Mapeando a rota do sufrágio feminino
O National Collaborative for Women’s History Sites criou uma trilha para celebrar a atuação das mulheres na democracia americana
Por Marianne Dhenin
Dezenas de pessoas se reuniram para um chá da tarde em frente a uma modesta casa de dois andares e meio, feita de tijolos aparentes, em Old Louisville, Kentucky, no último mês de agosto. A ocasião foi a inauguração de um marco histórico em homenagem às irmãs Georgia e Alice Nugent. Pintada de roxo, branco e dourado – cores do Partido Nacional da Mulher –, a placa informa aos transeuntes que as irmãs Nugent moraram ali entre 1919 e 1971 e eram “sufragistas afro-americanas e líderes comunitárias, [que] defendiam o direito de voto em nível local, estadual e nacional”.
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O registro é o 202º na National Votes for Women Trail (NVWT, trilha nacional do voto feminino), projeto estabelecido pelo National Collaborative for Women’s History Sites [NCWHS, Coletivo nacional pelos locais da história feminina, em tradução livre] e por uma legião de voluntários em 2016. A NVWT homenageia marcos do movimento sufragista feminino dos Estados Unidos e faz parte da missão do NCWHS de aumentar a conscientização sobre a história das mulheres.
Nos Estados Unidos, o número de parques nacionais, locais históricos e monumentos públicos que homenageiam os Pais Fundadores [líderes políticos e intelectuais que atuaram na fundação e formação dos Estados Unidos como uma nação independente], ex-presidentes e generais militares – todos homens – supera em muito os das mulheres. A Monument Lab, uma organização pública de arte e história sem fins lucrativos, catalogou menos de 300 monumentos a mulheres em seu conjunto de dados de quase 5.000 registros.
“Quando visito locais históricos, a primeira coisa que pergunto ao guia turístico é ‘onde está a história das mulheres?’”, diz Marsha Weinstein, presidente do NCWHS. “Eu quero o resto da história; as mulheres estão sub-representadas.”
Em resposta, o NCWHS decidiu desenvolver “um caminho diversificado para uma nação diversificada”, diz Weinstein. Infelizmente, assim como foi árdua a jornada para o sufrágio feminino, a criação da NVWT foi mais complexa do que os organizadores previam mais de 15 anos atrás.
A busca por sufragistas
O projeto que se tornaria a NVWT começou em 2007, quando a então senadora Hillary Clinton propôs financiamento a um projeto semelhante que teria criado uma trilha de locais relacionados com o sufrágio feminino no estado de Nova York, a serem administrados pelo National Park Service. Clinton vinha mantendo conversas sobre a preservação da história das mulheres com membros do NCWHS e com Coline Jenkins, uma descendente de Elizabeth Cady Stanton, antepassada do movimento sufragista feminino. A legislação foi incluída pela Public Land Management Act de 2009 e assinada pelo presidente Barack Obama em 30 de março de 2009, mas o Congresso, liderado pelos republicanos, deixou o projeto à míngua.
Em 2016, os voluntários do NCWHS lançaram uma base de dados virtual de locais sufragistas, como antigas sedes de associações que faziam lobby pelo voto feminino, cenários de marchas ou outras manifestações e túmulos de ativistas proeminentes. Para encontrar histórias pouco conhecidas, a organização convidou as comunidades locais para contribuir. “Há nomes que nunca tínhamos ouvido antes, que faltam na narrativa nacional, mas podem ser conhecidos cultural ou localmente”, explica Ida Jones, diretora associada de coleções especiais e arquivista universitária da Universidade Estadual Morgan em Baltimore, Maryland, e coordenadora do NVWT em Washington, DC.
Dirigentes estaduais estabeleceram contato com organizações locais e indivíduos que indicaram áreas para o banco de dados. O NCWHS instituiu a meta de documentar 2.020 pontos até o fim de 2020. A colaboração também criou um mapa interativo para publicar suas descobertas.
“É por isso que a trilha é tão importante. Temos que garantir que as pessoas conheçam sua história para que possamos mudar as coisas”
O mapa rapidamente chamou a atenção de Paula Miller, então diretora-executiva da Fundação William G. Pomeroy, que procurava formas para a organização celebrar, em 2020, o centenário da 19ª Emenda, que assegurou o voto feminino nos EUA.
A Fundação Pomeroy se dedica a apoiar a celebração e a preservação das histórias comunitárias, financiando a colocação de marcos históricos em rodovias.
Deryn Pomeroy, curadora e diretora de iniciativas estratégicas da fundação, diz que esse tipo de marcos se liga estreitamente à cultura de sua família. “Quando criança, sempre que passávamos por um marco histórico, parávamos e líamos juntos”, diz ela. O amor dos Pomeroys por esses elementos e pelo NVWT criou uma parceria perfeita. A fundação concordou em financiar a transformação de mais de 200 localidades digitais em marcos físicos e criou um processo de inscrição exclusivo para os coordenadores do NVWT submeterem áreas de seu estado para análise e aprovação da fundação.
Em 2016, o NCWHS convocou um conselho de dez pessoas para examinar os locais indicados, antes de adicioná-los ao banco ou submetê-los à fundação. O financiamento do National Trust for Historic Preservation [entidade nacional do patrimônio histórico] e os fundos federais alocados pela Comissão do Centenário do Sufrágio Feminino cobriram os custos de trabalho do conselho e a criação do mapa digital. Os historiadores da Fundação Pomeroy revisam os documentos submetidos para garantir a precisão histórica dos locais e dos marcos.
Paula Casey, coordenadora do Tennessee e agora presidente do NVWT, explica que usou registros do censo, listas telefônicas antigas, recortes de jornais e outras fontes históricas, mantidas na biblioteca e arquivo do estado e em outras bibliotecas locais, para encontrar e verificar as localidades. Killian O’Donnell, coordenador da Flórida, diz que acumulou mais de 11 mil arquivos relacionados às localizações do NVWT do seu estado.
A busca por sufragistas de diversas origens raciais e étnicas de todo o país foi bem-sucedida. Marcos patrocinados pela Pomeroy homenageiam uma sufragista do povo nativo ojibwa em Dakota do Norte, eleitoras mexicano-americanas no Arizona e dezenas de sufragistas negras, ativistas dos direitos civis e outras militantes. Jones garantiu quatro marcos históricos sobre mulheres negras em Washington. Ela diz que a capital do país “era a conexão da classe intelectual negra” no século 19 e no início do 20, e os marcos celebram gerações de mulheres negras que lutaram pela igualdade de gênero.
A casa das irmãs Nugent é uma conquista memorável para Laura Bache, que produziu, ainda no ensino médio, um relatório de cem páginas sobre as moradoras e o imóvel, levando-o a ser adicionado ao Registro Nacional de Locais Históricos e ao NVWT.
Ela escolheu celebrar um lugar de sufrágio feminino porque combinava suas paixões por contar histórias, pesquisa histórica e empoderamento das mulheres. Bache, agora caloura na Universidade da Carolina do Norte, fez o trabalho para concorrer ao Girl Scout Gold Award, a maior premiação dentro das Meninas Escoteiras, concedida àquelas que implementam projetos que proporcionam benefícios duradouros a suas comunidades.
“Ao saírem da escravidão, as mulheres negras tiveram que lutar muito mais pelo seu direito de voto, e eu queria contar essa história”, explica Bache.
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