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A visão de Deus sobre o ESG

A tecnologia de satélite pode mudar a divulgação de questões ambientais, sociais e padrões de governança

Por Ben Filewod, Murray Collins, Simon Dikau, Alexis Moyer e Luca Taschini

(Ilustração de Matt Chase)

Imagine uma tecnologia que pudesse ver a Terra de cima, em tempo real, e identificar padrões tão bem quanto um analista humano. Que efeito teria no setor financeiro?

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Se muitos órgãos tivessem acesso a ela, o mercado poderia detectar externalidades antes invisíveis e aproximar os preços de mercado da contabilidade social que reduz o real valor da produção e do consumo. Essa descoberta poderia afetar o capital quanto a sustentabilidade e equidade, transformando uma informação financeira melhor em alavanca para mudanças econômicas transformadoras.

A tecnologia que descrevemos não é uma fantasia. Na verdade, está quase aqui. Todos os dias imagens de alta resolução por satélite já são disponibilizadas comercialmente, e a interpretação automática via machine learning e IA está se expandindo rapidamente.

Porém mesmo a visão panóptica tem seus limites. Muitos dos valores com os quais os investidores se preocupam (como os resultados sociais) não são visíveis do alto, embora possam deixar assinaturas físicas que permitam medição indireta. Na prática, os fenômenos não físicos incluem as relações entre as pessoas que organizam a atividade econômica (como a posse da terra e os acordos comerciais). Sem um mapa dessas relações, apenas observar as externalidades não produz informações úteis. A maneira como o enorme fluxo de dados é resumido e apresentado aos tomadores de decisão financeira também é importante.

O progresso tecnológico está aprimorando nossas habilidades para identificar externalidades usando dados de observação da Terra (EO, na sigla em inglês), mas a aceitação em finanças está apenas começando.

Apesar de uma indústria estabelecida na entrega de dados EO como business intelligence, o potencial dos sensores da geração atual para medir o desempenho corporativo em metas ESG ainda é pouco explorado. A maioria (embora não todos) dos valores ambientais gera sinais físicos observáveis em dados EO, enquanto poucos (ainda que não nenhum) valores sociais e de governança o fazem. No entanto valores ambientais emergentes, como a biodiversidade ou a resiliência do ecossistema, só podem ser monitorados indiretamente, e a interpretação de imagens e a construção de modelos são caras e limitam a precisão.

 

Finanças espaciais

A capacidade de sensores espaciais para identificar valores sociais e de governança é mais limitada. Alguns valores sociais têm sinais físicos e podem ser medidos por proxy (por exemplo, materiais usados em coberturas podem ser categorizados para mensurar prosperidade de residências); outros podem ser inferidos combinando dados em diferentes níveis (por exemplo, proximidade de moradias a ativos poluentes por faixa de renda). A comparação de esforços e de ações corporativas com o registro de dados EO pode permitir inferências sobre governança.

Para que as externalidades identificadas afetem os preços, elas devem ser atribuídas à atividade financeira global. Não há substituto tecnológico para fontes de dados tradicionais (por exemplo, registros fiscais) no rastreamento de vínculos complexos pelos quais o setor financeiro custeia atividades nocivas, está exposto à transição de riscos relacionados e investe em sustentabilidade. Relatórios corporativos voluntários não resolvem essa lacuna, pois líderes de alto desempenho se beneficiam de poder destacar publicamente aquilo que os distingue da concorrência. O machine learning pode ser usado para mapear ativos físicos (fazendas, infraestrutura) no registro de dados EO, mas os dados tradicionais ainda são necessários para vincular esses ativos a instituições financeiras (como carteiras de investimento). O sucesso depende, em última análise, da estrutura de relacionamento tradicional e da descoberta de dados.

Para que os dados EO tenham o máximo impacto, as companhias devem ser obrigadas a publicar relatórios ESG. As estruturas e padrões internacionais para relatórios de sustentabilidade ainda são amplamente voluntários, mas essa norma pode mudar. Em 2021, os ministros das Finanças e os governadores dos bancos centrais dos países do G7 se comprometeram a “avançar em direção a divulgações financeiras obrigatórias relacionadas ao clima”, e a União Europeia adotou recentemente as Diretrizes de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa, que exigirão que uma ampla gama de empresas divulgue os impactos ESG.

Para elementos de portfólios financeiros intocados pelas publicações ESG, a atribuição de externalidades depende de estatísticas comerciais e cotas de produção, por exemplo. Essa atribuição ampla não permite identificação de alta qualidade, com potenciais resultados perversos. Reduzir a exposição aos impactos ESG é fácil para investidores com alcance global, e empresas de alto desempenho em jurisdições de relativo baixo padrão, como muitos países em desenvolvimento, podem se ver privadas de financiamentos voltados para o desenvolvimento sustentável.

Em última análise, a informação que chega aos tomadores de decisão financeira é o que altera o comportamento (e, portanto, os preços). O enorme volume de dados associados à atividade econômica em todo o portfólio garante que as escolhas sobre quais informações comunicar (e como) tenham implicações de longo alcance. Classificações ESG são vitais, mas podem não estar fornecendo informações necessárias para que atores financeiros priorizem atividades sustentáveis. O uso de métricas diferentes produz relatórios de sustentabilidade divergentes, e a seleção dos dados publicados não segue o rigor científico. Na prática, os indicadores geralmente medem os processos corporativos em vez dos impactos ESG. Agregação, propagação de erro e viés de seleção apresentam outras complicações.

 

Prioridades políticas

Os dados EO podem fortalecer as alavancas financeiras para promover a sustentabilidade econômica, atribuindo custos, ajustando preços e realocando capital, mas abordagens paralelas são necessárias para maximizar o impacto. Os bancos comerciais, por exemplo, precisam de métricas ESG confiáveis e escaláveis que comuniquem o alinhamento de valores aos investidores de varejo, enquanto os bancos de investimento podem empregar um conjunto mais amplo de produtos especializados baseados em EO. Os bancos centrais exigem camadas de dados de toda a economia para modelagem macroeconômica e avaliações financeiras de risco e estabilidade, incluindo valores como armazenamento de carbono ou perda de biodiversidade. O uso de dados EO para atender a essas necessidades pode ajudar a identificar riscos, redirecionar investimentos, alterar custos de capital (por exemplo, termos de emissão de dívida) e apoiar novos instrumentos financeiros (por exemplo, produtos vinculados ao desempenho) que trazem capital para enfrentar os desafios da sustentabilidade.

Para encerrar, oferecemos algumas recomendações para concretizar o potencial das finanças espaciais. Primeiro, a assimilação limitada de dados EO dentro das estruturas de relatórios ESG demonstra a necessidade de fortalecer conexões interdisciplinares entre finanças e monitoramento remoto. Os arcabouços regulatórios existentes, obrigatórios e voluntários, devem ser revisados (e novos, construídos) para se tornarem compatíveis com fluxos de dados EO emergentes, como identificação e monitoramento de ativos baseados em objetos. Para garantir ainda mais a compatibilidade futura, as coordenadas geoespaciais para todos os ativos e a legibilidade da máquina devem ter sua divulgação exigida. Esforços de líderes, como as Diretrizes de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa da UE, devem incluir tais requisitos em suas orientações.

Para os formuladores de políticas, é importante criar as condições para a colaboração. Iniciativas como a Estratégia Espacial Nacional do Reino Unido têm um papel vital a desempenhar na promoção do intercâmbio interdisciplinar e do letramento compartilhado. Por exemplo, os cientistas reconhecem que a qualidade dos dados EO é importante para produtos financeiros vinculados à sustentabilidade, mas desconhecem o papel desempenhado pelo aumento da frequência temporal nas finanças. Por outro lado, os usuários financeiros de produtos com dados EO em geral superestimam a importância da resolução espacial. As competências compartilhadas também ajudam a evitar erros, como ignorar as limitações de dados.

Em segundo lugar, a disponibilidade limitada de dados de atribuição prejudica a capacidade dos dados EO de criar ajustes de preços no sistema financeiro. Esse desafio não pode ser superado apenas pelo setor privado, uma vez que muitos atores econômicos não se beneficiam de uma maior divulgação. Os esforços para obrigar a divulgação por meio de regulamentação financeira e autoridades de supervisão são um avanço importante, mas tiveram sucesso apenas em algumas jurisdições – e ainda não afetam empresas não listadas ou pequenas ou médias empresas. Após décadas de rápido progresso na observação baseada no espaço e no reconhecimento de padrões ativado por máquinas, a qualidade e a disponibilidade dos dados econômicos tradicionais tornaram-se indiscutivelmente o fator limitante na transformação financeira conduzida por responsabilidade.

Resolver o desafio de atribuição não é fácil, mas a atenção concentrada de iniciativas de alto nível em sustentabilidade corporativa e financeira pode ajudar. (A Net-Zero Asset Owner Alliance convocada pela ONU ou a Network for Greening the Financial System [NGFS] são exemplos.) Onde as estatísticas econômicas básicas são inacessíveis, os líderes empresariais devem promover normas de transparência e de divulgação para revelar a cadeia de suprimentos globais. Financiar e treinar institutos nacionais de estatística em países economicamente menos desenvolvidos para permitir o mapeamento subnacional dos locais de produção seria um avanço importante. E mais pode ser feito para incentivar a divulgação voluntária conectando empresas líderes a fontes de financiamento orientadas por valores.

Um conjunto final de questões diz respeito à equidade e à privacidade. A capacidade de transformar dados em informações processáveis não é distribuída uniformemente e, portanto, não se deve tomar por garantida a legitimidade do aumento do uso de dados EO para monitoramento e avaliação dentro do sistema financeiro global. Cabe aos desenvolvedores antecipar os impactos e convidar à participação atores econômicos marginalizados. Diante da crescente liderança do setor privado no espaço, esse é um esforço urgente.

 

OS AUTORES

Ben Filewod é professor assistente de pesquisa na Escola de Economia e Cincias Políticas de Londres.

Murray Collins é CEO e cofundador da Space Intelligence.

Simon Dikau é pesquisador da Escola de Economia e Cincias Poíticas de Londres. Ele também é diretor de pesquisa do INSPIRE.

Alexis Moyer é chefe de desenvolvimento de negócios da Space Intelligence.

Luca Taschini é professor e presidente em financiamento de mudana climática na Escola de Administração da Universidade de Edimburgo.



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