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Colocar a saúde no centro da mudança climática

As empresas precisam tomar atitudes que melhorem não apenas o meio ambiente, mas, também, a saúde e o bem-estar das pessoas, em especial entre as comunidades vulneráveis de suas cadeias de valores.

Por Daniella Foster

Indonésia Bayer Farmácia
Faucik Lestari, empreendedora-agrícola e proprietária do Better Life Farming Center, em Java Central, Indonésia, dá conselhos a uma agricultora sobre proteção de cultivos. Foto: cortesia da Bayer.

Um relatório das Nações Unidas de 2022 sobre as alterações climáticas revelou um dado alarmante: 40% da população mundial é altamente vulnerável aos efeitos das mudanças do clima, e a maior parte das pessoas desse grupo mora nos países menos responsáveis por isso. Outro fator também preocupante é que a questão climática é uma das menores preocupações imediatas desse grupo. Essas comunidades sofrem com falta de acesso a serviços de saúde, enfrentam insegurança alimentar e falta de água, e, em geral, têm dificuldade para suprir suas necessidades básicas.

Embora a mudança climática certamente seja uma das raízes desses problemas, lidar com os desafios impostos pela alteração no clima e, ao mesmo tempo, com a desigualdade, ou a justiça climática, exige que analisemos o bem-estar da população e não apenas o progresso ambiental. Como as pessoas poderiam resistir aos impactos da mudança climática ou ajudar a resolver os problemas que enfrentam se elas não estão suficientemente saudáveis para prosperar no dia a dia?

As empresas — em sua variedade de papéis envolvendo empregadores, fornecedores e investidores — precisam adotar a sustentabilidade de ponta a ponta (“end-to-end sustainability”), tomando atitudes que melhorem não apenas o meio ambiente mas, também, a subsistência das pessoas, em especial nas comunidades vulneráveis em suas cadeias de valor. E embora todas as empresas possam se aprimorar para dar o mesmo peso, ou até mais, ao desenvolvimento de comunidades saudáveis, aquelas que prestam serviços essenciais como cuidados com a saúde e suprimento de alimentos têm uma oportunidade ímpar de estabelecer metas e planos que levem em consideração o bem-estar como um todo, e que, ao mesmo tempo, apoiem o ambiente e a sociedade.

Independentemente da abordagem específica adotada por uma empresa para conseguir isso, ela deve fazer da sustentabilidade ambiental e social parte intrínseca de suas operações, assegurando o apoio irrestrito da liderança a fim de que todas as decisões, inovações, bem como os investimentos e sistemas de medição, sejam incorporados ao negócio de forma significativa. A seguir encontram-se cinco maneiras para começar. 

 

1. Cadeias de suprimento

Assim como ocorre com suas pegadas ambientais, as empresas precisam avaliar como e quando podem apoiar a questão da saúde e da subsistência em toda sua gama de atividades corporativas, e então agir em suas cadeias de suprimento e de valor. Qualquer empresa, a despeito de sua indústria, pode criar uma instalação “âncora” em uma comunidade de baixa renda que empregue moradores locais e apoie seu bem-estar. A farmacêutica Moderna, por exemplo, anunciou recentemente que desenvolveria uma fábrica de vacinas de mRNA no Quênia. Enquanto produz vacinas extremamente necessárias para toda a África, a iniciativa gerará novos empregos na região. E dada a promessa da Moderna de, até 2030, zerar as emissões líquidas de carbono, a instalação deve ser projetada de modo que seja ambientalmente sustentável.

As empresas também podem estabelecer metas para suas estratégias ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) que melhorem tanto o bem-estar dos fornecedores a curto prazo, como alicercem o caminho para que eles minimizem suas pegadas ambientais no futuro. O programa de financiamento Forever Better, por exemplo, incentiva fornecedores a abordar questões climáticas e sociais. Desenvolvido pela Puma, empresa de calçados e vestuário, e pelo International Finance Corporation, o programa oferece as melhores condições de pagamento àqueles fornecedores que melhor se saem nos critérios ESG, redução de emissão de carbono e melhoria das condições dos trabalhadores, entre outros. Enquanto isso, o Better Life Farming, programa desenvolvido pela Bayer, empresa química e farmacêutica, apoia pequenos agricultores em países de baixa e média renda oferecendo a eles produtos agrícolas de alta qualidade como proteção de sementes e de cultivo, treinamento educacional em gestão agrícola, acesso ao mercado e empreendedorismo, e consultoria ambiental. Atualmente, o programa está começando a oferecer acesso a financiamentos, bem como a serviços de saúde, em países como Indonésia e México, incluindo orientação sobre autocuidado, nutrição e planejamento familiar.

2. Inovação

As empresas também devem criar novos produtos e serviços, em especial soluções para o cuidado com a saúde, tendo em mente as necessidades de um conjunto variado de consumidores e comunidades. Com metade da população mundial sem acesso a serviços básicos de saúde, há uma oportunidade para adequar soluções a esse público que está não só buscando produtos e serviços de qualidade, mas disposto a gastar com isso.

Adequar cuidados com a saúde para populações e necessidades diversas dos usuários exige que as empresas levem em conta diferentes determinantes sociais de saúde (incluindo condições ambientais), níveis de confiança no sistema de saúde e regras culturais. O United Health Group, que oferece serviços de saúde, por exemplo, se comprometeu, recentemente, a construir uma força de trabalho mais diversificada quanto a raça e etnia por meio de melhores programas de treinamentos em faculdades historicamente frequentadas por pessoas negras e através de um programa de bolsas de estudo. Funcionários representativos fazem com que seja mais provável que os profissionais da área de saúde compreendam as necessidades singulares dos pacientes e utilizem abordagens inovadoras em seus atendimentos. Isso provou melhorar níveis de conforto e reduzir disparidades de saúde entre os pacientes, além de possibilitar tratamentos de melhor qualidade.

Outro exemplo é a Consumer Health, divisão da Bayer, que estabeleceu a meta de ampliar o acesso a serviços de saúde diários para 100 milhões de pessoas em comunidades carentes até 2030. Para que seja um sucesso tanto comercial quanto social, a empresa deve repensar seu modelo, criando produtos baseados nas necessidades médicas singulares dos consumidores carentes, aumentando a disponibilidade física dos produtos, e fazendo isso em faixas de preços que os clientes possam pagar e nas lojas que eles frequentam. Como parte do compromisso da empresa, a Bayer deu início a um estudo sobre problemas de saúde como a asma — um número desproporcional de pessoas que sofrem dessa doença vive em ambientes onde a poluição é comum. O levantamento ajudará a empresa a definir o modelo, o preço e a colocação no mercado de novos produtos e serviços que atendam às suas necessidades.

As empresas também podem olhar para além dos muros de suas próprias ideias inovadoras. A fabricante de cerveja AB InBev, por exemplo, apresenta todos os anos dez desafios de sustentabilidade ambiental e social para empreendedores do mundo todo, oferecendo U$ 100 mil anuais aos candidatos bem-sucedidos como apoio para que desenvolvam projetos pilotos e mentoria. Em muitos casos, esse estímulo acabou promovendo programas inovadores que melhoraram o bem-estar de comunidades carentes, incluindo o reuso de grãos retirados dos processos de fabricação de cerveja para a produção de alimentos nutritivos e o desenvolvimento de tecnologias para melhorar a qualidade da água.

 

3. Investimento

Alcançar sustentabilidade ambiental e social exige um investimento expressivo e por isso é importante que as empresas pensem na sustentabilidade como uma estratégia de desenvolvimento de negócio, em vez de como um pilar de trabalho separado ou como parte da responsabilidade social corporativa. Integrar sustentabilidade ao planejamento estratégico significa tomar decisões de investimento que melhorem, de maneira deliberada, a saúde e os meios de subsistência, o planeta, e o balanço final de uma empresa. A sustentabilidade não deve ser uma reflexão tardia, mas sim integrar aquilo que a empresa planeja e executa para garantir o futuro de suas operações.

Como parte disso, é importante desenvolver um plano de ação mensurável. Embora muitas empresas tenham firmado parceria com a Science Based Targets Initiative — organização que as auxilia a definir metas mensuráveis de redução de emissão por meio de critérios científicos —, os padrões de medida voltados para metas sociais sustentáveis, tais como melhoria do acesso a serviços de saúde ou nutrição, têm sido mais difíceis de se alcançar. Contudo, a Philips, empresa de tecnologia de saúde, vem realizando um trabalho interessante na padronização de medidas, como parte de seu Future Health Index, plataforma baseada em pesquisas que mostra como países em todo o mundo estão moldando o futuro dos serviços de saúde. Sua “medida de valor” holístico indica o valor oferecido pelos sistemas de saúde em diferentes mercados, incluindo sua acessibilidade, precificação, confiabilidade, eficácia e eficiência. Juntas, essas medidas podem refletir melhor o retorno total sobre o investimento, bem como seu impacto.

Para dar mais precisão às metas sociais sustentáveis, a Bayer faz uma auditoria em seu trabalho de sustentabilidade com o mesmo rigor usado em suas atividades financeiras. Ademais, a remuneração de seu conselho de administração está atrelada ao progresso de todas as metas de sustentabilidade, não apenas àquelas ligadas ao meio ambiente; além disso, a empresa tem um conselho externo de sustentabilidade e um conselho fiscal focado em progresso e governança.

 

4. Política de Influência

Claro que a política também desempenha um papel intrínseco na construção de comunidades saudáveis e resilientes. As empresas podem incentivar os programas governamentais de saúde existentes por meio de políticas trabalhistas e tirar proveito de sua magnitude para exercer uma influência positiva sobre o setor público.

Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, muitas empresas intensificaram e melhoraram os benefícios destinados aos trabalhadores para complementar políticas estatais ou suprir a lacuna por elas deixadas. Benefícios são, muitas vezes, ampliados para incluir e cobrir o acesso a serviços de telemedicina, serviços de saúde mental e cuidados reprodutivos adicionais. No que diz respeito à influência do setor público, a empresa de tecnologia médica Becton, Dickinson, and Company se juntou ao Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para Alívio da AIDS (PEPFAR) na Prevenção e Controle de Infecções. O projeto aprimora práticas de flebotomia como procedimento para impedir a transmissão de HIV/AIDS. Parcerias público-privadas como essa ajudaram a salvar 21 milhões de vidas, evitaram milhões de infecções de HIV, e aceleraram o progresso no controle da epidemia em mais de 50 países.

 

5. Resiliência da Comunidade

Por fim, muitas empresas têm a magnitude e os recursos para oferecer ajuda a comunidades que enfrentam dificuldades devido a eventos climáticos extremos ou outros desastres. Mas elas podem usar sua força e seus recursos para gerar — em parceria com governos locais e ONGs — emprego e infraestrutura que façam com que as comunidades sejam mais saudáveis a longo prazo. Isso é importante porque desastres ligados à mudança climática provavelmente se tornarão ainda mais frequentes, e as comunidades não podem começar sua reconstrução do zero todas as vezes.

Iniciativas que promovem resiliência não exigem, necessariamente, mudanças políticas ou novas regulamentações, podendo apenas ajudar a atender às necessidades básicas de saúde das pessoas. A Bayer, por exemplo, está trabalhando com a iniciativa social reach52 como parte de sua The Nutrient Gap Initiative. A parceria tem por objetivo expandir o acesso a vitaminas e minerais para 50 milhões de pessoas em comunidades carentes até 2030. Juntas, as organizações estão treinando voluntários de saúde de comunidades no Quênia para que se tornem agentes da reach52. Com base em dados nutricionais coletados pelos agentes, comunidades de difícil acesso receberão educação nutricional e suplementos especificamente voltados para suas necessidades.

Muitos varejistas também estão levando serviços de saúde para suas lojas. Por exemplo, a Health Zone, iniciativa da CVS, investe em serviços conduzidos por empresas parceiras. Realizados nas lojas, eles ajudam as pessoas a enfrentar uma gama de fatores que levam a disparidades no que diz respeito à saúde, incluindo falta de moradia, acesso a alimentos ou treinamento da força de trabalho. Enquanto isso, as clínicas do Walmart Health oferecem serviços de baixo custo, de fácil acesso e de qualidade (incluindo atendimento dental e oftalmológico, bem como diagnósticos) a preços transparentes para pessoas que não têm plano de saúde. As duas iniciativas estão atendendo às necessidades de comunidades carentes em áreas onde seus moradores já fazem compras e moram, reduzindo, assim, a barreira ao acesso à saúde com soluções práticas e convenientes.

Em conclusão, os compromissos das empresas com a neutralidade de carbono e com net-zero só nos levarão até determinado ponto na estrada da solução climática. Para ajudar as comunidades vulneráveis a enfrentar e a combater o impacto das mudanças climáticas, as soluções devem incluir tanto o atendimento de suas necessidades básicas, como a melhoria de seu bem-estar geral. As empresas podem, e devem, se envolver com a saúde — como empregadoras, fornecedoras e investidoras — e se comprometer a examinar e a aprimorar sua cadeia de valor, sua abordagem de inovações, seus investimentos, seus esforços comunitários, bem como sua influência política tendo em mente comunidades mais saudáveis e resilientes.

 

A AUTORA

Daniella Foster é vice-presidente sênior e diretora global de relações públicas, ciência e sustentabilidade da Divisão de Saúde do Consumidor da Bayer, além de ser membro do conselho executivo da divisão. Nessa função, é responsável por questões e políticas públicas internacionais e por incorporar a sustentabilidade à estrutura do modelo de negócios da divisão, incluindo o desenvolvimento de estratégia e ambição, o envolvimento de stakeholders, a gestão proativa de problemas, a implementação e a administração de impacto.



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