Os tiroteios policiais contra indivíduos desarmados aumentam o envolvimento cívico entre os residentes negros e hispânicos
Por Daniela Blei
Todos os anos, cerca de mil pessoas, em sua maioria não brancas, são assassinadas por policiais nos Estados Unidos. Quase nunca a polícia sofre sanções legais e a cobertura da mídia, quando há, não costuma ultrapassar os limites da comunidade onde a morte ocorreu.
Desmond Ang, especialista em economia aplicada e professor de políticas públicas da Faculdade de Governo Kennedy da Universidade Harvard, estuda os assassinatos cometidos pela polícia dentro de um projeto mais amplo que analisa as causas e consequências da discriminação racial. Ele trabalhou com Jonathan Tebes, economista da Universidade Notre Dame, para entender como essa violência afeta o engajamento cívico.
Crimes dessa natureza geralmente produzem manifestações de repúdio da população contra injustiças ou discriminação. Ang e Tebes esperavam uma redução no comparecimento às urnas por causa desses confrontos com o sistema da justiça criminal. As pessoas poderiam pensar: “Não tenho nenhum motivo para votar porque o sistema foi criado para agir contra pessoas como eu”. Mas a pesquisa mostrou o oposto. A violência policial levou a um aumento no alistamento e comparecimento de eleitores negros e hispânicos.
Cientistas políticos já demonstraram que a agressividade policial causou as maiores revoltas urbanas do país desde a década de 1960, depois dos espancamentos de Marquette Frye e Rodney King em Los Angeles, a morte de Michael Brown em Ferguson e a de George Floyd em Minneapolis. Sabe-se que manifestações contra o racismo são exacerbadas pela violência policial; no entanto, pouco se sabe sobre como os assassinatos pela polícia afetam processos democráticos formais, como as eleições.
“Se você for preso, detido, ou estiver encarcerado, a probabilidade de votar é muito menor”, observa Ang. “Isso não acontece somente por causa da privação de direitos por condenação criminal. Essas circunstâncias parecem ter um efeito desmobilizador.”
Com dois conjuntos de dados extremamente detalhados, coletados em Los Angeles entre 2002 e 2010, foi possível mostrar as verdadeiras consequências da violência policial. O primeiro conjunto é de informações sobre os incidentes, incluindo data e local onde cada assassinato ocorreu, a raça da vítima, se ela estava armada ou não, e outros fatos relevantes. O segundo é de dados públicos das eleições fornecidos pelo censo e agrupados por quarteirões, revelando como os eleitores votaram e quantos se alistaram; esse conjunto trazia ainda informações sobre raça, idade, filiação partidária, entre outras.
“Comparando as mudanças observadas na votação com quarteirões vizinhos, descobrimos que, pelo fato de estarem um pouco mais distantes, algumas pessoas poderiam não saber dos assassinatos ou não conheciam a pessoa assassinada”, diz Ang. Essa diferença permitiu criar um grupo de controle. Limitando-se a um determinado local, puderam comparar os cenários antes e depois, entre um grupo de pessoas que sabia do assassinato e um que não sabia. Os resultados mostraram que o engajamento cívico crescia quanto mais havia pessoas negras e hispânicas alistadas. Nenhum efeito similar foi observado em locais com predominância de moradores brancos ou asiáticos.
Afunilando mais os dados, os estudiosos analisaram como as respostas da comunidade variavam segundo as circunstâncias do assassinato. Eles observaram que os efeitos eram ainda maiores quando a vítima estava desarmada. Ainda seguindo os quarteirões, os pesquisadores analisaram o apoio positivo ou negativo para diferentes proposições e descobriram um aumento significativo no apoio às reformas da justiça criminal depois do assassinato de pessoas desarmadas.
“A contribuição dos autores é uma pequena centelha de esperança para o que talvez fosse um trágico conjunto de ocorrências”, avalia Adriane Fresh, professora de ciências políticas da Universidade Duke. “Embora algumas pessoas ainda possam ser desmobilizadas do engajamento cívico por causa dos assassinatos por policiais, esse movimento é contido por aqueles que procuram uma possível solução política para o uso da força pelo Estado. O fato de essas pessoas serem negras e hispânicas, talvez com menor probabilidade de se engajarem politicamente, mostra que um novo grupo está entrando na arena política. Esse engajamento pode ter consequências que vão além da política da justiça criminal.”
Desmond Ang e Jonathan Tebs, “Civic Responses to Police Violence”, American Political Science Review, jun.23, disponível online.
A AUTORA
Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Sua produção pode ser encontrada em daniela-blei.com/writing. Ela tuita esporadicamente em @tothelastpage
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