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Chegar a zero

Os autores Michael Lenox e Rebecca Duff pedem por inovações disruptivas e reconfiguração radical das indústrias para descarbonizar o planeta até 2050.

Por Auden Schendler

The Decarbonization Imperative
The Decarbonization Imperative: Transforming The Global Economy by 2050 Por Michael Lenox e Rebecca Duff 288 páginas, Stanford University Press, 2021

Não há melhor maneira para tocar sua criança interior e ao mesmo tempo entender a crise climática global do que visitar uma fábrica de cimento. Gigantes em escala, opressivamente quentes e seussianas (referência ao autor americano Dr. Seuss) em complexidade, as fábricas de cimento são a apoteose da era industrial – já que tornaram possíveis todos os trabalhos monumentais da civilização moderna, dos arranha-céus em Dubai às pontes suspensas na China.

A produção de cimento é também um dos principais impulsionadores da mudança climática, responsável por 7% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2). Se essa indústria fosse uma nação, apenas a China e os Estados Unidos poderiam emitir mais. Para resolver este problema, precisamos encontrar uma maneira de produzir o “cimento verde”, dizem os professores Michael Lenox e Rebecca Duff , da University of Virginia Darden School of Business. Esta é apenas uma solução para centenas de desafios técnicos examinados no mais novo livro deles, The Decarbonization Imperative: Transforming the Global Economy by 2050 (O Imperativo da Descarbonização: Transformando a economia global até 2050, em tradução livre), o qual apresenta uma abordagem setorial para “fornecer uma visão ampla da disrupção tecnológica (…) necessária para descarbonizar a economia global até 2050” – a data, amplamente aceita, na qual a sociedade terá que alcançar emissões zero para evitar uma catástrofe.

Um fato curioso que os leitores tomarão conhecimento em The Decarbonization Imperative é que a maior parte das emissões do setor de cimento não vem da enorme potência térmica utilizada para produzir o material, mas de uma reação química no processo que libera CO2. Eu já conhecia os problemas com cimento quando tive a oportunidade de visitar uma fábrica em Pueblo, no Colorado (EUA), como parte de um conselho estadual trabalhando para resolver a poluição por carbono. Eu queria entender as complexidades da produção para fazer políticas melhores nesse sentido. Depois de uma apresentação de slides introdutória, perguntei: “Você está me dizendo que a maneira como se faz cimento é colocar calcário, argila e areia em um balde e cozinhá-lo?” A resposta curta: “Sim”.

A fábrica que visitei era basicamente um gigante forno propositadamente construído ao lado de uma pedreira de calcário. Há algo mais irônico? Esse é o problema climático em poucas palavras: estamos ainda administrando uma sociedade que funciona com a queima e cozimento de coisas que cortamos ou desenterramos.

Tentar enquadrar esse círculo – descobrindo como o mundo pode modificar rapidamente 200 anos de economia presa ao carbono – é o trabalho que Lenox e Duff se propuseram realizar. Eles o fazem diligentemente, não deixando pedra sobre pedra. O livro é um verdadeiro manual técnico que avalia os cinco grandes setores (energia, transportes, indústrias – bens de capital como o aeroespaço, defesa e engenharia –, construção e agricultura) que precisam ser descarbonizados, propondo múltiplas soluções para cada setor.

Na análise sobre o arroto do gado – um dos mais intrigantes desafios climáticos decorrentes da indústria bovina e de laticínios –, por exemplo, os autores propõem uma solução engenhosa que utiliza tecnologia avançada na produção. “Em 2009, o sequenciamento do genoma do gado doméstico forneceu aos cientistas e agricultores a oportunidade para identificar o rebanho mais produtivo em carne e leite para reproduzi-lo com base nas características desejadas”, observam. “Uma dessas características poderia ser a produção de baixo metano.” Modificações genéticas que produzem gado de baixo metano é apenas uma resposta potencial de muitas outras para a indústria da carne e de laticínios.

Os autores evitam cair na armadilha de identificar erroneamente e exagerar correções climáticas por serem movidos pela esperança, não pelo fato. A seção deles sobre carbono no solo abrange todas as abordagens convencionais que chamaram muita atenção nas últimas décadas – muitas das quais, ao que parece, sem base científica. Os autores concluem, de forma justa, que “a descarbonização da agricultura é improvável até 2050”.

Eles são igualmente pragmáticos sobre veículos elétricos. “Parece que a disrupção sustentável do transporte é iminente”, observam. “A grande questão pode não ser se, mas em quanto tempo, essa interrupção ocorrerá. O tempo é a essência. Mesmo que todas as vendas de veículos novos no mundo fossem de elétricos, ainda levaria uma década, no mínimo, para ocorrer a troca das frotas de veículos existentes e a total descarbonização do transporte.” Eu tenho percebido esta discrepância no tempo – entre tomar uma urgente ação necessária e o tempo que leva para implementar a mudança – no meu próprio trabalho como elaborador de políticas climáticas no Colorado. Lutamos por meio de ações judiciais, tortuosos encontros públicos e massivos atrasos burocráticos para aprovar uma política que exigiria que apenas 6% das vendas de veículos fossem de elétricos – algo quase nada revolucionário.

Saber quando uma tecnologia começa a reduzir as emissões pode ser uma das mais importantes questões na formulação de políticas climáticas. Ajudar a encontrar uma resposta tem sido o papel desempenhado por modeladores climáticos como os da organização sem fins lucrativos Climate Interactive, cujas simulações mostram que pequenos módulos de reatores nucleares, os favoritos de Bill Gates e mencionados concisamente como uma tecnologia promissora no livro, não vão começar a reduzir as emissões até 2053. Isso indica que a próxima geração de armas nucleares é muito menos importante (e possivelmente irrelevante) quando comparada com as tecnologias que irão parar a queima de combustível fóssil hoje.

O conhecimento dos autores de empreendedorismo e inovação influencia a análise deles. No início do livro, eles observam que “o fracasso na adoção de tecnologia limpa (…) tipicamente reflete uma realidade de mercado, que a tecnologia limpa não é tão desejável como tecnologias alternativas nas dimensões existentes de interesse”. Ainda que os autores não estejam sugerindo remotamente que a inovação irá nos salvar (eles articulam firmemente a necessidade de soluções políticas), esta observação desconsidera o fato de que nossa economia de carbono foi intencionalmente construída ao longo de décadas de ganho governamental pela indústria de combustíveis fósseis, ofuscação da ciência e do legado de subsídios. Em tal ambiente, uma melhor tecnologia pode não ser realmente adotada. Há uma razão para a caminhonete Ford Ranger de hoje fazer a mesma quilometragem de 25 anos atrás – e não é porque uma versão mais eficiente não seja desejável.

A verdade sobre a crise climática é que, com poucas exceções, sempre soubemos como resolver tecnicamente o problema. Também geralmente entendemos o conjunto de políticas necessárias para implementar essas tecnologias. Este livro é uma visão geral magistral dessas correções e parte de uma crescente e necessária literatura recente que inclui publicações da organização sem fins lucrativos Project Drawdown, entre as quais Como Evitar um Desastre Climático, de Bill Gates (na qual ele erra completamente na visão da política como uma solução essencial), e talvez mais próxima em escopo e ambição, e Electrify (Eletrizar, em tradução livre), de Saul Griffith. Mas o problema que a sociedade enfrenta não são quais correções tecnológicas ou políticas implementar, mas como colocá-las e implementá-las.

As estratégias promissoras que Lenox e Duff recomendam não podem e não irão chegar, a menos que haja um forte movimento cidadão em apoio a ações climáticas agressivas. A verdade é que, em nenhum aspecto, a cultura americana está preocupada o bastante sobre o clima para fazer dela uma prioridade nacional.

A falta de cuidado com essa questão pelos formuladores de políticas, o público e a mídia, explica por que eu penso que mesmo manuais técnicos como esse precisam se aprofundar exatamente na pergunta de como as soluções tecnológicas e as propostas políticas ganham suficiente tração política para que aconteçam. Esse tópico – o trabalho de base de organizações sem fins lucrativos como a Extinction Rebellion, 350.org, a POW e o Sunrise Movement – provavelmente será a próxima tendência dos livros climáticos, como Regeneration: Ending the Climate Crisis in One Generation (Regeneração: Terminar a crise climática em uma geração, em tradução livre), de Paul Hawken, o qual tenta combinar justiça, clima, biodiversidade e dignidade humana em um plano para reduzir as emissões a quase 50% até 2030.

As ideias dos autores sobre como fazemos progressos, por exemplo, incluem uma melhoria global de acordos climáticos que desde a Rio-92 (Cúpula da Terra realizada em 1992 no Rio de Janeiro) tem focado “em grandes metas de emissões nacionais que poucos países são capazes de atender com sucesso”, explicam. “Uma perspectiva de inovação tecnológica sugere outra abordagem. Em vez de se concentrar em metas de emissões, focar em mudanças tecnológicas.” Eles, então, sugerem uma gama de abordagens, sendo a mais empolgante a ideia de criar uma coalizão de nações e fabricantes de aviões (o duopólio Boeing-Airbus produz 91% das novas aeronaves) focada na descarbonização. Esta ideia é tanto refrescante quanto realista – porque é devastador deixar todas as cúpulas globais climáticas com uma caixa cheia de metas que não são vinculadas ou são impossíveis de atender.

Outra forma de fazer crescer o movimento é garantir que os livros sobre o assunto sejam apaixonantes. Enquanto The Decarbonization Imperative é um recurso educacional incrível, e muito disso foi fascinante para um sabichão como eu, pode não ser tão atraente para leitores fora dessa área. Ainda, a necessidade de escrita acadêmica não precisa ser mantida. Uma prosa brilhante pode oferecer oportunidades para galvanizar e inspirar leitores – e quem se dedica a buscar soluções climáticas, um grupo universalmente abatido, desalinhado e depressivo, que precisa de toda positividade que possa conseguir. A ancoragem acadêmica do livro afeta não somente o estilo de escrita, mas também a vontade dos autores de ter diversão. No capítulo sobre energia, por exemplo, Lenox e Duff mencionam “turbinas eólicas flutuantes” em uma das passagens e, em seguida, movem-se rapidamente para outro ponto, como se fossem pais insatisfeitos. Turbinas eólicas flutuantes? Esta é uma oportunidade para trazer um pouco de alegria a uma batalha lúgubre e ilustra a incrível criatividade e virtuosismo tecnológico no coração de muitas soluções climáticas.

Mas essas críticas são coisas menores. The Decarbonization Imperative é um guia vital para a transição humana mais importante da história. O livro deve ficar em todas as mesas como uma referência para pesquisadores, formuladores de políticas, cidadãos e outros para inspirar e ajudar a concretizar sonhos de um planeta mais saudável.

 

O AUTOR

Auden Schendler é vice-presidente sênior de sustentabilidade na Aspen Skiing Company e presidente do conselho da organização sem fins lucrativos Protect Our Winters. Ex-integrante da Comissão de Controle da Qualidade do Ar de Colorado, é autor do livro Getting Green Done.

 



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