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O Racismo do Argumento sobre “A Dificuldade de Achar o Candidato Qualificado”

Estereótipo e discriminações raciais no recrutamento e promoção trazem danos pessoais, de carreira e para a organização

Por Autumn McDonald

 

Muitas organizações empenharam-se para promover mudanças estruturais em seus esforços de equidade racial depois da onda de discussões que o assassinato de George Floyd na cidade americana de Minneapolis deflagrou em 2020. Enquanto inúmeras empresas nos Estados Unidos divulgaram notas, outras, em vez de agir em prol da mera inclusão, optaram por tomar atitudes antirracistas. No entanto, embora dedicar sua atenção à cultura e a novas ideias possa influenciar mudanças, as organizações — sejam elas .org, .gov ou .com — promovem, no fim das contas, mudanças mais significativas se elas são feitas a partir de suas políticas internas. São as políticas de contratação e de promoção que determinam a composição de uma empresa. E o recente aumento dramático do trabalho remoto demonstrou que as instituições não são edifícios ou produtos, mas são seus talentos: os talentos que chegam, os talentos que permanecem e os talentos que comandam. A importância da contratação e da promoção de funcionários faz com que a problemática afirmação de que é “difícil encontrar” um candidato negro qualificado seja mais do que um clichê estereotipado: seus efeitos negativos são um componente racista de longa duração, presente na engrenagem da roda do progresso.

 

Um Líder Diz em Voz Alta Aquilo que É Velado

 

Na primavera passada, durante uma reunião de funcionários pelo Zoom, Charles Scharf, CEO do Wells Fargo, afirmou que o banco enfrentava dificuldade para atingir seus objetivos quanto à diversidade porque simplesmente não havia talentos negros qualificados em quantidade suficiente, reiterando a fala em um memorando por escrito endereçado a todos da empresa: “Embora possa soar como desculpa, a triste realidade é que o banco de talentos negros existente para contratação é muito limitado”. Segundo a agência de notícias Reuters,  “executivos e executivas sêniores negros por todo o país sentem-se frustrados com as alegações de escassez de talento, classificando esse refrão como um dos principais motivos alegados pelas empresas para não implementar diversidade racial e étnica em suas posições de liderança, apesar das intenções declaradas de fazê-lo”. Em setembro, Scharf desculpou-se, rotulando sua declaração como “insensível” e dizendo que refletia “seu próprio preconceito inconsciente”.

Ao falar em “sensibilidade”, o pedido de desculpas reduz o preconceito racial e seus efeitos danosos a uma questão de sentimentos feridos. Contudo, as palavras de Scharf não são apenas indelicadas, elas prejudicam a confiança e o sentimento de pertencimento do trabalhador. Suas palavras não apenas refletem uma maneira de pensar amplamente aceita: refletem o dano potencialmente provocado ao longo de toda uma vida profissional — na contratação, nas promoções e na cultura organizacional.

 

Um Refrão Comum

O CEO do Wells Fargo não está sozinho. As crenças de que candidatos negros são raros e de que funcionários negros não são tão qualificados para uma promoção quanto seus colegas brancos são reais e muito mais comuns do que muitos podem supor. Dentro de várias organizações, gerentes de recursos humanos alegam que não podem diversificar programas, equipes, painéis ou conselhos consultivos porque os candidatos negros simplesmente não estão disponíveis para serem contratados. Seja pressionados por “prazo apertado” ou intimidados pelo “esforço extra” para encontrar candidatos e candidatas negros qualificados, eles insistem em afirmar que diversidade organizacional é algo muito difícil de conseguir e não devido aos esforços necessários, mas em consequência da oferta do banco de talentos.

Darrick Hamilton, professor de economia e política urbana da New School, refutou a afirmação de algumas empresas de tecnologia de que há forte escassez de candidatos negros e hispânicos qualificados no Vale do Silício. “Essa alegação não se sustenta”, diz, citando uma reportagem do USA Today que mostra que o número de cientistas e engenheiros da computação negros e hispânicos formados em universidades de ponta é duas vezes maior do que o número de contratados pelas principais empresas de tecnologia. Grupos dominantes dão a desculpa de que “embora tenham procurado, não encontraram ninguém qualificado”; contudo, segundo Hamilton, “se olharmos para evidências empíricas, vemos que não é esse o caso”.

Quando líderes corporativos perguntam se a diversidade deve ser mais importante do que o “mérito”, essa indagação revela a falsa impressão de que esses objetivos são excludentes. Várias agências de recrutamento e profissionais da área de diversidade, equidade e inclusão (DEI) que apoiam a mudança organizacional confirmaram que esse refrão é lugar-comum. Tamara Osivwemy, consultora de diversidade, equidade e inclusão, afirma: “Escutei isso de muitos clientes. Mesmo aqueles com as melhores intenções — os que estão realmente tentando fazer o trabalho — dizem: ‘Queremos uma diversidade de candidatos, queremos fazer nossa parte, mas não podemos, de maneira nenhuma, comprometer a qualidade do nosso trabalho ou nossas expectativas”.

 

Falácias Estruturais

 

A base que tanto sustenta quanto perpetua esse conjunto de práticas organizacionais nocivas compreende quatro falácias básicas.

Objetividade. A noção de que para um cargo existe um único e mais qualificado candidato ou funcionário é falsa. Há grande variação na maneira com a qual dois candidatos com experiências e capacidades diferentes apresentariam um desempenho de sucesso na mesma função. A atribuição do rótulo de “mais qualificado” se baseia em medidas difíceis de quantificar e fundamentadas em opinião. As fórmulas usadas em contratações e em promoções são altamente subjetivas. Essa subjetividade pode levar a narrativas falsas que repetem estereótipos a respeito do potencial do candidato ou candidata, pressuposições, muitas vezes, saturadas de preconceitos.

Meritocracia. Critérios subjetivos associados a simpatia ainda são partes integrantes do processo de contratação, normalmente formulados em linguagem corporativa como “adequação cultural” e que expressam um desejo por candidatos ou candidatas parecidos com seus empregadores. A similaridade desempenha papel importante nessa equação: em geral, alguém visto como “adequado para a cultura corporativa” é alguém com quem “gostaríamos de tomar uma cerveja”, alguém “como eu”.

 Quem é o “eu” nesse cenário? Segundo pesquisa da Fortune 500, a maioria dos gerentes de contratação e da liderança é composta por homens brancos. Não surpreende que um ciclo de exclusão seja perpetuado quando grande parte dos americanos tem amigos e colegas formados por grupos amplamente homogêneos e inúmeras contratações ocorrem por meio desses contatos. De acordo com uma pesquisa do LinkedIn, aproximadamente 85% das vagas de emprego são preenchidas graças a essas redes, o que faz com que o capital social, e não a chamada “meritocracia”, seja um elemento central nas contratações e promoções.

Igualar as condições. Se organizações acham difícil identificar pessoas negras qualificadas para preencher uma vaga, pode ser porque preconceitos raciais distorceram a percepção de “qualificado”, mudando as condições tanto para candidatos como para funcionários negros, homens e mulheres. Uma crença comum entre muitos trabalhadores negros é que eles precisam ser duas vezes melhores do que seus colegas brancos apenas para estar em condições de igualdade com estes. Um estudo realizado ao longo de seis anos apontou que, realmente, os negros tinham de administrar suas carreiras de maneira mais estratégica que seus colegas brancos, além de provar ser mais competentes, para poder conseguir uma promoção.

Maçãs Podres. Práticas de contratação e de promoção são frequentemente executadas individualmente, o que pode levar à concepção equivocada de que comportamentos problemáticos são ocorrências pontuais. Pode ser difícil identificar a natureza sistêmica desse tipo de racismo que ocorre no ambiente de trabalho. Similar ao conceito da “maçã podre”, muitos gerentes, bem como aqueles em posições de liderança, sentem-se confortáveis em considerar essas práticas ocorrências meramente individuais de preconceito inconsciente do que produtos de um problema sistêmico.

 

O Fardo Individual do Racismo no Ambiente de Trabalho

 

Níveis inconsistentes de escrutínio impostos durante o processo de contratação imputam a pessoas negras que se candidatam a uma vaga um fardo extra. Um artigo da Vox narra como uma pessoa branca chegou até o último estágio de um processo seletivo de emprego concorrendo com uma candidata negra apesar de ser menos experiente, ter tido experiências profissionais menos relevantes, ter se formado em uma universidade de menor prestígio e não ter pós-graduação. Durante o processo de contratação, ela teve de enfrentar exigências extras, mais entrevistas, triagens, avaliações escritas e de referências, além daquelas pré-combinadas. Essas etapas adicionais equivaleram a pedir para a candidata negra “provar sua competência novamente”, revelando as dúvidas do cliente acerca de suas qualificações — dúvidas que não foram levantadas em relação ao outro candidato.

Para muitos empregados negros, esse comportamento problemático persiste após a contratação. Um artigo da Harvard Business Review mostra que essa tendência perpassa setores e indústrias em que funcionários e funcionárias negros ainda enfrentam obstáculos em seu caminho rumo a promoções e são menos propensos do que seus colegas brancos a serem contratados, se desenvolverem e serem promovidos. A discriminação no ambiente de trabalho provoca estresse e ameaça a sensação de pertencimento do empregado, bem como seu bem-estar como um todo, e homens e mulheres negros passam por uma experiência profissional que é comprovadamente pior do que até mesmo a de pessoas de outras minorias étnicas. Muitos enfrentam racismo explícito, algo que vem aumentando ao longo dos últimos anos, bem como episódios menos aparentes de racismo no trabalho. Entre eles,  tem-se a aversão (quando as pessoas evitam contato com pessoas de “raças” diferentes ou mudam de comportamento diante delas) e o racismo “moderno” (a crença de que o fato de as pessoas negras competirem no mercado de trabalho significa que não existe mais discriminação, de que vivemos em uma sociedade “pós-racial”). Ademais, há as microagressões — humilhações verbais, comportamentais ou ambientais rápidas e corriqueiras, tanto intencionais como involuntárias.

Uma outra suposição que pode ser um fardo para os trabalhadores negros é o fato de serem vistos como os “contratados da diversidade”. Quando organizações indicam que a diversidade ocorre em detrimento da qualidade, os trabalhadores negros podem sentir necessidade de enfrentar a crença de que são a boa ação da diversidade de uma empresa, e estar ciente disso pode ter um efeito prejudicial na sensação de pertencimento dos trabalhadores negros, bem como em sua experiência no ambiente de trabalho.

Ecos Organizacionais

 

O refrão do candidato negro qualificado difícil de ser encontrado é uma característica do racismo sistêmico que também limita a diversidade da força de trabalho de uma organização. É compreensivelmente desafiador atrair talentos diversificados sem contar com um grupo de funcionários heterogêneos. Quando organizações não podem dar exemplos de pessoas de minorias étnicas dando sua contribuição à empresa, bem como prosperando e desenvolvendo suas carreiras, os candidatos e candidatas que pertencem a essas minorias étnicas mostram-se, justificavelmente, céticos em aceitar um emprego nessas organizações.

Organizações que ignoram o racismo no ambiente de trabalho o fortalecem, o que dificulta a capacidade e a produtividade do trabalhador. A consciência acerca da vantagem competitiva obtida por meio da equidade e da diversidade está aumentando, com muitas empresas entendendo inclusão e diversidade como facilitadores fundamentais de crescimento — pesquisas demonstraram o retorno sobre investimento (ROI) da equidade racial. Ainda assim, apesar dos estudos de caso produzidos, as taxas de contratação e de promoção de candidatos negros seguem baixas.

Por fim, permitir comportamentos negativos não ajuda em nada empregados e gerentes de contratação brancos. Ignorar racismo entre funcionários é desperdiçar uma oportunidade real de aprendizado, além de passar a impressão de que o comportamento é tolerado ou, pior ainda, aceito. Segundo Osivwemu, se as pessoas “caírem na armadilha de achar que o preconceito implícito é o primo simpático do racismo”, elas o terão definido como algo bem mais inócuo do que realmente é. Para se apresentar como solucionadores do problema, comprometidos e responsáveis, empregados e líderes brancos precisam ver o racismo no ambiente de trabalho como problema deles, não como a história de outra pessoa da qual se compadecem.

Introspecção e Ação

 

Ao tentar admitir o racismo institucional, evite simplesmente contratar funcionários de minorias étnicas e não lidar com os problemas subjacentes que fizeram do ambiente de trabalho um local hostil. Tome como exemplo o caso do programa culinário Bon Appetit que, no verão passado, passou a ser criticado após ter sido revelado que os funcionários de minorias étnicas de seu extremamente popular canal no Youtube recebiam consideravelmente menos do que seus colegas brancos — e, em alguns casos, nada — por suas aparições nos vídeos. Enquanto os produtores do programa, tempos depois, diversificavam a escolha dos chefs, alguns se mostraram preocupados com o fato de que questões essenciais como cultura hostil no ambiente de trabalho e desigualdade salarial não tinham sido resolvidas.

 Não existem respostas fáceis ou soluções rápidas para abordar a iniquidade racial no ambiente de trabalho. É preciso ir além da “perfumaria” — se apropriar da linguagem do ativismo social para usá-lo em materiais de propaganda — ou dos gestos vazios para assegurar que os esforços reflitam comprometimentos sérios em prol de mudanças explícitas tanto interna quanto externamente. Faça como a Demos, organização de políticas públicas atuante há mais de duas décadas no mercado que, após investigar suas políticas, práticas e estruturas internas deu início a uma transformação ampla em prol da equidade racial, chegando a publicar seus processos e aprendizados.

Outros recursos contextuais e estratégicos incluem um relatório da McKinsey & Co., Race in the Workplace, publicado em 2021, que investiga participação, representação, promoção e o futuro dos trabalhadores negros e apresenta ações que as empresas podem tomar. O documentário United Shades of America, de W. Kamau Bell, classificado por seu apresentador como um Vila Sésamo para adultos — é outra ferramenta de introspecção. E a palestra no TEDx do comentarista cultural Jay Smooth, How I Learned to Stop Worrying and Love Discussing Race (Como eu parei de me preocupar e amar discutir sobre “raça”) é uma ótima cartilha para abordar assuntos que envolvem temas raciais. Smooth lida com a dificuldade que muitas vezes acompanha essas discussões dando uma nova roupagem ao assunto, deixando de falar sobre quem alguém é e se concentrando naquilo que se disse ou se realizou. Ele também aborda o binário falso do ser ou não ser racista, além de discutir a “bondade” geral das pessoas como prática, não algo estático. Explorar vários recursos como esses é um ponto de partida importante, mas outra coisa também relevante é fazer o trabalho para traçar seu próprio caminho de descoberta, de gestão de mudança e de transformação organizacional.

Organizações que embarcam em uma jornada transformacional podem obter resultados benéficos avaliando alguns assuntos espinhosos:

  1. Como sua organização está combatendo o mito da meritocracia em nível estrutural?

  2. Como você poderia descartar a valorização da mesmice e substituí-la pela valorização daqueles que podem acrescentar alguma coisa à cultura organizacional existente? De que maneira você pode criar aquilo que Brené Brown chama de “culturas transformativas” e eliminar ou retificar o componente da “adequação cultural” no processo de contratação?

  3. Você está disposto a priorizar metas de diversidade da mesma maneira austera com que uma empresa da Fortune 500 é capaz de priorizar suas metas de venda? Qual o grau de responsabilidade? Caso os líderes não consigam atingir os resultados esperados, eles serão dispensados?

Um verdadeiro investimento na criação de uma cultura diversificada exige, às vezes, mudanças drásticas. Se sua organização for constituída de 8% de grupos sub-representados, mas sua meta for 30%, isso pode significar contratar exclusivamente dentro desses grupos até que se atinja a meta. Em alguns casos, isso pode obrigar membros de grupos dominantes a darem um passo atrás. Alexis Ohanian, cofundador do Reddit, tornou-se um exemplo disso quando abdicou de sua posição no conselho do Reddit pedindo especificamente para o conselho substituí-lo por um membro negro. “Acredito que minha demissão pode realmente ser uma atitude de liderança das pessoas que estão no poder atualmente”, disse ele acerca de sua decisão. Menos de uma semana depois de ter se afastado, o Reddit fez do empreendedor e diretor executivo do Y Combinator, Michael Seibel, o primeiro membro negro do conselho na história da empresa.

Ninguém sabe ao certo por que o assassinato de George Floyd, e não os assassinatos de outras inúmeras pessoas negras, tirou o mundo, ainda que momentaneamente, do estupor da indiferença. Porém, é importante que líderes associem as atrocidades acontecendo “por aí” com aquilo que se passa dentro de organizações, empresas e instituições. Nós não devemos desperdiçar essa temporada de conscientização e, sim, reconhecer que isso envolve muito mais do que uma abertura para mudanças progressivas. É uma oportunidade de fazer o que é, na verdade, um trabalho sério. Um trabalho sistêmico. Um trabalho que não tem fim.

 

A AUTORA

 

Autumn McDonald (@Autumn_McDo) é membro sênior da New America e chefe da New America CA. Seu trabalho se concentra em questões de equidade econômica, engajamento comunitário, influência política e mudança das narrativas. O trabalho de McDonald já foi apresentado em várias publicações, incluindo seu artigo The Talk, publicado na revista Slate.

Este artigo foi publicado no site da Stanford Social Innovation Review



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