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Ninguém fica para trás

Iniciativa de inclusão prioriza os resultados da preparação emergencial para dar assistência a pessoas com deficiência em catástrofes

Por Marianne Dhenin

Os codiretores executivos da Parceria para Estratégias de Desastres Inclusivas, Germán Parodi (à esquerda) e Shaylin Sluzalis, em missão nas Bahamas para ajudar no socorro ao desastre do furacão Dorian, setembro de 2019.

Depois que o furacão Maria atingiu Porto Rico, em setembro de 2017, equipes de intervenção de emergência acorreram em massa para amparar os sobreviventes da tempestade mais mortífera e mais destruidora a se abater sobre a ilha até hoje. Entre elas estava uma equipe de voluntários com deficiência que saíram de vários locais dos Estados Unidos e viajaram para Porto Rico para proporcionar assistência e ajuda humanitária a outras PCDs (pessoas com deficiência). O grupo foi criado pela organização não lucrativa Portlight Inclusive Disaster Strategies e por um de seus projetos mais recentes, a Partnership for Inclusive Disaster Strategies (Pids; em português, parceria para estratégias inclusivas para desastres).

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“A parceria foi estabelecida porque sabíamos que era necessária uma organização com foco específico em direitos, necessidades e inclusão de pessoas com deficiência antes, durante e depois de desastres e emergências”, explica Shaylin Sluzalis, codiretora-executiva da Pids. Hoje a Pids é uma organização independente, a única dirigida por deficientes a trabalhar com gestão de emergências inclusiva em escala nacional.

O público-alvo da organização são os 42,5 milhões de pessoas com deficiência nos Estados Unidos, os americanos idosos e as pessoas com necessidades especiais funcionais e de acessibilidade, que se mostram mais vulneráveis durante catástrofes ambientais e climáticas, crises de saúde pública, como a pandemia de covid-19 e outras emergências, como mortes e ferimentos em ataques armados. Nos Estados Unidos, as pessoas com deficiência têm de duas a quatro vezes mais probabilidade de morrer ou sofrer ferimentos graves durante uma catástrofe do que pessoas sem deficiência. Isso se deve, segundo Sluzalis, “em larga medida, à falta de acesso a recursos, informação e assistência ao longo de todo o processo de catástrofe”.

A Lei dos Americanos com Deficiências (ADA, no acrônimo em inglês), de 1990, e a Lei de Reabilitação, de 1973, exigem que os governos locais e estaduais garantam às pessoas com deficiência oportunidades iguais de se beneficiarem de programas públicos e proíbem a discriminação em sistemas públicos e programas que recebam assistência financeira federal. Em outras palavras, os governos estão obrigados a fazer com que sua resposta a catástrofes seja acessível. No entanto, isso raramente acontece.

Só em 2007, a Fema (sigla em inglês para a agência federal de gerenciamento de emergências) indicou um coordenador para PCDs dentro de seu Escritório de Direitos Iguais, como uma exigência da Lei de Reforma do Gerenciamento de Emergências pós-Katrina, do ano anterior. O cargo foi criado em resposta ao número grandemente desproporcional de pessoas com deficiência e adultos mais velhos entre as vítimas relacionadas ao furacão. A Associação Americana de Pessoas Aposentadas (AARP, na sigla em inglês) estimou que 73% das mortes relacionadas ao Katrina na área de Nova Orleans ocorreram entre pessoas de 60 anos ou mais, embora elas correspondessem a apenas 15% da população da cidade quando a tempestade a atingiu, em 2005. Pessoas mais jovens com deficiência também estão sobrerrepresentadas na listagem de mortes. Em 2010, a Fema lançou o Escritório de Coordenação e Integração de Pessoas com Deficiência (Odic, na sigla em inglês), para apoiar o trabalho do coordenador.

Germán Parodi, codiretor-executivo da Pids, diz que o fato de as pessoas com deficiência serem excluídas dos processos relevantes de tomada de decisões está na raiz das atuais dificuldades do país quanto à preparação, resposta e recuperação emergenciais. “Na maior parte das vezes, os gestores de emergências só nos veem como pacientes, não como colaboradores”, observa.

Movendo-se em sentido contrário ao de muitas forças que ignoram ou barram pessoas com deficiência, a Pids foi criada para empoderar membros dessa comunidade e garantir sua inclusão no processo de gerenciamento. Para a organização, as PCDs não apenas são capazes de contribuir na gestão de emergências, como também se mostram, devido à sua própria experiência, especialmente aptas para tornar mais inclusivos os esforços de preparação, resposta e recuperação.

 

Gerenciamento de emergências liderado por PCDs

 

A Portlight Inclusive Disaster Strategies, organização fundadora da Pids, foi criada em 1997 para viabilizar e facilitar vários projetos envolvendo pessoas com deficiência. Ela respondeu a dúzias de emergências, inclusive liderando parcerias com organizações locais para atender a necessidades relacionadas a PCDs logo após a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003, e ao terremoto de 2010 no Haiti.

A Portlight lançou a Pids em 2016, mas o projeto não ganhou vida até o ano seguinte, de acordo com Marcie Roth, sua primeira diretora-executiva. Um de seus primeiros projetos foi a organização de uma linha direta para desastres e PCDs, destinada a apoiar a resposta ao furacão Harvey no Texas e em Louisiana, em agosto de 2017, poucas semanas antes de o furacão Maria atingir Porto Rico.

De 2017 a 2019, a Pids foi liderada por Roth, hoje diretora-executiva do World Institute on Disability (WID, acrônimo para Instituto Mundial sobre Deficiência). Antes da Pids, Roth foi nomeada pelo presidente Barack Obama para a Fema, onde serviu de 2009 a 2017 em vários cargos, entre eles o de primeira diretora da Odic.

“Quando eu estava na Fema, pude observar uma completa falta de gestão comunitária liderada por PCDs, em especial quanto ao que acontece a essas pessoas antes, durante e depois de catástrofes”, diz Roth. Ela viu a liderança da Pids como uma oportunidade para preencher essa lacuna e levar sua experiência junto ao governo para o mundo das organizações não lucrativas, de modo a fortalecer os dois âmbitos. Em 2017, Roth começou seu trabalho na Pids construindo pontes entre representantes de grupos, como organizações voltadas para os direitos de PCDs, funcionários do governo e outras partes interessadas.

A Pids continuou a operar como um projeto da Portlight, absorvendo seu trabalho de reação a desastres, até 2019, quando foi reestruturada como uma organização independente; desse modo, pôde buscar mais oportunidades de financiamento e formar seu próprio corpo diretivo. Sluzalis e Parodi tornaram-se codiretores-executivos nessa ocasião. Atualmente, a organização conta com seis funcionários e dezenas de voluntários.

A linha direta criada por Roth teve seus objetivos ampliados e passou a fornecer informações, assistência técnica e recursos para PCDs, suas famílias e organizações que apoiam pessoas com deficiência na sequência de catástrofes. Além disso, a organização recebe regularmente reuniões nas quais o governo, entidades não lucrativas e representantes do setor privado interessados nos direitos e necessidades de PCDs relacionados a catástrofes se reúnem para discutir barreiras sistêmicas, compartilhar recursos e melhores práticas e fortalecer a resiliência das comunidades.

A Pids também continua organizando equipes de resposta em campo que atuam ao lado de organizações locais para proporcionar assistência em desastres, no que é chamado de “DisabLED Response” [o nome funde as palavras “disabled”, termo para PCD, e “led”, que significa conduzido em inglês]. Em agosto de 2023, a Pids apoiou grupos de resposta em campo nos incêndios que devastaram Maui e no impacto do furacão Idalia, na Flórida. Sua primeira missão estrangeira foi nas Bahamas, logo após o furacão Dorian, em 2019. Os grupos conectam-se a organizações locais e sobreviventes com deficiência para identificar e responder às necessidades da comunidade. Fornecem suprimentos de emergência e ajudam os sobreviventes a acessar, na internet, apoios, como os programas de assistência da Fema. A Pids também estabelece ligação com agências governamentais e outras organizações não lucrativas para pressioná-las a garantir um engajamento equitativo e inclusivo de organizações conduzidas por PCDs.

A Portlight financiou a Pids até 2019. Agora, seus recursos provêm, em parte, da prestação de serviços a outras organizações não lucrativas e pequenos negócios. Importantes fundações filantrópicas, entre elas a Fundação Ford, também subvencionaram a Pids.

 

Diálogo em nível nacional

 

A missão da Pids poderia ganhar um impulso significativo a partir da aprovação de uma nova legislação federal, de cuja elaboração a entidade participou. A lei de acesso emergencial real para a inclusão de idosos e pessoas com deficiência (Reaadi, na sigla em inglês) prevê o estabelecimento de uma comissão nacional destinada a estudar as necessidades de PCDs, idosos e pessoas com necessidades especiais de acessibilidade e funcionais, bem como fazer recomendações para garantir sua inclusão em conversas sobre a preparação para catástrofes.

O projeto de lei também estipula a criação de uma rede nacional de centros para treinamento e assistência técnica a fim de ajudar localidades a envolver PCDs e apoiá-las de forma mais eficaz em cada etapa do processo de gerenciamento de emergências.

Enquanto a Reaadi avança no Congresso, a Pids continua seu trabalho. Em maio de 2023, a organização recebeu uma bolsa de US$ 250 mil da Fundação John D. and Catherine T. MacArthur, para uma de suas mais ambiciosas missões até o momento: apoiar PCDs na Ucrânia durante a invasão russa. Em fevereiro de 2022, poucos dias após os primeiros ataques russos, a Pids começou a trabalhar no país.

 

A AUTORA

Marianne Dhenin é historiadora e jornalista premiada.



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