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Como as organizações constroem confiança

As instituições da sociedade civil têm um papel importante na inversão do nosso déficit de confiança coletiva

Por Kristen Grimm, Claire de Leon, Michael Crawford e Diana Chun

(Ilustração de iStock/spawns)

A confiança nas instituições está diminuindo na sociedade como um todo. Isso não é uma teoria, mas um fato segundo os principais especialistas no assunto, como o Edelman Trust Barometer, Gallup e General Social Survey do Norc da Universidade de Chicago.

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O crescente déficit de confiança é um problema sério. Ele é capaz de corroer o funcionamento de uma democracia pluralista, comprometer a saúde pública e impedir a solução de problemas coletivos, como a mudança climática. A confiança nas instituições é necessária para criar e aprimorar os contratos sociais que regem a democracia e permitem que as comunidades e o Estado façam acordos cívicos sustentáveis. A confiança não acontece por acaso. Ela é conquistada individualmente, atravessando amplos segmentos sociais.

As instituições da sociedade civil americana têm um papel importante. Desde organizações sem fins lucrativos que promovem a dignidade e os direitos, passando pelo meio acadêmico, que cria espaço para explorar as questões do dia a dia, até as organizações comunitárias que dão confiabilidade às nossas eleições, cada uma contribui para a expansão ou o declínio da confiança social. A construção da confiança consiste em manter ações alinhadas aos valores – não se trata apenas de comunicar, mas de agir segundo o que é importante.

Para os líderes de organizações da sociedade civil, conquistar, reconstruir e manter a confiança é uma tarefa complicada, mas factível e essencial para cumprir sua missão. Eles precisam entender o contexto de construção de confiança entre diversos grupos de pessoas, desde suas equipe até seus parceiros, as pessoas a quem servem e a sociedade em geral.

Agentes mal-intencionados minam deliberadamente a confiança, dificultando esse trabalho. Aqueles que colocam comunidades umas contra as outras e semeiam desinformação estão se aproveitando de ferramentas mais rápidas e sofisticadas para fazer o pior. Para que os líderes da sociedade civil revertam esse quadro, seus líderes precisam estar tão bem equipados quanto essas pessoas.

Com financiamento da Fundação Robert Wood Johnson Foundation – cujas opiniões não necessariamente estão representadas neste artigo –, uma equipe da Spitfire Strategies analisou atentamente pesquisas feitas ao longo dos últimos 20 anos no campo das ciências sociais, tendo como tema a conquista e a reconstrução da confiança. O grupo entrevistou e ouviu mais de 25 líderes a respeito de seu trabalho nesse sentido e explorou estudos de caso para ver o processo em ação. Com base no que aprendemos, criamos um guia para os líderes da sociedade civil conquistarem, de forma consciente e consistente, um alto nível de confiança, bem como para reparar a confiança quando ela for quebrada.

A seguir, apresentamos cinco etapas a serem seguidas pelos líderes.

Primeiro, entenda o que é confiança social. Trata-se de uma crença ampla na honestidade, integridade e confiabilidade dos outros – uma fé justificada nas pessoas. É importante ressaltar que a confiança é, em última análise, um salto de fé. Isso significa que ela não é totalmente racional ou lógica. Muitas vezes, é necessário confiar que as pessoas, inclusive estranhos, agirão com benevolência e integridade. As pessoas querem acreditar que os grupos de direitos humanos protegerão seus direitos individuais se eles forem atacados, que os grupos ambientais estão agindo para responsabilizar os poluidores e que as organizações de saúde pública estão protegendo a saúde das pessoas e não estão sendo controladas pelas grandes empresas farmacêuticas.

Em segundo lugar, defina o que significa “confiança forte” para sua organização e como isso a ajuda a cumprir sua missão. Certifique-se de que todos os que trabalham para a organização, desde a equipe até a diretoria, saibam o que isso significa e qual é o seu papel na contribuição para esse fim. Por exemplo, a BMe Community é uma entidade que “ensina instituições e indivíduos a definir os negros e todas as pessoas por suas aspirações e contribuições, e não por degradações e diferenças”. Para a BMe, confiança forte significa que os outros acreditam que ela sempre definirá todas as pessoas por suas atribuições e contribuições. A equipe, a diretoria e a rede precisam cumprir sua parte nisso.

Terceiro, tenha clareza sobre os diferentes grupos de pessoas com os quais você deseja construir relacionamentos de confiança. É provável que os líderes queiram ter a confiança individualmente e como organização, da equipe e da diretoria, dos parceiros e das comunidades em toda a sociedade com as quais trabalham. A Juntos Avanzamos é uma rede de cooperativas de crédito dedicada a atender às comunidades latinas, de língua espanhola e de imigrantes. Independentemente do status de cidadania, suas cooperativas atuam para tornar os serviços bancários acessíveis. Elas adaptam os serviços aos seus clientes e eliminam os obstáculos comuns, aceitando formas alternativas de identificação, como passaportes, quando muitos outros bancos aceitam apenas identificação emitida pelos EUA. Para serem bem-sucedidas em sua missão, elas precisam ter um alto nível de confiança de seus funcionários, das comunidades onde suas instituições financeiras operam, dos bancos que desejam que façam parte de sua rede, do setor bancário e do setor de consumidores imigrantes em geral.

Em quarto lugar, busque entender que percepção a comunidade interna e a externa à organização têm sobre o grau de confiança que ela projeta e quais falhas precisam ser reparadas para aumentá-lo. A Partnership for Public Service oferece um painel de controle que monitora a confiança no governo. Ele também rastreia quais agências estão indo bem, como o National Park Service, que tem um índice de favorabilidade de 84%, e quais não estão, como o US Immigration and Customs Enforcement, que está em 46%. A ferramenta contém perguntas relacionadas à confiança, às quais muitas pessoas respondem dizendo que o governo é corrupto, incompetente, não ouve o público e não trata as pessoas de forma justa. Embora isso possa ser difícil de ouvir, esse painel fornece aos líderes ideias concretas para melhorar a confiança social.

É importante “tomar o pulso” da confiança regularmente. Alguns sinais ajudam os líderes a perceber o que têm a seu favor. Por exemplo, quando as pessoas não estão fechadas, em “modo de sobrevivência”, mas abertas a novas ideias e compartilhando coisas com quem confiam, é um indício de que a confiança está em alta. Quando, em seu envolvimento no trabalho, elas se demonstram responsivas e desarmadas também. O mesmo vale para quando as pessoas que se envolvem com sua organização demonstram se sentirem bem-vindas e sentem que podem participar com autonomia e de modo significativo. Otimismo com a organização e com o mundo. A percepção, interna e externa, de que a organização coloca o interesse público acima do seu próprio. Da mesma forma, os líderes precisam entender que situações favorecem falta de confiança, hesitação e desconfiança. Tudo isso dificulta a realização do trabalho.

  • A falta de confiança ocorre porque as pessoas não sabem muito sobre uma organização ou um problema. Não se trata de um julgamento negativo, mas de uma característica humana e previsível. Se uma organização tiver um novo CEO, por exemplo, ela poderá passar por isso.

  • A hesitação sobre confiar reflete a dúvida. Pessoas são céticas e têm muitas perguntas. Grupos de organizações ou campos como um todo podem ser alvo desse sentimento. A inteligência artificial é um exemplo. As pessoas não a entendem totalmente. Para alguns, ela é o fim do mundo. Outros acham que ela nos ajudará a criar um mundo melhor. Algumas pessoas não confiam em seus criadores ou na forma como eles a estão implementando. As pessoas que têm hesitações geralmente estão abertas a novas informações, enquanto as que desconfiam geralmente são resistentes a elas.

  • A desconfiança é mais punitiva. É uma crença estabelecida de que uma organização ou categoria, por exemplo, o grupo das organizações científicas, não é confiável.

Pesquisas apontam a desconfiança social como problemática pelo fato de que gera sentimentos negativos, como ressentimento, indiferença, decepção e raiva. Isso afeta a sociedade e torna muito mais difícil para as organizações atingirem seus objetivos. A desconfiança pode gerar armadilhas sociais, que levam  pessoas a não fazerem o que beneficia seu próprio interesse e o da sociedade. Por exemplo, as pessoas podem saber que todos devem economizar água, mas veem seus vizinhos regando seus gramados e decidem que também usarão mais água. Em nível nacional, as pessoas podem saber que o transporte público resolve o congestionamento e atenua as consequências da mudança climática, mas não acreditam que os outros andarão de ônibus ou trem e, por isso, permanecem em seus próprios carros. Em uma escala global, as pessoas sabem que os países desenvolvidos contribuem mais para os gases de efeito estufa, mas, em vez de pressionar para que cada país faça tudo o que puder, elas racionalizam a inação apontando que outros países não estão fazendo a sua parte.

Tenha em mente que a confiança social é fluida e depende tanto da história quanto do contexto  atual. De acordo com pesquisas, a quebra de confiança deixa cicatrizes na memória coletiva. Para todos os grupos que enfrentam discriminação, de pessoas LGBTQ+ a negros, indígenas e mulheres, a confiança exige maior risco e vulnerabilidade. Sistemas de saúde causaram danos muito reais a comunidades no passado, fazendo com que desconfiassem da medicina e, mais recentemente, se mostrassem hesitantes quanto à vacina contra a covid-10. A desconfiança pode ser um escudo para pessoas que, a vida toda, tiveram de se proteger de instituições prejudiciais a ela. Não trate a desconfiança como um comportamento ruim a ser corrigido. Trate-a como resultado das experiências das pessoas e trabalhe para se tornar mais confiável, abordando as causas básicas e tomando cuidado para não perpetuar os danos.

Quinto, adote as melhores práticas para ganhar mais confiança. Uma vez que os líderes saibam qual confiança desejam cultivar e em quem, bem como seu grau atual de confiabilidade, eles podem decidir como ampliar a confiança. Com base em todas as pesquisas e percepções de especialistas, nosso guia identifica dez recomendações divididas em três categorias:

Aja conforme o que diz. Isso se refere a comportar-se com integridade, conhecer e seguir as normas morais e elevar as normas morais para mostrar que elas estão vivas e bem.

Dê o melhor de si. Essas são práticas e comportamentos que aumentarão a confiança, como provar competência, mostrar que você confia nas pessoas que atende e dar boas-vindas à participação.

Não doure a pílula. Mascarar problemas, em vez de tomar medidas concretas para corrigi-lo, é uma prática a ser evitada, pois corrói a confiança.

A seguir, apresentamos algumas recomendações relativas a cada uma dessas categorias.

Agir conforme o que você diz depende de priorizar o conhecimento, o cumprimento e a modelagem de normas morais – que não são o mesmo que valores. Normas morais  expressam uma expectativa de como as pessoas devam se comportar, enquanto valores são crenças subjacentes que resultam nessas regras. Aplicar normas morais exige  que as organizações pratiquem a elevação moral, a qual se baseia no elemento emocional da confiança social. Agir de acordo com suas normas morais é uma forma de expressar também suas expectativas quanto ao comportamento alheio. Quando as pessoas veem isso, sentem mais confiança, o que aumenta a colaboração e os comportamentos pró-sociais que beneficiam a sociedade como um todo.

Francis Collins, mestre, doutor, ex-diretor de longa data dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e ex-diretor do Projeto Genoma Humano, oferece um bom exemplo de elevação moral. Após a divulgação de um relatório das Academias Nacionais sobre o assédio às mulheres na ciência, Collins demonstrou uma das maneiras imediatas e acionáveis pelas quais ele e outros em posições de liderança proeminentes poderiam ajudar: livrando-se de eventos exclusivamente masculinos. Collins comprometeu-se publicamente a não participar mais de eventos científicos que não demonstrassem o compromisso de incluir cientistas de todas as origens e desafiou outros líderes do campo científico a fazerem o mesmo. Seu pronunciamento atraiu  atenção em nível nacional, e Collins disse acreditar que teve o efeito de fazer com que as pessoas pensassem mais em quem convidariam como palestrantes e conferencistas.

Um caminho para dar o melhor de si é mostrar que você confia em suas comunidades, aumentando a chance de que elas confiam em você. A confiança exige e gera reciprocidade. Se eu confiar em você, é mais provável que você confie em mim e vice-versa. Quando seu filho entra na escola, ele passa pelo detector de metais? Quando você precisa de ajuda, tem que “provar” que precisa de ajuda preenchendo formulários em várias vias? Muitas regras, regulamentos e processos partem do princípio de que as pessoas vão agir de má-fé ou usar recursos e benefícios de forma indevida – ou seja, de que não são confiáveis. Essa suspeita ou expectativa de desconfiança pode se agravar e se tornar uma ferida aberta, até permanente, para sua organização.

Um bom exemplo é o Magnolia Mother’s Trust (MMT), que estabelece relacionamentos de confiança mútua com as participantes de seu programa. O MMT oferece a mães negras em situação de insegurança financeira em Jackson, Mississippi, serviços de apoio e US$ 1.000 por mês durante um ano. As mães decidem como usar o dinheiro, porque sabem melhor do que suas famílias precisam. O MMT confia nas mães. Em troca, as mães observam que sempre sentem o respeito da equipe. Isso resultou em relacionamentos e resultados positivos. De acordo com o relatório de avaliação 2022-23, uma participante disse: “Você recebe incentivo constante, ajuda com recursos, um ombro amigo e ajuda financeira, tudo em um só lugar. É um programa de puro amor”.

Não dourar a pílula significa assumir seus erros, não os distorcer. Como diz o ditado, não se passa batom em porco. Talvez falte à sua organização alinhamento entre os valores que declara e a forma como age. Por exemplo, você pode ter dito que não faria demissões em função de um déficit orçamentário e depois ter se visto obrigado a voltar atrás no que disse. Não reconhecer publicamente esse desajuste é algo que pode minar a confiança de seus públicos-alvo. As organizações costumam se ver em maus lençóis se decidem fazer mudanças em grandes prioridades organizacionais, quando comprometem com posições políticas, ou mesmo optam por não se posicionar em uma questão. Veja o caso da Human Rights Campaign (HRC). Em 2007, apesar de sua missão inclusiva e do apoio manifesto em comentários pelo presidente da organização na época, a HRC não usou seu poder para pressionar pelos direitos de pessoas transgênero na legislação de não discriminação no emprego. Quando Chad Griffith se tornou presidente, em 2012, ele se desculpou formalmente, em nome da organização, com a comunidade transgênero. Em seguida,divulgou um plano para pressionar por uma legislação inclusiva e abrangente – e pediu que isso fosse cobrado dele. Ainda hoje, a HRC mantém o compromisso com a pauta relativa às pessoas transgênero.

Se sua ação ou decisão acabar se mostrando errada, assuma o erro. As pessoas percebem o que está acontecendo, mesmo que não o digam. Nesses momentos, pode ser difícil não ficar na defensiva ou deslocar o foco para as intenções. Mas essas situações são oportunidades reais para gerar confiança.

O momento ideal para começar a construir confiança é agora mesmo. Pergunte a si mesmo e à sua equipe: “O que estamos fazendo hoje, nesta semana, neste ano, está aumentando ou diminuindo a confiança?”. Você tem uma posição única e pode usar seu poder para fazer da confiança um ponto forte de sua organização, a fim de gerar melhores resultados para a sociedade. Comprometer-se com comportamentos e práticas concretas que gerem confiança e se dispor a ser cobrado pelos resultados ajudará a reverter essa lacuna e a elevar a confiança social. Imagine o que é possível nesse mundo.

 

OS AUTORES

Kristen Grimm é a fundadora da Spitfire Strategies.

Claire de Leon é vice-presidente da Spitfire Strategies.

Michael Crawford é vice-presidente da Spitfire Strategies.

Diana Chun é diretora da Spitfire Strategies.



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