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A falsa promessa da neutralidade corporativa de carbono

Net-zero” e “neutralidade de carbono” são promessas climáticas corporativas que não vão dar em nada.

Por Auden Schendler

A Falsa Promessa da Neutralidade Corporativa de Carbono
Foto: iStock/RichVintage

Ressaltando a lacuna entre ação real e demagogia, a recente doação visionária de Yvon Chouinard, fundador da Patagonia, para causas climáticas ilumina o caminho para outras corporações progressistas — caso elas decidam segui-lo. Porém, o provável é que não o façam.

No ano passado, fiz consultoria em sustentabilidade para uma jovem empresa voltada para atividades ao ar livre. Eles iniciaram a conversa afirmando que já tinham uma estratégia em mente: buscar uma certificação chamada “Climate Neutral” (Neutralidade Climática) e, como parte disso, comprar créditos de carbono para que pudessem reivindicar um status de “net-zero”.

Passei a hora subsequente explicando por que eu achava aquela uma péssima ideia. Para começar, a Climate Neutral forneceu certificado para 300 empresas, muitas delas do setor de atividades ao ar livre (e essa é apenas uma das muitas certificadoras). Do ponto de vista da diferenciação da marca, aquilo seria se esforçar para naufragar. Mais especificamente: de uma perspectiva ambiental, comprar créditos de carbono — créditos para redução de carbono em um outro lugar — é altamente questionável.

O motivo? Tomemos o plantio de árvores como exemplo. É absurdamente complexo demonstrar se as árvores protegidas vão permanecer vivas a longo prazo, se foram vendidas como créditos de carbono mesmo sem estar protegidas legalmente, ou se sua preservação vai garantir que as árvores no entorno não sejam derrubadas. Atualmente, a imprensa está inundada, positivamente, de desmontes de compras de créditos de carbono (alguns exemplos incluem Bloomberg, Fast Company e o programa de John Oliver, que recentemente passou longos 24 minutos destruindo brilhantemente esse conceito). Devido a esse crescente clamor da mídia, há um evidente risco para a marca na adoção de tal estratégia.

Em vez disso, sugeri: Por que não usar o dinheiro que seria gasto para comprar créditos de carbono em algo realmente impactante, ainda que não lhes rendesse grandes declarações? Adaptar todas as janelas de seu escritório para economizar energia, por exemplo, ou mudar a frota de seus veículos para carros elétricos, o que seria um exemplo para seu setor e para o mundo. Depois, pegar o tempo e a energia remanescentes e publicar um editorial no The Wall Street Journal sobre a necessidade de aprovar legislações climáticas no senado. Você seria o único CEO da sua indústria fazendo isso!

Eu estava esperançoso, mas, no fim, a empresa decidiu buscar a certificação Climate Neutral. Embora bem intencionados, fazer qualquer outra coisa lhes parecia estranho e arriscado.

O Problema com a Neutralidade

Definir objetivos de “neutralidade climática” (“prometo parar de fumar até 2030!”) e então comprar créditos de carbono para atingi-los tornou-se de tal maneira a norma no mundo da sustentabilidade corporativa que se você não estiver fazendo isso parecerá inescrupuloso. Na verdade, é exatamente o oposto. “Net-zero” ou “neutralidade climática” é um conceito tão complicado de ser definido, e muito mais ainda de ser alcançado, que é algo sem sentido por definição.

Se você procurar no Google manchetes recentes para comprovar tal teoria, sua tela vai parecer uma rua de Bagdá, um campo de batalha: As Maiores Empresas do Mundo Acusadas de Exagerar em suas Ações Climáticas. A Verdade Por Trás das Promessas Climáticas Corporativas. As Metas Climáticas das Empresas Estão Ameaçadas por Créditos de Energia Falhos.

Como chegamos a um ponto em que empresas fazem promessas climáticas ousadas e então, quando não as cumprem, tentam obter aprovação comprando créditos de carbono duvidosos? Uma razão está no fato da enorme dificuldade para reduzir as emissões, algo que, antes de mais nada, deveria estar sendo feito. Minha experiência comprova isso: depois de 20 anos implementando eficiência energética em um hotel administrado pela minha empresa em Aspen, Colorado, perguntei ao engenheiro: “Deixamos passar alguma coisa? Há alguma outra grande economia de energia que pode ser feita?”.

“Sim”, respondeu ele, girando um lápis na mão. “Você pode colocar uma porta na garagem”. Duas décadas se passaram e não tínhamos pensado em instalar uma porta na garagem aquecida a quase 2.500 metros de altitude para evitar que o ar quente se dissipasse. Por quê? Porque a energia é tão barata que não entrava no balanço final (nós finalmente instalamos aquela porta).

A neutralidade de carbono cativou a imaginação das pessoas em parte porque a questão climática é complexa e como poucos a compreendem bem o suficiente, o público não conhece o assunto de maneira mais aprofundada. Desse modo, ainda que estabelecer metas e comprar créditos de carbono seja equivalente a se bronzear nos anos 1950 — algo supostamente saudável que na verdade colocava a vida em risco —, a sabedoria popular prevalece. E comprar créditos de carbono parece fazer sentido. Como plantar árvores, ou destruir metano em aterros sanitários, pode não ser bom? Porém, uma análise do Climate Interactive demonstra que mesmo que implementássemos com sucesso todas as compensações naturais de carbono no mundo — sem reduzir as emissões — não limitaríamos o aquecimento abaixo de níveis catastróficos (isso faz com que eu tenha uma única queixa em relação à abordagem da Patagonia: sua ênfase desproporcional em soluções climáticas baseadas na natureza. Precisamos disso, mas tomando como base os modelos, o principal trabalho é interromper as emissões).

A comunidade das organizações sem fins lucrativos fez esforços para ajudar a melhorar a definição das metas das empresas por meio do “Science-Based Targets” (SBT, metas baseadas na ciência), que tenta projetar a “cota justa” de uma empresa para a redução de emissões globais. Mas deixemos de lado o fato de que a SBT substitui metas irreais por outras ainda mais irreais; o verdadeiro problema é que “cota justa” não significa nada em uma iniciativa puramente voluntária. Atualmente, a cota justa de empresas comprometidas está eliminando todas as emissões do mundo porque quase ninguém mais se importa ou age de maneira eficaz. É isso que a Patagonia está tentando fazer.

Como Quebramos Esse Padrão?

Vamos começar perguntando o que as empresas realmente desejam no que diz respeito à “sustentabilidade”. Primeiro, elas buscam diferenciar a marca, o que atrai e retém funcionários, rende publicidade positiva, e promove a fidelidade dos clientes. E também algo que possa ser vantajoso para o meio ambiente. Se uma empresa genuinamente boa obtiver reconhecimento por seu trabalho climático, então ela terá um desempenho superior em comparação às demais, obrigando-as a mudar, a educar seus clientes, e chegando a até tirar do mercado os agentes ruins. Assim, mídia, marca e publicidade, caso não se amparem em greenwashing (como ficaram conhecidas as, estratégias enganosas praticadas por uma empresa para parecer mais preocupada com questões ambientais), são importantes tanto do ponto de vista ambiental quanto do financeiro. Contudo, para ter publicidade positiva é preciso ser diferente, e isso significa não seguir o bando.

Em segundo lugar, teoricamente, as empresas realmente querem resolver o problema climático porque o aquecimento está se mostrando muito disruptivo para as economias internacionais (procure no Google “enchente Paquistão Mississippi”). Isso deve ser enfrentado.

O que nos leva de volta à única solução viável para as empresas que de fato se importam e que desejam ser diferentes — exercer poder, de maneira bastante pública, em prol de políticas que impulsionem mudanças em larga escala. A recém-aprovada Lei de redução da Inflação (Inflation Reduction Act) é a legislação climática mais importante da história. Não apenas destina milhões de dólares para soluções, mas reestabelece a liderança dos Estados Unidos, pressionando outros países a agir. A lei foi aprovada graças à pressão de movimentos sociais — cidadãos, ONGs, líderes climáticos na Câmara e no Senado dos Estados Unidos, e membros da elite como Bill Gates.

Algumas das entidades mais poderosas do país ficaram de fora, e de modo bastante evidente: as grandes empresas. Na verdade, apenas Wallmart, Salesforce e Constellation Energy se manifestaram a favor da lei (no fim, a Microsoft se juntou a elas). Algumas empresas alegaram atuar “nos bastidores”. Se isso for verdade, é algo que nem de longe é tão valioso quanto uma defesa pública. Uma grande parcela do que será preciso para resolver a questão da mudança climática diz respeito a alterações de regras sociais, a começar com a norma de que falar sobre política climática é um tabu.

Quanto mais pensamos nessa estratégia — exercer poder corporativo em prol da mudança sistêmica —, mais magnitude ela ganha. As empresas podem armar seus clientes para a luta (como a Patagonia faz há tempos). Podem pressionar associações comerciais que apresentam relacionamentos abusivos, como é o caso da Câmara de Comércio quando adota políticas climáticas regressivas contrárias aos objetivos de seus membros. Podem gastar os dólares destinados a lobbies com o clima, em vez de com negócios. E, então, em vez de comprar créditos de carbono, podem usar o dinheiro para fazer coisas complicadas que realmente reduzem as emissões, modelam soluções e desenvolvem especialistas comunitários. Isso significa coisas como transformar um prédio de escritório que usa gás natural e abastecê-lo com aquecimento elétrico, ou construir casas para trabalhadores próximas a linhas de transporte público. Estamos diante de uma corrida aberta para aspirantes a líderes climáticos. Tudo o que eles precisam fazer é correr.

Winston Churchill fez um gracejo que ficou famoso: “Pode-se sempre acreditar que os americanos vão fazer a coisa certa… depois de terem tentado todas as outras alternativas”. Neutralidade climática, metas de carbono e compras de créditos de carbono resumem perfeitamente “todas as outras alternativas”. Agora, talvez, seja o momento de fazer a coisa certa.

 

O AUTOR

Auden Schendler é vice-presidente sênior de sustentabilidade da Aspen Skiing Company, consultor da Protect Our Winters, organização sem fins lucrativos, e autor do livro Getting Green Done.



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