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O ESG em defesa de sua carteira

A administração dos acionistas deve priorizar os efeitos das empresas na economia e na carteira dos investidores

Por Frederick Alexander

Políticos americanos de direita, como o governador da Flórida, Ron DeSantis, têm declarado guerra aos investidores que pressionam empresas a prestar mais atenção à governança ambiental, social e corporativa (ESG). Ao mesmo tempo, progressistas como Tariq Fancy, ex-diretor de tecnologia da informação de investimentos sustentáveis da BlackRock, criticam os esforços ESG como uma distração ineficaz dos esforços legais necessários para criar uma mudança real.

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Essas críticas em lados opostos da dimensão política são reforçadas por uma imprecisão fundamental do movimento ESG: ele ainda precisa reconhecer o conflito que está no cerne da carteira de investimento moderno – certas empresas impulsionam os lucros com práticas que ameaçam os sistemas que estão na base das carteiras de seus próprios acionistas.

Ao identificar esse conflito e superar suas implicações, os stakeholders podem justificar seu interesse financeiro em determinadas empresas para responsabilizá-las por seus impactos na sociedade, no meio ambiente e na economia em geral. Essa administração de sistemas é uma solução essencial com base no mercado que pode utilizar os incentivos econômicos dos investidores para moldar as decisões tomadas por altos executivos e Wall Street.

 

Quando o alfa falha

 

Comecemos com duas observações não controversas. Primeiro, é provável que os acionistas detenham posições em centenas ou mesmo milhares de empresas, de forma direta ou por meio de veículos de investimento. Essa diversificação permite que eles aumentem os rendimentos com risco mínimo. Segundo, se uma empresa de um investidor com carteira variada aumentar seu valor por meio de um procedimento que representa riscos para os sistemas sociais e ambientais críticos para a economia, o dano resultante pode causar perdas em toda a carteira e superar em muito qualquer ganho que ele receba de uma participação relativamente pequena em uma empresa.

Por outro lado, os executivos que dirigem companhias são incentivados financeiramente a se preocupar somente com o valor delas, não com o valor agregado das carteiras dos acionistas. Decisões que impactam esses dois valores de forma diferente criam uma divergência de interesse entre os gestores da empresa e seus investidores.

Os acionistas tendem a ignorar esse conflito e tratar empresas individuais como unidades críticas para medir o sucesso financeiro, em vez de se concentrarem em como as decisões da empresa afetam amplos retornos de mercado. Executivos e gestores de ativos são recompensados por gerar alfa (a diferença entre os retornos de uma empresa ou carteira e o retorno médio para investimentos de risco semelhantes) – independentemente do impacto que isso possa ter nos sistemas que determinam os amplos retornos de mercado, especialmente relevantes para investidores com aportes diversificados.

 

Se alfa for aceito como a verdadeira medida de sucesso empresarial, os críticos podem insistir que o ESG é um antinegócio e ruim para os investidores.

 

Por exemplo, investidores tendem a defender a remuneração com base em ações, segundo a qual gerentes são recompensados quando o valor dos ativos de uma companhia em bolsa sobe, mesmo se seu modelo de negócio é baseado numa externalização de custos que ameaça a performance mais ampla do mercado. De maneira similar, gestores ou assessores de investimentos são recompensados quando suas carteiras batem outras de risco semelhante, relegando o impacto que os “vencedores” provocarem na economia ou no retorno geral do mercado.

Infelizmente, os ativistas ESG tendem a compartilhar essa concepção, pelo menos quando explicam seus motivos. Eles defendem o ativismo próprio quase exclusivamente em termos do potencial de melhorar o alfa de empresas individuais, melhorando seu impacto social e ambiental. O movimento ESG evita a retórica que aborda diretamente os trade-offs que eventualmente existem entre os efeitos positivos que uma decisão da empresa tem sobre seu próprio valor financeiro e a ameaça que essa decisão pode representar para o desempenho geral do mercado. Como resultado, a externalização das despesas e consequências continua.

Veja o ativismo climático, por exemplo. Ainda que o clima desempenhe um papel importante nas estratégias ESG, os investidores não têm efetivamente pressionado as empresas a alinhar sua pegada de carbono com o Acordo de Paris – o acordo internacional mediado pelas Nações Unidas para manter o aumento da temperatura global, intensificado pelos gases de efeito estufa, a menos de 2 ºC acima dos níveis pré-industriais. Nossa pesquisa mostra que o fracasso coletivo da economia em se alinhar com o Acordo de Paris significará que um típico trabalhador de 32 anos que economiza para a aposentadoria provavelmente terá de 7% a 14% menos dinheiro nessa fase, com o risco de perdas muito maiores.

A mesma história se repete para a maioria das questões ESG, incluindo desigualdade, direitos dos trabalhadores e biodiversidade. O equívoco em não abordar esses temas ameaça perdas econômicas que reduzirão o valor do portfólio para investidores diversificados. O alfa que algumas empresas podem obter ignorando esses pontos não pode compensar os danos aos retornos de mercado pelos quais são responsáveis.

Uma razão para esse fracasso é o contraste entre a saliência do alfa e o silêncio do beta – o retorno médio para um investidor diversificado. Os investidores sempre podem comparar o desempenho de um fundo com seu histórico e o desempenho de uma empresa com o de seus pares. Assim, um fundo ou empresa que gera alfa pode reivindicar sucesso apontando para retornos históricos. Por outro lado, as contribuições para o retorno do mercado (e dos sistemas que o suportam) beneficiam igualmente a todos os investidores diversificados e, portanto, não aparecem nas comparações.

Claro, o alfa é importante para os acionistas. O conhecimento de que os executivos estão trabalhando para otimizar o alfa incentiva o comprometimento do capital residual permanente necessário para financiar uma sociedade moderna complexa. Títulos como ações ordinárias exigem a promessa de que os interesses desses investidores venham em primeiro lugar. A entrega de alfa é o cumprimento dessa promessa.

Mas todo o alfa e nenhum beta é a receita para o desastre. A administração de sistemas autêntica pode preservar o papel de buscar o alfa, sem comprometer o beta e os sistemas dos quais a economia global depende.

 

O poder dos acionistas

 

Idealmente, as leis e os regulamentos poderiam abordar as externalidades que ameaçam o beta. Mas, por motivos que vão além do escopo deste artigo, o esquema regulatório global deixa amplo espaço para que as empresas externalizem custos de maneira economicamente ineficiente. Além disso, a busca por alfa pelas empresas muitas vezes as leva a interferir no processo regulatório, um aspecto da obsessão pelo lucro que a administração de sistemas pode abordar.

A lacuna regulatória pode ser melhorada por acionistas diversificados que, ao contrário dos executivos corporativos, estão bem posicionados para limitar as estratégias de negócios que ameaçam os sistemas sociais e ambientais. Eles têm a motivação econômica certa – proteger o valor intrínseco da economia na qual estão investidos. Também têm o poder, por meio de um mercado globalizado, de impor limites consistentes transversalmente. Enquanto os políticos não interferirem nos direitos dos investidores de administrar seu próprio capital, os acionistas seguirão livres de muitas das restrições políticas que impedem os reguladores de abordar questões sociais e ambientais críticas.

Uma visão de administração de sistemas permite que os investidores preservem a economia global e, ao mesmo tempo, suas carteiras; eles podem insistir para que suas empresas busquem alfa, mas que o façam apenas dentro dos limites que protegem os sistemas que sustentam nossa economia. Essa gestão pode servir como um sistema de feedback crucial em nossa complexa economia de mercado, quando as empresas são tentadas a externalizar custos que ameaçam os limites sociais e planetários.

Os gestores do sistema devem se concentrar na área em que a voz do acionista é mais necessária: a conduta corporativa que cria o alfa enquanto mina o beta do qual os investidores diversificados dependem. Se essa administração não abordar situações em que a entrega de alfa é necessária para proteger o beta, os executivos corporativos continuarão a buscar essas estratégias extrativas. As empresas que maximizam seus próprios retornos continuarão a reduzir o valor de portfólios diversificados e a alocar capital incorretamente em toda a economia.

Por outro lado, a prática atual de administração apenas do alfa cede a gestão à autoridade dos acionistas. Afinal, embora os investidores possam defender o valor da empresa para a administração corporativa, esses executivos já possuem o conhecimento e a motivação para estruturar fluxos de caixa da empresa. Somente os acionistas têm motivação para proteger o beta. Assim, embora possa ser contraintuitivo, o argumento de um stakeholder de que uma empresa deve mudar uma prática para proteger o beta a um custo para alfa é realmente muito mais confiável do que um argumento de que se deve mudar uma prática simplesmente para proteger o alfa – uma área na qual a corporação indiscutivelmente tem a maior qualificação.

Uma confiança estrita nos argumentos alfa também fortalece os oponentes do ESG – cujos objetivos parecem ser projetados para proteger resultados sistêmicos. Os críticos podem alegar com credibilidade que as alegações alfa ESG são apenas uma distração para argumentos de administração que não promovem verdadeiramente o valor da empresa. Se o alfa for aceito como a verdadeira medida do sucesso empresarial, eles podem insistir que o ESG é um antinegócio e ruim para os investidores. Por outro lado, se os proponentes do ESG declaram claramente seu objetivo de preservar sistemas vitais cruciais para a economia como um todo, a fim de reforçar os retornos de portfólios diversificados (rejeitando explicitamente o alfa individual da empresa como a única medida de sucesso), eles podem responder a tais alegações diretamente e ter um argumento melhor para defender a autoridade dos acionistas.

A administração dos investidores sobre os sistemas sociais e econômicos cria uma abordagem baseada no mercado para essas questões, permitindo aos acionistas garantir que seu capital seja empregado de forma eficiente em seu nome. A adoção da administração de sistemas mostra que é o movimento anti-ESG que é anticapitalista: ao legislar contra a gestão dos stakeholders, eles estão “escolhendo vencedores” que não conseguem sobreviver sozinhos em um sistema de mercado no qual os investidores – os verdadeiros capitalistas – são capazes para direcionar como seu capital é aplicado.

 

O AUTOR

Frederick Alexander é o CEO da The Shareholder Commons.



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