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Tecnologia na Fazenda

A Outgrow combina tecnologias digitais e a antiga sabedoria agrícola da Índia para apoiar pequenos agricultores.

Por Vijaya Sunder M. e Siddhartha Modukuri

Uma fazendeira examina um monitor meteorológico na Estação de Pesquisa Agrícola Outgrow. (Foto cortesia de WayCool Foods and Products Pvt. Ltd.)

Quando Raghunath Reddy entrou em sua propriedade de 3 acres no sul da Índia em janeiro passado para realizar os rituais de Sankranti, um festival que simboliza a chegada da primavera e o início da estação da colheita, ele ficou exultante ao ver a exuberante colheita verde da última temporada esperando para ser colhida. Reddy estava acompanhado por suas duas vacas, a quem ele chama de família estendida. Esses rituais envolviam saudações à água, ao solo e ao sol – os ingredientes fundamentais da agricultura.

Embora a luz solar seja abundante nos climas tropicais da Índia, a escassez de água e o esgotamento do solo têm desafiado os agricultores. Alguns anos atrás, a terra de Reddy estava em péssimo estado, com colheitas de baixa qualidade. Ele tentou todas as soluções disponíveis no mercado local – fertilizantes químicos, sementes e pesticidas – bem como as recomendações dos comerciantes locais sobre quais culturas cultivar. Quando herdou de seu pai no início dos anos 2000, a terra de propriedade ancestral gerava altos rendimentos com rápidas mudanças. Ainda que ganhasse dinheiro com as flutuações do mercado, os gastos aumentavam constantemente. Ele tinha que extrair o máximo que pudesse da terra, caso contrário, teria de pegar empréstimos com altas taxas de juros. No final de 2019, Reddy notou pela primeira vez que o solo havia perdido a capacidade de produzir, não importa quanto fertilizante usasse.

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Uma Travessia Perigosa

Em 2020, o Reserve Bank da Índia relatou que os efeitos da Revolução Verde – movimento dos anos 1960 que defendia o uso de sementes de alto rendimento, fertilizantes químicos, pesticidas e ferramentas agrícolas mecanizadas – estavam desaparecendo. O uso excessivo de produtos químicos estava causando danos às plantações, aos consumidores e ao ambiente. O movimento também acarretou um terrível custo humano: mais de 17 mil agricultores cometeram suicídio entre 2018 e 2020, segundo relatório do governo de 2020.

Felizmente, Reddy foi contatado pela Outgrow no início de 2020. Fundada pelo empreendedor social Karthik Jayaraman em 2019, a Outgrow visa à educação e à capacitação dos agricultores com conhecimento relevante e tecnologias necessárias para ajudá-los a aumentar e a sustentar a produção.

“Meu pai sempre me disse que nossos antepassados utilizavam métodos agrícolas mais sustentáveis”, diz Reddy. “Eu sempre quis explorá-los, mas não tinha uma orientação clara.” Isso mudou quando a Outgrow o instruiu sobre a “abordagem totalmente natural”. Quando a equipe Outgrow conduziu pela primeira vez um teste de solo usando um aparato portátil, o nível de matéria orgânica do solo (SOM, na sigla em inglês) da fazenda era de cerca de 0,7% – incrivelmente baixo. Um esgotamento adicional pode resultar na desertificação da terra, com o solo perdendo permanentemente a capacidade de cultivar.

“O solo indiano tinha um SOM entre 3 e 3,5%, mas, sua exploraçao com produtos químicos diminuía seu conteúdo orgânico”, revela Sendhil Kumar, que chefia o engajamento dos agricultores na Outgrow. “Então, prescrevemos práticas milenares como a agricultura integrativa, que pode regenerar solos perdidos.” Com elas, os agricultores integram o gado à propriedade para auxiliar na saúde do solo e na geração de safras.

 

Integração Reversa

 

Em 2015, Jayaraman cofundou a empresa controladora da Outgrow, a WayCool Foods, como um modelo de “farm to fork” (“da fazenda para o garfo”), que conecta agricultores a mercados. Na WayCool, os produtos comprados dos agricultores são distribuídos a varejistas urbanos com uma margem modesta. Desde então, a WayCool se tornou a empresa de comércio agrícola de maior crescimento na Índia, com uma cadeia de suprimentos projetada com tecnologias avançadas, como automação de processos robóticos, Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), inteligência artificial e georreferenciamento móvel.

Como os negócios dependiam da produtividade dos agricultores, a WayCool teve que discutir com os agricultores a incerteza do rendimento e as preocupações em relação à qualidade. Assim, Jayaraman reinventou o modelo de negócios como “soil to sale” (“do solo para a venda”), o que estendeu a cadeia de suprimentos ao cultivo, ao bem-estar do agricultor e à colheita. Em 2019 ele fundou a Outgrow como uma subsidiária que oferecia programas de engajamento para agricultores e ajudou 60 agricultores a se conectarem com agrônomos. No mesmo ano de lançamento, a Outgrow comprou 4 acres de terra e lançou a Outgrow Agricultural Research Station (OARS), na qual agrônomos experimentam práticas agrícolas tradicionais em colaboração com uma equipe de cientistas de dados, para fornecer soluções baseadas em tecnologia e melhorar o rendimento dos agricultores.

Em 2020, a equipe Outgrow também criou um aplicativo móvel para fornecer aos agricultores uma plataforma comum para acessar pesquisas agrícolas sobre práticas de cultivo de organizações consagradas como o Indian Council of Agricultural Research (Conselho Indiano de Pesquisa Agrícola) e o Indian Agricultural Research Institute (Instituto Indiano de Pesquisa Agrícola). O aplicativo para celular possibilita aos agricultores obter conselhos sobre o cultivo de safras e consultar os preços mais recentes do mercado para agricultores. Além disso, integra as informações coletadas pelo OARS com kits portáteis de teste de solo local, sensores de previsão de microclima e de monitoramento de crescimento de culturas – cujas percepções são traduzidas para dialetos locais e apresentadas com infográficos e vídeos para os agricultores. Jayaraman visualiza o aplicativo como um agrônomo móvel que ajuda os agricultores a gerar receitas estáveis ao fornecer informações precisas e confiáveis. A Outgrow atingiu 200 mil downloads no início de 2022.

Inicialmente, a Outgrow propôs a diversificação de culturas na mesma terra – método chamado de multicultivo – para substituir a prática existente de monocultivo, com uma única cultura em toda a propriedade. Conforme a demanda do mercado, os agricultores plantavam uma única cultura e ficavam sujeitos a perdas quando essas safras não produziam. Harish, um fazendeiro do estado indiano de Karnataka, diz que a Outgrow o “converteu” para a diversificação. “Fui aconselhado a plantar cenouras e feijões em um determinado padrão. Agora, vi que mesmo que uma safra fracasse, posso contar com a outra”, afirma. No entanto, nem todas as combinações de culturas podem apresentar os mesmos resultados, então os agrônomos da Outgrow instruíram os agricultores sobre a combinação e padrões de culturas que trariam um rendimento promissor e consistente.

Outra prática milenar que ajudou a rejuvenescer o solo foi a agricultura integrativa. A OARS constatou que essa prática levou a uma redução de custo de 60 a 70% em fertilizantes. Reddy a adotou pela primeira vez e obteve resultados significativos em um ano. “Com a agricultura integrativa, nada é desperdiçado e é economicamente viável”, afirma. “Os resíduos agrícolas alimentam o gado, os resíduos do gado alimentam o solo. E ter gado pode gerar renda extra com o leite e os produtos derivados.” O relatório de teste de solo em janeiro de 2022 mostrou que o SOM de sua terra mais que dobrou para 1,8%.

As microestações meteorológicas movidas a energia solar projetadas pela OARS medem a temperatura do solo, a precipitação da água e a taxa de evaporação, além de realizar previsões climáticas. Esses dados podem determinar a necessidade exata de água do solo. Ramanatha Shenoy, chefe da equipe de agrônomos da Outgrow, ressalta que conhecer a quantidade certa de água para irrigação pode reduzir o consumo de água em 90%, em comparação com técnicas como a irrigação por inundação. A OARS também recomenda a antiga prática do método Matti Dhara – uma técnica de uso de vasos de barro para irrigação –, que diminui o consumo de água em até 40%.

 

Cadeia de Valor Inclusiva

 

O modelo de solo à venda pela WayCool é mais holístico do que os de extensão rural que existem na Índia.

Por um lado, embora várias organizações se esforcem para oferecer soluções agrícolas, muitas ofertas são fragmentadas. Por exemplo, algumas empresas fazem recomendações aos agricultores sobre a qualidade de sementes e de adubos, outras facilitam a colheita e a logística da distribuição. Consequentemente, os agricultores são abordados por muitos intermediários na cadeia de abastecimento agrícola.

Por outro lado, muitos varejistas que compram safras dos agricultores e usam tecnologias digitais, como logística em nuvem, para distribuir seus produtos e outros serviços a seus clientes a fim de obter benefícios comerciais, não se concentram no bem-estar dos agricultores e nas práticas agrícolas sustentáveis. Assim, tanto do lado da oferta como da demanda da cadeia de valor agrícola, os agricultores são explorados e se sujeitam a perdas financeiras.

Em contraste, o modelo de solo à venda pela Outgrow utiliza tecnologias digitais para oferecer uma cadeia de valor inclusiva aos agricultores. Por meio do aplicativo móvel da Outgrow, os agricultores podem acessar informações como estimativas de demanda, preços de venda no mercado e sugestões de boas práticas relacionadas à qualidade de sementes e adubos. Seus sensores com base em IoT possibilitam o monitoramento de qualidade em tempo real de recursos agrícolas, ambiente e culturas, o que ajuda a reduzir a incerteza do rendimento. Além disso, o processamento de imagens baseado em IA auxilia os agricultores a detectar doenças nas culturas e a tomar medidas oportunas para evitar perdas. A WayCool facilita a logística de entrada e saída para garantir que os agricultores possam se concentrar na produção de produtos de qualidade, sem ter que lidar com intermediários.

“Com a Outgrow, os agricultores estão agora mais bem informados e, assim, aumentam sua renda em 30 a 40%”, diz Jayaraman. “Vimos um aumento na demanda por nossos produtos alimentícios de alta qualidade por parte dos clientes, o que resultou em crescimento nas receitas. Isso nos motivou a adotar o impacto social como cultura para toda a cadeia produtiva agrícola e além dela.”

A Outgrow teve desafios ao longo do caminho. Muitos agricultores não familiarizados com as novas tecnologias eram céticos em relação às práticas com base em tecnologia digital da empresa. Para lidar com essa preocupação, a Outgrow selecionou alguns agricultores que trabalharam com ela e comprovaram os benefícios dos métodos agrícolas sustentáveis. A empresa então os nomeou como “Certified Outgrow Crop Advisors” (Consultores Certificados de Safra da Outgrow, em tradução livre). Esses agricultores testemunharam os efeitos positivos dos métodos e os recomendaram aos agricultores relutantes.

A Outgrow inicialmente lutou para alcançar grande escala de agricultores com uma abordagem única, devido à diversidade cultural e regional, incluídas as barreiras linguísticas. Assim, customizaram conteúdos informativos e consultivos como infográficos e vídeos com base em dialetos e nuances culturais. Para pequenos agricultores que não podiam pagar por tecnologias como sensores ou estações meteorológicas, a Outgrow ofereceu serviços gratuitos de consultoria e informações. Eles puderam, então, usar essas informações no cultivo de uma safra para depois investir na tecnologia da Outgrow, ao converter os lucros da colheita.

Com o olhar no futuro, a Outgrow se prepara para incluir mais agricultores em seu trabalho. Ela busca contar com mais de 90 milhões de agricultores na Índia até o final de 2023.

“Acreditamos que, ao combinar a adoção de tecnologia com antigas práticas agrícolas indianas, podemos reduzir os problemas sociais relacionados à agricultura, que incluem suicídios de agricultores e desperdício de alimentos”, diz Jayaraman. “Essa crença pavimenta o caminho de todos os nossos empreendimentos futuros.”

OS AUTORES

Vijaya Sunder M. é um autor premiado com textos publicados na California Management Review, Asian Management Insights e Harvard Business Publishing, entre outras publicações. Ele é professor assistente na Indian School of Business.

Siddhartha Modukuri é um pesquisador associado da Indian School of Business que mora em Hyderabad.



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