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A adoção da inovação

De que maneira a inovação migra das margens para o centro das operações de uma empresa? Para atingir o máximo impacto, elas devem deixar de ser inovadoras e ser institucionalizadas e normalizadas.

Por Benjamin Kumpf e Emma Proud

(Ilustração por iStock/hatchakorn Srisook)

Há cerca de dez anos, uma organização de desenvolvimento e um governo nacional adotaram uma abordagem inovadora para combater um problema — o fato de pessoas com doenças crônicas interromperem seus tratamentos antes de concluídos. Depois de descobrir que tomar remédio na clínica era um grande obstáculo para os pacientes, a relativamente nova equipe de insights comportamentais notou que permitir aos pacientes tomar medicamentos em casa (com um médico ou uma enfermeira acompanhando através da câmera do celular) dobrava o número dos que completavam o tratamento (o aumento foi de 43% para 87%).

Isso era inovação; ainda assim, independentemente de outras tantas ideias dessa equipe terem sido testadas pelos intraempreendedores dessa organização — muitas vezes com o apoio do time de inovação interna —, esse tipo de insight comportamental continua a ser considerado “inovador”. A abordagem (ainda) não foi incorporada ao modo usual de operação.

Em contrapartida, desde quando os intraempreendedores do governo da província de Western Cape, na África do Sul, deram início aos testes de insights comportamentais, isso passou a ter lugar garantido na “caixa de ferramentas” governamentais. Os servidores públicos sabem quando é apropriado adotar uma abordagem comportamental e recebem apoio e orientação de especialistas internos. Em um sentido distinto e amplo, insights comportamentais foram adotados.

A adoção de inovação significa que uma inovação deixou de ser “inovadora”; significa que método, tecnologia ou abordagem de um problema migraram das margens experimentais de uma organização para o centro de sua atuação — não é mais uma novidade, mas algo normal e institucionalizado.

Contudo, o conceito de adoção é raramente discutido, e a experiência e o conhecimento necessários para promovê-la são ainda menos correntes. Uma crescente base de evidências para a adoção de sistemas digitais em organizações de desenvolvimento e no setor público já existe, bem como literatura voltada para reforma organizacional. Ainda assim, pouca coisa foi publicada acerca do processo de levar, de maneira estratégica, abordagens e tecnologias do espaço da inovação para o espaço de funcionamento tradicional e usual das organizações. As ideias mais relevantes advêm de insights comportamentais institucionalizados em governos, em especial em entidades do setor público no hemisfério norte. Essa lacuna faz com que seja ainda mais importante trazer à tona dificuldades, oportunidades e fatores que permitirão sua adoção, bem como barreiras e obstáculos que impossibilitam que isso ocorra.

 

Adotar e Escalar

 

Adotar não é o mesmo que ampliar. De maneira geral, como mostram os autores de 2020 Focus Brief on Scaling-up, ampliar significa “pegar projetos, programas ou políticas bem-sucedidos e expandi-los, adaptando-os e os mantendo de diferentes maneiras ao longo do tempo para que se consiga um maior impacto de desenvolvimento”. Porém, escalar envolve, normalmente, diferentes players, além de se concentrar em modelos de serviço, produtos ou entregas específicos. Por exemplo, a SASA! Raising Voices é uma abordagem de mobilização comunitária para combater e reduzir a violência de gênero implementada pela primeira vez na Tanzânia; todavia, depois de passar por uma avaliação rigorosa, foi adotada em ao menos 30 países por mais de 75 organizações em todo o mundo.

Por outro lado, a adoção da inovação está relacionada a uma organização e a como essa entidade leva o que até então era novidade para o centro de suas operações. Vejamos a gestão adaptativa na Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês): depois de ser implementada pela primeira vez no início dos anos 2010 em missões locais da USAID, ela foi testada, aperfeiçoada e amplamente institucionalizada como uma forma padrão de elaborar e implementar programas. Isso significa que não é mais uma novidade que exige o ônus da prova; em vez disso, abordagens adotadas atualmente fazem parte do conjunto de seus recursos organizacionais. As pessoas sabem o que são, quando e como usá-las, e a quem pedir ajuda durante seu uso.

 

 

Nosso trabalho concentra-se em como uma agência de desenvolvimento pode se tornar usuária ou apoiadora especializada de abordagens ou tecnologias novas, o que não é bem o mesmo que adotar serviços, produtos e modelos de entrega específicos e transformá-los em parte das operações de uma organização (como no caso do governo de Bihar, que adotou o programa “Mobile Academy” em prol da saúde da mulher, ou da UNICEF, que adotou o “Wash’Em”, dois programas que, já tendo seu impacto comprovado, poderiam ser adotados e ampliados em outros lugares).

Abordagens e tecnologias que são introduzidas com um selo de “inovação” são mais difíceis de serem adotadas. Design centrado no ser humano, veículo aéreo não tripulado, insights comportamentais e blockchain ainda seguem, em grande parte, firmes no espaço da inovação — em alguns casos quase uma década depois da realização dos primeiros testes dentro das organizações.

Obstáculos à Adoção

  • A atração pela novidade: Ciclos de exagerada euforia, em particular aqueles relacionados às tecnologias emergentes, podem ter uma influência desproporcional na alta administração. Porém, quando atenção, energia e exigência se voltam para a próxima novidade, pode ser complicado manter o foco nas inovações “antigas” que ainda podem precisar de anos de dedicação e investimento financeiro para que sejam completamente normalizadas.

  • Características da Equipe: Algumas organizações têm equipes de inovação comprometidas que normalmente as promovem e oferecem suporte técnico para toda a empresa. Esses times estão, muitas vezes, sobrecarregados e carecem de estrutura ou autorização para focar na adoção da inovação. Ainda que o façam, a adoção da inovação (como veremos a seguir) exige um conjunto de habilidades mais parecido com mudança organizacional do que com inovação, embora essas equipes, geralmente, tenham pouca influência na instituição como um todo e em suas formas de atuação.

  • Incentivos Desalinhados: As métricas organizacionais para rastrear esforços e investimentos de inovação geralmente fazem com que inovações sejam taxadas de “inovadoras”, em vez de normais. Por exemplo, a estrutura de resultados de uma organização multilateral rastreou o número e a porcentagem de “ferramentas e metodologias inovadoras testadas ou ampliadas pela primeira vez”, o que desencoraja a adoção, uma vez que a organização procura divulgar um número elevado de projetos que testam ou ampliam ferramentas e metodologias de inovação. Por esse motivo, insights comportamentais ou ferramentas como imagens de satélite vão continuar a ser taxadas de “inovadoras”, não havendo uma métrica que incentive a remoção dos trabalhos que utilizam tais abordagens e tecnologias dos espaços de inovação.

  • Tensão Temporal: Esforços de inovação, em geral, recebem investimentos de curto prazo, uma vez que ou fazem parte de ciclos de programas padrões, com duração de três a cinco anos, ou de incentivos financeiros ainda menores (esse é o caso, frequentemente, dos Fundos de Desafios de Inovação – Innovation Challenge Funds). Esse cronograma apertado não reflete o fato de que a adoção demanda, muitas vezes, apoio e investimento ao longo de vários anos.

  • Ilhas de Excelência: Organizações não inovam; pessoas, sim. Em organizações de desenvolvimento internacionais e locais, uma inovação significativa normalmente progride graças a indivíduos intrinsecamente motivados e acima da média que buscam resultados melhores para desafios específicos de acordo com a região. Juntos, esses indivíduos formam ilhas de excelência. Quando essas pessoas partem para outra, suas ideias e o ímpeto que criaram os acompanham. Muitas vezes, esses indivíduos preferem ficar nos bastidores e fazer um bom trabalho focado em desafios de desenvolvimento específicos. Mudar a organização toda não é seu principal objetivo.

  • Possibilidade de promoção excessiva: Na tentativa de promover a adoção da inovação, é fácil exagerar o potencial de métodos, abordagens ou tecnologias. Opções como design centrado no ser humano, insights comportamentais ou gestão ágil exigem personalização de acordo com o contexto, além de uma estrutura clara que mostre quando agregam valor.

 

O Que Funciona?

 

Algumas organizações fizeram ótimos avanços no que tange à adoção. A USAID trabalhou para institucionalizar o Collaborating, Learning, and Adapting (CLA); o Ministério das Relações Exteriores, Commonwealth e Desenvolvimento (FCDO) do Reino Unido investiu para fortalecer as habilidades institucionais dos insights comportamentais; a Agência Alemã para Cooperação Internacional (GIZ) está realizando esforços para permitir que seus funcionários e parceiros usem tecnologia blockchain; e a Agência de Desenvolvimento Francesa (AFD) tem como objetivo estabelecer experimentações nas práticas organizacionais através de seu programa de intraempreendedorismo. Outras agências bilaterais estão no início de sua jornada de adoção, trabalhando, muitas vezes, na adoção de abordagens como gestão ágil, design centrado no ser humano, ou insights comportamentais, em vez de em tecnologias. Para muitas, o próprio conceito de adoção ainda é uma novidade.

Em nossas conversas com profissionais de desenvolvimento, observamos semelhanças significativas nas jornadas daqueles que adotaram inovações de sucesso. É comum começar com uma série de experimentos desconexos que são levados a um grupo para que seus membros possam aprender uns com os outros. Os passos seguintes ocorrem em paralelo e, em geral, se estendem por um período de quatro a seis anos:

  • Nos países parceiros são realizados mais experimentos que usam inovação, resultando em mais evidências de vantagens, limitações e impactos comparativos.

  • Um portfólio de inovação intencional é elaborado para que se aprenda, durante a operação, a adoção de esforços. Por exemplo, se insights comportamentais demonstraram efeitos positivos no campo da governança em contextos de receitas medianas, então aumenta-se o portfólio para testar como ele funcionaria em outras áreas temáticas ou em países com características distintas. Isso fornece informações para que se saiba se adoção é a decisão correta.

  • Um processo explícito de mudança organizacional é colocado em curso, liderado por uma equipe que recebe a ordem de realizar um esforço de adoção. A equipe formula uma visão para a adoção (expressa por que é importante e que diferença fará), estabelece limites (no que a organização vai ou não vai trabalhar no que diz respeito à inovação) e trabalha com parceiros e aliados.

 

Características de Inovação

 

Antes de iniciar a jornada para a adoção da inovação, é fundamental ponderar sobre determinadas características que incluem:

  • Relevância: Confiança de que uma inovação pode ajudar a lidar com problemas relevantes. Por exemplo, muitos esforços de desenvolvimento exigem mudança de comportamento e, por isso, insights comportamentais podem ser valiosos.

  • Observabilidade: Capacidade de demonstrar e evidenciar um impacto positivo oriundo dessa inovação (em comparação a como as coisas são feitas atualmente). Isso inclui demonstrar custo-benefício, uma vez que, geralmente, é mais fácil liberar menores quantias para experimentos em nível nacional do que investimentos plurianuais em mudanças organizacionais necessárias para a adoção.

  • Adaptabilidade: A capacidade da organização de adaptar e desenvolver competências institucionais. Isso inclui processos e sistemas centrais alinhados, além de coerência entre formas antigas e novas de trabalhar. Os casos de adoção de sucesso que observamos envolviam a apresentação de formas complementares de trabalho alinhadas ao modo como as pessoas pensam e agem.

  • Sustentabilidade: Recursos para permitir que funcionários e potenciais parceiros tirem vantagens de métodos, abordagens ou tecnologias específicas. Isso normalmente significa recrutar e reter funcionários especializados e desenvolver investimentos de longo prazo em modelos de estimativas de custeio com a intenção de manter novas formas de se trabalhar.

Uma vez confiantes de que a inovação possui essas características básicas, é importante articular uma visão focada em como adotar a inovação e dela tirar proveito. Depois de adotarmos esta inovação, como estará nossa organização daqui a cinco anos? Costurar um alinhamento com base nessa visão nos fará desenvolver comprometimento e ímpeto, além de criar espaço para “pensar de trás para frente”, articulando o que é preciso para atingir essa visão no futuro.

 

Fatores de Adoção

Identificamos cinco fatores que incentivam (ou inibem) a adoção de inovação. Esta não é uma lista final, e tampouco esses fatores são binários (por exemplo, encontram-se presentes ou ausentes); eles ocorrem em um espectro, mesmo dentro de uma organização.

  • Ordem clara: Há um comprometimento organizacional para a adoção. Isso significa que há recursos (tempo e orçamento) alocados para uma equipe liderar ou coordenar uma adoção (além de incentivos para que outros colaborem), enquanto líderes sêniores modelam e promovem inovação, trabalhando para remover obstáculos à adoção.

  • Cultura de colaboração e aprendizado: A cultura organizacional apoia a adoção. Isso significa tanto colaboração — níveis altos de conexão, confiança e conhecimento ligados ao trabalho dos demais, bem como motivação para que haja colaboração entre equipes ou divisões diferentes — quanto processos e gerentes que apoiem as pessoas e as equipes para que possam correr riscos, passar por fast-fail (falhar rápido), aprender e compartilhar o conhecimento tanto interna quanto externamente.

  • Contexto: O contexto organizacional incentiva a adoção. Isso significa tanto estar alinhado às prioridades — a inovação apoia as principais prioridades organizacionais ou é ela mesma uma prioridade clara — quanto um ambiente administrativo no qual as políticas são ágeis, mínimas e abordam valores e motivações essenciais. Isso também significa que os processos de aquisição e contratação são suficientemente flexíveis para incentivar a experimentação e a adoção.

  • Colaboração: Redes de contatos profissionais levam em conta aprendizado e emergência, tanto externos quanto internos. A organização está bem conectada, em todos os níveis, com outras organizações, popularizando inovação e redes internas de contatos profissionais, conscientizando as pessoas quanto ao valor da inovação e promovendo seu uso por todos os silos organizacionais.

  • Capacidade: Membros importantes das equipes possuem capacidade, experiência e confiança relevantes — experiência suficiente na gestão de questões e mudanças complexas (um conjunto de capacidade diferente para a inovação), bem como experiência para trabalhar de forma ágil e flexível na construção de alianças internas. Funcionários importantes têm confiança para desafiar regras, tentar coisas novas e compartilhar histórias que apoiam a adoção.

Em nossa pesquisa, observamos que as equipes que levam em conta esses fatores de maneira estratégica e buscam uma visão explícita para adotar inovação obtiveram progresso considerável dentro de suas organizações. Isso inclui a USAID e a institucionalização da gestão adaptativa, o FCDO e os insights comportamentais, a GIZ e o apoio embasado de tecnologias de blockchain, a Agência de Cooperação Internacional da Coréia e seu trabalho com tecnologias digitais, entre outras. Todos os intraempreendedores que buscaram esforços de adoção tinham o objetivo de migrar aquilo que, certa feita, foi considerado novidade para além do espaço da inovação, fazendo com que fizesse parte de seu conjunto de recursos organizacionais. Eles tinham consciência de que não deveriam promover, de maneira excessiva, o potencial das novas abordagens e das tecnologias emergentes, sabendo ser preciso alinhar aplicações aos processos centrais do negócio.

 

OS AUTORES

Benjamin Kumpf é chefe de inovação para desenvolvimento da OECD Development Cooperation Directorate. Antes de ingressar na OCDE, trabalhou como chefe de inovação no Ministério das Relações Exteriores, Commonwealth e Desenvolvimento do Reino Unido, além de comandar o Centro de Inovação do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.

Emma Proud é chefe de aprendizado e adaptação da Brink, consultoria de inovação comportamental, onde oferece apoio a organizações (doadores bilaterais e multilaterais, filantropias e ONGs) e associações para que se tornem mais adaptativas. Antes disso, Emma foi diretora de agilidade organizacional na ONG internacional Mercy Corps.



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