evidência sobre os resultados duradouros advindos do esforço de construção dessa capacidade. No entanto, apenas colocando mais ênfase nele, por meio de investimento contínuo, nos será dado obter a informação e melhorar o entendimento sobre sua real contribuição para a habilidade das organizações de produzir mudança.

 

Cobre responsabilidade

 

O movimento pelo lobby do bem foi motivado e continua a ter impulso, em boa medida, do setor não rentável. No entanto, a comunidade de negócios está fazendo frente a pressões para reconsiderar suas próprias práticas de lobby e, talvez, se juntar a ele, uma vez que o público questiona cada vez mais o lobismo corporativo em benefício próprio. Basta considerar os mais de 50 bancos que assinaram compromissos de emissões líquidas zero de dióxido de carbono sob a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ), em 2023, para depois serem pegos em flagrante dando empréstimos para a expansão de companhias de combustível fóssil, ao mesmo tempo que não conseguiam descartar seus próprios investimentos em projetos do gênero. Cada vez mais, investidores, empregados e consumidores põem sob escrutínio as companhias em que investem, para quem trabalham ou de quem compram, rastreando não apenas suas pegadas ambientais e sociais, mas também, crescentemente, suas pegadas políticas, incluindo doações, suas práticas de lobby e outras formas de influência sobre o governo. Tais rastros podem revelar a desconexão entre aquilo que as companhias dizem e aquilo para que fazem lobby.

A ideia de que companhias poderiam tentar influenciar regulamentações para favorecer seu resultado não é nova.13 O que é novidade, porém, é a percepção crescente, por parte do público, de que uma tal desvinculação entre as atividades de sustentabilidade das corporações e seu comportamento lobista poderia fundamentar a falta de progresso em numerosas questões críticas, tais como o fracasso em agir em emergências ou em modelos econômicos extrativos. O fato de que muitos stakeholders compreenderam que o comportamento político de uma companhia é tão importante quanto suas operações14 está fazendo emergir um ecossistema de responsabilidade na prática do lobby.

Embora as companhias assumam compromissos ambientais, tais como metas de emissões líquidas zero de dióxido de carbono, a InfluenceMap – a mais importante base de dados do mundo sobre o lobby corporativo climático – cobra responsabilidade das principais corporações ao monitorar se seus esforços lobistas vão ao encontro desses compromissos. A ClimateVoice dá a empregados de multinacionais informações semelhantes para que eles possam influenciar a formulação de políticas públicas sobre mudança climática.

Essas iniciativas sem fins lucrativos compartilham uma determinação de jogar luz sobre como as companhias fazem lobby pela política climática. Isso, por sua vez, as torna responsáveis junto ao público pelos modos com que exercitam seu poder de lobby e pode levá-las a apoiar – ou, pelo menos, a não hostilizar – alvos políticos ambiciosos. Em resumo, forçam as companhias a aderir ao lobby do bem como o meio mais eficaz para alcançar seus alvos autodefinidos.

No entanto, na atualidade, o ecossistema de responsabilidade da prática do lobby estende-se muito além da política climática para outros objetivos de sustentabilidade e além. Uma variedade de iniciativas de terceiros exige não apenas transparência e responsabilidade maiores, mas também sustentabilidade no modo pelo qual as companhias exercem seus esforços de lobby. Algumas das iniciativas têm natureza comercial, tais como fornecedoras de dados ambientais, sociais e de governança (ESG) e de classificação de créditos (por exemplo, Sustainalytics, S&P, Moody’s, RepRisk e MSCI). Outras são sem fins lucrativos, tais como padrões de relatórios de sustentabilidade (por exemplo, a Global Reporting Initiative 415 e a Corporate Disclosure Project) e iniciativas que oferecem orientação sobre que cara uma prática positiva de lobby corporativo deveria ter, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)/Princípios para Investimento Responsável da ONU e a World Benchmarking Alliance. Em conjunto, esses esforços auxiliam todas as partes interessadas – investidores, companhias, associações comerciais e organizações não rentáveis – a mapear um caminho rumo a uma sustentabilidade e responsabilidade maiores na política corporativa por meio de todas as áreas de políticas públicas. Em última análise, companhia alguma pode declarar-se sustentável, a menos que seja plenamente responsável por seu impacto ambiental e social, bem como por suas pegadas políticas.

Como resultado, um crescente universo de padrões e iniciativas de lobby do bem encoraja as companhias a partilhar informações além da divulgação legalmente determinada, como aquelas em geral impostas pelas regulamentações referentes à prática do lobby. Desse modo, o mercado pode estar à frente do poder público na captação das realidades do lobby corporativo. De fato, essas iniciativas exigem que as companhias forneçam informações mais detalhadas acerca de suas atividades políticas corporativas que as exigidas por lei nos Estados Unidos, na União Europeia ou em países membros da OCDE. Ao agirem como definidoras de padrões do movimento pelo lobby do bem, tais iniciativas moldam as melhores práticas que definem, em conjunto, o que o movimento representa, apoia e acarreta.

Em primeiro lugar, virtualmente todas as iniciativas exigem das companhias mais informação do que naturalmente elas divulgariam sobre seus gastos com lobby, doações políticas ou outras formas indiretas de influência, como a filiação a associações comerciais. No entanto, apenas algumas poucas vão além desses procedimentos, impondo restrições mais severas. Por exemplo, a Standard & Poor’s determina que as companhias revelem e publiquem suas posições de lobby antes de se associar ao poder público. Essa regra permite a todos os interessados – não apenas aos governos – saber qual posição uma companhia está tomando em uma determinada política pública.

Em segundo lugar, ainda que a maioria das iniciativas tenha foco em maior transparência e responsabilidade, algumas propõem uma abordagem mais baseada em princípios para a prática do lobby. Assim, por exemplo, iniciativas como os Erb Principles for Corporate Political Responsibility na Universidade de Michigan fornecem uma abordagem congruente, que alinha políticas e questões públicas a compromissos relacionados a propósito e sustentabilidade. Elas exigem que as companhias não apenas se esforcem pelo alinhamento entre suas atividades políticas (entre elas as de associações comerciais e outros terceiros que exercem influência em seu nome e em seu benefício) e seus compromissos em termos de propósitos, valores, objetivos proclamados e partes interessadas, mas também, nas palavras dos líderes de iniciativas Thomas P. Lyon e Elizabeth Doty, “para assegurar que suas atividades políticas não provoquem impactos adversos sobre a sustentabilidade ambiental, os direitos humanos ou o bem comum nem contribuam para esses impactos”. Da mesma forma, os Principles for Responsible Investment Expectations on Corporate Climate Lobbying guiam os investidores que desejam participar no portfólio de companhias em suas práticas de lobby, diretas e indiretas, relacionadas a políticas públicas climáticas. Para obter uma compreensão melhor de tais esforços, criamos recentemente a The Good Lobby Tracker, para mapear todas as iniciativas que orientem investidores e companhias sobre a maior responsabilidade e sustentabilidade de políticas corporativas em todas as áreas de políticas públicas.

A emergência dessas iniciativas sugere que, a fim de manter sua licença para operar, as companhias são cada vez mais instadas não apenas a reavaliar suas práticas de lobby, mas também a seguir rumo a formas autoimpostas de um lobby do bem. No entanto, como os reguladores, em muitas jurisdições, estão pensando em adotar padrões obrigatórios de relatórios ESG para relatórios financeiros convencionais, esses governos também podem tornar compulsória a divulgação de informações relacionadas à política corporativa. O movimento pelo lobby do bem pode acabar preso em uma trincheira legal.

 

O lobby pelo lobby do bem

 

Todos no negócio da mudança social precisam compreender a importância de influenciar políticas públicas e de abraçar a prática do lobby como um instrumento democrático fundamental para a mudança social e política. É disso que trata o movimento pelo lobby do bem. Os participantes pretendem criar um processo responsável e transparente de políticas no qual cada voz conta, e a influência não se vê restrita pela riqueza, pelo nascimento ou pela posição social.

Para ter êxito, o movimento deve mudar a narrativa pública acerca da prática do lobby, estimular a capacidade do setor não rentável de influenciar a formulação de políticas públicas e tornar o lobby corporativo mais transparente, responsável, autoconsciente e apto a dar respostas. Ainda que as entidades filantrópicas tenham historicamente se mostrado reticentes em apoiar o trabalho político e de lobby de suas próprias subsidiadas, elas precisam compreender que a prática poderia ser uma das mais poderosas ferramentas disponíveis para alcançar a mudança sistêmica. Embora as companhias no passado possam ter concentrado seus esforços de lobby em estreitos interesses lucrativos, hoje encaram um público que exige mais responsabilidade quando colaboram com governos, divulgando mais suas práticas de lobby e reorientando-as na direção do interesse geral.

Como resultado, por meio de mudanças nas normas sociais, engajamento voluntário e reformas legislativas, o movimento está em marcha para fazer do lobby uma prática essencial para a mudança social. Para que isso ocorra, a prática deve se tornar acessível a – e dominada por – muitos, em vez de poucos, e exercida por todos com maior transparência e responsabilidade, tanto perante a sociedade quanto em termos pessoais. Com isso, ela pode se tornar uma abordagem essencial para a mudança sistêmica. É hora de todos nós fazermos lobby pelo lobby do bem.

 

O AUTOR

Alberto Alemanno é professor Jean Monnet de Direito na HEC Paris e fundador da The Good Lobby.

 

NOTAS

1 Lewis Faulk, Mirae Kim e Heather Maclndoe, “The Retreat of Influence: Exploring the Decline of Nonprofit Advocacy and Public Engagement”, Independent Sector, jul. 2023.
2 Transparência Internacional, “Lobbying in Europe: Hidden Influence”, Privileged Access, abr. 2015.
3 Johanna Mair, Josefa Kindt e Sébastien Mena, “O campo emergente da inovação política”, Stanford Social Innovation Review Brasil, v. 1, n. 4, junho 2023.
4 Sarah Dickson, “Common Challenges in Lobbying Transparency: Lessons from Europe”, Open Government Partnership, 8 jun. 2021.
5 Amartya Sen, “Democracy as a Universal Value”, Journal of Democracy, v. 10, n. 3, jul. 1999.
6 Edward T. Walker, Grassroots for Hire: Public Affairs Consultants in American Democracy. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press, 2015.
7 Robert Reich, Supercapitalism: The Transformation of Business, Democracy, and Everyday Life. Nova York: Alfred A. Knopf, 2007.
8 Alberto Alemanno, Lobbying for Change: Find Your Voice to Create a Better Society. Londres: Iconbooks, 2017.
9 Lee Drutman e Christina Mahoney, “POST-MAP-ASK: Towards a More Democratic Modern Lobbying Process”, New America, mar. 2016.
10 Alberto Alemanno, “Levelling the EU Participatory Playing Field: A Legal and Policy Analysis of the Commission’s Public Consultations in Light of the Principle of Political Equality”, European Law Journal, v. 26, 2020.
11 Rachel Fyall, “The Power of Nonprofits: Mechanisms for Nonprofit Policy Influence”, Public Administration Review, v. 76, n. 6, 2016.
12 Alnoor Ebrahim, Measuring Social Change: Performance and Accountability in a Complex World. Stanford: Stanford University Press, 2019.
13 Daniel Carpenter e David A. Moss (orgs.), Preventing Regulatory Capture: Special Interest Influence and How to Limit It. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.
14 Luigi Zingales, Towards a Political Theory of the Firm. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 3, 2017.
15 Thomas P. Lyon e Elizabeth Doty, “The Erb Principles for Corporate Political Responsibility”, Harvard Law School Forum on Corporate Governance, 4 abr. 2023.



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