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Elites, cidadãos e organizações internacionais

O público – ao contrário das classes dominantes – confia muito pouco nas grandes organizações internacionais.

Por Chana R. Schoenberger

Opinião pública sobre organizações internacionais.
Ilustração: Adam McCauley

Desde a Segunda Guerra Mundial, organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) têm desempenhado um importante papel de coordenação em todos os continentes. Mas observadores de política externa notaram que essas entidades lutam cada vez mais para influenciar a geopolítica e manter a ordem, especialmente quando países e blocos regionais disputam o controle em uma turbulenta era pós-Guerra Fria.

Um fator potencial é a falta de apoio a tais organizações existente entre os públicos nacionais e as elites. Enquanto em muitos países a classe governante anseia por trabalhar com essas agências, cidadãos confiam cada vez menos nelas. Demagogos populistas conseguiram explorar essa desconfiança para cortar financiamento à cooperação internacional e encorajar seus eleitores a menosprezar essas organizações junto com todo o projeto de globalismo.

Um grupo de pesquisadores europeus se propôs a entender por que o apoio aos organismos internacionais é discrepante entre as elites e a sociedade em geral. Seu novo artigo, “The Elite-Citizen Gap in International Organization Legitimacy”, confirma que o abismo é um problema no mundo todo. “Nossas descobertas sugerem que diferenças profundas entre as elites e a população em geral podem apresentar grandes desafios para a cooperação internacional democrática e eficaz.”

Os professores Lisa Dellmuth e Jonas Tallberg, da Universidade de Estocolmo, Suécia, Jan Aart Scholte, da Universidade de Leiden, e Soetkin Verhaegen, da Universidade de Maastricht, ambas na Holanda, analisaram como as pessoas no Brasil, na Alemanha, nas Filipinas, na Rússia e nos Estados Unidos se sentiam em relação ao Tribunal Penal Internacional, ao Fundo Monetário Internacional, às Nações Unidas, ao Banco Mundial, à Organização Mundial da Saúde e à Organização Mundial do Comércio.

Para entender o que pessoas comuns pensam sobre as organizações, os pesquisadores colocaram perguntas personalizadas no World Values Survey (WVS-7), entre 2017 a 2019. Ao mesmo tempo, fizeram questões semelhantes aos respondentes da elite de cada um dos cinco países.

O estudo descobriu que existe um abismo entre elites e cidadãos sobre a legitimidade das organizações internacionais, que se mantém em todos os diferentes estratos da elite, em todos os organismos estudados e em quatro dos cinco países, com as Filipinas sendo um ponto fora da curva. E conclui ainda que quatro características individuais geram as disparidades: status socioeconômico, valores políticos, identificação geográfica e confiança institucional nacional. As “circunstâncias contextuais” em cada país levaram a um efeito diferente para cada um desses fatores.

A situação política e social em cada um, por exemplo, tem nuances, por isso é necessário considerar a divisão entre elite e outros cidadãos no local onde ocorre, diz Dellmuth. Isso é particularmente importante em um mundo onde o populismo se tornou mais difundido e está ganhando vitórias nas urnas; vários países da pesquisa elegeram líderes populistas ou nacionalistas. Aqueles que trabalham no fortalecimento de organizações internacionais poderiam usar a pesquisa para ajudar a iniciar uma conversa sobre o abismo de legitimidade, em vez de deixar o campo do discurso para políticos populistas, afirma Dellmuth. Ela observa que embora a discrepância entre a confiança da elite e dos cidadãos nos organismos internacionais apareça nos cinco países pesquisados, um grande percentual de pessoas nesses grupos ainda acredita nas organizações.

“Legitimidade é um tópico muito importante, especialmente para organizações internacionais”, diz a pesquisadora. “Se querem ter sucesso na divulgação de normas e convidar governos a apresentarem soluções políticas ambiciosas, elas precisam não só de legitimidade mas que o público em geral as valorize.” O artigo traz descobertas importantes e outras questões sobre por que as classes governantes não entendem o desprezo do resto da população pelas organizações internacionais e seu trabalho, diz Stefanie Walter, da Universidade de Zurique, Suíça.

“A descoberta de que elites e indivíduos diferem consistentemente em quão legítimas consideram as organizações internacionais, apesar de todas as diferenças, aponta para um

desafio sistemático para esses organismos”, afirma Walter. “Este artigo impulsiona a pesquisa sobre a reação contra a globalização do ponto de vista metodológico e teórico, pois fornece uma nova perspectiva sobre por que as elites podem não responder às demandas dos cidadãos por mais legitimidade [dos organismos internacionais].”

A resposta é um diálogo contínuo sobre como cada país contribui para a ordem internacional, diz Dellmuth. “A solução é sempre conversar e tentar entender um ao outro”, diz ela. “Não podemos deixar essa discussão para os populistas que afirmam que organizações internacionais enfraquecem a democracia e a vontade do povo.” 

Lisa Dellmuth, Jan Aart Scholte, Jonas Tallberg e Soetkin Verhaegen, “The Elite-Citizen Gap in International Organization Legitimacy”, American Political Science Review, v. 116, n. 1, 2022, p. 283-300.

 

A AUTORA

Chana R. Schoenberger é jornalista e vive na cidade de Nova York. Escreve sobre negócios, finanças e pesquisa acadêmica. Ela pode ser encontrada no Twitter: @cschoenberger.



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