Imprimir artigo

O campo emergente da inovação política

A sociedade civil tem se dedicado a solucionar problemas sociais há décadas, enquanto deliberadamente se abstém de um engajamento aberto com a política. Mas um novo campo de prática busca revigorar a democracia emancipando a inovação social desse confinamento.

Por Johanna Mair, Josefa Kindt e Sébastien Mena

Em 2020, em meio a uma pandemia global e a uma onda de protestos antirracistas inspirados pelo movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), a jovem organização não lucrativa alemã JoinPolitics preparava o seu primeiro grupo de cidadãos motivados para entrar na política. A organização segue um típico modelo de empreendimento social por meio do qual ela reconhece, seleciona e apoia talentos políticos com ideias inovadoras para fortalecer a democracia em diferentes regiões e níveis de governo. O grupo selecionado passa por um programa de seis meses de tutoria que inclui financiamento e treinamento numa série de habilidades, como a de conduzir uma campanha, além do acesso a uma extensa rede de políticos, empreendedores, organizações e fundações da sociedade civil.

Leia também:

Como Alcançar uma Democracia Multirracial?

Notas sobre uma Falsa Democracia Multirracial

Os participantes do programa podem explorar suas ideias, como, por exemplo, elaborar um projeto de lei para fortalecer pessoas apátridas, estabelecer um grupo de pressão para representar os interesses de uma comunidade sub-representada ou recorrer a agências de governo para recrutar pessoal de grupos minoritários. As soluções por eles desenvolvidas atendem a uma gama de problemas sociopolíticos que tem deixado a democracia alemã vulnerável à deterioração, incluindo a crescente polarização política, o populismo de extrema direita, a injustiça social e a desigualdade, para não falar dos processos e estruturas estagnados. A JoinPolitics é explicitamente pró-democrática, porém apartidária. Ela apoia talentos provenientes de um espectro de partidos políticos, bem como aqueles sem filiação partidária, mas não se envolve com partidos não democráticos ou antidemocráticos.

Caroline Weinmann fundou a JoinPolitics em 2019, após trabalhar numa fundação alemã que trata de desafios sociais. Sua transição de financiadora a empreendedora social foi provocada pela percepção de que “as grandes questões do nosso tempo, sejam elas desigualdades sociais ou mudanças climáticas”, afirma, “terão de ser resolvidas num nível político”.

Para Weinmann, como para outros, a inovação social tem de entrar na política para destravar o seu pleno potencial. A JoinPolitics parte de uma prática convencional de inovação social, que reconhece o papel da política na criação de um ambiente favorável para o setor, mas sem priorizar mudanças no sistema político. Tradicionalmente, a prática de inovação social tem estancado as portas dos sistemas políticos. A JoinPolitics, pelo contrário, promove inovação para corrigir ou reconfigurar elementos no sistema político, efetivamente libertando a inovação social da narrativa dominante que a divorciou do reino político. O foco das organizações sem fins lucrativos e de seus talentos políticos está em encontrar soluções para fazer frente a ameaças aos princípios democráticos de justiça, igualdade, representação e participação cívica na Alemanha.

Ao pesquisar esse engajamento político não convencional em seis continentes, descobrimos a onipresença das ameaças à democracia e das preocupações com a desestabilização que pautam empreendimentos como a JoinPolitics. Como especialistas em organizações, analisamos relatos que documentam o estado da democracia e conversamos com profissionais da administração pública, das empresas, da academia, da sociedade civil organizada e da política. No ano passado, entrevistamos mais de 50 especialistas e agentes envolvidos num amplo escopo de atividades como as das práticas da JoinPolitics.

Um deles é a #FixPolitics, da Nigéria, fundada em 2020 por Oby Ezekwesili, especialista em políticas públicas, humanitarista e cofundadora da Transparência Internacional. A organização sem fins lucrativos aspira a criar uma democracia que funcione para todos por meio da educação e do encorajamento de cidadãos desfavorecidos para exercerem seus direitos cívicos, promovendo reformas eleitorais e treinando políticos que favoreçam a democracia. Problemas restritivos da democracia – como a falta de inclusão política, a desigualdade na educação ou a injustiça social – são também fundamentais para o trabalho da #FixPolitics.

Essas organizações são exemplos de uma tendência mundial de revitalização de princípios democráticos por meio de inovação cidadã. Iniciativas semelhantes surgiram na última década, incluindo o National Democratic Institute (Instituto Democrático Nacional), que prepara líderes no serviço público dos Estados Unidos; o Innovation in Politics Institute (Instituto para Inovação em Política), que facilita intercâmbios de melhores práticas de inovação entre fronteiras e divisões partidárias na Europa; a organização sem fins lucrativos Keseb, que procura construir um ecossistema global de empreendedores pró-democracia no Brasil, na Índia, na África do Sul e nos Estados Unidos; o Netherlands Institute for Multiparty Democracy (Instituto Holandês para Democracia Multipartidária), que criou uma rede de escolas de democracia em toda a Europa, Ásia, África e América Latina.

Todas elas compartilham um desejo de inovação social para “tomar parte na política”. O que fazem e como operam ilustram o que chamamos de inovação política: a prática cidadã de diagnosticar problemas no sistema político e trabalhar coletivamente visando soluções que tenham o objetivo de fortalecer e revitalizar a democracia. Os esforços dessas iniciativas respondem diretamente a ameaças cruciais à democracia, incluindo a ascensão do autoritarismo. Em 2022, o mundo viu mais Estados autocráticos do que democracias pela primeira vez em quase duas décadas. O relatório de resultados globais da Bertelsmann Stiftung de 2022 categorizou 70 países como autocracias, de um total de 137, e declarou outros 11 como “democracias altamente imperfeitas”, vulneráveis a se tornar governos autocráticos. Em 2021, a Freedom House, organização americana sem fins lucrativos, relatou um novo ponto alto nos 15 anos de “recessão democrática” global. Os países em que a democracia se deteriorava superavam em número aqueles “com melhorias [na democracia] pela mais ampla margem registrada desde que a tendência negativa começou”.

Além disso, a contínua crise global de saúde pública tem agravado muitas tendências antidemocráticas, como a normalização de poderes de emergência e a extensão do poder do Estado sobre a vida privada dos cidadãos. Movimentos populistas continuam a dividir as sociedades e, segundo o Índice de Democracia de 2021, até mesmo países com democracias “estáveis” tiveram pontuação baixa no quesito “participação do cidadão”. Ademais, ainda que os jovens estejam se tornando politicamente ativos, políticos em posições influentes continuam a representar a faixa etária e os interesses das pessoas de 50 anos ou mais. E a falta de representação política – percebida ou real – também pode contribuir para um aumento da desconfiança pública em relação a políticos e governos democráticos. De acordo com estudo realizado em 28 países pelo Barômetro de Confiança Edelman 2022, 42% de cidadãos de todo o mundo desconfiam de líderes de governo e 48% consideram o governo uma força desagregadora.

Apesar dessas deficiências, inovadores políticos consideram a democracia a forma mais adequada de governo para garantir ordem política, desenvolvimento econômico e progresso social. A visão deles reflete as preocupações e preferências da sociedade. Segundo um estudo de 2021 da More in Common e da Fundação Robert Bosch, 93% da população alemã era em princípio favorável à democracia, muito embora uma em cada duas pessoas não percebesse suas posições como representadas no governo. Entretanto, as perspectivas sobre como exatamente se constitui uma democracia estável e funcional variam, e tal variação proporciona os fundamentos pelos quais a inovação política ganha corpo como reforma sistêmica ou como transformação.

Por se tratar de um campo nascente, a inovação política corre o risco de se fragmentar em razão da falta de definição e terminologia estabelecidas. Agora, à medida que os esforços globais para fortalecer a democracia aumentam em todo o mundo, chegamos a um momento crítico no qual o campo necessita de consolidação. O nosso papel como estudiosos das organizações é o de fornecer linguagem e estrutura acerca do que é e do que não é inovação política. Por essa razão, neste artigo definimos os contornos do campo, proporcionamos clareza conceitual e mostramos suas articulações com a inovação social.

 

Do Social ao Político

 

A inovação política nos incentiva a pensar em mudança social e mudança política como inter-relacionadas – não dissociadas. O político na inovação política estabelece o contexto do trabalho em política e o sistema político; a política inclui o engajamento cívico (“p” minúsculo), bem como engajamento formal em instituições políticas (“P” maiúsculo). A inovação se refere ao processo de diagnosticar problemas; desenvolver ideias e experimentar, implementar e adaptar soluções que podem se materializar sob a forma de produtos, métodos ou tecnologias para resolver um problema ou para pôr em vigor novas práticas políticas.

A inovação política abrange mudanças no modo como praticamos a democracia e na infraestrutura que a operacionaliza. Nós a vemos como um esforço contínuo e coletivo para garantir que a democracia continue a ser um sistema eficaz e de operacionalização adequada para se alcançar ordem e progresso sociais.

Nesse sentido, a inovação política não se distingue de um entendimento abrangente da inovação social, mas sim é compatível com ele, e esse entendimento vai além de reconhecer o seu potencial de impactar a vida econômica e política por meio de mudanças sociais. Em vez disso, a inovação política opera a reforma ou transformação de ordens políticas que é central à inovação social. Assim, uma visão ampla da inovação social incorpora a inovação política como uma prática adaptada à mudança política.

Os desafios da democracia, bem como as soluções inovadoras a esses desafios, são tão antigos quanto o próprio regime. Ao reconhecer essa história, a inovação política vem complementar e ampliar três abordagens de há muito estabelecidas para o trabalho pró-democrático: inovação democrática, ativismo político e empreendedorismo político.

[A inovação política é] um esforço contínuo e coletivo para garantir que a democracia continue a ser um sistema eficaz e de operacionalização adequada para se alcançar ordem e progresso sociais.

A inovação democrática diz respeito ao desenho das instituições democráticas. Ela envolve soluções elaboradas para problemas de participação igualitária em processos de tomada de decisão política. Nos últimos 20 anos, por exemplo, as assembleias cidadãs surgiram como proeminente inovação democrática na Europa Ocidental. Elas reúnem cidadãos selecionados por sorteio que deliberam sobre um problema político a fim de buscar uma solução coletiva. De modo similar, a votação eletrônica ou o orçamento participativo (orçamento público decidido pelo cidadão) são exemplos importantes que promovem elementos de democracia direta. Desse modo, a inovação democrática fornece as ferramentas tecnológicas que auxiliam a democratizar processos deliberativos em corpos governamentais ou outras organizações – isto é, a democratizar o modo como as decisões são tomadas. A inovação política, em contrapartida, mantém seu foco mais em pessoas e agendas políticas – ou seja, em quem decide quais esforços são realizados e por quê.

A segunda abordagem, o ativismo político, desafia a ordem política existente e, quando bem-sucedida, subleva o sistema. Basta pensar nos protestos pró-democracia da Primavera Árabe, que intentaram derrubar regimes de opressão, a começar pela Tunísia e espalhando-se rapidamente por todo o Oriente Médio e norte da África. O ativismo político usa métodos como mobilizações de base e virtuais, protestos, petições e realização de campanhas para chegar a uma transferência de poder do Estado para as pessoas que atuam como agitadores externos às estruturas políticas formais. A inovação política, por sua vez, busca manter e ainda melhorar o sistema por meio de soluções intrassistêmicas.

Já o empreendedorismo político trata da criação de novos partidos ou coalizações políticas para preencher lacunas em espectros políticos democráticos. Pode-se pensar em partidos novos, como o Pirate Party ou o Volt – ambos ativos sobretudo na Europa –, que desafiam os modos tradicionais de criação, organização e funcionamento dos partidos políticos. Se a inovação política pode incluir a formação de um novo partido, ela também inclui esforços para melhorar e modificar os existentes.

 

A Prática e seus Agentes

 

A prática da inovação política integra algumas das atividades associadas a abordagens estabelecidas do trabalho pró-democrático, alinhando-as, porém, à inovação social. A título de ilustração, a iniciativa do Brand New Bundestag, do empreendedor social Max Oehl, surgiu quase ao mesmo tempo que a JoinPolitics, em resposta aos mesmos problemas sociopolíticos da Alemanha, mas enfatizando dimensões políticas diferentes. Inspirada no Brand New Congress, movimento norte-americano voltado à eleição de pessoas da classe trabalhadora, a organização faz uso de mobilização de base visando o apoio à elaboração de políticas sociais progressistas e às campanhas de candidatos que defendam interesses de comunidades marginalizadas.

O Brand New Bundestag intencionalmente conceitualiza o “progressismo” como não partidário – como externo à filiação partidária – em sua missão em favor de políticas “adaptadas para o futuro” que facilitem a colaboração entre linhas partidárias e também a colaboração que independa delas. Em 2022, Oehl foi selecionado como Ashoka Fellow em reconhecimento a sua abordagem inovadora do trabalho pró-democracia que une as forças do ativismo de base e a política formal. Com esse mesmo espírito, Christiana Bukalo, talento da JoinPolitics e fundadora da organização sem fins lucrativos Statefree, foi agraciada com uma bolsa Echoing Green, por seus esforços em fortalecer pessoas apátridas por meio de mudança legislativa primeiramente na Alemanha e mais tarde no âmbito da União Europeia.

As características definidoras do campo são a determinação em refundar a política em princípios democráticos fundamentais e em converter cidadãos em protagonistas da democracia. A primeira deixa a inovação política longe dos esforços para solapar a democracia, enquanto a segunda procura reverter tendências inerentes a formas de populismo, nestas em que líderes supostamente representam os não representados, garantindo que se façam ativamente envolvidos em processos democráticos de tomada de decisão.

Em posição central à inovação política como campo de prática encontram-se os inovadores, orquestradores e facilitadores. Eles fazem da inovação política um esforço coletivo com agenciamento distribuído, baseado numa disposição compartilhada de buscar acesso no sistema político e nele intervir de maneira construtiva.

Inovadores. Esses agentes são cidadãos orientados para soluções e iniciativas da sociedade civil. Eles partem de um desafio social urgente para realizar mudanças em sistemas políticos por meio da ação. Ainda assim, em vez de atuar como agitadores externos, eles assumem responsabilidade por desenvolver e introduzir soluções que estejam de acordo com princípios democráticos. Suas soluções fazem frente a toda uma variedade de problemas da democracia e podem se materializar em inúmeras formas, como um programa que recruta mulheres para cargos políticos visando atingir a paridade em governos, séries de oficinas de educação política para administrações públicas ou uma rede de lobbies políticos para artistas, com vistas a aumentar o poder político desse grupo tradicionalmente desprovido de poder.

Inovadores, orquestradores e facilitadores fazem da inovação política um esforço coletivo baseado numa disposição compartilhada de buscar acesso no sistema político e nele intervir de maneira construtiva.

Os inovadores se engajam numa pluralidade de atividades para atacar problemas que são criados no âmbito político e devem, por essa razão, ser resolvidos mediante ação política. Essas atividades incluem advocacia, assessoria, networking, educação política, treinamento e pesquisa.

Contudo, os inovadores com frequência carecem de recursos e de influência para estabelecer inovações em práticas políticas, uma vez que não se encontram estruturalmente integrados ao sistema político. Por vezes fazem uso de parcerias – em particular, conexões pessoais com representantes eleitos realizadas mediante adesão partidária ativa. Acima de tudo, porém, dependem de outro tipo de ator no campo – os orquestradores – para fornecer a estrutura de apoio necessária visando institucionalizar suas ideias.
Orquestradores. Esses agentes constroem e coordenam o campo da inovação política. Dão forma à dinâmica entre os diferentes atores e a esfera política, coordenando o fluxo de recursos, ideias e pessoas no âmbito do campo. Sua função é profissionalizar o trabalho de inovação política. Algo importante é que os orquestradores inauguram a comunicação entre os inovadores da sociedade civil e a política e facilitam a institucionalização de inovações, tornando as ideias adequadas para a política.

Orquestradores como a JoinPolitics, o Brand New Bundestag e a #FixPolitics, bem como a Tous Elus e a Académie des Futurs Leaders, da França, e a Keseb, dos Estados Unidos, compartilham um entendimento de que o sistema político necessita de melhorias. Tal compreensão conduz a aspiração dessas organizações para a sistematização de esforços já existentes, mas talvez insuficientemente elaborados. A diversidade de suas estratégias ilustra respostas possíveis à representação desigual e à participação cívica insuficiente em diferentes países. Esses orquestradores constroem pontes entre políticas e cargos públicos para inovadores que fortalecem a democracia. Em muitos casos, seus nomes indicam o que cada qual acredita ser a melhoria necessária para a democracia em seus respectivos países – pode ser o melhor acesso à política (JoinPolitics), um parlamento representado de maneira equitativa (Brand New Bundestag), reformas estruturais (#FixPolitics), inclusão (Keseb, que significa “todas as pessoas” na antiga língua sul-semítica do ge’ez), ou legitimidade (Tous Elus quer dizer “todos eleitos” em francês).

Facilitadores. Os financiadores desse campo são em grande parte atores filantrópicos não convencionais na medida em que abraçam a instância política e pró-democrática, mas não necessariamente todas as concepções políticas das iniciativas por eles apoiadas. Tradicionalmente, na Europa Ocidental, a filantropia tem investido em política de maneira indireta – por exemplo, ao financiar organizações da sociedade civil em busca de mudanças políticas –, mas tem evitado doações e financiamentos diretos a causas políticas. Na Alemanha e no Reino Unido, as fundações têm sido até mesmo legalmente obrigadas a se abster de financiar iniciativas de pessoas e instituições que sejam parte da estrutura política formal.

Contrariando a norma desse setor, filantropos e fundações ativas em inovação política dão seu apoio a inovadores e orquestradores porque buscam chegar a mudanças sociais por meio de mudanças políticas formais. Se muitas vezes favorecem modelos de organização de empreendedorismo comuns à inovação social, esses facilitadores se posicionam como explicitamente políticos e pró-democráticos.

A abordagem dos facilitadores em relação à inovação política assenta-se em dois pilares: conferem apoio para períodos mais longos que o comum em inovação social e usam métodos como o crowdsourcing para identificar iniciativas dignas de receber financiamento. Os facilitadores que identificamos incluem financiadores que têm demonstrado um interesse de longa data em democracia, incluindo a Open Society Foundation, a William and Flora Hewlett Foundation e a Ford Foundation. Também identificamos fundações que se tornaram ativas em inovação política nos últimos anos, como a Luminate (parte da Omidyar Network), a Schöpflin Foundation, a Hertie Foundation, a Alfred Landecker Foundation, a Obama Foundation, a Multitudes Foundation e a Daniel Sachs Foundation. As duas últimas representam esforços filantrópicos no sentido de equacionar o hiato de recursos entre as iniciativas da sociedade civil e o poder político. A Obama Foundation, por exemplo, opera toda uma série de programas de financiamento voltados ao desenvolvimento de lideranças capazes de fortalecer a democracia em serviços e políticas públicas.

As atividades dos diferentes agentes podem se sobrepor, mas satisfazer propostas distintas. Para os inovadores, atividades como networking, educação política e treinamento fazem parte do processo de geração de ideias e conhecimentos, enquanto os orquestradores as empregam para construir o campo de inovação política. De modo semelhante, os orquestradores adquirem e distribuem recursos com o objetivo de auxiliar inovadores a organizar seus esforços para, ao final, tornar suas ideias adequadas à implementação, enquanto os facilitadores fornecem recursos para que o campo cresça e possa se sustentar a si mesmo.

 

O Trabalho na Democracia em Ação

 

O trabalho dos agentes assume diferentes formas, atividades e práticas. Para compreender como a inovação política funciona e como cria impacto, julgamos útil fornecer um detalhamento sobre o trabalho na democracia e sobre as trajetórias de impacto características da inovação política. Nossa pesquisa identificou especificamente três focos desse esforço que juntos explicam de que modo a inovação política fortalece a democracia. Inovadores e orquestradores diferem quanto a adotar um foco ou diversos deles. Esses focos são úteis para mapear partes interessadas relevantes e ajudar financiadores a investir em portfólios de financiamento e desenvolvê-los.

O trabalho com foco no cidadão mobiliza cidadãos que são ou se sentem deixados de fora do sistema político. Esse trabalho é primordialmente o de trazer cidadãos e a sociedade civil de volta para a política e não raro se baseia em campanhas voltadas a organizar cidadãos para que façam valer seus direitos civis (votem) ou se engajem na política (disputem cargo eletivo). Exemplos incluem ideias de crowdsourcing, visando mudanças políticas ou educação política para o público por meio de campanhas de educação do eleitor, jogos de simulação ou oficinas.

O trabalho com foco no líder tem por objetivo identificar e alimentar o talento político. De um modo geral, busca diversificar a reserva de talentos políticos, reconhecendo grupos sub-representados e chegando a eles, combatendo a natureza hierárquica e inercial de carreiras políticas mediante diversas atividades de treinamento e apoio. Muitas vezes esse trabalho baseia-se no estabelecimento ou uso de academias, incubadoras ou centros de treinamento existentes. Exemplos disso incluem a seleção e o treinamento de candidatos a cargos entre grupos sub-representados, por vezes fornecendo financiamento a candidaturas. Uma agente estabelecida nessa linha de trabalho é a Apolitical, que coordena e licencia uma rede global de instituições de treinamento com vistas à liderança política. Por meio de seu ramo de empreendimento social, a organização oferece cursos grátis de formulação de políticas, desenvolvidos em colaboração com governos, e conecta líderes políticos e funcionários públicos com vistas a promover o aprendizado entre pares.

O trabalho com foco na estrutura procura dar forma à infraestrutura da democracia e às regras que a governam. Pode ter como alvo políticas que não estejam dando boa resposta a problemas relacionados à democracia, e isso em diferentes níveis. Pode também se empenhar para mudar normas em administrações públicas (por exemplo, a representação de minorias) ou leis no âmbito regional ou nacional. O movimento #FixPolitics engaja-se num trabalho de democracia estrutural mediante a busca de amplas reformas constitucionais e eleitorais em suas instituições legislativa, executiva e judiciária. A organização demonstra de que modo os agentes de inovação política podem atender a mais de uma categoria de trabalho na democracia: a estratégia triangular do #FixPolitics inclui também o gerenciamento de campanhas e programas públicos, visando produzir um eleitorado nigeriano competente (trabalho conduzido por cidadãos), e a operacionalização de uma escola de treinamento político (com foco no líder).

Todos os três expedientes do trabalho em democracias promovem mudanças no sistema político e criam impacto ao longo de duas vias principais: a reforma e a transformação da democracia. Ambas as vias são consistentes com uma abordagem fragmentada e gradual de mudanças voltadas mais ao rejuvenescimento do que à substituição da democracia.

Os esforços que buscam a via da reforma têm por objetivo atualizar o sistema operacional para fortalecer a democracia. Em outras palavras, buscam expandir o sistema, tornando-o mais inclusivo, representativo, justo e equitativo, ao mesmo tempo que se mantém intacta a sua arquitetura. Tais esforços poderiam versar sobre uma garantia de que as instituições políticas existentes representem melhor a população e de que os serviços públicos reconheçam as necessidades dos cidadãos e respondam adequadamente a elas. Por essa via de reforma, as instituições políticas existentes são ferramentas para a mudança. Considerem-se, por exemplo, representantes de minorias sendo eleitos para cargos com o intuito de aumentar a representatividade dessas minorias num governo.

Tiaji Sio, talento da JoinPolitics e cofundador da iniciativa DIVERSITRY, busca a via da reforma enfrentando processos e representação não democrática em instituições públicas alemãs. Valendo-se da experiência de Sio como servidor público no Ministério das Relações Exteriores, a equipe do DIVERSITRY formou uma rede interdepartamental de pessoas não brancas que trabalham na administração pública. Elas assessoram ministérios sobre como aprimorar a representação e a justiça nos atos de recrutamento e de formulação de políticas. A Politics in Colour (Política em Cores) também faz frente a desigualdades raciais em instituições públicas. Essa iniciativa australiana treina e apoia mulheres não brancas, incluindo as altamente sub-representadas mulheres indígenas, para que se tornem funcionárias públicas ou políticas, o que permite que levem os interesses de suas comunidades para a esfera política.

Os esforços e iniciativas que buscam a via da transformação têm o objetivo de reconfigurar o sistema operacional. Essas tentativas partem do princípio de que as instituições de nossos dias não estão de todo adaptadas à finalidade e precisam de mais do que uma simples atualização ou ajuste das atuais circunstâncias – demandam uma mudança estrutural. Ao longo dessa via, as instituições existentes são, por essa razão, o objeto da mudança, mais do que os meios para ela.

O movimento Tous Elus segue essa via, personificada por seu moto segundo o qual (re)inventar a democracia depende das pessoas – seu slogan “la démocratie n´existe pas, à nous de l´inventer” se traduz por “a democracia não existe, cabe a nós inventá-la”. O Tous Elus organiza suas atividades em torno do princípio de legitimidade democrática e, assim como o #FixPolitics, forma o público e treina jovens de comunidades politicamente marginalizadas para que se tornem politicamente instruídos, exerçam seus direitos democráticos e concorram a cargos eletivos.

 

O Futuro do Campo

 

Enquanto os focos do trabalho e de suas vias fornecem insights sobre o impacto potencial da inovação política, a avaliação da atividade política é necessariamente – nas palavras de Steven Teles e Mark Schmitt – um “ofício ardiloso”. Ferramentas populares para avaliar e comunicar impacto em inovação social não são aplicáveis à inovação política, uma vez que o progresso e a mudança ocorrem em padrões não lineares e entrecortados.

Por mais que possa ser impossível desenvolver indicadores universalmente aplicáveis para captar e comparar impactos em diferentes tipos de trabalho e de vias, o monitoramento do progresso é importante para as organizações individuais e para o campo da prática.

As três categorias de trabalho por nós esboçadas ajudam a definir medidas significativas para monitorar atividades, tais como a quantidade de sessões de treinamento para talentos políticos que foram conduzidas; captar retornos, como o da quantidade de políticas que foram projetadas e o da quantidade de inovadores políticos que disputaram cargos políticos ou se formaram na universidade; ou apresentar resultados, como os de inovadores em diferentes posições de poder formal, políticas implementadas ou leis aprovadas. Contudo, em razão da natureza não linear das mudanças políticas, temos de resistir à tentação de consagrar e otimizar metas facilmente mensuráveis.

Independentemente da via escolhida, é bem provável que as mudanças no sistema político serão muito lentas e tortuosas, com altos e baixos que não podem ser de todo antecipados. Pensemos nos candidatos que não concretizam todas as esperanças e promessas que fizeram em seus discursos de campanha, já que estar em campanha para um cargo e efetivamente ocupá-lo são tarefas distintas, que requerem habilidades diferentes. Ou nos numerosos reveses criados por movimentos e campanhas antidemocráticas, como a campanha do Brexit, em 2016, do partido Reform UK, de Nigel Farage, denunciado por deliberadamente disseminar desinformação para conquistar eleitores. Portanto, a inovação política precisa ser um esforço contínuo e coletivo tendo como base um compromisso compartilhado com princípios democráticos e com a mobilização de uma massa crítica de pessoas e ideias para efetuar mudanças políticas. Jamais pode ser responsabilidade ou função apenas de inovadores ou orquestradores individuais.

O marcador definitivo de impacto da inovação política é o quanto ela contribui para uma democracia saudável. Algumas organizações, como a Democracy Fitness, sediada na Dinamarca, consideram a democracia um músculo que demanda contínuo treinamento e fortalecimento. Uma aspiração a manter a democracia saudável por meio de rigoroso treino de fitness, em oposição à supressão de patologias e ao combate a sintomas, também ajudaria a evitar doenças e ameaças democráticas futuras. Os sistemas e receitas de treinamento e curas deveriam ser destinados à sociedade, levar em conta diferentes realidades geográficas e temporais, além de ser direcionados ao progresso social.

Para que o campo se torne impactante e institucionalizado, precisaremos pensar com mais cuidado em como nos relacionamos com e/ou potencialmente cooptamos as infraestruturas políticas existentes. Por exemplo, na maior parte dos países europeus, os partidos políticos recebem financiamento público como forma de amparo a seu trabalho. Na Alemanha e na Áustria, os partidos costumam criar academias e desenvolver programas para identificar, alimentar e recrutar talentos políticos. De que modo podemos garantir que essas instituições estejam satisfazendo os princípios democráticos de representação e participação igualitárias? Como podemos viabilizar uma transferência das melhores práticas de trabalho democrático em diferentes países? E, finalmente, de que forma a inovação política se torna uma referência democrática em democracias imperfeitas ou mesmo em autocracias?

À medida que o campo evolui, temos de desenvolver um método para apreender crescimento e dimensionar a inovação política. Também precisamos compreender melhor os potenciais compromissos entre apoiar líderes e ideias para soluções. Pode o investimento na carreira de um político estar alinhado ao investimento no tempo demandado para se implementar uma solução? Na verdade, as características pessoais importam não apenas para desafiar poderes políticos, mas para obtê-los e atuar num cargo de acordo com princípios democráticos. O #FixPolitics faz uso de cinco Cs (caráter, competência, capacidade, coragem e compaixão) e a JoinPolitics descreve o talento político ideal listando cinco itens (“executor” visionário, bom com pessoas, persuasivo, autorreflexivo e movido por propósito). Precisamos também de boas ideias para soluções imediatas que coincidam com uma janela política de oportunidade. Por essa razão, temos de começar a desenvolver repositórios de ideias democráticas inovadoras, que sejam comparáveis a bancos de sangue sociais. É provável que o melhor meio de fazê-lo esteja na promoção de intercâmbio e colaboração entre diversas pessoas que possam manter vivas ideias alternativas, em vez de registrar essas ideias numa estrutura específica – algo que a maior parte dos orquestradores já compreendeu ao enfatizar o treinamento e a construção da comunidade.

Também precisamos de mais experimentação sobre como amparar e financiar a inovação política. Os financiadores devem abrir mão de práticas de investimento de impacto que antecipem um engajamento prático com a parte beneficiária ou investida. A inovação política como um campo só vai prosperar e ser capaz de fortalecer e revitalizar a democracia quando os investidores humildemente se afastarem de um envolvimento direto em seus investimentos a fim de garantir autonomia e independência. Os atuais entusiasmo e aprendizado em torno da filantropia baseada na confiança, na qual os financiadores obtêm mais poder e controle sobre as comunidades por eles servidas, podem proporcionar insights importantes sobre como administrar as relações não apenas entre financiadores e beneficiários, mas também entre financiadores e orquestradores. Contudo, são necessários diálogos mais honestos para se compreender como traduzir o compromisso de salvaguardar princípios democráticos em sociedade num código operacional para inovadores, orquestradores e facilitadores.

A ascensão da inovação política atesta o medo das sociedades de perder a democracia. Demonstra uma disposição em melhorar o sistema pelo uso de meios construtivos – em oposição a meios radicais e antissistêmicos. Busca redefinir a responsabilidade política, tornando “o social” político e “o político” social. Os agentes que dão forma a esse campo de prática estenderam a inovação social à esfera política para preencher a lacuna entre sociedade civil e política, que tornou tão vulnerável a democracia. Eles sabem que a mudança social requer mudança política. A urgência que atribuem ao resgate e ao rejuvenescimento da democracia manifesta-se em inovação política. Por esse motivo, o campo, seu crescimento e sua consolidação dizem respeito a todos nós.

OS AUTORES

Johanna Mair é professora de organização, estratégia e liderança na Hertie School, em Berlim, Alemanha, codiretora do Laboratório de Inovação Global para Impacto da Stanford PACS e editora acadêmica da Stanford Social Innovation Review.

Josefa Kindt é pesquisadora associada na Hertie School.

Sébastien Mena é professor de organização e governança na Hertie School.



Newsletter

Newsletter

Pular para o conteúdo