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Cresce o Movimento de Empresas B

A campanha para melhorar o capitalismo fazendo com que empresas priorizem stakeholders jamais poderia dar certo sem a adesão das grandes multinacionais. Agora que Danone, Laureate Education e Natura aderiram, o movimento de Empresas B está mostrando como isso pode ser feito.

Por Christopher Marquis

Ilustração: Gwen Keraval

Em 12 de abril de 2018, a Danone North America (NA) organizou uma celebração em Manhattan para marcar várias de suas conquistas recentes. Conduzido por seu CEO, Mariano Lozano, o evento seria visto, ao vivo ou gravado, pelos funcionários em todo o mundo. Era o primeiro aniversário da  Danone NA — criada um ano antes com a fusão da empresa de laticínios da Danone nos Estados Unidos e a WhiteWave Foods. Mais importante ainda era o fato de que aquela era a celebração do primeiro ano da companhia como benefit corporation (empresa de benefício), uma forma corporativa legal e inovadora de explicitamente reconhecer os compromissos de responsabilidade empresarial para com todos os stakeholders (as partes interessadas), não apenas shareholders (os acionistas). Além disso, anunciou Lozano, a NA havia acabado de obter o certificado de Empresa B — uma certificação emitida por terceiros que comprovava o alto nível de seu desempenho no que diz respeito a padrões ambientais, sociais e administrativos, bem como o compromisso da empresa com a transparência a respeito desses assuntos diante do público em geral.

Ao ser certificada, a Danone NA tornou-se a maior Empresa B do mundo. Com uma venda anual de U$6 bilhões, ela tem o dobro do tamanho da segunda colocada. Depois da comemoração em Manhattan, Emmanuel Faber, CEO da matriz da Danone NA, anunciou que a Danone Internacional havia estipulado como objetivo a certificação completa como Empresa B para 2030 (depois mudaria para 2025). Quando uma empresa como a Danone, listada na Fortune Global 500 com mais de U$30 bilhões em receitas, assume tal compromisso, isso indica que o movimento internacional de Empresas B está se aproximando de um ponto de inflexão após o qual a maior parte das empresas, se não todas, terá de lidar com o problema de como conseguir não apenas ir bem, mas também fazer o bem.

Liderado pela organização sem fins lucrativos B Lab, o movimento de Empresas B tem por alvo oferecer uma solução ao reconhecimento cada vez maior de que a adoção “da primazia do acionista” por parte das empresas é o principal causador de muitos dos problemas fundamentais enfrentados pelo mundo nos dias atuais, incluindo mudança climática, desigualdade de renda, a dificuldade que muitas regiões enfrentaram para lidar com a pandemia de Covid-19, e até as injustiças raciais que impregnam nossas instituições. Políticos dos mais variados como os senadores americanos Marco Rubio e Elizabeth Warren condenaram a filosofia de se priorizar o acionista, afirmando ser um desastre para a economia dos Estados Unidos. Recentemente, essa ideia começou a ganhar força entre líderes empresariais. O Business Roundtable (BRT), grupo comercial que representa aproximadamente duzentas das maiores empresas dos Estados Unidos, alterou sua declaração acerca do “propósito de uma corporação”, incentivando empresas não apenas a atender às necessidades de seus acionistas, mas a também se concentrar mais em seus stakeholders, incluindo funcionários, consumidores e a sociedade.

Contudo, os críticos de tais compromissos questionam até que ponto eles são apenas um discurso desprovido de ação. Por exemplo, o Marriott, um dos signatários do BRT, concedeu licença a uma grande parcela de seus empregados americanos durante a crise da Covid-19 ao mesmo tempo em que pagou mais de U$160 milhões em dividendos para acionistas, além de ter dado um aumento a seu CEO. O Council of Institutional Investors (CII) chegou ao ponto de descartar tal alteração nos propósitos corporativos alegando que “prestar contas a todo mundo significa não prestar contas a ninguém”.

O modelo da Empresa B aborda esse problema da prestação de contas de maneira direta, oferecendo ferramentas, métodos e estruturas legais para empresas alinharem suas operações a valores de longo prazo que levem em conta todos os stakeholders. Também auxilia a construir confiança e valor de marca junto ao público em geral. Além disso, fazer essa avaliação demonstrou ajudar as empresas a se envolver em melhorias continuadas. Até pouco tempo, o B Lab concentrava-se em pequenas e médias empresas, tais como Kickstarter, Allbirds, Casper, e Bombas. Porém, se o objetivo final é desenvolver “uma aliança internacional que alinhe suas iniciativas para alcançar nosso propósito comum de prosperidade compartilhada e duradoura para todos”, como afirma o B Lab, o movimento deve contar com a adesão de grandes multinacionais de capital aberto.

Tomando como base a extensa pesquisa que fiz para meu livro Better Business: How the B Corp Movement is Remaking Capitalism (Negócios Melhores: Como o Movimento de Empresas B está Refazendo o Capitalismo, ainda sem tradução para o português), este artigo analisa os desafios e benefícios da certificação de Empresa B para grandes multinacionais de capital aberto, tais como Danone, Unilever, Laureate Education — a primeira Empresa B de capital aberto — e Natura, empresa brasileira de cosméticos e a primeira de capital aberto a obter a certificação de Empresa B. A pergunta principal é se o sistema de certificação pode ser adaptado para permitir que grandes empresas multinacionais sejam certificadas, enfrentem o escrutínio público e mantenham os altos padrões do B Lab. Consumidores estão, com razão, receosos em relação às grandes corporações: eles questionam as intenções das empresas e seus erros de julgamento podem viralizar rapidamente. Assim, alguns apoiadores acreditam que a integridade do movimento se diluiria com a adesão de grandes empresas. Porém, se vamos construir um capitalismo mais sustentável e resiliente na esteira da pandemia e de seus efeitos econômicos, grandes empresas e multinacionais de capital aberto devem adotar métodos e processos rigorosos para levar a sério todos os stakeholders.

 

O movimento global de Empresas B

 

O movimento de Empresas B foi lançado por Jay Coen Gilbert, Bart Houlahan e Andrew Kassoy, amigos que se conheceram quando estudavam na Stanford University. Depois de formados, Coen Gilbert e Houlahan criaram uma marca de roupas de basquete, enquanto Kassoy trabalhou com gestão de investimento. Duas décadas mais tarde, eles chegaram à conclusão de que os negócios, embora fossem um enorme motor para lidar com problemas sociais, também enfrentavam barreiras na busca pelo bem social. Em 2006, fundaram o B Lab, instituição sem fins lucrativos, para apresentar uma nova forma de fazer negócios na qual avaliavam empresas com base no modo como elas afetavam cada pessoa influenciada por suas operações — não apenas os acionistas.

O movimento de Empresas B é “uma comunidade de líderes impulsionando um movimento internacional de pessoas que usam os negócios como uma força para fazer o bem”, segundo o site do B Lab. No cerne do movimento estão os líderes corporativos e empreendedores que adotam os métodos do B Lab para gerir suas empresas de uma maneira a levar em conta os interesses de todos os stakeholders. Dezenas de milhares de empresas ao redor do mundo passaram pela auditoria desenvolvida pelo B Lab, a Avaliação de Impacto B (B Impact Assessment, BIA), para medir seu impacto social e ambiental e avaliar suas operações e modelo de negócio. Cada vez mais investidores em capital de risco e private equity também estão dando valor a essa ferramenta e a vendo como uma forma de avaliar as operações de uma empresa e incorporá-la a seus processos de auditoria.

 Para ser uma Empresa B, a candidata tem de alcançar uma pontuação mínima comprovada de 80 pontos, de um total de 200, na BIA. A BIA é elaborada segundo o tamanho, a indústria e o mercado das empresas, e divide-se em cinco áreas: administração, funcionários, clientes, comunidade e meio-ambiente. Cada uma dessas áreas conta com um grupo de questões com pesos específicos, em um total de cerca de 200 perguntas. Enquanto a realização da avaliação leva apenas algumas horas, as empresas gastam meses para concluir o processo de avaliação e verificação devido ao grande número de documentos exigido pelo B Lab. Em 2020, mais de cinquenta mil empresas usavam a BIA.

Ademais, as empresas devem assinar a B Corp Declaration of Interdependence (Declaração de Interdependência de Empresa B), na qual as empresas se comprometem a ser uma força para o bem do mundo. Também se exige que seja dada proteção legal a diretores e oficiais para que levem em conta os interesses de todos os stakeholders, o que pode exigir que a empresa altere seu contrato social, passando a ser uma Empresa B ou a permita realizar outras mudanças estruturais dependendo da estrutura e localização da empresa. Além disso, a cada três anos uma recertificação é exigida.

À medida que o movimento evoluía, o B Lab alterou seu foco, então voltado para a adesão de mais Empresas B, e passou a criar as ferramentas e os processos necessários para que “todas as empresas possam ser mais parecidas com Empresas B”. O B Lab, por exemplo, investiu para elaborar — e ver aprovadas — legislações de Empresas B, uma estrutura legal inovadora que coloca os benefícios sociais e os direitos dos trabalhadores, a comunidade, e o meio-ambiente em pé de igualdade com acionistas financeiros. Empresas B registradas não só dão permissão aos empreendedores para que levem em conta outros interesses além daqueles dos acionistas, mas também oferece proteção aos fundadores preocupados com o fato de que a entrada de capital externo pode levar suas empresas a se afastar de sua missão social.

Nos Estados Unidos, figuras políticas de diferentes setores partidários têm apoiado a aprovação da lei que estabelece Empresas B em 36 estados americanos, no Distrito de Columbia e em Porto Rico. Essa inovação está varrendo o globo: leis parecidas foram aprovadas na Itália, na Colômbia, no Equador e na província de British Columbia, no Canadá, e estão sendo discutida em muitos outros países e regiões. Mais de dez mil empresas em todo o mundo adotam atualmente esse tipo de estrutura corporativa.

Hoje em dia, mais de cinco mil empresas em 84 países possuem certificação de Empresa B. Muitas são bastante populares, como Patagonia, New Belgium Brewing, Eileen Fisher e o Guardian Media Group. Críticos ao movimento de Empresas B, porém, observam que isso tem se restringido a basicamente empresas pequenas. De fato, 95% das Empresas B certificadas são de pequeno e médio porte que contam com menos de 250 funcionários, segundo uma análise realizada pela Quartz 2. Se o movimento deseja mudar o capitalismo deve conquistar as grandes multinacionais.

 

A adoção por parte das grandes empresas de capital aberto

 

Inúmeras multinacionais de capital aberto ficaram expostas ao movimento de Empresas B seja por terem comprado uma empresa com certificação de Empresa B ou por terem entre suas subsidiárias uma instituição certificada. A Unilever, por exemplo, detém várias subsidiárias dotadas de certificação de Empresa B, incluindo Ben & Jerry’s, Seventh Generation, Pukka Herbs, Sundial Brands e Sir Kensington’s. Paul Polman, ex-CEO da Unilever, falou publicamente diversas vezes sobre os benefícios de se tornar uma Empresa B, sinalizando que a própria Unilever planejava obter certificação internacionalmente. Embora Polman tenha se aposentado em 2018, seu sucessor, Alan Jope, planeja sustentar o ponto de vista de Polman. Outras empresas importantes com subsidiárias que detêm certificação de Empresa B são (as Empresas B estão entre parênteses): Procter & Gamble (New Chapter), Gap (Athleta), Campbell Soup Company (Plum Organics), Nestlé (Garden of Life), SC Johnson (Method, Ecover), Anheuser-Busch (4 Pines Brewing Company), The Coca-Cola Company (Innocent Drinks), and OppenheimerFunds (SNW Asset Management).

O movimento de Empresas B atingiu um marco importante em dezembro de 2014, quando a Natura, principal fabricante de cosméticos e produtos de higiene pessoal do Brasil, obteve seu certificado, tornando-se a primeira Empresa B atuante em uma importante bolsa de valores nacional (São Paulo NATU3). Com mais de U$3 bilhões em valor de vendas anuais, a Natura era, àquela altura, a maior empresa com certificação B3. A missão central da Natura é criar um mundo melhor por meio de seu “comprometimento com transparência, sustentabilidade e bem-estar”. A empresa mede o impacto ambiental de todos os seus produtos e apoia a preservação da região amazônica extraindo os ingredientes de suas florestas de maneira sustentável4.

Em janeiro de 2020, a Natura comprou a Avon, pioneira na venda de cosméticos direto ao consumidor nos Estados Unidos, por U$2 bilhões. Como parte do acordo, a Avon passará a adotar uma estrutura de Empresa B. Foi a primeira vez que diretores de uma empresa americana de capital aberto votaram pela adoção de uma estrutura corporativa voltada para stakeholders. A compra da Avon ajuda a expandir a influência da Natura para um grupo de clientes mais amplo e a causar um impacto social maior. Em vez de ser “a melhor empresa de beleza do mundo”, sua aspiração, segundo o então CEO da Natura, Roberto Marques, é se tornar “a melhor empresa de beleza para o mundo”.5

Assim como a Avon, a Natura tem um modelo de venda direta: sua rede conta com 1,6 milhão de pessoas, em sua maioria mulheres, que vendem os produtos da empresa em diversos países. Ademais, oferece apoio a 3.100 empresas familiares usando-as como fornecedoras. Seus vendedores passam por um treinamento extenso e cerca de três quartos deles se beneficiam do plano de participação nos lucros da empresa. Em 2019, a Natura tinha quase sete mil empregados trabalhando em operações na Europa e na América Latina. A aquisição da Avon ocorre após a empresa ter comprado, em 2017, The Body Shop, Empresa Britânica pioneira no setor de cosmético-orgânico, e faz da Natura a quarta maior empresa de beleza do mundo, com 6,4 milhões de vendedores em cem países. Espera-se que a empresa oriunda dessas aquisições atinja receitas superiores a U$10 bilhões, ultrapassando a Danone NA e se tornando a maior empresa com certificação B do mundo.

 

A primeira Empresa B de capital aberto

 

Enquanto a Natura tornou-se primeiro uma empresa de capital aberto e depois uma Empresa B, a Laureate Education, empresa de ensino superior com fins lucrativos, fez o inverso. A empresa se reestruturou como Empresa B de capital aberto em Delaware, em outubro de 2015, e se tornou, em dezembro, uma empresa com certificação B. Em 31 de janeiro de 2017, a Laureate fez um IPO (initial public offer, oferta pública inicial) na NASDAQ, tornando-se a primeira Empresa B de capital aberto em uma bolsa de valores dos Estados Unidos. Embora as conversas tenham levado cerca de dois anos e atrasado seu IPO, Doug Becker, fundador e antigo CEO, acredita que foi importante fazê-lo para que investidores soubessem o que a empresa planejava fazer antes de comprar suas ações.

“Durante muito tempo não era fácil explicar a ideia de uma empresa com fins lucrativos tão comprometida com benefícios sociais”

“Equilibrar as necessidades de nossos constituintes foi fundamental para nosso sucesso e longevidade, permitindo que crescêssemos durante períodos econômicos desafiadores, escreveu Becker em uma carta para potenciais investidores anexada ao documento de valor imobiliário da empresa (também conhecido como S-1) para a Comissão de Valores Imobiliários. “Durante muito tempo não era fácil explicar a ideia de uma empresa com fins lucrativos tão comprometida com benefícios sociais”. É por isso que o movimento de Empresa B atraiu nosso interesse, explica. “Observamos esse conceito com atenção à medida que ele varria o país… esta nova classe de empresa que se compromete com os mais altos padrões de propósito corporativo, com prestação de contas e transparência”.

Para a Laureate, a certificação de Empresa B foi uma escolha estratégica para dissipar a reputação ruim do setor de educação com fins lucrativos quando a Laureate se tornou uma empresa de capital aberto, uma vez que provedores educacionais com fins lucrativos, como Trump University (que oferecia programas voltados para o mercado de imóveis) e Corinthian Colleges (que oferecia cursos voltados para diversas áreas, incluindo negócios, saúde e tecnologia da informação), haviam sido processados por propaganda enganosa e por ludibriar seus estudantes de maneira intencional. Em vez de se concentrarem na educação, muitas escolas com fins lucrativos priorizavam as vendas, pressionando alunos a contrair dívidas significativas com base em falsas promessas de oportunidades de empregos. A certificação B ofereceu a Laureate uma maneira de demonstrar, com credibilidade, que a empresa estava focada nas necessidades de seus alunos.

Na época de sua certificação B, a Laureate tinha mais de oitenta instituições espalhadas por 25 países, da América Latina (Brasil, Chile, Peru) e da América Central e do Norte (Honduras, Costa Rica, Panamá, México) até Austrália e Nova Zelândia. Embora precisasse que sua pontuação média na BIA no tocante à receita ficasse acima de oitenta pontos apenas em suas filiais para conseguir a certificação, a Laureate  assegurou que todas as suas instituições atingissem tal marca.

O processo de certificação foi complicado e oneroso. Emal Dusst, que, à época, era diretor de estratégia e chefe de pessoal de Becker, explicou que enquanto a certificação pode, em geral, ocorrer às margens das operações usuais da empresa, a Laureate basicamente “abriu mão de todo o resto para fazer com que aquilo acontecesse”. Dusst deixou os CEOs de cada região a par do que se passava e eles então passaram a trabalhar com os CEOs de cada instituição. A empresa distribuiu materiais de avaliação, recursos e orientações por meio dessa rede de executivos. “Depois, apenas nos certificamos de que todos participassem das reuniões quinzenais com a sede para que tudo saísse como planejado”, afirma Dusst. Cada instituição era responsável por coletar todos os dados e documentos importantes para sua própria avaliação. Além disso, cada instituição passou por uma entrevista de, no mínimo, duas horas para que suas respostas fossem checadas pelo B Lab. O B Lab escolheu de maneira aleatória cinco instituições para inspecionar em suas visitas presenciais. Em cada uma delas, o B Lab analisou todos os documentos, percorreu as instalações e entrevistou diferentes funcionários e membros do corpo docente.

“Nossa vantagem foi o fato de que muitas das coisas que nos foram perguntadas sobre o processo de certificação eram coisas que já vínhamos fazendo”, explica Adam Morse, tesoureiro internacional da Laureate e vice-presidente sênior de finanças corporativas. Contudo, houve alguns desafios sistemáticos nos locais mais variados. Em alguns casos, as instituições simplesmente não sabiam as respostas devido a questões administrativas. Em algumas regiões, por exemplo, é ilegal perguntar sobre raça ou perfil demográfico.

Ademais, às vezes tinham de lidar com situações contraintuitivas. Por exemplo, Dusst esperava que uma nova instituição em um prédio novo em folha recebesse uma avaliação positiva por ser “ecológico”, mas, em vez disso, perdeu pontos porque a BIA prefere o uso de prédios já existentes. No fim, concluiu Morse, “a mentalidade de Empresa B já estava bastante arraigada à nossa organização. Talvez tivéssemos de mudar o modelo como as administrávamos e as controlávamos, mas não estávamos começando do zero”.

No entanto, a Laureate se beneficiou da certificação de diferentes formas. Uma delas foi a criação de práticas comuns entre suas diversas redes. Por exemplo, como resultado do seu trabalho em prol da certificação, a Laureate reavaliou seu código internacional de éticas, tomando emprestado a linguagem presente na BIA para solidificá-lo e fortalecê-lo. A empresa também ficou mais ciente de suas externalidades e de seu impacto como um todo. Antes da BIA, por exemplo, a Laureate nunca havia adotado uma ferramenta centralizada de gerenciamento de dados que permitisse que seus líderes visualizassem seus stakeholders em escala internacional. Muitas de suas instituições tinham como objetivo o que o B Lab chama de populações com interesses especiais, tais como minorias carentes, estudantes de baixa renda e adultos que estão retomando os estudos. Apesar de contar com uma grande percentagem desses grupos em muitas de suas instituições, a Laureate não tinha um sistema de agrupamento para realmente entender quem eram todos os seus stakeholders em escala global. Líderes me disseram que agora entendem sua clientela melhor e têm um sistema de monitoramento em uso para focar melhor naqueles que estão tentando atingir. A certificação da Laureate de 2017 mostrou que metade de seus alunos vêm de grupos carentes.

A BIA ajudou a padronizar muitas práticas por toda a organização global, mas áreas focais da avaliação podem variar de acordo com o país de cada uma das instituições. Assim, enquanto a Laureate procurava adotar a prática mais centralizada possível, a empresa também percebeu que implementar melhorias relevantes para instituições específicas poderia ser eficaz, em vez de apenas promover mudanças em suas políticas que se aplicassem da mesma forma a todas as suas instituições. “Para uma empresa internacional, é importante criar políticas que sejam suficientemente flexíveis para que possam ser aplicadas em todos os países mas que também sejam suficientemente específicas para atender a alguns dos critérios da avaliação”, afirma Todd Wegner, que era gerente sênior de relações públicas internacionais e gerente do programa de Empresa B da Laureate.

Morse me contou que em 2019 a Laureate anunciou que reduziria seu foco geográfico para poder alinhá-lo melhor à sua missão principal; e acrescentou dizendo que, no futuro, se concentraria principalmente no Chile, Peru, México e Brasil, ao passo que manteria algumas atividades na Austrália e Nova Zelândia6.

A experiência da Laureate também mostra como empresas interessadas em certificação podem convencer seus conselhos e seus tradicionais investidores de private equity. A Laureate levou quase dois anos para conscientizar os investidores a respeito das empresas de benefício e da certificação de Empresa B7. A empresa teve várias conversas com seus investidores e com o conselho para informá-los do movimento de Empresa B e convencê-los de que aquela era a coisa certa a se fazer. “Nós convidamos o CEO da Ben & Jerry para falar com nosso conselho porque queríamos que eles fossem instruídos”, conta Becker. “Queríamos ouvir de alguém que havia passado pelo processo e ainda o estivesse implementando à sua missão principal”.

Quando os líderes da empresa estavam viajando para apresentar a empresa aos investidores, estes perguntavam: “O que é uma Empresa B de capital aberto?”, recorda-se Becker. “A percepção inicial que a maior parte das pessoas tinha era algo como: ‘Uau, esta deve ser uma estratégia de tributária”. Mas, então, a Laureate tirava cinco minutos de sua apresentação para explicar o movimento de Empresa B, relembrando os investidores de que o slogan da Laureate é Here for Good, expressão que carrega duplo sentido: o de uma empresa que está “aqui para fazer o bem” em prol da sociedade, e que também está “aqui para sempre”. O trabalho pela Empresa B ajudou a organização a fazer com que os investidores entendessem a importância do planejamento e das compensações a longo prazo, em vez do foco tradicional e de curto prazo das empresas de capital aberto.

No início, os líderes da Laureate perguntaram se receberiam uma avaliação IPO mais baixa por serem uma Empresa B, uma vez que não estariam maximizando o valor do acionista. Eles passaram muito tempo realizando a auditoria a respeito das ramificações legais e relacionadas aos lucros das mudanças. Becker se lembra de que “quando conversamos com diferentes banqueiros e realizamos alguns estudos sobre a TIR (Taxa Interna de Retorno) em diferentes cenários, ninguém sabia responder se isso seria bom ou ruim para as ações, mas ficou claro que tudo ficaria bem, que, provavelmente, seu impacto seria neutro”. Embora tenha persistido a preocupação a respeito da retirada do foco da maximização dos lucros, os líderes da Laureate resolveram fazer seu melhor para mostrar ao mundo “que não éramos como maçãs podres”, afirma Becker, e que sem essa estrutura legal e sem certificação, “aquilo ficaria parecendo algo de fachada”.

Uma das perguntas mais comuns ouvidas por Morse era: “Isso quer dizer que se uma coisa for benéfica para os acionistas, você não vai implementá-la?”. E sua resposta era: “Isso significa apenas que precisamos levar em conta o propósito público ou o benefício público declarado da empresa quando tomarmos decisões”. Um ótimo exemplo desse dilema seria um projeto de investimento de capital. “No caso daquela proposta em que alguém diz ‘quero investir em um campus novo’ ou ‘quero fazer este tipo de investimento neste tipo de projeto’, a proposta de investimento que é analisada tem de incorporar um relatório que avalie como esse projeto está alinhado aos pontos desenvolvidos internamente para nossa Empresa B”, explica Morse. Em vez de focar somente em uma coisa na hora de tomar decisões, explicou ele para os investidores, a empresa precisa se concentrar em diferentes componentes e tomar uma decisão mais complexa e mais benéfica.

No fim, a Laureate não encontrou muita resistência por parte dos investidores. Os líderes ponderaram que “investidores como a KKR (Kohlberg Kravis Roberts), uma clássica ‘especuladora corporativa tradicional’ e pioneira na aquisição de empresas com um volume significativo de capital de terceiros, compreenderam totalmente nossa missão social inerente”. Isso ajudou a convencer outras instituições de investimento de que Empresas B são investimentos sólidos e seguros. Em julho de 2020, a Lemonade (Nasdaq: LMND), que trabalha com seguros, tornou-se a segunda empresa americana de capital aberto a ser Empresa B.

 

A Danone foi pioneira no processo de certificação de multinacional

 

Quando a Laureate obteve sua certificação B, a Danone começou a trabalhar com o movimento de Empresa B, algo que foi crucial para a expansão do B Lab na Europa e que é, atualmente, passo fundamental para o movimento como um todo. Em dezembro de 2015, a Danone assinou um acordo com o B Lab que exigia dois compromissos principais. Primeiro, a Danone testaria a ferramenta BIA em algumas de suas subsidiárias. Em segundo lugar, ajudaria o B Lab a adaptar a BIA para empresas maiores, a testaria em si quando estivesse disponível, e ajudaria a apresentá-la a outras grandes empresas.

Durante anos a Danone vinha comprando empresas da indústria alimentícia e expandindo para várias partes do mundo. Em 2016, quando a Danone adquiriu a WhiteWave Foods, empresa americana de comida e bebida com quase U$4,2 milhões em vendas anuais, Faber esperava mais do que sinergias estratégicas. “Começar do zero como uma Empresa B de capital aberto deu destaque àquela fusão como nenhuma outra — para as próprias pessoas envolvidas no negócio”, afirma. “Provavelmente, poucas sabiam o que era uma Empresa B de capital aberto, e, por isso, tivemos de explicar-lhes o que aquilo significava. Àquela altura, estávamos assinando um cheque de U$12 bilhões, e esse é um momento muito oportuno para explicar que tipo de criação e avaliação de valor desejávamos ver surgir da fusão daquelas duas empresas”.

Representando mais de 15% de todo o negócio da Danone, a Danone NA é atualmente a maior Empresa B de capital aberto do mundo. Um ano após sua fundação, em abril de 2018, a Danone NA obteve sua certificação de Empresa B. Embora isso tenha acontecido dois anos antes do programado, o processo de avaliação foi bastante desafiador. Assim como a Laureate, a Danone NA e todas as suas subsidiárias precisaram alcançar uma pontuação média na BIA, no tocante à receita, superior a oitenta pontos para conseguir a certificação. Deanna Bratter, diretora-sênior de benefício público e desenvolvimento sustentável, disse que eles “tiveram de preencher cinco Avaliações de Impacto B, não uma, para obter, separadamente, certificações para a DanoneWave, Earthbound Farm, Alpro [empresa europeia], bem como para outras duas entidades menores, para que a empresa toda obtivesse a certificação”. Uma BIA conta, normalmente, com duzentas perguntas, e “nós acabamos respondendo mais de 1.500 perguntas juntando todas as nossas empresas”, conta Bratter.

O B Lab também aprendeu nesse processo que é preciso determinar o escopo da avaliação com grandes multinacionais antecipadamente — tais como quantas avaliações elas tinham de preencher e onde ocorreria a incorporação legal. A certificação inclui um questionário de divulgação que não tem impacto no resultado mas que leva em conta possíveis pontos negativos que podem pesar mais do que os positivos avaliados pela BIA, tais como práticas criteriosas, multas e sanções sofridas pela empresa ou por suas parceiras. Em geral, o B Lab realiza esse questionário já bem próximo ao fim do processo, depois de a empresa ter alcançado ao menos oitenta pontos na BIA. Porém, como se recorda o co-fundador do B Lab, Bart Houlahan, acerca das divulgações, “é uma lista bastante extensa para uma empresa daquele tamanho e deixá-la para o fim provocava grande ansiedade em todos. Por isso [para a certificação da Danone NA], decidimos realizá-la mais cedo, trazendo-a para o início do processo”.

A idéia do B Lab de que as empresas “competirão para ser melhor para o mundo” não pode ser alcançada sem a inclusão de multinacionais de capital aberto.

O processo de certificação de Empresa B teve impactos comerciais importante na Danone NA. Como a integração e a certificação da fusão ocorreram concomitantemente, a BIA atuou como uma estrutura abrangente para que a Danone NA construísse uma entidade coesa e alinhada a seu comprometimento para com a sustentabilidade. Bratter deu o exemplo das vantagens: “Ao nos reunirmos com nosso time de compras, aprendemos que parte da integração/fusão corporativa tinha a ver com integrar centenas de fornecedores às nossas novas políticas de fornecedores e a continuar a atualizar os contratos. Conseguimos lançar e aprimorar a política de suprimentos e incluir critérios tirados do processo da BIA que julgávamos importantes para nosso negócio: priorizar empresas que pertenciam a membros de grupos minoritários, priorizar fornecedores que se encontravam próximo a nossas fábricas, e ajudar a reduzir pegada de carbono, e a estimular economias regionais. Fomos capazes de incluir isso em nossa documentação e a desenvolver esse programa. Agora, temos uma organização totalmente implementada defendendo e observando todos esses critérios extras”. A equipe se concentrou nas melhorias como um todo, em vez de simplesmente conseguir bons resultados na BIA. A Danone também planeja integrar a BIA a seu sistema interno de avaliação. Tal implementação não apenas facilitará futuras certificações, mas, também, fornecerá um ponto de referência quanto à sustentabilidade para a empresa toda.

Após a certificação da Danone NA, a Danone anunciou que a empresa “crescerá como uma Empresa B”. Em junho de 2020, vinte das subsidiárias da Danone tinham obtido a certificação, o que representa mais de 30% de toda a receita da empresa. Além disso, na esteira da disruptura econômica provocada pela pandemia, em junho de 2020, a Danone se tornou a primeira empresa de capital aberto a adotar o novo modelo francês Entrerprise à Mission, que permite que a missão da empresa vá além do foco tradicional na maximização de lucros a curto prazo e abarque outros stakeholders e fatores sociais e ambientais a longo prazo.

 

Como certificar grandes empresas

 

A missão geral do B Lab é que “um dia todas as empresas compitam para o melhor para o mundo”. Essa ideia claramente não pode ser alcançada sem a inclusão de multinacionais de capital aberto. Desde que a Danone NA obteve sua certificação, em 2018, ao menos sete outras multinacionais entraram em contato com a empresa para saber mais sobre o processo. Embora o B Lab esteja nos primeiros estágios de conscientização das grandes corporações, seu modelo e suas ferramentas de Empresa B estão começando a ganhar força entre grandes empresas. Por exemplo, seu novo programa, Construtores de Empresas B (B Movement Builders) oferece uma forma para as grandes empresas participarem do movimento e darem os primeiros passos para “passar a ser como uma Empresa B”.

Quando grandes empresas começaram a demonstrar interesse em se tornar Empresa B, a equipe do B LAb enfrentou o desafio de melhorar e repaginar seu atual sistema de certificação — desenvolvido para empresas de pequeno e médio porte, que são a maioria das organizações com certificação de Empresa B — para permitir que organizações maiores fossem certificadas, ao mesmo tempo que mantinha os rigorosos padrões da equipe. Para fazer isso, o B Lab começou, em 2015, a trabalhar de perto com inúmeras multinacionais, incluindo Danone, Unilever, e Natura para desenvolver caminhos para certificar grandes empresas-mãe cujas receitas anuais ultrapassam U$5 bilhões.

O B Lab primeiro precisou lidar com o rigor e a amplitude dos padrões para uma grande multinacional e decidir se as tradicionais exigências legais de Empresa B deveriam continuar a fazer parte do processo. Rapidamente o grupo concordou que os padrões precisavam ser ainda mais rigorosos para corresponder ao escopo dos impactos provocados pelas grandes empresas na sociedade e no meio ambiente. Concordaram ainda que empresas de capital aberto deveriam atender às exigências legais da mesma forma que outras Empresas B, reconhecendo que empresas do mercado de capital aberto são aquelas que mais fazem pressão em prol de receitas de curto prazo.

As novas exigências para a certificação foram divulgadas em abril de 2019 e incluem um processo extra de pré-triagem que verifica se a empresa atendeu a algumas das exigências básicas antes de ser declarada elegível para buscar a certificação. A empresa deve, por exemplo, demonstrar que está realizando uma avaliação para identificar os principais problemas ambientais, sociais e administrativos ligados às suas operações — por meio de um processo que envolva stakeholders, seja transparente e realizado ao menos uma vez a cada dois anos. Depois, as estratégias de gestão da empresa devem incluir metas de desempenho específicas e aspiracionais para as questões identificadas — metas que tenham sido avaliadas pelo conselho e disponibilizadas para todos os stakeholders.

A empresa também deve emitir declarações públicas sobre sua abordagem no que se refere a assuntos governamentais (lobby e advocacy, por exemplo) e a sua filosofia quanto a tributação, incluindo sua alíquota tributária efetiva geral. Ademais, deve articular uma política de direitos humanos que comprometa a empresa a seguir os principais pactos ligados ao tema — como a Declaração Universal de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas e os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos — ou abordar as questões específicas relacionadas aos direitos humanos identificadas e relevantes para o negócio mediante uma avaliação do impacto causado. O conselho da empresa deve monitorar todas essas exigências. Por fim, usando padrões estipuladas por terceiros, a empresa deve preparar relatórios anuais sobre impacto que devem ser disponibilizados para o público. O Independent Standards Advisory Council do B Lab supervisiona e determina até que ponto uma empresa atende a esses requisitos.

Em seguida, vem o processo de definição do escopo, durante o qual o B Lab exige um panorama geral da estrutura e da gestão da empresa para determinar o número de BIAs que deve ser completado para a obtenção da certificação completa. O B Lab oferece orientação sobre cronograma de avaliação e verificação, bem como sobre o requisito legal para a certificação (quando e qual[is] entidade[s] legal[is] deve[m] cumpri-lo[s]). “Em muitos casos, é bem mais complicado do que simplesmente falar algo como: ‘Bem, aqui está uma parte do negócio; podemos traçar um círculo aqui; sabemos exatamente o que está sendo feito’”, explica Kara Peck, diretora de desenvolvimento corporativo do B Lab. “Por exemplo, uma empresa pode ter uma marca que está em operação nos Estados Unidos, mas [cujas] operações internacionais estão integradas à matriz — portanto, a mesma marca, mas empregados diferentes, fábricas diferentes e práticas diferentes. A realidade é que as maneiras como as grandes empresas trabalham faz com que seja desafiador dividi-las em partes distintas”. Esse processo assegura que quando uma empresa é certificada, seus pontos obtidos na BIA refletem todas as suas unidades corporativas.

A próxima etapa — avaliação e verificação por meio da conclusão de várias BIAs — é a mais extenuante. Grandes empresas devem completar uma versão da BIA chamada Global Headquarters, que se concentra nas melhores práticas administrativas, antes de completarem as BIAs para cada uma de suas inúmeras subsidiárias e operações. A pontuação é, então, agregada ao cálculo final, nota geral da BIA. Ao menos 95% de suas operações gerais devem ser aprovadas na BIA para que a empresa obtenha a certificação. Se a empresa como um todo atingir ao menos 80 pontos, mas, por alguma razão, uma de suas subsidiárias ficar abaixo dessa pontuação, a empresa obtém a certificação, mas a subsidiária fica limitada em termos de branding e de marketing quanto ao logotipo de Empresa B. Por exemplo, a International Delight, marca de café com creme da Danone, não pôde usar o logo com a certificação de Empresa B até o final de 2018, quando obteve uma pontuação superior a 80 na BIA.

Na era pós-Covid, empresas buscarão formas de se tornar mais resilientes e sustentáveis, e mais alinhadas aos interesses sociais.

Após atingir uma nota verificada de 80 pontos na BIA, a empresa tem dois anos para alterar sua gestão corporativa para atender às exigências legais supramencionadas levando em consideração todos os stakeholders, ou então perderá sua certificação.

 

A construção do movimento

 

Embora o processo de certificação para grandes empresas exista atualmente, o rigor da avaliação e de outras exigências pode parecer intimidantes para muitas delas. Para grandes multinacionais mesmo as perguntas de por onde e como começar são desafiadoras. Simplesmente usar a BIA, que é o que as pequenas empresas fazem, não é prático para grandes empresas que possuem subsidiárias espalhadas por lugares díspares. Primeiro, elas precisam de uma estrutura e de exemplos anteriores de como tais entidades complexas podem lidar com a certificação. É aí que o experimento da Danone é muito útil, uma vez que muitos dos novos processos agora já foram testados na prática. Grandes empresas também desejam se conectar com seus pares. Ao longo de toda a história do B Lab, muitas multinacionais levantaram as seguintes questões: “Quem mais está fazendo isso? Você pode nos colocar em contato?”. Assim, elas também precisam de uma rede de comunicação com outras empresas que estão trilhando o mesmo caminho.

À medida que o B Lab desenvolvia novos processos para grandes multinacionais, essas questões os levaram a rever seus princípios fundamentais e a se perguntar: “O que é o movimento de Empresa B?”. Sempre foi algo que abrangia Empresas B, claro, mas, pensando mais sobre o objetivo mais amplo de subverter a primazia do acionista, o B Lab chegou à conclusão de que deveria criar uma comunidade mais ampla. Por conseguinte, elaborou um novo programa, o B Movement Builders (Construtores Do Movimento De Empresas B), para ajudar grandes multinacionais a se envolver no movimento de uma maneira concreta e progressiva. Para fazer parte do movimento, uma empresa deve se comprometer com os princípios da comunidade de Empresas B: (1) dedicação a altos padrões e metas para transformar o negócio e criar valor para todos os stakeholders, (2) compromissos concretos e avaliação transparente, e (3) colaboração para produzir impacto coletivo.

A empresa também deve adotar medidas tangíveis para demonstrar que está fazendo isso de forma rigorosa e seguindo os ideais da comunidade do movimento de Empresa B. Primeiro, a empresa deve se comprometer publicamente ao movimento assinando a Declaração de Interdependência e compartilhando publicamente seu compromisso com os três princípios do movimento. Depois, o Construtor Do Movimento De Empresas B deve, imediatamente, começar a usar a BIA para avaliar suas empresas, identificando áreas que precisam de melhorias, e, então, tomar atitudes para resolver isso. Essas melhorias podem acontecer com o tempo. Por exemplo, uma empresa pode, inicialmente, avaliar uma única unidade de negócio e então aumentar o escopo das avaliações nos anos subsequentes. Todos os Construtores do movimento de Empresa B devem produzir, e compartilhar publicamente, uma avaliação que identifique os principais problemas ambientais, sociais e administrativos ligados a suas empresas.

Em terceiro lugar, a empresa também deve definir ao menos três metas aspiracionais vinculadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, uma estrutura internacional para a sustentabilidade. A Danone, por exemplo, já o fez. Como sua missão corporativa é “Levar Saúde Pela Comida Para O Maior Número De Pessoas Possível”, a empresa descreve seu principal objetivo com base no ODS 2 (Fome Zero), no ODS 3 (Saúde e Bem-Estar) e no ODS 6 (Água Limpa e Saneamento), identificando metas específicas e realizáveis para cada ODS.

Os Construtores do Movimento também devem se comprometer a trabalhar com seus pares e a ampla comunidade de Empresas B para provocar um impacto difundido e ser transparente. Todos eles devem compartilhar publicamente relatórios anuais de impacto. Também lhes é pedido que assinem e divulguem uma carta pública que exija mudanças na liderança corporativa, nos mercados de capital e na política de criação de estruturas administrativas que vão levar a uma economia voltada para todos os stakeholders, em vez de focada apenas nos acionistas.

O programa, lançado formalmente no fim de 2020 junto com um grande de número de empresas, atende às grandes multinacionais nas áreas onde elas se encontram e promove mudanças progressivas. Uma vez que as multinacionais tenham aderido ao programa, elas recebem apoio personalizado, incluindo workshops sobre a BIA e gestão de conta individualizado. O programa também inclui formas de envolver colegas com ideias semelhantes, incluindo uma sessão, de meio período, sobre liderança corporativa, além de reuniões com Empresas B regionais e mesas-redondas.

O lançamento dos Construtores do Movimento de Empresas B já parecia oportuno dada a fúria popular diante da injustiça racial e dos excessos do capitalismo voltado para os acionistas. Na era pós-Covid, empresas também buscarão formas de se tornar mais resilientes e sustentáveis, e mais alinhadas aos interesses sociais. Em vinte anos, prevê Lorna Davis, antiga CEO da Danone NA e embaixadora global das Empresas B, Empresas B serão a regra. As pessoas olharão para empresas que não sejam B e dirão: “Bem, é meio ridículo que você não tenha certificação, uma vez que é assim que se administra um negócio”.

 

O AUTOR

CHRISTOPHER MARQUIS é professor de Sustainable Global Enterprise na Cornell University. É autor de Better Business: How the B Corp Movement is Remaking Capitalism.

Notas

  1. Este artigo é baseado no capítulo dez (Big Isn’t Always Bad) do meu livro Better Business: How the

B Corp Movement Is Remaking Capitalism (New Haven: Conn.: Yale University Press, 2020) e em meu estudo de caso já publicado, Danone North America: The World’s Largest B Corp (Harvard Kennedy

School Case Study 2156, 26 de abril de 2019).

  1.  Cassie Werber, Danone Is Showing Multinationals the Way to a Less Destructive Form of

Capitalism, Quartz, 9 de dezembro de 2019.

  1. Anderson Antunes, Brazil’s Natura, the Largest Cosmetics Maker in Latin America, Becomes a B

Corp, Forbes, 16 de dezembro de 2014.

  1. Oliver Balch, Natura Commits to Sourcing Sustainably from Amazon, The Guardian, 18 de março de

2013

  1. Susie Gharib, Brazil Beauty Company Natura Wants to Give Avon a Makeover, Fortune, 10 de Janeiro

de 2020.

  1. Laureate Education, Inc., SEC Form 10-Q Quarterly Report for the Quarterly Period Ended March

31, 2019, 9 de maio de 2019.

  1. Jay Coen Gilbert, For-Profit Higher Education: Yes, Like This Please, Forbes, 4 de Janeiro de 2018.



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