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Um sentido de pertencimento

A saúde pública requer um esforço mais intencional na construção da conexão social.

Por Risa Wilkerson

Um sentido de pertencimento
Ilustração: John Oberlander

O isolamento social é um grave problema de saúde pública, com impactos equivalentes aos do tabagismo crônico ou do consumo de álcool. Está ligado à depressão, problemas de sono, declínio cognitivo acelerado e imunidade prejudicada, e aumenta o risco de acidente vascular cerebral, doença cardíaca coronária e morte prematura. Pessoas que se sentem desconectadas são menos inclinadas a trabalhar coletivamente para promover o bem-estar de todos.

Por outro lado, ter fortes conexões e redes sociais promove o bem-estar. Pesquisas demonstram que a conectividade pode aumentar a expectativa de vida em 50%. Pessoas mais velhas com um forte senso de pertencimento à comunidade são mais propensas a ter boa saúde, de acordo com estudos do Canadá.

A pandemia da Covid-19 levou a uma série de barreiras sistêmicas à conexão social – incluindo o fechamento de negócios não essenciais, restrições a reuniões sociais, teletrabalho e distanciamento social – cujos efeitos danosos se manifestaram em muitos lugares por meio do aumento do consumo de álcool e drogas ilegais, crescimento dos relatos de solidão e depressão, e maior procura por tratamento para problemas de saúde mental.

Mas o isolamento social afeta pessoas de todas as idades, estratos sociais e identidades desde muito antes da pandemia. Em 2018 – antes da Covid-19 – mais da metade dos adultos nos Estados Unidos relataram não ter ninguém ou apenas uma pessoa em sua vida em quem pudessem confiar. E apenas 19% afirmaram ter uma forte conexão emocional com sua comunidade.

Aqueles que sentem não pertencer por causa de sua raça, etnia, identidade de gênero ou orientação sexual são especialmente suscetíveis ao isolamento social. Essa vulnerabilidade pode ser exacerbada por experiências como doenças de longa duração ou deficiências, violência doméstica, perda de um ente querido, ter de cuidar de alguém, nascimento de um bebê, realocação, encarceramento, falta de moradia ou rejeição por familiares e amigos depois de se assumir queer. Muitas vezes, os mais vulneráveis ao isolamento social também estão vulneráveis a outros problemas de saúde.

Atualmente, a maioria das estratégias para combater o isolamento social se concentra em oferecer programação, educação e outros recursos. Embora esses esforços tragam benefícios, precisamos pensar de forma mais abrangente e projetar intencionalmente nossas comunidades para a conexão social. Comunidades socialmente conectadas são lugares onde as pessoas se conhecem e confiam umas nas outras, onde se sentem acolhidas e se veem representadas, e onde são motivadas e apoiadas a se engajarem civicamente.

É hora de trabalhar em todos os setores para fortalecer políticas, estruturas e normas que eliminem o isolamento, promovam a conexão dentro da comunidade e melhorem a saúde pública. Especificamente, devemos dar três passos.

Três Passos para maior Conexão

Primeiro, devemos adotar uma “visão social em todas as políticas” para orientar esforços dos parlamentares, organizações de transformação social, doadores e outros que trabalham em questões relacionadas. A conectividade social deve ser um componente fundamental em todas as áreas de formulação de políticas, como transporte, planejamento urbano e serviços sociais, e deve incluir abordagens que discutam injustiça social, desigualdade e trauma.

Essa estratégia pode ser mais fácil de implementar do que muitos imaginam. A melhoria da conexão social já é comumente um subproduto dos esforços para fortalecer a equidade e o bem-estar. Por exemplo, a cidade de San José, na Califórnia, decidiu reduzir as disparidades no serviço de internet de banda larga. Uma biblioteca local tem 3.000 hot spots disponíveis para períodos de 90 dias. Outros 8.000 serão fornecidos aos alunos que precisem de conectividade de banda larga. Embora as iniciativas se concentrem no acesso à internet, a capacidade de se conectar virtualmente é importante para a socialização, como a pandemia ressaltou. A troca de histórias e experiências online pode ajudar a conectar as pessoas, criando empatia, confiança e afinidade. E bibliotecas são lugares gratuitos e abertos a todas as pessoas.

Em outro exemplo, a Suécia adotou um processo chamado “orçamento para o equilíbrio de gênero”, que revelou como práticas de limpeza de neve desfavoreciam as mulheres, mais propensas a caminhar que dirigir. Como resultado, municípios suecos agora limpam as vias para pedestres e ciclistas, especialmente aquelas próximas a pontos de ônibus e escolas, antes de limpar ruas e rodovias. Esse esforço para melhorar a equidade de gênero também ajuda as mulheres e seus filhos a permanecerem conectados com suas comunidades e dá suporte em condições climáticas potencialmente severas.

Esforços para lidar com os impactos de traumas e construir resiliência também fortalecem a conexão social. Pessoas que passaram por uma experiência traumática costumam se isolar, evitando ambientes e interações sociais que contribuam para o trauma.

Em segundo lugar, governos devem aumentar seus investimentos em infraestrutura social – elementos físicos da comunidade que, segundo o sociólogo Eric Klinenberg, atuam como uma via para unir as pessoas e construir capital social. A infraestrutura social pode incluir desde parques e bibliotecas até transporte público e corredores de comércio. Esses investimentos devem ser feitos enquanto se trabalha em todos os setores e com comunidades para criar lugares e programas que melhor conectem as pessoas.

Na Dinamarca, Copenhague queria transformar seu porto industrial abandonado em um lugar onde se pudesse aproveitar o ar livre, conviver e praticar atividades. A cidade assumiu uma série de iniciativas de desenvolvimento, como a criação de um centro comunitário flutuante com instalações para banho e sauna. Com objetivos semelhantes em mente, várias cidades dos Estados Unidos – incluindo Atlanta e Nova York – adotaram uma prática nascida em Bogotá, Colômbia, de fechar certas ruas ao tráfego de veículos motorizados para criar espaços seguros e inclusivos para as pessoas aproveitarem atividades ao ar livre.

Terceiro, a conectividade social deve ser adotada como uma norma da comunidade. A mudança de políticas ou práticas pode influenciar normas sociais, mas promover conversas inclusivas em que as pessoas possam criar coletivamente normas que apoiem conexões sociais tende a ser mais eficaz para eliminar práticas e políticas prejudiciais e isolantes e apoiar outras novas e inclusivas. E mais sustentáveis.

Algumas cidades, por exemplo, se declararam comunidades compassivas ou acolhedoras, comunidades resilientes ou áreas livres de estigma. Nos Estados Unidos, um crescente número de cidades – incluindo Detroit, em Michigan, Dayton, em Ohio, e Boise, em Idaho – reconhece os benefícios econômicos e sociais dessa transformação e está tomando medidas para acolher e integrar novos moradores e ajudar a colocá-los no caminho da cidadania. Ao fazer com que segmentos historicamente marginalizados da sociedade se sintam acolhidos e incluídos, essas localidades também estão fortalecendo a conexão social.

Tornar espaços públicos mais acolhedores para mais pessoas é outra maneira de mudar as normas para promover a conexão social. Em 2020, durante a agitação civil após o assassinato de George Floyd, dezenas de cidades removeram ou renomearam mais de 160 monumentos e memoriais confederados cuja presença glorificava um passado escravocrata e negros americanos marginalizados e alienados. Muitas dessas cidades agora estão trabalhando com os residentes para considerar a melhor forma de substituir esses monumentos para criar espaços públicos que sejam acolhedores e respeitosos a todos.

Investimento na Comunidade

Apesar dos benefícios significativos da conexão social na saúde e na qualidade de vida, a maioria das iniciativas para melhorar o bem-estar da comunidade não a aborda intencionalmente. No entanto, pela própria natureza desses esforços, fazê-lo não precisa ser difícil e pode muito bem melhorar seu sucesso. À medida que a conexão social se torna um objetivo intencional para o investimento social, será importante para financiadores, líderes governamentais e outros interessados ver os resultados que documentem mudanças no âmbito da comunidade.

Enquanto isso, líderes do governo, da filantropia, de negócios, da academia e do setor sem fins lucrativos podem começar integrando o isolamento social nas avaliações das necessidades de saúde da comunidade para ter uma melhor compreensão do problema.

Além disso, líderes podem incorporar a conexão social ao trabalho que já estão fazendo e adotar métricas de conexão social em suas políticas e programas. O Índice Canadense de Bem-Estar é um bom exemplo: ele rastreia medidas de qualidade de vida como “vitalidade da comunidade”, “engajamento democrático” e “lazer e cultura”. De forma encorajadora, nos Estados Unidos, coalizões estaduais e locais estão se formando em torno do objetivo de reduzir o isolamento social e a solidão e construir conexões. Exemplos incluem Massachusetts, Texas, Connecticut, Geórgia, Michigan e Califórnia.

Para trazer à tona soluções realmente efetivas e inclusivas, devemos criá-las em conjunto com comunidades afetadas pelo isolamento social. Em 2021, a Healthy Places by Design, a consultoria sem fins lucrativos que lidero, publicou o relatório Socially Connected Communities: Solutions for Social Isolation [“Comunidades Socialmente Conectadas: Soluções para o Isolamento Social”] com apoio da Robert Wood Johnson Foundation. Ele oferece orientações detalhadas para criar mudanças lideradas pela comunidade que construam conexões sociais. Nossa pesquisa foi feita por uma rede de aprendizado sobre isolamento social de participantes de diversos lugares e organizações que compartilharam abertamente seus esforços para reduzir o isolamento social e identificaram lacunas no diálogo nacional que ressaltavam a necessidade de abordar o isolamento social de forma mais sistêmica. As lições e recomendações do relatório visam inspirar ações coletivas para resolver esse problema complexo.

Devemos reconhecer a conexão social como uma prioridade de saúde pública e como uma ferramenta de cura e reconstrução. Podemos começar deixando de pensar no isolamento social como um problema pessoal e abordar intencionalmente as raízes das suas causas nos sistemas, normas, políticas e injustiças históricas de nossas comunidades. Comunidades socialmente conectadas são saudáveis, resilientes e cocriadas com propósito. Investir na conexão social é um investimento na saúde e no bem-estar da comunidade e, em última análise, em mais e melhores oportunidades para todos.

 

A AUTORA

Risa Wilkerson é diretora executiva da Healthy Places by Design, um grupo de consultoria sem fins lucrativos que atende organizações filantrópicas e comunitárias nos Estados Unidos.



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