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A National Geographic se Reinventa

A National Geographic Society começou como uma instituição da era vitoriana criada por exploradores brancos dedicados a compreender o planeta. Para melhor refletir o mundo e prosperar no século 21, a organização diversificou sua liderança, transformou sua cultura interna e criou um potente grupo de mídia

Por Amanda M. Fairbanks

Foto de Mark Thiessen
Susan Goldberg, editora-chefe desde 2014. Foto de Mark Thiessen

Em abril de 2014, Susan Goldberg se tornou a primeira editora-chefe na história da National Geographic, uma revista publicada ininterruptamente desde seu lançamento no final do século 19 e que alcançou o padrão-ouro do jornalismo, com reportagens que unem curiosidade científica e interesse humano.

Exatamente quatro anos depois, Goldberg protagonizou uma segunda ruptura com a longa história da revista. Na edição de abril de 2018, “Cor não é raça” (Black and White, na edição americana), ela reconheceu publicamente o legado de racismo da publicação, principalmente em como a revista retratava pessoas negras  – tanto nos Estados Unidos como no exterior. Seja pela escolha dos temas das reportagens, pela seleção das imagens ou por quem escrevia os artigos, a revista reproduziu uma hierarquia racial: ano após ano, os brancos estavam no topo e os negros relegados ao andar inferior.

“Até a década de 1970, a revista praticamente ignorou os americanos que não eram brancos, raramente reconhecendo-os fora das categorias de operários e empregados domésticos”, escreveu Goldberg na carta do editor que acompanhava a publicação. Duas irmãs gêmeas, uma negra e outra branca, estavam na capa. “Ao mesmo tempo, costumava apresentar os ‘nativos’ de outras partes do mundo como indivíduos exóticos, caçadores joviais, nobres selvagens – ou seja, lançando mão de todos os tipos de clichês.”

Esses dois eventos marcaram um grande afastamento da origem da revista 130 anos antes, quando, em uma noite fria de janeiro de 1888, um grupo de 33 homens brancos se reuniu em Washington (D.C.) para explorar, entender e dominar o globo assumindo o papel de líderes de uma nação em expansão. Embora tivessem origens profissionais diversas – acadêmicos, líderes empresariais, cartógrafos, geógrafos, funcionários do governo, inventores – e fossem de gerações diferentes, entre 20 anos e 60 e poucos anos, esses homens compartilhavam a mesma paixão pela natureza, pela ciência e pela exploração. Antes de encerrar a noite, com seus relógios de bolso enfiados em seus coletes e paletós, tornaram-se o grupo fundador. Eles se uniram para formar não apenas uma nova organização, mas uma que sobreviveria a eles: a National Geographic Society.

A missão do grupo – “iluminar e proteger as maravilhas do nosso mundo” – persiste, embora a forma tenha continuado a mudar e a evoluir, seja por meio de sua revista impressa, de seu canal de TV a cabo ou de seus quase 190 milhões (e contando) de seguidores no Instagram. Embora a National Geographic de hoje seja sinônimo de imagens impressionantes, certamente não começou assim. Quando Gilbert H. Grosvenor, um dos primeiros editores e um pioneiro do fotojornalismo, decidiu incluir 74 fotografias da vida selvagem do naturalista e deputado republicado americano George Shiras, um membro do conselho renunciou em protesto, acreditando que a inclusão das imagens desvalorizava a revista. No entanto, Grosvenor persistiu, convicto de que a Sociedade deveria ousar retratar “o mundo e tudo o que há nele”.

A preferência de Grosvenor por usar mais as fotos (compartilhada com Alexander Graham Bell, o segundo presidente da Sociedade) para acompanhar a narrativa baseada em fatos da revista moldou sua direção editorial nos anos e décadas seguintes, atingindo seu ápice com a lucrativa parceria com a Disney. Mas chegar a uma posição tão invejável, não apenas do ponto de vista financeiro, nem sempre era uma aposta certa. Como a flora e a fauna que cobre, a National Geographic adaptou-se ao seu ambiente em transformação. Ainda que a missão essencial da organização sem fins lucrativos tenha permanecido firmemente intacta, a National Geographic Society viveu as dores de crescimento ao passar por mudanças em momentos de conjunturas críticas para se tornar a instituição global duradoura e próspera que é hoje.

Como evidenciado por seu recente reconhecimento em torno de sua cobertura e da luta para tornar o funcionamento interno da organização mais representativo da diversidade da população em geral, ainda há muito trabalho a ser feito.

 

 Nova liderança

 

Anos antes de a revista voltar sua atenção para a questão racial, o modo de operação da organização estava passando por uma mudança sutil, embora sísmica, que ia muito além da contratação histórica de Goldberg.

“A National Geographic é como muitas organizações no sentido de que ou evolui e muda com o tempo, ou morre”, diz Kaitlin Yarnall, diretora de storytelling da National Geographic Society. Yarnall, que entrou na organização como cartógrafa, em 2005, agora comanda uma equipe que se concentra em contar histórias em diferentes formatos, seja em filmes, jornalismo ou fotografia.

Dezesseis anos atrás, quando se juntou à equipe, Yarnall frequentemente participava de reuniões nas quais era a única mulher. “Honestamente, não foi algo que me impressionou porque era  normal”, diz. Aos poucos, porém, as coisas começaram a se transformar. Uma grande mudança ocorreu em 2016, quando Jean Case se tornou a primeira mulher presidente do conselho de administração da National Geographic Society. O conselho de 22 membros atualmente inclui 14 homens e 8 mulheres, com 36% dos executivos de alto escalão agora negros e nativos.

“Assim como as culturas evoluem e se adaptam ao longo do tempo, o mesmo aconteceu com a National Geographic Society em seus 133 anos”, escreveu Case em uma carta interna aos membros da Sociedade em fevereiro de 2021. Ao lado de elogios a uma série de novidades, o documento também lembrou a comunidade que, embora a organização tenha ajudado a construir novos horizontes para a exploração e a inovação, ainda havia muito a ser feito para “garantir um futuro mais inclusivo e equitativo e investigar as maravilhas do nosso mundo por meio de perspectivas diversas.”

Nos bastidores, a liderança de Case representou um catalisador muito necessário para a mudança, principalmente na contratação de Jill Tiefenthaler. Em 2020, ela  tornou-se a primeira CEO mulher da organização sem fins lucrativos.

No outono de 2019, quando Tiefenthaler recebeu um telefonema de um headhunter sobre a vaga de CEO na National Geographic Society, ela tinha 54 anos e era presidente do Colorado College havia quase uma década. “A primeira coisa que pensei foi que não sou cientista nem exploradora”, diz Tiefenthaler. “Sou apenas uma economista entediante.”

Sua mente logo lembrou da infância e de sua pequena escola na zona rural do noroeste de Iowa. Na biblioteca sempre havia cópias da National Geographic com sua icônica borda amarela, fotografias impressionantes em páginas brilhantes e desgastadas pelo uso. “Para uma garota de fazenda crescendo em Iowa, aquela era uma janela para um mundo”, diz ela.

Depois de uma longa carreira no Ensino Superior, o convite veio com uma vantagem oportuna: a atraente oportunidade de pensar em como refazer uma instituição histórica que não tinha apenas uma marca reconhecida globalmente à sua disposição, mas também contava com simpatia de todo o espectro político. Ou, como diz Tiefenthaler: “Meu pai conservador, nascido no Iowa, ama a National Geographic tanto quanto minha filha de 22 anos”.

Embora estivesse inicialmente com medo de deixar seus alunos e o que ela descreve como “a vida da mente” para trás, seus novos colegas ofereceram um novo desafio. A curva de aprendizado a fez lembrar do período de pós-graduação. Ela mergulhou de cabeça ali com o objetivo audacioso de criar o primeiro plano estratégico aprovado pelo conselho da organização sem fins lucrativos.

O trabalho interno continuou com Shannon P. Bartlett, que recentemente se juntou à equipe de liderança executiva como a primeira diretora de diversidade, equidade e inclusão. “Eu realmente posso dizer sem qualquer hesitação, que diversidade, equidade e inclusão são fundamentais para tudo o que fazemos”, diz Yarnall. “Não é apenas um tópico em nosso plano estratégico; é um fio condutor que percorre tudo e está embutido em tudo o que queremos fazer daqui para frente.”

Baron Pineda, professor de antropologia do Oberlin College e especialista em Direitos Humanos e povos indígenas, fica animado com o que vê. “A National Geographic desempenhou um papel importante, apesar de suas falhas, principalmente ao mostrar aos leitores que existe um mundo além dos Estados Unidos”, diz ele, que não apenas leu a National Geographic quando criança, mas cuja família ainda assina a revista. Nos últimos anos, Pineda ficou impressionado ao ver como a revista se transformou para cobrir questões sociais prementes. Olhando para o futuro, afirma-se curioso em ver se a revista de borda amarela que chega em sua caixa de correio todos os meses realmente refletirá a mudança demográfica de seu conselho e funcionários.

 

 Novo modelo de negócios

 

Em termos de história organizacional, o mês de janeiro de 2001 – e o lançamento da National Geographic, o canal de televisão a cabo – não foi apenas um momento potencialmente arriscado, mas um indicador em termos de onde a empresa iria nas primeiras décadas do século 21.

A entrada no mundo televisivo foi tardia e veio depois do Travel Channel, do History Channel e do Discovery Channel. Por décadas, embora a Sociedade tivesse financiado documentários premiados na televisão pública, o conselho mais conservador não queria baixar seus padrões e entrar na TV a cabo.

“Naquela época, era muito caro entrar”, diz Renee Braden, que supervisiona a biblioteca de pesquisa e as coleções de arquivos da Sociedade. “Deveríamos ter começado enquanto ainda estava barato.”

Avancemos para novembro de 2015, quando a organização marcou o início de um capítulo especialmente transformador: sua parceria com a 21st Century Fox, que a The Walt Disney Company adquiriu em 2019. Uma nova joint venture, a National Geographic Partners, reorganizou o que antes era a área de operações editoriais e mídia da National Geographic Society — e consolidou a revista, os canais de televisão e as plataformas de mídia digital e social sob um teto simplificado e com fins lucrativos. (Internamente, os funcionários usam as siglas NGS para se referir à Sociedade e NGP, para a joint venture). Mais tarde, a Disney provou ser uma combinação ideal, não apenas por compartilhar a paixão da Sociedade por contar histórias, por inspiração e por inovação, mas por ter um conjunto totalmente diferente de ferramentas com as quais navegar no mundo dos negócios.

“Não consigo imaginar como estaríamos financeiramente se não tivéssemos essa parceria”, diz Yarnall. Mal sabiam eles que, à medida que os leitores do impresso mudavam sua atenção para o online, o modelo de receita do impresso, baseado em um fluxo constante de dólares em publicidade, logo implodiu (de 165 assinantes, em 1888, para 988, em 1894, para um pico histórico de 11 milhões no final da década de 1980, os assinantes anuais, atualmente, giram em torno de 2 milhões).

A experiência comercial da Disney, a presença global e as ofertas diretas ao consumidor, como o Disney+, ajudaram a expandir o impacto da Sociedade ao atingir um público mais amplo e multigeracional. Ter um conjunto diversificado de ativos de mídia ajudou, principalmente porque a receita da TV a cabo, incluindo o National Geographic Channel, continua a diminuir.

Em última análise, a joint venture resultou em dois fatos estratégicos para a National Geographic Society: permitiu que seus negócios de mídia se tornassem parte de um conglomerado de mídia muito maior – e muito mais escalável. E o mais importante para as pessoas que trabalham na organização sem fins lucrativos: o acordo ajudou a fortalecer seu futuro financeiro. Eles não apenas adquiriram uma dotação muito maior (o acordo injetou US$ 725 milhões) e um fluxo de receita constante, mas também tornaram-se proprietários minoritários de uma empresa de mídia (uma divisão de 27%/73%) que tinha, além de recursos financeiros abundantes, o benefício agregado de amplificação e alcance [de audiência] sem precedentes.

A parceria também teve a consequência pretendida de dar-lhes clareza de missão. “Sempre fomos uma organização sem fins lucrativos responsável por  administrar uma empresa de mídia”, diz Yarnall. “Mas agora somos uma organização sem fins lucrativos parceira de uma empresa de mídia maior.” Em vez de gastar um tempo precioso construindo e mantendo uma base de assinantes de revistas, Yarnall e sua equipe estão livres para se concentrar no financiamento e na amplificação de vozes e questões que o mundo talvez não conheça. “Tem sido esclarecedor”, diz ela. “É extremamente difícil fazer as duas coisas.”

A colega de Yarnall, Braden, se descreve como patrimônio da empresa. Ela está na organização, tendo ocupado várias funções, desde 1987. Algumas vezes, quando achava que era hora de começar a pensar em mudar e ir trabalhar em outro lugar, seu telefone tocava e ela era seduzida a continuar na equipe. “Todo mundo que trabalha aqui se sente muito apaixonado pela Sociedade”, conta Braden. “As pessoas se sentem muito conectadas a isso.” Nas estantes atrás dela estão as lombadas amarelas de todas as edições da National Geographic, de 1888 até o presente. Outra relíquia é um banner onde se lê “National Geographic pela Emenda dos Direitos Iguais”.

Em alguns momentos, Braden comparou a joint venture a um relacionamento entre irmãos com idades diferentes. “Definitivamente há algumas disputas e tivemos que nos acostumar a uma nova forma de trabalhar juntos, com diferentes linhas de subordinação e estruturas organizacionais”, diz ela. “Em dias ruins, é muito burocrático. Mas em dias bons, parecemos operar na potência máxima.” Até agora, Braden está entusiasmada com o salto ousado da organização para o futuro.

John Wihbey, professor de jornalismo da Northeastern University, vê a National Geographic Society ocupando uma posição bastante invejável, principalmente quando comparada a outras organizações sem fins lucrativos de mídia. Ele cita a BBC, NPR e PBS como possíveis comparações.

“Eles têm uma marca absolutamente folheada a ouro com alto grau de confiança”, diz Wihbey. Ele observa que seria difícil, talvez impossível, que os dólares de publicidade comprassem o nível de reconhecimento visual e de nome da National Geographic Society. “Eles foram privilegiados não apenas pelo poder da marca, mas por seu legado”.

E enquanto alguns críticos podem considerar sua parceria com a Disney como liquidada, Wihbey a vê como um movimento estratégico – tanto em termos de resultados financeiros como para garantir sua identidade de organização sem fins lucrativos sem arriscar maculá-la com a ausência de bom gosto de uma empresa de mídia comercial.

“Só espero que a National Geographic Society não perca sua missão, pois sente mais pressão corporativa”, diz ele. “Se 73% são de propriedade da Disney, com todo o seu poder e influência, será cada vez mais difícil recuar quando os valores fundamentais forem infringidos ou desafiados, porque os resultados corporativos ditam a direção editorial.”

 

 Nova estratégia

 

Como CEO, Tiefenthaler está na posição invejável de não ter que se preocupar tanto quanto um líder tradicional de uma organização sem fins lucrativos com o problema constante do fluxo de caixa. Devido à joint venture com a The Walt Disney Company, a National Geographic Society tem um fundo patrimonial de US$ 1,4 bilhão e um orçamento operacional anual de cerca de US$ 200 milhões. Ainda assim, um desafio de branding é que a maior parte do mundo ainda não sabe a diferença entre o lado “.org” da parceria (administrado pela NGS) e a fatia “.com do bolo (mantida pela NGP).

A Sociedade tinha um fundo patrimonial de cerca de US$ 250 milhões na época da joint venture, que, como resultado do acordo de US$ 725 milhões, cresceu para quase US$ 1 bilhão. Tiefenthaler agora tem a atribuição de aproveitar ao máximo a parceria única e invejável entre a organização sem fins lucrativos e a com fins lucrativos (e os 27 centavos de cada dólar que voltam para o cofre da primeira). Uma de suas principais tarefas é criar uma cultura de filantropia e atrair doadores, enfatizando que cada dólar filantrópico – 100% das doações – financia vários programas, em vez de pagar despesas gerais ou salários. No entanto, Tiefenthaler está sempre à procura de novas oportunidades de geração de renda: “organizações sem fins lucrativos que não têm metas de receita podem ficar um pouco sonolentas”.

Quando Tiefenthaler ingressou no Colorado College, embarcou em uma jornada para ouvir todas as áreas do campus. Ao assumir a direção da National Geographic Society, em vez de pressupor que as experiências profissionais anteriores lhe bastariam, ela fez uma coisa um tanto revolucionária para uma CEO recém-contratada: ela se sentou, ouviu e fez anotações cuidadosas. Antes da chegada de Tiefenthaler, os homens brancos que ocuparam sua posição teriam, uma geração atrás, feito suas refeições na sala de jantar executiva ao lado de seus colegas homens brancos.

Em pouco tempo, embora a pandemia de Covid-19 tenha interrompido o funcionamento diário da organização sem fins lucrativos de muitas maneiras, ela criou um novo lado positivo em termos de eficiência, uma vez que o dia de trabalho passou de presencial para online. Em seis meses, Tiefenthaler reuniu-se, via Zoom, com três quartos da equipe de aproximadamente 400 pessoas, além de doadores, exploradores, parceiros e curadores.

“O planejamento estratégico é fácil”, adverte Tiefenthaler. “A implementação é a parte difícil.” Em junho de 2021, a organização divulgou publicamente um plano estratégico de 68 páginas chamado NG Next. O documento descreve um “plano de cinco anos que fortalece nossa base, aproveita nosso impulso, incorpora diversidade, equidade e inclusão em todos os aspectos de nosso trabalho e define uma visão clara para o futuro para gerar um impacto significativo”.

 

 Novos Exploradores

 

O plano estratégico centra-se num dos programas mais importantes que a Sociedade financia, o Exploradores. “Até 2030, a National Geographic Society será conhecida globalmente por seus ousados e impactantes programas liderados por Exploradores, que despertam a curiosidade em centenas de milhões de pessoas, inspirando-as a aprender, a cuidar e a proteger o nosso mundo”, afirma o documento. O programa Explorers, assim como a própria organização, passou por uma transformação para alcançar maior equidade.

“A expressão mais óbvia do que fazemos é onde colocamos nosso dinheiro”, diz Yarnall. Desde 2021, a organização sem fins lucrativos mantém paridade de gênero entre seus exploradores – os cientistas, os educadores, os conservacionistas e os contadores de histórias que a National Geographic Society financia em todo o mundo. De acordo com Yarnall, os não-americanos representam 60% dos Exploradores, e mais da metade dos contadores de histórias que eles financiam são de países em desenvolvimento.

Krithi Karanth está entre eles. Baseada em Bangalore, na Índia, Karanth é cientista conservacionista e membra adjunta do corpo docente da Duke University e do Centro Nacional de Ciências Biológicas da Índia. Em 2011, quando solicitou sua primeira bolsa da National Geographic Society, ela não esperava ser aceita (atualmente, a taxa de aprovação gira em torno de 10%). Em vez disso, ela recebeu um e-mail dizendo que queriam falar com ela. A equipe queria saber se Karanth gostaria de ser a 10.000ª bolsista. A cientista aceitou com entusiasmo.

“Eles têm uma incrível capacidade de encontrar pessoas extraordinariamente inovadoras e profundamente apaixonadas”, diz ela. Em outubro, a Society e a cientista completaram uma década — dez financiamentos em dez anos — de trabalho conjunto. “Eles crescem com você”, afirma.

Karanth lembra que o site da National Geographic era bem ruim quando ela se inscreveu e era preciso clicar dezenas de vezes até que pudesse localizar o formulário de inscrição online. Ela havia recentemente se mudado para a Índia e se afastado de sua vida americana, onde viveu entre os 18 e os 31 anos. Ela agora tem 42 anos. Embora os Estados Unidos tenham lhe dado a melhor educação e treinamento que pudesse imaginar, ela sentiu que poderia fazer muito mais na Índia em termos de impacto do que se permanecesse enclausurada dentro dos limites das universidades de elite (depois de se formar na Florida University, tornou-se mestre em 2003 pela Yale University e, em 2008, doutora pela Duke University). Ironicamente, ela morou no passado a 20 minutos de metrô do campus da National Geographic. Mas foi preciso voltar para casa, e do outro lado do mundo, para ela finalmente se conectar com a organização.

O plano estratégico recém-revelado destaca a ênfase contínua em seus Explorers (“grantee”, ou bolsista em Português, costumava ser o nome que a organização aplicava a qualquer pessoa que recebesse recursos). Desde o início do programa, os Exploradores agora são cerca de 6.000, com muitos recebendo apoios financeiros diversos ao longo de vários anos. Quando Karanth ingressou no programa, ela era a única exploradora asiática, até onde sabia. Nos dias anteriores à pandemia, ela lembrou com carinho dos Explorers Festivals na Ásia, onde os beneficiários de todo o continente não apenas se conectaram e formaram laços de amizade, mas também compartilharam seus sucessos e fracassos. “O poder está nas pessoas que você financia”, diz ela.

Karanth administra o Center for Wildlife Studies, uma ONG indiana fundada em 1984 que se concentra em realizar projetos de educação, conservação e pesquisa da vida selvagem. O programa permitiu que ela alcançasse metas de curto e longo prazo. No início de sua carreira, uma bolsa de um ano poderia ter feito mais sentido, principalmente quando ela estava apenas começando. Mas agora, um apoio de três a cinco anos permite um impacto maior.

Ao longo dos anos, seus financiamentos variaram de US$ 10 mil a US$ 150 mil. Atualmente Karanth gerencia recursos para elaborar um currículo e conteúdo educativo que atenderão 200 mil crianças do Ensino Fundamental em 3.500 escolas. Os materiais são traduzidos do inglês para seis idiomas locais e chegarão a estudantes urbanos, que têm acesso à internet, e a crianças da zona rural, que não têm conectividade.

Em 2012, ela lançou um programa de educação ambiental, conectando crianças de todo o país que vivem perto de parques de conservação. Karanth também trabalhou diretamente com conflitos entre seres humanos e animais selvagens e, ao lado de sua equipe, ajudou a desenvolver um sistema de alerta acústico precoce, baseado em sons de elefantes, como forma de afastá-los das plantações e impedir que ferissem pessoas. Ao anoitecer, quando um rebanho potencialmente violento espreitou nas proximidades, os moradores foram instados a permanecer na segurança de suas casas.

Mas a chegada da Covid-19 trouxe um conjunto de desafios sem precedentes. Quando falamos em agosto de 2021, as escolas em todo o país permaneciam fechadas, com estimativas de 250 milhões de crianças fora da escola. A pandemia exigiu que ela pausasse parte de seu trabalho como conservacionista e se concentrasse em assuntos mais urgentes. Em particular, Karanth se preocupa mais com as áreas rurais, onde as escolas ficaram fechadas por quase dois anos – e onde as meninas, especialmente, podem nunca ter a oportunidade de voltar à sala de aula.

Em setembro de 2020, quando a segunda onda da pandemia se tornou mais aguda, Karanth ajudou a organizar 4.000 trabalhadores, já vacinados, para atuar na linha de frente. “Enquanto todo mundo falava sobre isso nas grandes cidades, ninguém tinha ideia do que estava acontecendo na Índia rural”, diz ela. Na ausência de apoio do governo, sua ONG de conservação ambiental passou a cuidar da saúde. Nas regiões rurais, a infraestrutura de saúde do país depende de centros primários espalhados por quase três dúzias de regiões. Eles costumam ser a primeira parada de um paciente antes de ir procurar tratamento em um hospital. Mas quando Karanth e sua equipe descobriram que estavam despreparados para atender à demanda, ela começou a organizar a entrega de equipamentos de proteção individual, termômetros e desinfetantes para as mãos em mais de 100 centros de saúde.

 

Um novo alívio

 

Karanth não foi a única a se adaptar aos desafios da pandemia. Desde março de 2020, quando a Covid-19 forçou todos a trabalhar em casa e se familiarizar com ferramentas online, Yarnall e sua equipe de 30 pessoas lutaram para descobrir como apoiar seus storytellers.

Em 27 de março de 2020, a Sociedade lançou um Fundo de Emergência para Jornalistas, que forneceu bolsas de US$ 1 mil a US$ 8 mil. As bolsas se tornaram uma ferramenta essencial para repórteres freelancers que não podiam viajar por causa da pandemia, mas que queriam contar histórias que se passavam em suas comunidades.

“As histórias podem mudar o mundo”, diz Yarnall, observando que a National Geographic Society é uma das maiores financiadoras de contadores de histórias independentes. “Na minha lista de desejos está que o resto do mundo saiba disso.”

Milhares de candidatos logo apareceram. Ao todo, a National Geographic Society financiou mais de 300 projetos em 70 países. Uma fotografia assombrosa tirada por Joshua Irwandi, de um corpo de uma possível vítima da Covid-19 envolto em camadas de plástico e aguardando um saco para cadáver dentro de um hospital indonésio, não apenas se tornou viral, mas também foi finalista do Prêmio Pulitzer em 2021.

A única restrição da bolsa para o jornalista participante é que a National Geographic tem preferência sobre a oferta da história. Se for rejeitada, o jornalista fica livre para levar seu conteúdo (seja uma fotografia, uma peça de rádio ou uma reportagem de jornal ou revista) para outro lugar. Em troca, tudo o que eles pedem é o crédito de uma linha: “Esta reportagem só foi possível graças aos recursos recebidos da National Geographic Society”. Parte da cobertura financiada pelo Fundo de Emergência apareceu no The Washington Post, The New Yorker e Rolling Stone, entre outras organizações jornalísticas.

 

 Novo local

 

Em tempos normais, não pandêmicos, os funcionários da Sociedade trabalham na sede da National Geographic, que fica em um campus de quase 100 mil m2 a apenas alguns quarteirões ao norte da Casa Branca, espalhados por três prédios que abrigam a NGS, a NGP e o Museu Geográfico Nacional. O tamanho e localização marcam o seu significado histórico.

Mas muitas novas contratações ainda não chegaram ao local, devido à persistência da pandemia. “A variante Delta foi como um soco no estômago”, diz Tiefenthaler. Quando conversamos em agosto, a equipe de Washington planejava retornar ao escritório em setembro. Mas esses planos (incluindo um evento presencial de dois dias para toda a equipe) foram suspensos.

Liderar uma organização sem fins lucrativos durante uma pandemia ensinou à nova CEO a importância de duas coisas essenciais: espaço e gentileza. “Nunca vivi uma época em que as pessoas precisassem tanto de mais empatia, mais apoio, mais compaixão”, diz ela.

Na esperança de reter talentos – e mulheres em particular (estima-se que mais de dois milhões de mulheres americanas deixaram o mercado de trabalho durante a pandemia) – Tiefenthaler instituiu várias mudanças na estrutura e na ordem do dia de trabalho virtual. As reuniões pelo Zoom não podem ser agendadas antes das 9h ou depois das 16h, e tampouco são marcadas no período entre 11h e 13h. E enquanto a equipe atualmente planeja retornar ao escritório em 2022, a semana de trabalho na organização sem fins lucrativos provavelmente será um pouco diferente nos próximos meses e anos.

Os trabalhadores do século 21 anseiam por flexibilidade e liberdade. Longe, ao que parece, estão os dias em que os funcionários se sentavam em seus cubículos por oito horas seguidas. Olhando para o futuro, Tiefenthaler prevê uma cultura de trabalho em que os funcionários possam passar três dias consecutivos por semana no escritório, e dois dias trabalhando remotamente – e sextas-feiras sem reuniões. A organização também planeja oferecer aos seus funcionários total flexibilidade em termos de quando e onde trabalham durante julho e agosto, os meses de verão e das férias escolares.

Um local de trabalho inovador celebra a experimentação e incentiva a resiliência. De acordo com Tiefenthaler, um dos maiores aprendizados da pandemia foi que os funcionários não precisam de seus chefes pairando sobre eles, microgerenciando todos os seus movimentos. E embora os exercícios de construção da comunidade e as conversas espontâneas de brainstorming (para não falar da mentoria de novos colegas) sejam mais desafiadores na ausência de interações pessoais em tempo real, o Zoom provou ser um grande equalizador: ninguém se senta na cabeceira da mesa, e todos ocupam a mesma quantidade de espaço.

No verão passado, durante a meia dúzia de conversas que tive com vários membros da equipe, um tema ficou muito claro: embora a National Geographic Society fosse conhecida por ultrapassar os limites da exploração das coisas (pense: financiar exploradores que escalaram o Monte Everest e o Kilimanjaro), o clima de trabalho era notavelmente conservador. Descobriu-se que a instituição de Washington tinha uma cultura paternalista profundamente arraigada.

“Havia uma aversão geral ao risco”, observa Tiefenthaler. Os funcionários muitas vezes procuravam os executivos de alto escalão em busca de respostas, em vez de primeiro resolver os problemas entre eles. Além disso, muitos deles expressaram ter medo de, de alguma forma, prejudicar a marca icônica. “Quando pensamos em avançar, nossa marca é nosso maior ativo e também nossa maior barreira”, diz ela.

“Ao longo dos anos, se você olhar para trás em várias questões, verá que em alguns pontos está à frente da opinião pública americana, às vezes está em sintonia e às vezes está atrás”, diz Renee Braden. “A Sociedade passa por períodos de evolução e revolução, em ciclos.”

 

 O próximo século

 

Ao olhar para o futuro da organização, a equipe foi excepcionalmente reflexiva. Como economista, Tiefenthaler passa boa parte de seu tempo pensando muito não apenas em seu modelo de negócios, mas no legado da Sociedade. “Quando eu me for, quero que as pessoas vejam que deixamos a Sociedade pronta para existir por  mais 133 anos e em boas condições financeiras”, diz. “Minha esperança é que, até 2030, as pessoas nos conheçam não apenas pela revista de sua juventude e nossas postagens nas mídias sociais, mas por ajudar a financiar nossos exploradores – ou tentar se tornar eles mesmos exploradores.”

Quando Braden olha para os próximos anos, sente-se otimista. “Estamos sendo dirigidos por duas mulheres pela primeira vez, com a revista liderada por Susan Goldberg”, diz ela. “Ao longo da história da Sociedade, as mulheres não apenas abriram portas, mas as escancararam”.

Enquanto a organização sem fins lucrativos investe muito tempo e dinheiro no espaço educacional, a missão pessoal de Braden é trabalhar para ajudar as crianças a cultivar um amor pelo aprendizado ao longo da vida. À medida que o trabalho em casa continua, Braden não apenas sente falta da vibrante cultura organizacional da National Geographic Society, mas está contando os dias até novamente passar por um corredor cheio de crianças gritando: “Não há nada melhor do que uma expedição de campo”.

Transportando-se de volta 133 anos, Kaitlin Yarnall gosta de pensar que os fundadores, embora “narrativamente convenientes para retratar como velhos brancos”, eram na verdade os inovadores e empreendedores de seu tempo. Henry Mitchell, um dos cofundadores, além de oceanógrafo e hidrógrafo, também foi um dos primeiros apoiadores do movimento sufragista.

“Os fundadores ficariam muito orgulhosos de nós”, diz ela. “Primeiro, ainda existimos. Segundo, somos proprietários do prédio. E terceiro, não vendemos.”

 

A AUTORA

 

Amanda M. Fairbanks é jornalista. Seus escritos foram publicados no jornal The New York Times e na revista The Atlantic, entre outras publicações. É autora dos livros The Lost Boys of Montauk: The True Story of the Wind Blown, Four Men Who Vanished at Sea, e Survivors They Left Behind.



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