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A diferença entre querer e precisar

Os apelos para doações devem ser estratégicos ao enquadrar o pedido em termos de “querer” ou “precisar”

Por Daniela Blei

(Ilustração de iStock/erhui1979)

Há mais de uma década, desde que Vanessa Patrick, professora de marketing da Universidade de Houston, publicou um artigo emblemático sobre a forma como as pessoas rejeitam solicitações de financiamentos, pesquisadores estudam os efeitos da estruturação semântica, ou como variações sutis de linguagem podem ter conotações diferentes que levam a respostas distintas.

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Um novo artigo – publicado por Lei Su, professora de marketing da Universidade da Cidade de Hong Kong; Jaideep Sengupta, professor de marketing e gestão da Faculdade de Negócios da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong; Yiwei Li, professor de marketing e negócios internacionais na Universidade Lingnan, Hong Kong; e Fangyuan Chen, professora de gestão e marketing da Universidade de Macau – investiga a linguagem utilizada para obter crowdfunding ou financiamento colaborativo. A principal questão era: o resultado das doações de financiadores coletivos depende do tipo de linguagem utilizada pelos solicitantes?

Em um estudo baseado em dez anos de dados das plataformas de financiamento coletivo GoFundMe e Kickstarter, que incluem mais de 200 mil campanhas, os pesquisadores analisaram dois tipos comuns: “Quero sua ajuda” e “Preciso de sua ajuda”. Os pedidos normalmente são apresentados em uma dessas duas formas: solicitações de doações que dependem do altruísmo dos doadores ou apelos baseados em recompensas que prometem um presente ou vantagem em troca do apoio financeiro. A GoFundMe é uma plataforma que solicita doações, enquanto a Kickstarter oferece recompensas por elas.

A hipótese dos pesquisadores era de que cada estrutura linguística levaria a diferentes resultados. Para a GoFundMe, “preciso de sua ajuda” resultava em mais doações; para a Kickstarter, “quero sua ajuda” era melhor. “Precisar” e “querer” continham estímulos que mudavam a percepção do doador. Ao analisar detalhadamente essas percepções, os pesquisadores descobriram quais mensagens funcionavam melhor – e para quem.

Sengupta comenta que a frase “preciso de sua ajuda” sinalizava maior dependência. “Com isso, havia a percepção de que o solicitante da doação estava mais vulnerável e mais desesperado. Essa leitura tornava seu pedido mais eficaz no contexto das solicitações pautadas pela doação. Nesse caso, a única razão para doar é o desejo de ajudar.” Em comparação, a frase “quero sua ajuda” sinalizava o oposto. “As percepções de confiança e competência que o apelo criava levavam os doadores a responder mais favoravelmente a pedidos que estivessem formulados como um ‘desejo’.”
Por exemplo, uma chef que pretende abrir um restaurante e faz uma campanha dizendo “quero sua ajuda e, em troca, você terá direito a cinco refeições grátis” parece relativamente independente. Isso leva os doadores a acreditarem na sua competência e, portanto, na perspectiva de sucesso, com a vantagem de ganhar cinco refeições grátis no local.

“Para organizações que utilizam crowdfunding, a mensagem é simples, mas muito importante”, observa JoAndrea Hoegg, professora de marketing da Universidade da Colúmbia Britânica. “Analise cuidadosamente a linguagem que for utilizar nos pedidos. Como essas organizações estão solicitando ajuda financeira, parece lógico que digam aos financiadores que ‘precisam de ajuda’. No entanto, se a solicitação envolve recompensas, sinalizar que a organização ‘precisa’ de ajuda financeira pode ser um tiro no pé.”

Durante a pesquisa foram realizados testes com alunos que criavam suas próprias solicitações segundo quatro pré-requisitos: “precisar”, “querer”, recompensa e doação. Para medir quanto os alunos estavam dispostos a contribuir para uma série de documentários sobre a natureza da Antártica, um aplicativo de aconselhamento de carreira e um evento cultural e esportivo em Hong Kong, os pesquisadores se centraram na dependência como mecanismo para moldar as percepções. Os cinco estudos juntos forneceram claras evidências de que as comunicações de dependência, vulnerabilidade, confiança e competência resultaram em quantias diferentes de financiamento.

“Nós não só percebemos que muitos financiadores coletivos estavam no caminho errado, mas também fomos além da recompensa e da doação”, comenta Sengupta. “Vimos que quando os financiadores começam a pensar em empresas com fins lucrativos versus ONGs, se observava o mesmo efeito. Uma empresa que visa lucros induz o financiador a pensar em termos de ‘o que eu ganho com isso?’, então ‘quero’ funciona melhor. Mas quando se trata de organizações sem fins lucrativos, os possíveis doadores pensam ‘Como posso ajudar?’, e ‘preciso’ funciona melhor.”

Lei Su, Jaideep Sengupta, Yiwei Li e Fangyuan Chen, “‘Want’ versus ‘Need’: How Linguistic Framing Influences Responses to Crowdfunding Appeals”, Journal of Consumer Research;ucad033, https://doi.org/10.1093/jcr/ucad033.

A AUTORA

Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Suas produções podem ser encontradas em daniela-blei.com/writing. X: @tothelastpage



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