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O problema dos heróis

Os trabalhadores rotulados como “heróis” tornam-se vulneráveis ​​à exploração

Por Daniela Blei

(Ilustração de Brian Stauffer)

Em 2020, Matthew Stanley, pesquisador de pós-doutorado da Faculdade de Administração Fuqua da Universidade Duke, observava sua esposa, médica residente, e seus colegas, na tarefa estressante de cuidar dos pacientes durante a pandemia. Mais ou menos na mesma época, Stanley percebeu uma nova tendência no ambiente da assistência de saúde. Cartazes e ilustrações exibiam a mensagem: “Obrigado, heróis da saúde!”. Stanley se perguntou como a linguagem que transforma alguém em herói moldou as percepções públicas dos funcionários e suas experiências profissionais. Heróis teriam salários e benefícios maiores e novas oportunidades?

Stanley e seu orientador, o professor de gestão e organização Aaron C. Key, começaram perguntando aos “heróis” sobre as consequências do rótulo. Em primeiro lugar, historicamente, o termo havia sido atribuído a indivíduos que haviam realizado façanhas extraordinárias, e não a grupos inteiros, como hoje. A difusão de imagens e textos que associam funcionários a heróis é recente; analisando os efeitos para os funcionários, os pesquisadores descobriram que a heroicização não contribui para melhorar os resultados ocupacionais. Ao contrário, faz com que sejam explorados, mesmo depois de migrarem para uma nova carreira. Em um trabalho de revisão abrangendo nove estudos e utilizando grandes amostras de residentes americanos, os pesquisadores observaram como a heroicização influenciava as expectativas dos cidadãos, facilitando a exploração dos empregados.

“Estávamos interessados em usar estímulos naturalistas para entender como as imagens influenciavam as pessoas”, explica Stanley. “Mas nos interessava mais ainda ver o que havia disponível na internet, nas mensagens coladas nas salas de aula no contexto dos professores, nas mensagens afixadas nos centros de saúde e nas imagens de veteranos e militares que se apresentam em eventos esportivos, nos sites do governo e nas organizações que procuram ajudar os veteranos a encontrar novos empregos”.

Em um dos estudos, os participantes observaram pôsteres que mostravam enfermeiras e veteranos usando capas, como heróis. Depois, apagando digitalmente as capas, os pesquisadores mostraram a um grupo de controle imagens de enfermeiras e veteranos usando roupas comuns. Os pesquisadores observaram os efeitos da heroicização ao apresentarem, aleatoriamente, as duas situações e perguntarem aos participantes se os retratados deveriam fazer turnos extras sem compensação ou aceitar cortes salariais. Como, na visão dos participantes, heróis estão dispostos a se sacrificar e a serem altruístas, eles esperavam que os funcionários trabalhassem voluntariamente, sem nenhuma compensação. Segundo Stanley, “abnegação e sacrifício pessoal são aspectos essenciais do heroísmo nas culturas ocidentais, ao menos em 2022 e 2023”.

Embora a heroicização tivesse a intenção de demonstrar apoio popular e admiração, ela pesou para que fossem mais explorados. Ora, sendo razoável que os enfermeiros se apresentassem voluntariamente para turnos extras todos os meses sem receber adicional, os sistemas hospitalares poderiam introduzir essa política sem resistência. Por mais esdrúxula que essa premissa possa parecer, os participantes do estudo assumiram que tratar os heróis com desprezo seria permitir que eles agissem de acordo com seus próprios valores. Os pesquisadores alertam para os efeitos, caso os funcionários, temendo prejuízos, aceitassem condições degradantes. “Existe o risco potencial de reforçar a crença entre gestores de que as pessoas em profissões vistas como heroicas queiram ser exploradas.”

Os estereótipos negativos e suas consequências para os indivíduos e a sociedade já foram estudados pelos cientistas sociais há muito tempo. Mas rótulos positivos, que em geral são amplamente aceitos, não foram tão bem analisados. Além de demonstrar como os estereótipos positivos podem resultar em exploração de “heróis”, a pesquisa também mostra que esse fenômeno impede o público de ver os funcionários como pessoas com vontades e necessidades.

“As pessoas pressupõem que os americanos se alistam no serviço militar porque desejam servir abnegadamente ao país”, comenta Stanley. “Mas essa não é a maior razão para escolher a carreira militar. Os principais atrativos citados pelos militares são remuneração condizente, estabilidade de emprego, benefícios de aposentadoria e assistência médica. Claramente não são os itens mais heroicos.”

As consequências negativas de um rótulo positivo muito difundido sugerem que, ao menos em parte, fontes psicológicas de exploração não são intencionais. “O artigo levanta questões importantes e preocupantes”, destaca David Sherman, professor de psicologia social e da saúde da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara.

Seria bom se a sociedade parasse para pensar nas possíveis implicações negativas quando nós veneramos heróis. Espero que a conscientização possa ajudar as pessoas a apreciarem a plena humanidade e a complexidade que move essas pessoas às quais chamamos heróis e a usufruírem de suas contribuições sem colocá-las em risco de exploração.”

Veja o estudo completo: “The Consequences of Heroization for Exploitation”, por Matthew L. Stanley e Aaron C. Kay, Journal of Personality and Social Psychology.

A AUTORA

Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Sua produção pode ser encontrada em daniela-blei.com/writing. Ela tuita esporadicamente em @tothelastpage



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