Com a devastação do meio ambiente e as injustiças sociais levando o planeta a um ponto crítico, é preciso que se tenha um sistema de avaliação ambiental, social e de governança mais forte para garantir que os investidores consigam atingir os impactos positivos pelos quais estão pagando.
Por Hans Taparia
Não fosse a segunda onda da pandemia ou o caos que se seguiu à eleição presidencial de 2020 nos Estados Unidos, a filiação da Phillip Morris a um clube de empresas que supostamente deveriam ter uma boa atuação em questões ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) teria recebido mais atenção. Afinal, a empresa vende 700 bilhões de cigarros por ano. Como ela pode ter passado a figurar no Índice de Sustentabilidade Dow Jones (Dow Jones Sustainability Index, conhecido por DJSI), um dos inúmeros indicadores de mercado recém-criados para acompanhar empresas que alegam ter uma boa avaliação em fatores ESG, tais como segurança do produto, emissão de gás de efeito estufa, diversidade de membros do conselho, entre outros?
O motivo é simples. A pontuação necessária para atestar uma boa responsabilidade social corporativa de uma empresa é absurdamente pequena, e pode ter feito do investimento em ESG, provavelmente a maior tendência do setor de investimentos hoje, uma força voltada mais para desestabilizar a sociedade e o planeta do que se nunca tivesse sido criado.
No cerne do problema está o modo como fatores ESG são computados por meio de empresas de avaliação como a MSCI e a Sustainalytics. Ao contrário do que pensam muitos investidores, grande parte das avaliações não tem de fato nada a ver com responsabilidade corporativa no tocante a fatores ESG. Na verdade, o que é medido é até que ponto o valor econômico de uma empresa é posto em risco em virtude de fatores ESG. Por exemplo, uma empresa pode ser uma fonte importante de emissão de gases do efeito estufa, mas mesmo assim obter uma avaliação positiva se a empresa avaliadora considerar que as ações poluidoras estão sendo bem administradas ou não representam uma ameaça para o valor financeiro da organização. Isso pode explicar por que a Exxon e a British Petroleum (BP), que colocam em risco a vida do planeta, obtêm uma avaliação agregada mediana (BBB) da MSCI, uma das principais empresas avaliadoras do mercado. Também pode ser o motivo pelo qual a Phillip Morris passou a integrar o DJSI. Recentemente, a empresa se comprometeu a adotar uma política em prol de um “futuro sem cigarro”, algo que as agências avaliadoras podem ter visto como um redutor dos riscos regulatórios, ainda que a próxima geração de seus produtos continue viciante e prejudicial.
O segundo problema envolve o modo como as empresas avaliadoras trabalham. Elas analisam cada organização com base em uma variedade de fatores ESG, atribuindo pesos a cada um deles e agregando os resultados em uma pontuação ESG composta. Uma instituição com um ESG positivo pode obter uma avaliação composta excelente (AAA), ao passo que uma com ESG fraco pode receber uma avaliação ruim (CCC). Essas pontuações são a base para a elaboração dos portfólios de índices e fundos ESG. Pode parecer uma abordagem genuína, mas não é. Está sujeita ao julgamento humano e ao acesso inconsistente a informações ESG, gerando uma variabilidade enorme entre os avaliadores. Isso permite que as empresas obtenham avaliações compostas ótimas, mesmo que causem danos significativos a um ou mais stakeholders — desde que se saiam bem em todos os demais parâmetros, o que é mais prejudicial ainda.
Vejamos os casos da Pepsi e da Coca-Cola. Com avaliações altas das maiores empresas avaliadoras, ambas estão normalmente classificadas entre as maiores holdings de fundos ESG, muito devido ao fato de obterem notas positivas em parâmetros como governança corporativa e emissão de gases de efeito estufa. No entanto, o foco central de sua atuação envolve a produção e o marketing de produtos viciantes que são as principais causas de diabetes, obesidade e mortalidade precoce. A Pepsi e a Coca-Cola valem-se de seu poder para evitar impostos e regulamentações em seus produtos e financiam muitas pesquisas para desviar a atenção do impacto provocado por seus produtos na saúde das pessoas. Com os gastos com diabetes representando atualmente mais de U$ 300 bilhões por ano apenas nos Estados Unidos, o prejuízo humano e econômico causado por essas empresas pode ser maior do que sua contribuição econômica.
Gigantes de tecnologia como Alphabet, Amazon e Facebook também tendem a estar entre as maiores holdings de fundos ESG. Em geral, recebem avaliações altas porque são, como era de esperar, baixas produtoras de emissões de gases de efeito estufa. Poucas pessoas, porém, as veriam como empresas com responsabilidade social corporativa de qualidade. A Amazon adota práticas trabalhistas deploráveis, além de praticar preços predatórios. Os modelos de negócios do Facebook e da Alphabet envolvem algoritmos que disseminaram discursos de ódio e desinformação por toda a internet, e os produtos dessas empresas estão ligados ao aumento dos problemas psicológicos enfrentados pelos jovens. As três companhias foram classificadas por acadêmicos, congressistas, líderes corporativos e do judiciário como monopólios que ameaçam a existência de um sistema de livre mercado funcional. Se o principal modelo de negócio de uma empresa causa tanto prejuízo, não deveria ser tão fácil usar o “bom comportamento” em outros parâmetros como disfarce.
Para agravar a situação, muitas pesquisas foram publicadas nos últimos anos usando dados de avaliações ESG para mostrar a relação positiva entre o desempenho ESG e a performance financeira. A conclusão geral é que, além de mais lucros, as empresas que investem em fatores ESG vão gerar melhor retorno para os investidores. Mas há vários problemas nisso. O primeiro é que as relações positivas tendem a ser pequenas e bastante sensíveis ao modo como lucros são medidos e em qual período. O segundo é que correlação não significa causalidade. Como observa Aswath Damodaran – professor de finanças da Stern School of Business, na New York University –, em uma postagem sobre o assunto em seu blog, “a probabilidade de empresas bem-sucedidas adotarem responsabilidades ESG é tão grande quanto a adoção de responsabilidades ESG tornar as empresas bem-sucedidas”. Além disso, e mais importante, a correlação positiva é amplamente baseada no sistema de avaliação ESG descrito acima, na qual o nível necessário para obter pontuações positivas é bastante baixo. Na verdade, empresas de tecnologia, nas quais fundos ESG se fiam sobremaneira, têm, há anos, um desempenho superior ao do mercado. Mas há de se pontuar que muito do crescimento de seu rendimento é fonte da amplificação de modelos de negócios impulsionados por algoritmos que são, em geral, perniciosos para a sociedade.
Confrontados com a realidade mostrando que a devastação ambiental e a desigualdade estão atingindo pontos de inflexão tangíveis, investidores preocupados com essas questões estão cada vez mais interessados em fazer com que seus portfólios reflitam suas preocupações. Para capitalizar essa tendência, grandes instituições financeiras, como Blackrock e Vanguard, lançaram centenas de fundos ESG, gerindo trilhões de dólares, que espelham índices ESG ou investem em empresas com boas avaliações ESG. O fluxo de dólares para esses fundos representou quase 25% do total de aporte líquido em fundos de investimentos em 2020, sendo quase dez vezes maior do que em 2018. Para instituições financeiras, fundos ESG têm sido lucrativos — o fato de serem recentes lhes permite taxas de manutenção mais altas. Para entusiastas do “capitalismo consciente”, a rápida mudança nos fluxos de capital é prova de que os negócios podem realmente ser uma força para o bem. Contudo, o sistema tal como está oferece passe livre para uma porção de players perniciosos que atraem investimento reduzindo seu custo de capital, ao passo que CEOs e executivos do mercado financeiro celebram um movimento lucrativo que esperam melhorar sua imagem pública.
Para retificar os problemas e quantificar o real impacto do comportamento dos negócios em fatores ESG, é preciso a adoção de um sistema de avaliação totalmente novo, um sistema que meça os custos econômicos, humanos e ambientais dos “problemas do mercado” causados pelas empresas. Entre eles estão: monopólio e monopsônio, em que, respectivamente, um vendedor ou um comprador enfrenta pouca competição ou detém um poder gigantesco; externalidades negativas, em que uma instituição terceirizada é diretamente prejudicada pelo negócio; ou prejuízo ambiental, como florestas dizimadas, oceanos poluídos ou a atmosfera entupida por emissões.
Sob tal sistema, uma empresa não obteria uma avaliação agregada alta se apresentasse um desempenho fraco em um único fator que tivesse custo social ou ambiental significativo. Por exemplo, uma empresa que produzisse alimentos prejudiciais à saúde receberia uma avaliação negativa mesmo se fosse bem administrada e ambientalmente responsável.
As falhas do mercado são tão dominantes atualmente que a maior parte das empresas avaliadas dessa forma provavelmente receberia pontuações ESG baixas, reduzindo sobremaneira o número de oportunidades em investimentos ESG. O sistema todo — e as lucrativas taxas de gestão que as empresas de investimento capitalizam com investimentos ESG por um “capitalismo consciente” — poderia ser interrompido.
Talvez seja exatamente isso o que precisamos. Já faz muito tempo que CEOs adotam a mentalidade do “crescimento a qualquer custo” para maximizar o valor para os acionistas. Apesar das catástrofes e das injustiças em curso, eles estão sendo avaliados positivamente por meio de um sistema de pontuação ESG que ofusca a natureza de sua responsabilidade social corporativa. Para serem líderes ESG de fato, eles terão de pagar mais aos trabalhadores, fazer com que seus produtos sejam menos viciantes e aumentar seus gastos para proteger o meio-ambiente. Em outras palavras, podem ter de sacrificar seus lucros. Ser fiel aos fatores ESG não vai ser tão fácil.
O AUTOR
Hans Taparia (@hanstap) é professor da Stern School of Business na New York University.
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