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Um porto para se lançar à vida adulta

Empreendimento social da First Light Hospitality oferece empregos, capacitação e diversão ao ar livre a jovens saídos do sistema de serviços sociais

Por Elizabeth MacBride

Jovens do programa First Light aproveitando a beleza natural no túnel de Yosemite.

Tim tinha 4 ou 5 anos quando sua mãe ameaçou se jogar com ele de um penhasco. É uma de suas primeiras lembranças. “Às vezes, eu queria que ela fizesse aquilo”, diz. Ele fala com naturalidade sobre os detalhes horríveis de sua infância: as surras da mãe e dos namorados dela. Ou os três anos na adolescência, em que, sem lar, se refugiou em um parque em Sacramento, na Califórnia.

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Em 2018, Tim vivia em um abrigo quando ouviu falar de um programa de estágio, operado pela First Light Hospitality, que atende jovens adultos fora do escopo de serviços sociais juvenis, mas que ainda precisam de apoio. Fundada por Brian Anderluh e Lee Zimmerman em 2002, a First Light consiste em duas pousadas de luxo localizadas nos arredores do Parque Nacional de Yosemite. O programa de estágio da empresa ajudou mais de 800 jovens como Tim, oferecendo-lhes empregos, aconselhamento, educação financeira e cursos de planejamento de vida, além de moradia.

Os jovens em transição para a vida autônoma são uma das populações mais difíceis de alcançar, porque a maioria dos serviços sociais são para pessoas de 18 anos ou menos. Aqueles que passaram por esse sistema muitas vezes carecem de apoio para se tornarem adultos autossuficientes.

O programa do First Light põe em prática achados recentes de pesquisas sociais sobre quais serviços, além do aconselhamento, ajudam as pessoas a se recuperarem de traumas complexos na infância. Ele inclui recompensas de pequeno valor, exercícios regulares e interações com adultos treinados em escuta aprofundada e empatia.

Para Tim, o First Light proporcionou um ambiente estável e estruturado, emprego e recreação ao ar livre, melhorando seu bem-estar. Depois do programa de quatro meses, Tim foi contratado por outra empresa de hospitalidade antes de retornar à First Light para um emprego em manutenção, em 2020. Dois anos depois, conseguiu uma vaga no Four Seasons em Jackson Hole, Wyoming, e agora está economizando para comprar uma casa. O programa, diz ele, não lhe deu apenas base financeira e moradia, mas também o ajudou a desenvolver confiança e coragem.

 

Desenvolvendo habilidades para a vida

 

Anderluh e Zimmerman foram colegas de quarto durante o curso de administração em Stanford. Depois de se formar em 1994, Anderluh ingressou em uma startup que fracassou, enquanto Zimmerman entrou para uma organização sem fins lucrativos, a Juma Ventures, que atende jovens em situação de transição. Os dois queriam uma carreira com propósito, mas não desejavam gerir uma organização sem fins lucrativos.

Em 2000, eles tiveram a ideia de criar uma empresa rentável para empregar jovens como os da Juma Ventures, que tinham treinamento profissional, mas poucas perspectivas de emprego. O fundo de empreendimento social REDF fez uma doação de US$ 80 mil para desenvolverem um plano de negócios, ao longo de um ano. Escolheram a indústria da hospitalidade pelo potencial de altos lucros para subsidiar o programa e porque os empregos do setor exigiam envolvimento com funcionários, visitantes e outros jovens, fundamental para desenvolver habilidades sociais.

A First Light “não queria ser uma companhia hoteleira gigante”, diz Anderluh. “Queríamos mais.” Isso significava investir na empresa como um empreendimento social, reservando parte do lucro ao programa. Anderluh e Zimmerman sabiam que tinham de aceitar um crescimento mais lento.

No final de 2001, eles viram um anúncio de uma empresa hoteleira familiar vendendo 18 chalés e uma antiga pousada perto do Parque Nacional de Yosemite. Os prédios antigos, alguns do início de 1921, precisavam de reforma, mas o local oferecia um mercado turístico, e os empreendedores acharam que os jovens se beneficiariam do ambiente natural.

Levantaram fundos para comprar a propriedade em 2002, mantendo o nome de Evergreen Lodge. Naquele ano, já receberam turistas e lançaram o projeto com um funcionário e quatro jovens. Agora têm quatro funcionários gerenciando o programa, que custa cerca de US$ 300 mil por ano, pouco mais de 10% dos lucros da empresa.

Os aspirantes passam por duas rodadas de entrevistas. O programa procura pessoas dispostas a se comprometerem com a mudança, algo que pode ser difícil de identificar, reconhece Zimmerman. Para avaliar essa qualidade, os entrevistadores perguntam aos jovens quais são seus objetivos e se acreditam que o programa é adequado para eles. Alguns falam sobre o desejo de mudança, diz Matt Dunn, diretor de desenvolvimento juvenil.

Cerca de 50% dos jovens têm conexões com o sistema de adoção. Muitos vêm de programas vocacionais, como o Waterside Workshops em Berkeley e a Juma Ventures e o Treasure Island Job Corps em San Francisco, ou de programas habitacionais.

A cada ano, são 50 estagiários, cerca de um sexto dos 300 funcionários. Eles ganham US$ 15 por hora e trabalham em várias funções, como atendente de restaurantes e camareira, na manutenção ou nas lojas dos hotéis.

“É uma experiência de trabalho real e está diretamente ligada às operações de negócios”, diz Marc Spencer, CEO da Juma Ventures e membro do conselho de administração da First Light. “Os jovens são essenciais para o sucesso do negócio e para as experiências dos hóspedes.”

Além de hospedagem e alimentação, o programa oferece sessões semanais de aconselhamento e excursões e auxilia os estagiários na abertura de contas bancárias, caso ainda não as possuam. Metade do salário deles é depositada em uma poupança, enquanto os outros 50% vão para uma conta-corrente. Quando a conta de um estagiário atinge US$ 2.000, o programa deposita outros US$ 1.000. Incentivos adicionais reforçam a lição de que o esforço compensa. Tim, por exemplo, foi o primeiro estagiário a completar 160 quilômetros de trilhas e ganhou US$ 100 em equipamento de caminhada.

 

“Executar um programa como esse requer correr alguns riscos, ou você não alcançará as pessoas que almeja”

 

Um componente crucial é a ajuda para construir relacionamentos com os funcionários contratados pelas pousadas, que são treinados para interagir com os estagiários. Por exemplo, eles são lembrados de não repreender os jovens e de manter longe deles substâncias que causam dependência, incluindo álcool. O programa oferece eventos sociais, como noites de cinema com pipoca, e os funcionários são convidados a se juntar aos estagiários em aventuras ao ar livre. Ao final do programa, a First Light contrata cerca de um terço dos estagiários e ajuda os demais a conseguirem empregos em outros lugares.

Anderluh e Zimmerman não têm uma análise formal do programa. Embora inicialmente planejassem coletar estatísticas, não havia financiadores aos quais prestar contas e descobriram que o mero ato de coleta de dados criava contraincentivos. “Estávamos contratando pessoas que sabíamos que poderíamos ajudar, para colocá-las em empregos depois. Isso é melhor para a estatística”, comenta Zimmerman. “Mas executar um programa como esse exige correr alguns riscos, ou você não atinge as pessoas que realmente almeja, aquelas marginalizadas.”

 

Obstáculos de crescimento

 

A First Light adota uma abordagem mista, que combina um negócio com fins lucrativos a um empreendimento social. O seu sucesso desafia tanto o estereótipo de que uma empresa com fins lucrativos deve atingir resultados quanto a suposição de que uma empresa social não pode gerar lucro. “Desde o início, foi um experimento para ver se poderíamos introduzir ideias de empreendedorismo social em um ambiente com fins lucrativos”, diz Melinda Tuan, integrante do conselho da First Light.

No começo, foi um desafio descobrir como financiar a empresa rentável e o programa social dependente dela. Empréstimos bancários são fontes tradicionais de capital para empresas com fins lucrativos, mas os agentes de crédito duvidavam da capacidade da empresa de sobreviver com um programa social drenando os seus lucros.

Após dois anos enfrentando esse ceticismo, Anderluh e Zimmerman decidiram ocultar o custo do programa na linha de itens administrativos gerais. A margem de lucro deles ainda era alta o suficiente para que pudessem pedir empréstimos governamentais e bancários – que somaram cerca de US$ 8,5 milhões dos US$ 12 milhões que levantaram nos primeiros dois anos. Os US$ 3,5 milhões restantes vieram de 30 investidores confortáveis com a empresa social.

Contudo, Anderluh e Zimmerman sabiam que ainda poderiam ter problemas para dar retorno aos investidores. Esse retorno costuma vir da venda de propriedade, o que, no caso deles, poderia encerrar efetivamente o programa para jovens. Em vez disso, devolveram o capital com os lucros do negócio. Ao longo de 20 anos, os investidores mais do que dobraram seu dinheiro – um pouco abaixo do que poderiam pelas taxas de retorno esperadas no mercado.

“Temos tido um retorno sólido, ao longo de um bom período”, diz Steve Zuckerman, executivo financeiro para organizações sem fins lucrativos e investidor inicial da First Light. Em 2016, Anderluh e Zimmerman construíram o Rush Creek Lodge, a 27 km do Evergreen. Gastaram US$ 50 milhões no projeto – dinheiro que veio de investidores, empréstimos e lucros. As duas propriedades somam mais de 16 hectares e abrigam 231 quartos, suítes e vilas – sendo 143 no Rush Creek e 88 no Evergreen.

Num período de três a cinco anos, Anderluh e Zimmerman esperam acrescentar à rede mais duas pousadas perto de Yosemite e expandir proporcionalmente o programa para jovens. Zimmerman diz que o modelo de negócios deles pode funcionar em outras empresas de hospitalidade, se os proprietários e investidores estiverem dispostos a sacrificar parte dos lucros.

Os cofundadores também observam que o que eles fizeram demonstra que as empresas têm um papel na criação de soluções para os problemas sociais mais difíceis.

“Toda empresa deveria procurar ter sucesso para desfrutar da oportunidade, incrivelmente gratificante e importante, de construir uma sociedade mais gentil, justa e solidária”, diz Zimmerman.

 

A AUTORA

Elizabeth MacBride é jornalista de negócios e coautora de The New Builders.

 



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