Não alimente os zumbis
Quando os financiadores não são responsáveis pelo impacto, isso estraga a festa para todos e garante a sobrevivência dos “zumbis” do terceiro setor.
Por Kevin Starr
Alguns anos atrás, pesquisadores inteligentes decidiram investigar o que chamaram de “o mistério da doação ineficaz”. Primeiro, eles perguntaram a vários doadores em potencial qual poderia ser, na visão deles, a diferença de desempenho entre as instituições filantrópicas tradicionais e as mais eficazes. E então fizeram a mesma pergunta a um grupo de especialistas. Max Roser – do Our World in Data – resumiu suas descobertas desta maneira:
Há duas grandes coisas a serem observadas aqui. A primeira é que, embora a maioria dos doadores em potencial não acredite existir muita diferença na eficácia entre entidades filantrópicas, os especialistas entrevistados acham que a diferença é enorme. Mas o segundo é o mais impressionante: de acordo com esses especialistas, as instituições filantrópicas abaixo da média não entregam muitos resultados, e as que estão à esquerda do gráfico até prejudicam as pessoas.
Um amigo que trabalha com muitas ONGs reclama constantemente dessas instituições inúteis. Ele as chama de zumbis. Ele tem razão: os zumbis vagam pela paisagem, realizando pouco, mas permanecendo vivos enquanto puderem se alimentar de carne humana. Substitua “alimentar-se de carne humana” por “conseguir financiadores para financiá-los” e o rótulo está bem adequado.
Eu costumava culpar essas organizações, me perguntando por que elas não trabalhavam mais, de forma mais inteligente. A ausência de responsabilidade pelo impacto é a maldição do setor social, e parecia óbvio que as organizações eram os principais infratores. Mas eles não são. Somos nós, os financiadores. O dinheiro é a força vital das organizações do setor social. Somos nós que o alocamos e, ainda sim, somos os menos responsáveis em todo o sistema? Se há zumbis vagando pela paisagem, é por culpa nossa.
Pense nisso. Nós – financiadores do setor social – temos um papel análogo aos investidores do mundo comercial. Nesse mundo, as empresas vão à falência se não agregarem valor aos clientes, e os investidores sofrem quando as empresas quebram. Quando uma empresa de investimento faz muitas aplicações ruins, ela sai do mercado. Eles são responsáveis e suas más decisões (quase sempre) têm consequências.
Esse tipo de responsabilidade estrutural não existe no mundo sem fins lucrativos. Nossos clientes – a quem frequentemente nos referimos como “beneficiários” – não têm como expressar valor ou a falta dele. Eles não têm voz sobre se os zumbis vivem ou morrem. Se os financiadores não são responsáveis pelo valor – pelo impacto – então ninguém é.
E nós não somos, não de verdade, pelo menos. Responsabilidade implica haver consequências, mas pessoas como eu nunca são demitidas por conta da falta de impacto. Você pode perder o emprego porque disse a coisa errada, porque dormiu com a pessoa errada ou porque as pessoas não gostam de você. Mas você nunca perderá seu emprego porque falhou em criar mudanças suficientes no mundo. Não podemos roubar o dinheiro, temos que seguir as regras fiscais e devemos evitar a fraude, mas, fundamentalmente, não somos responsáveis pelos resultados. Podemos financiar todas as coisas ineficazes que quisermos e nada nos acontecerá.
Como resultado, falhamos em criar um mercado funcional de impacto, o que significa que o dinheiro não flui de forma eficiente para aqueles mais capazes de criar mudanças. Zumbis não morrem. Eles devoram recursos preciosos que deveriam ir para os vivos. Realizamos apenas uma fração do que poderíamos.
Claro, ninguém pensa que está alimentando – ou melhor, financiando – zumbis, mas se não estivéssemos, eles não estariam lá. Felizmente, existe uma maneira bem simples de manter seu portfólio livre de zumbis: não financie ninguém que não faça o trabalho confiável de determinar seu próprio impacto. Uma organização que não determina seu próprio impacto está voando às cegas e você também estará.
O que significa fazer um trabalho confiável? Bem, primeiro temos que chegar a uma definição compartilhada de impacto. Aqui está uma simples: impacto é uma mudança material no mundo que o torna um lugar melhor. É uma diferença observável e quantificável, que pode ser medida em termos de resultados específicos. Estamos falando de coisas como: vidas de crianças salvas, renda dos agricultores aumentada, desmatamento evitado, alunos mais alfabetizados, menos CO2 na atmosfera, transmissão de HIV evitada, ar urbano mais limpo, pesca reabilitada e direitos conquistados.
O impacto é uma mudança observável e reconhecível, mas, mais especificamente, o impacto é uma mudança que não teria acontecido de outra forma – uma frase que capta precisamente o que a filantropia deve realizar.
O impacto também pode ser definido pelo que ele não é. Em primeiro lugar, as atividades por si só não são impacto. Treinamentos, workshops, entrega de programas – isso não é impacto. Tampouco métricas falsas como “vidas tocadas” e “pessoas alcançadas”. A consciência e as atitudes não importam se não levarem à ação; ação não importa se não leva à mudanças. O que as pessoas sabem, o que dizem e o que fazem podem ser etapas necessárias para causar impacto, mas é o resultado final que importa.
Então, se isso é impacto, o que significa medi-lo de maneira confiável? Aqui estão cinco passos para chegar lá. Para torná-los concretos, escolha uma organização aleatória de seu portfólio. Pergunte a si mesmo:
Missão: Tenho uma compreensão clara do que a organização está tentando realizar – o impacto específico que está tentando criar?
Métricas: eles estão medindo as coisas certas para capturar esse impacto?
Mudança: eles podem demonstrar que uma mudança aconteceu nos termos dessas métricas?
Atribuição: Se ocorreu uma mudança, eles são capazes de sustentar que parte dela foi realmente o resultado de seu trabalho? (O impacto de uma organização é a diferença entre o que aconteceu com eles e o que teria acontecido sem eles – o “contrafactual”).
Custo: Se há impacto, eles podem – com credibilidade – me dizer quanto custou?
Isso é muita coisa. Mas também é inegociável se você realmente deseja entender o impacto de uma organização no mundo. Serei o primeiro a admitir que colocar isso em um amplo portfólio é um trabalho em andamento para sempre, mas é seu trabalho e sua obrigação como financiador continuar fazendo isso. Você nunca seria levado a sério como investidor se não entendesse de lucro, e não deveria ser levado a sério como financiador se não entender de impacto. Se você não quer ser bom nisso, contrate alguém que seja. A responsabilidade pelo impacto significa que você se compromete a financiar o impacto, aprende como saber se ele existe ou não e fecha o ciclo para garantir que aconteceu. Ser responsável significa que você não financia até saber como é o sucesso e como ele será medido. Isso significa que você aprende com seus erros e para de financiar coisas que não funcionam. Não é fácil, mas eis uma verdade: no minuto em que você começa a tentar, você se torna parte da solução.
E fazer parte da solução não significa evitar riscos. Também não significa que você não financie esforços importantes que levarão algum tempo para obter resultados. Você pode apoiar start-ups e projetos de tecnologia ambiciosos, desde que saiba no que está se metendo e quando sair. Você pode financiar a mudança de sistemas desde que saiba dizer se está acontecendo ou não.
Mas se você está financiando, a responsabilidade é sua para descobrir se o projeto funciona e agir de acordo. Impacto é uma obrigação moral. Não temos a responsabilidade inerente ao mundo comercial, então temos que assumir a responsabilidade por nós mesmos. Os conselhos precisam responsabilizar os executivos, os gerentes precisam administrá-lo, os executivos do programa precisam ser obcecados por ele e os indivíduos ricos precisam levar suas doações tão a sério quanto fazem com seus investimentos.
E a única maneira de transformar tudo isso em norma é inserir a responsabilidade na cultura da doação. As pessoas doam por vários motivos diferentes – para ganhar status, para aliviar a consciência, para sentir o arbítrio, para aliviar a ansiedade, para desfrutar do prazer da generosidade – e precisamos conectá-los todos ao impacto, para torná-los inatingíveis sem isso. Descobrir como fazer isso é o maior desafio da filantropia, e fazer isso acontecer deve ser nossa prioridade mais urgente.
Isso porque se os financiadores fossem amplamente responsáveis pelo impacto, aproveitaríamos a dinâmica do mercado e o dinheiro começaria a fluir com eficiência para aqueles mais capazes de criar mudanças. Organizações de alto impacto se veriam ditando o jogo e os zumbis melhorariam seu jogo e ganhariam vida – ou morreriam silenciosamente. Além disso, as pessoas seriam pagas proporcionalmente à sua contribuição para o impacto (nunca entendi por que salvar o mundo precisa se traduzir em ser pobre) e mais talentos entrariam no setor. Mais impacto criaria mais fé na filantropia e traria mais financiadores e, portanto, mais – e melhores – executores. Veríamos um salto quântico em direção a um mundo melhor.
Sonho com o dia em que os zumbis passarão fome e pessoas como eu serão demitidas se não conseguirmos criar um impacto duradouro. Dizem que o melhor dia para plantar uma árvore é 20 anos atrás, e o segundo melhor dia é hoje. O mundo seria um lugar diferente se todos fôssemos responsáveis pelo impacto nos últimos 20 anos, mas aqui estamos nós. É hora de plantar.