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O futuro do ensino e do aprendizado da inovação social

Por Warren Nilson

(Ilustração de iStock/akinbostanci)

James Taylor, facilitador de desenvolvimento organizacional sul-africano, tem, há muitos anos, um sonho singular: “Precisamos criar um curso de mestrado para as organizações”. É uma coisa estranha de se imaginar: organizações inteiras correndo para faculdades para estudar juntas. Porém essa ideia, ou algo similar, talvez seja a coisa mais importante que podemos fazer para acelerar a inovação social.

A inovação social é uma sala de aula. Estamos aprendendo a lidar com o futuro e como não há ninguém do futuro aqui para nos orientar, o movimento da inovação social tem de aprender por conta própria à medida que progride, algo que tem sido feito com muito vigor – por isso os milhares de laboratórios, oficinas, conferências, institutos, imersões, incubadoras e bolsas de estudo que continuam a moldá-lo.

Apesar dessa variedade aparente, uma única abordagem para o aprendizado tem sido dominante – vamos chamá-la de Leadership School (Escola de Liderança) –, e ela tem se mostrado regenerativa, criando perspectivas frequentes e diversas. No entanto, muitos de nós que trabalhamos neste ambiente temos uma incômoda sensação de que isso pode estar chegando a seu limite. Os antigos e destrutivos sistemas mundiais seguem se reafirmando com uma facilidade preocupante, e nós nos perguntamos se há alguma coisa inerente à Leadership School que a faz produtiva quando o assunto é uma perspectiva fugaz, mas menos adequada quando pensamos em uma transformação constante.

 

Leadership School

A Leadership School deposita sua esperança em agentes de mudanças individuais, reunindo-os para que aprendam novas maneiras de navegar por sistemas complexos. Eu ajudei a organizar vários desses programas, que podem ser reveladores. Inscreva-se em um deles e você estará em meio a grupos de ativistas apaixonados e talentosos, empreendedores sociais, desenvolvedores de redes sociais e executivos. Seu senso de possibilidade se expandirá, você verá seu trabalho com outros olhos e retornará ao seu emprego revigorado e esperançoso.

Mas o caminho a longo prazo acaba sendo um pouco mais complicado. Uma vez de volta à rotina, os princípios e “ferramentas” aprendidos mostram-se, na vida real, escorregadios. Poucos de seus colegas parecem conseguir se identificar com o que você aprendeu, e você acredita ser muito difícil entender em que momento deve começar a pressionar, estender ou influenciar o sistema com o intuito de transformá-lo. Embora você possa, ocasionalmente, deixar uma marca inspiradora no mundo, sua experiência geral pode ser frustrante e, no fim das contas, cansativa. Pode ser que acabe se sentindo mais solitário do que nunca, obrigado a buscar o apoio de seus colegas ou de outros viajantes perdidos, em vez de contar com as pessoas que trabalham ao seu lado diariamente.

Será que a Leadership School está ensinando coisas erradas? Acho que não. Acredito que ensina as coisas certas, mas para os alunos errados. Para entender isso, pense primeiro na natureza do que está sendo ensinado. O movimento de inovação social converge para um currículo poderoso composto de cinco partes. Esse currículo pode ter diversos nomes e formas, mas praticamente todo o aprendizado da inovação social visa ao desenvolvimento de uma ou mais das seguintes habilidades:

A Consciência sistêmica, arte e ciência de prestar atenção a totalidades complexas, é, em muitos aspectos, a mãe da inovação social. Seu objetivo é ajudar grupos a não só enxergar relações ocultas e feedback loops em seus sistemas, mas também a desenvolver conexões e práticas novas para que o sistema todo comece a se enxergar e a interagir consigo de maneira mais completa.

Práticas de Liderança compartilhada exploram questões como: de que maneira promovemos o diálogo; como engajamos nossa diversidade; como trabalhamos com o poder de maneira saudável; e de que forma tomamos decisões conjuntas e, ao mesmo tempo, levamos em conta a inspiração individual. A liderança compartilhada envolve microexperimentos no modo como nos reunimos e administramos e macroexperimentos nas estruturas de gestão colaborativa.

A Cocriação reconhece que a inovação social depende menos de pessoas criativas do que de relacionamentos criativos. Sua principal prática é a compreensão – o processo de revelar e promover os pontos fortes já inerentes a pessoas, organizações e comunidades.

O trabalho da Ecologia aprofundada nos conecta novamente àquela realidade na qual os sistemas humanos não se encontram apartados de nossos ecossistemas naturais mais amplos, o que fortalece não apenas nossa capacidade de aprender com a natureza (biomimetismo), mas também de amá-la e de se relacionar com ela (biofilia). Há, ainda, uma ênfase em tornar transparentes, para o bem ou para o mal, os impactos coletivos que causamos nos sistemas vivos aos quais pertencemos.

O Propósito generativo conduz as outras quatro habilidades rumo à exploração de um significado comum. Ao estruturar o propósito como pergunta e não como resposta, nos permitimos enfrentar nossas dúvidas mais profundas, o que nos ajuda a descobrir, juntos, para onde queremos ir.

Essas cinco habilidades encontram-se, há tempos, no cerne do aprendizado da inovação social, e a pesquisa acadêmica no campo do conhecimento organizacional positivo corrobora constantemente o papel fundamental que desempenham.

Aqui está o problema. Nenhuma dessas coisas é uma competência individual. Por definição, e de acordo com a realidade, elas são competências relacionais: não sou capaz de compartilhar poder sozinho; não posso cocriar sozinho; não há ecologia do “eu”; e minha própria consciência do sistema é completamente diferente da consciência que o sistema tem de si.

As competências necessárias para fomentar sistemas resilientes simplesmente não vivem em cada um de nós de maneira separada. Elas vivem nos espaços entre nós, onde nos reunimos, realizamos e tomamos decisões, nos locais em que nos desafiamos e cuidamos uns dos outros, onde nos organizamos. Por que, então, seguimos tentando ensinar habilidades coletivas para indivíduos em cargos de liderança em vez de ensiná-las diretamente aos próprios coletivos?

 

Org School

 

Isso nos conduz novamente à curiosa ideia de James Taylor de realmente ver o coletivo, ou a organização, como unidade de aprendizado. Por “organização”, me refiro não apenas a organizações formais, mas também a redes sociais, associações, grupos de movimentos – qualquer lugar onde as pessoas se reúnem regularmente para trabalhar em prol de um propósito comum. Nos próximos anos, o movimento de inovação social precisará promover uma nova maneira de ensinar e de aprender, uma forma na qual os alunos sejam as organizações e os métodos envolvam um curso constante de estudo coletivo. Podemos chamá-la de Org School (Escola Organizacional).

O que podemos dizer a respeito dela neste momento? Para começar, podemos aprender com os espaços onde as pessoas, há décadas, trabalham diretamente com o coletivo através de intervenções sistemáticas poderosas, como investigação apreciativa, Teoria U e espaço aberto, para citar algumas. Embora essas intervenções possam ser aplicadas tendo em mente qualquer objetivo de mudança, elas são, frequentemente, usadas para catalisar inovação social. E funcionam. Há provas substanciais de que essas formas de intervenção, quando plenamente adotadas, podem promover alterações positivas dramáticas no propósito coletivo, na criatividade, na energia e nas relações. Nesse sentido, já sabemos como alterar os sistemas e há muita coisa da qual a Org School pode tirar proveito no tocante ao envolvimento com energias coletivas.

Contudo, o que vem a seguir é a parte difícil. Mudar é fácil, manter a mudança é difícil. E é aí que a inovação social tende a encalhar. Uma intervenção de mudança sistêmica vai, na melhor das hipóteses, indicar uma possibilidade, podendo nos dar um indício de uma outra forma de agir, mas apenas brevemente, e somente no âmbito de uma iniciativa específica. Esforços de mudança normalmente não têm uma função memorial sólida. Assim sendo, catalisam o movimento, mas sofrem para cultivar o aprendizado a longo prazo. À medida que uma empresa volta a se sentir confortável com sua rotina, ou líderes que comandaram uma iniciativa de mudança partem para outra, voltam os velhos hábitos de uma organização, mesmo que disfarçados. Começamos a repetir todos os pontos cegos, medos e cansaços com os quais estávamos acostumados. E nos sentimos tentados, devido a sua tranquilidade reconfortante, a voltar para aquilo que Roberto Unger chama de caminho da menor resistência.

Por algum motivo esperamos que um esforço de mudança seja uma forma de conversão, uma experiência singular que transforma radicalmente tudo de uma vez por todas. Porém o aprendizado raramente funciona desse modo. Ninguém que deseja aprender a tocar piano ou a dançar, por exemplo, imagina que participar de uma imersão durante um fim de semana ou se matricular em um curso de seis meses irá, de alguma maneira, transformá-lo em músico ou dançarino. As pessoas sabem que seu aprendizado não será uma intervenção, mas uma prática, algo que exige comprometimento constante e renovado para que possa render frutos. Aprender inovação social é bastante parecido: não é um momento de pico, mas um trabalho longo e paciente. Como nos recorda Bayo Akomolafe: “O momento é premente. Vamos desacelerar”.

Para produzir uma mudança duradoura na capacidade da inovação social de uma organização, a Org School precisaria diferenciar-se pelo menos de quatro maneiras. Primeiro, suas atividades de aprendizado teriam de ser amplamente distribuídas entre o sistema em diferentes momentos e de formas distintas, ao contrário da Leadership School. Seria raro ver todos os membros envolvidos em uma única atividade; desse modo, para que a organização aprenda, diferentemente do que ocorre quando lidamos com determinados líderes ou equipes, o processo precisaria de uma porção de pontos de contato. As pessoas teriam, então, de tecer juntas o aprendizado, partilhando suas descobertas entre si. E essa tecelagem precisaria superar barreiras ligadas a status e poder, com secretárias ensinando CEOs na mesma medida em que o inverso ocorre.

Em segundo lugar, distante das intervenções de mudança convencionais, a maior parte das Org Schools seria incorporada ao trabalho diário da organização, em vez de restrita a imersões especiais. Isso criaria uma memória organizacional, fazendo com que o aprendizado durasse para muito além do “curso”. Imagine um processo como o da investigação apreciativa, por exemplo, adotada não apenas como uma iniciativa única, mas como uma maneira de avaliar empregados ou gerir projetos. Ou imagine a escuta atenta associada à Teoria U não apenas como um recurso de jornadas sensoriais especiais, mas também como uma dinâmica regular em uma reunião de conselho ou no processo orçamentário.

Em terceiro lugar, o aprendizado se daria em grupos. Imagine dez organizações de inovação social matriculadas juntas em um curso de um ano de duração, de uma maneira muito parecida como fazem líderes individuais atualmente. Por meio de reflexão compartilhada e experimentações em conjunto, as organizações conseguiriam questionar mais facilmente seus próprios hábitos e culturas, rompendo com eles.

Em quarto lugar, os “professores” da Org School seriam, eles próprios, as organizações. Se a sabedoria e a prática da inovação social não vivem em nós, mas em nossos relacionamentos, então são esses relacionamentos que devem assumir a liderança.

Muitas pessoas e instituições estão, pouco a pouco, começando a realizar experimentos com abordagens de aprendizado de inovação social que apontam para a Org School. Elas podem convidar grupos representativos de organizações para os programas existentes criados para indivíduos e oferecer orientação e acompanhamento para organizações que estão tentando estruturar uma jornada de aprendizado de longa duração. Esses experimentos podem mesclar os pontos fortes da Leadership School e da Org School com a vitalidade de diferentes processos de mudança. Mas há ainda um vasto escopo para experimentações mais ambiciosas e constantes.

Os benefícios dessa experimentação podem ser extraordinários. Em nossa pesquisa, eu e meus colegas passamos 20 anos buscando casos atípicos positivos no campo da inovação social, organizações excepcionalmente talentosas em recriar os sistemas dos quais fazem parte e que foram capazes de manter esse talento por muitos anos. À primeira vista, as organizações que mais nos ensinaram não parecem ter muita coisa em comum. Algumas são pequenas; outras, grandes. Umas são horizontais; outras, hierárquicas. Há aquelas que são modernas e há outras que são tradicionais. No entanto, o que as conecta são o esforço que depositam no desenvolvimento das cinco habilidades de inovação social e a forma como todas se mostram reverentes ao refletir sobre suas experiências.

As pessoas nos contaram repetidas vezes que nessas empresas elas se tornaram a melhor versão de si, passando a ser mais corajosas, compassivas, imaginativas e energizadas. Por meio de práticas diárias profundas, essas organizações parecem levar os objetivos da inovação social para o cotidiano imediato e tangível dos corredores e das salas de reunião. Um funcionário de longa data de uma organização de Montreal que promove segurança alimentar nos disse: “Isso cria uma sensação de que é possível estarmos juntos no mundo de uma outra maneira, e isso está bem diante de nós. Não se pode duvidar de que é possível”. Um membro de uma inovadora organização para o desenvolvimento de jovens na Cidade do Cabo coloca as coisas de maneira ainda mais clara: “Eu acho que a magia do que estamos tentando fazer está acontecendo conosco”.

Nas organizações que estudamos, essa “mágica” foi, em grande medida, parte de um processo de aprendizado individual. Elas não se fiaram na Leadership School ou em frequentes intervenções de mudanças, e não existe uma Org School para ajudá-las. Elas percorreram um caminho lento, cultivando suas habilidades coletivas por meio de tentativa e erro e, em muitos casos, deram sorte. Alguns aspectos da inovação social precisam ser, sempre, um processo de aprendizado individual, mas não há motivos para que Org Schools de todas as formas e tamanhos não possam acelerar o aprendizado e, em última análise, o impacto da inovação social de muitas outras organizações.

A jornada da Org School está apenas começando e o convite deve ser divulgado ampla e plenamente.

 

O AUTOR

Warren Nilsson é professor de inovação social na University of Cape Town e cofundador da Organization Unbound. Atualmente, trabalha na elaboração do ensino organizacional junto com The Wellbeing Project, The Institute for Collective Wellbeing e Global Round Table Leadership.



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