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Preservar o propósito social em meio a uma pandemia mundial

O empreendimento social mexicano Pixza nasceu como veículo de inclusão social para adultos sem moradia por meio de uma pizzaria. Sua evolução mostra o papel que seu propósito desempenhou na administração durante a crise e na remodelagem de seu modelo de negócio para ampliar impacto.

Por Gregory C. Unruh e Fernanda Arreola

 

Agentes de Mudança da Pixza, como Ángel, na foto acima, são jovens antes em situação de rua e que agora trabalham na empresa.

Em 2015, Alejandro Souza criou o empreendimento social Pixza com dois propósitos. O primeiro era montar uma pizzaria moderna e socialmente responsável que oferecesse pizzas feitas apenas com ingredientes mexicanos — e que se tornou o assunto na Cidade do México. O segundo era construir uma organização que possibilitasse a jovens sem moradia trabalhar na pizzaria e, ao mesmo tempo, receber treinamento e serviços valiosos para sua reinserção social. 

Souza enfrentou muitos desafios não apenas para criar a Pixza mas para fazê-la prosperar. “Uma montanha-russa empreendedora”, é como ele descreve a experiência. O que o fez manter seu esforço foi o comprometimento com os jovens marginalizados da capital mexicana, algo que se tornou o coração da marca.

“O público adorou a Pixza”, conta Souza. “Ali era possível interagir com os Agentes de Mudança, que é como chamamos nossos funcionários. Enquanto eles falavam de suas vidas, as pessoas viviam aquela história de empoderamento. Era um lugar especial.”

No início de 2018, a Pixza estava caminhando para ampliar operações e dobrar seu impacto social graças a novos fundos de investimento. Então, em março de 2020, a pandemia de Covid-19 atingiu o México e as vendas caíram mais de 90%. “Nós basicamente não vendíamos”, explica Souza. 

Quando a cidade entrou em quarentena, a maior parte dos restaurantes no país promoveu demissões em massa. Souza, porém, sabia que não podia abandonar seus Agentes de Mudança. “A Pixza sempre priorizou e se orientou por sua missão.” Mas seria possível manter esse comprometimento durante uma pandemia sem precedentes?

Ao longo dos meses subsequentes, por meio da inovação social sustentada, a organização adequou seu modelo de negócio não apenas para manter seus compromissos com jovens mexicanos socialmente abandonados, mas também para ampliá-los em um futuro pós-pandemia. Sua história ressalta o poder do propósito para fortificar um empreendimento social mesmo nas crises mais desafiadoras.

 

Uma ideia no bar

 

“Sempre fui um empreendedor social”, afirma Souza, 35 anos. “Buscar modelos que promovam mudanças de maneira sustentável é uma paixão que me acompanha.”

Nascido em uma família de classe média na Cidade do México, Souza se mudou para os Estados Unidos quando tinha dois anos e voltou ao México aos nove, mais ou menos na época em que seu pai fundou o Mexitlán, parque temático educacional localizado em Tijuana e dedicado à cultura e à história do país. Essa vivência despertou seu interesse pelo empreendedorismo e pelo empoderamento que pode provocar.

O Dicionário de Inglês de Oxford define “empoderamento” como “o processo de se tornar mais forte e mais confiante, principalmente no controle da própria vida ou na reivindicação dos próprios direitos”. Souza acredita que o empreendedorismo social é mais atraente do que instituições de caridade tradicionais ou filantropia, porque empodera em vez de criar dependência.

“Imagine que você vê alguém precisando de uma camiseta e você dá a sua”, explica Souza. “Você se sente bem, assim como a pessoa que recebe a camiseta. Imagine então que você recebe uma camiseta de outra pessoa. E assim por diante. O problema é que, no fim, alguém ficou sem camiseta. Portanto, ainda que se sinta satisfeito, você não solucionou o problema.”

Em 2005, Souza ingressou na graduação do Babson College, em Wellesley, Massachusetts, voltada para o empreendedorismo, e se tornou um dos estudantes pioneiros a unir negócios e propósito social. Depois de se formar, quatro anos mais tarde, participou de uma série de projetos de desenvolvimento social ao redor do mundo, incluindo países como Ruanda, Uganda, Butão e Brasil. Essa experiência permitiu que testemunhasse iniciativas de desenvolvimento internacional na prática e interagisse com ministérios de desenvolvimento nacional, bem como com agências multilaterais como o Banco Mundial, as Nações Unidas e o Banco de Desenvolvimento Interamericano.

Esses aprendizados internacionais e intersetoriais o conduziram de volta aos estudos, e ele fez mestrado em relações públicas e internacionais na Columbia University, em Nova York. O trabalho de um dos cursos de pós-graduação acabou sendo determinante. O professor pediu aos alunos que encontrassem alguém na cidade que tivesse uma história extraordinária, seguissem essa pessoa e elaborassem um relato depois. Foi assim que Souza conheceu “Joe”, um sem-teto que, na casa dos 50 anos, havia passado a maior parte de sua vida nas ruas. Souza o acompanhou ao longo de quatro meses, aprendendo em primeira mão a respeito da crise da falta de moradia em Nova York e no país como um todo. Sentiu-se então motivado a ajudar adultos na mesma situação por meio de um negócio social, um desejo que, mais tarde, realizaria com a pizzaria.

Por volta dessa mesma época, Souza encontrou, por acaso, um amigo mexicano em um bar de Nova York. A conversa entre os dois, como era de se esperar, passou a ser sobre um dos eternos assuntos entre mexicanos que moram no exterior: comida mexicana. Souza, que amava as pizzarias nova-iorquinas com seus pedaços enormes, começou a se perguntar por que não havia pizzas mexicanas. Daí em diante a conversa rumou para a criação de um restaurante que servisse pizzas mexicanas feitas com ingredientes e sabores tradicionais. Tendo em mente, àquela altura, o tempo que havia passado com Joe e seu constante compromisso com o empoderamento, suas ideias acabaram casando o projeto de uma pizzaria com o desejo de ajudar pessoas que não têm moradia. Ao término da conversa, um pensamento se cristalizou, recorda-se Souza. “Vou abrir uma pizzaria e vou contratar exclusivamente adultos em situação de rua”, disse ao amigo.

Em 2015, depois de concluir os estudos e voltar para a Cidade do México, Souza sentia-se pronto para levar seus planos a sério. Juntou suas economias e abriu seu restaurante de empoderamento social, e resolveu chamá-lo de Pixza, uma brincadeira remetendo à forma como muitos mexicanos pronunciam “pizza” (“pic-sa”). Seu modelo de negócio integraria um empreendimento gerador de lucros a um programa de apoio social destinado a promover oportunidades de reintegração social para populações sem moradia da Cidade do México.

Um projeto social em uma pizzaria

 

Desde o início, a Pixza queria gerar impacto social e ambiental positivo tanto com seus produtos quanto com seus processos. No tocante ao produto, vendia pizzas feitas de modo inovador com ingredientes mexicanos tradicionais orgânicos e cultivados localmente. Com massa feita de milho azul, um grão nativo e culturalmente importante para o México, as pizzas incorporaram também gafanhoto, tamales, pimenta poblano, linguiça, queijo de Oaxaca, carne de porco desfiada e até mole, um molho apurado feito com uma série de especiarias, entre outros ingredientes.

Como não sabia como fazer pizza, muito menos se era possível usar milho azul, no início da empreitada Souza entrou em contato com Chayito, a ex-cozinheira de sua avó, uma mulher que havia morado com sua família por anos e que, àquela altura, residia em Cuautla, cidade a duas horas de carro, ao sul da capital. Depois de passar catorze horas imerso na cozinha com ela, tendo aulas de culinária, Souza achou que havia entendido como incluir ingredientes e sabores mexicanos tradicionais em suas pizzas.

As pizzas, no entanto, independentemente de suas inovações, eram apenas um veículo para promover o propósito social da Pixza. Souza havia integrado o impacto social diretamente ao negócio ao contratar exclusivamente jovens que viviam nos abrigos da Cidade do México. Cerca de vinte mil jovens eram considerados “socialmente abandonados” na capital, levando vidas isoladas e perigosas, em abrigos ou nas ruas. Embora existissem programas públicos de ajuda, a maior parte deles lidava apenas com alguns aspectos do problema, tais como tratamento de saúde ou abrigos temporários. A abordagem da Pixza, mais abrangente, convidava os jovens a se juntar a seu programa de Rota da Mudança, por meio do qual os participantes seriam conduzidos por um processo de empoderamento com dignidade, mirando, ao final, a conquista de um emprego e a autonomia.

Alejandro Souza, fundador da Pixza, casou a ideia de pizza gourmet com o compromisso social de ajudar sem-tetos.

“Rota da Mudança é o processo que os Agentes de Mudança vivenciam durante seu período na Pixza”, conta Natalia Pedroza, uma das gerentes do negócio. “Começa com o aprendizado de hábitos novos e de disciplina para manter um emprego estável. Depois, trabalhando o desenvolvimento profissional e pessoal para que possam se aprimorar e, por fim, tornarem-se independentes e capazes de melhorar gradativamente sua qualidade de vida e alcançar uma certa estabilidade.”

Ao completar o programa de doze meses, os participantes recebem uma oferta de emprego formal na Pixza e tornam-se, oficialmente, Agentes de Mudança. No entanto, o objetivo principal do projeto não é fazer com que fiquem indefinidamente na empresa. Em vez disso, como explica o cofundador do projeto Raymundo von Bertrab, o propósito é “garantir que as pessoas em condição de abandono social cheguem ao projeto e depois saiam para uma oportunidade melhor, alcançando sua inclusão social sustentável”.

A Pixza usou o modelo do “compre um, dê outro” para recrutar Agentes de Mudança, enquanto incluía os clientes em sua missão. A cada cinco pedaços de pizza comprados nos restaurantes, uma pessoa que mora nas ruas ganhava um pedaço de pizza. Quem comprava o quinto pedaço era convidado a escrever uma mensagem pessoal para o eventual destinatário. Esse pedaço gratuito seria o contato inicial do desabrigado com a Pixza, um primeiro passo importante para estabelecer não apenas confiança no programa de empoderamento, mas também despertar interesse por ele. Por meio de uma série de etapas — incluindo acesso a banho, roupas novas, corte de cabelo, avaliação médica e curso de habilidades básicas “para a vida” — os participantes do Rota de Mudança retomavam, gradualmente, o controle de suas vidas.

“É um programa desenvolvido individualmente para ajudar as pessoas em diferentes esferas de suas vidas segundo seu momento e suas necessidades, incluindo áreas como trabalho, educação, autoestima, finanças, independência etc.”, segundo Regina Medina Mora, outra gerente de projeto. Ao concluir o programa, os participantes recebem uma oferta formal para trabalhar na Pixza como gerentes, após terem ocupado previamente cargos mais básicos como caixa ou garçom.

A Pixza tornou-se um sucesso entre os amantes da gastronomia na Cidade do México. Muitas vezes formavam-se filas na rua com pessoas esperando pacientemente seu pedaço de pizza. O Restaurant Guru, site internacional de avaliação de restaurantes, colocou a Pixza como o oitavo melhor restaurante mexicano, entre os 17.149 da Cidade do México. Tanto a pizza quanto o propósito atraíam o público.

“A Pixza é um dos poucos restaurantes com uma causa no México, que busca atuar como plataforma para o empoderamento social”, escreveu um cliente no site. “Além de oferecer um cardápio de pizzas deliciosas com sabores muito mexicanos, seus estabelecimentos têm o propósito de começar um movimento inclusivo, empregando apenas pessoas que se encaixem no perfil de abandono social.”

Na esteira do sucesso de seu lançamento, Souza agiu rápido e inaugurou outros dois endereços. Com uma equipe completa de sete gerentes e três operações de sucesso, estava pronto para aumentar seu impacto de maneira considerável. Contudo, enquanto a Pixza criava valor para muitos de seus stakeholders, uma crise iminente ameaçava a sustentabilidade de seu negócio e de sua missão.

Propósito sustentável na pandemia

 

O modelo de negócio da Pixza havia lidado, de maneira inteligente, com dois desafios comuns enfrentados por inovadores sociais: sustentar e ampliar o impacto. Para isso, incorporou os beneficiários de seus objetivos — jovens em situação de rua — diretamente a seus negócios. Como empregados, eles eram parte indispensável das operações, garantindo que o impacto seria sustentado à medida que os restaurantes fossem bem-sucedidos. Ademais, o impacto aumentaria com a abertura de novas unidades e o crescimento da rede de restaurantes.

“O modelo é elaborado desse modo porque se ganhamos dinheiro automaticamente geramos mais impacto”, relata Souza. “Para vender mais pizzas eu tenho de contratar outra pessoa para fazer essas pizzas e, desde que continuemos a contratar exclusivamente jovens adultos sem moradia, o impacto acompanha as vendas. Não há como fugir do impacto.”

A capacidade de criar impacto em um modelo de negócio diferencia empreendimentos sociais de sucesso das corporações mais tradicionais que adotam iniciativas de impacto social. Para muitas delas, os esforços de sustentabilidade são criados para compensar os custos sociais e ambientais decorrentes das principais atividades da empresa. Embora as iniciativas de negócios dotados de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) possam criar valor social e ambiental, elas não estão diretamente integradas ao negócio e, por isso, o impacto provocado pode ser tímido. De fato, as empresas subsidiam, através da RSC, a criação de valor social. Se a liderança muda, se as condições do mercado pioram, ou se surge uma variedade de outros desafios corporativos, as empresas tendem a cortar os subsídios sociais, porque esses não fazem parte de seu modelo de negócio.

“A Pixza é um empreendimento 100% social, não uma empresa com responsabilidade social”, conta Luis Alonso Castellanos, diretor da Verne Ventures e professor de empreendedorismo no Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Monterrey. “Isso significa que sua sustentabilidade econômica e seu impacto social dependem fundamentalmente de seu modelo de negócio.”

A Covid-19 testou o cerne do modelo de negócio da Pixza. À medida que a Cidade do México entrava em quarentena, no início da pandemia, proprietários de restaurantes responderam à dramática queda nas receitas com demissões, medida mais fácil para cortar despesas. A Pixza enfrentou os mesmos desafios de seus pares no setor, mas dispensar empregados violaria seu propósito social.

“Durante três meses enfrentamos um fluxo de caixa negativo”, conta Souza. “Assim, nossa primeira e mais importante decisão foi não demitir ninguém. É nesse momento que a missão entra em jogo porque, embora você a repita todos os dias, passar por uma pandemia é um teste. É quando você deve decidir se vai honrá-la ou não.”

A crise sanitária e econômica causada pela pandemia colocou os stakeholders-alvo da empresa em sua situação mais vulnerável. Esse comprometimento com o propósito poderia ter interrompido o caminho pelo qual o setor de restaurantes optara para se manter, mas impulsionou o esforço intenso da Pixza para se preservar e continuar em atividade ao longo da crise.

“Durante a pandemia, o que me levou a fazer tudo o que era possível para que a Pixza sobrevivesse foi o fato de saber que havia pessoas cujas vidas praticamente dependiam do restaurante”, explica Pedroza. “Nossos Agentes de Mudança estavam dando tudo o que podiam para seguir em frente, então tínhamos de ter a mesma força para manter a Pixza viva.”

 

Monetizar propósito para preservar um negócio

 

O compromisso da Pixza com seus Agentes de Mudança os priorizava como ponto focal do empreendimento. No entanto, os funcionários não eram as únicas partes interessadas a ver valor no propósito no projeto. Muitos outros sentiram-se atraídos pelo negócio e por sua missão, incluindo clientes e investidores. A liderança da Pixza buscou se valer desses apoiadores como uma tábua de salvação que pudesse mantê-los vivos durante a pandemia.

Fomentar impacto social e ambiental positivo pode criar valores tangíveis e intangíveis. O primeiro, claro, é o mais fácil de ser administrado, uma vez que pode ser quantificado e inventariado. Receitas e bens, tais como equipamento para o restaurante, podem ser calculados, assim como o crescente número de jovens que havia deixado as ruas e se tornado autossuficiente. Mas o impacto social também pode criar valor intangível, algo que tende a ser menos compreendido pelos líderes empresariais.

A Pixza serve pizza com ingredientes mexicanos autênticos, tais como farinha de milho azul, queijo de Oaxaca, gafanhotos e carne de porco marinada.

Embora o financiamento corporativo defina valor intangível como bens não físicos, tais como patrimônio ou reconhecimento de marca, onde esse valor é armazenado? O valor intangível reside principalmente nas mentes dos stakeholders. Existe nas percepções que as pessoas têm, tanto positivas quanto negativas, de uma empresa e de seus produtos. A capacidade de mobilizar e monetizar esse valor intangível é importante para o sucesso contínuo de muitos negócios. Como esse valor intangível se torna um valor de negócio tangível? No caso de uma marca, isso ocorre quando uma percepção positiva do cliente sobre uma empresa e seus produtos o leva a comprar. Porém, há outras formas que podem ser usadas pelas empresas para converter valor intangível em valor tangível.

A Pixza, por exemplo, cria benefícios tangíveis para seus Agentes de Mudança na forma de treinamento, apoio psicológico e habilidades para uma carreira de sucesso para além do emprego na pizzaria. Porém, Agentes de Mudança também desenvolvem uma percepção intangível sobre a Pixza que vai além dos benefícios tangíveis que recebem. Embora possam ser diretamente mensurados, alguns desses valores intangíveis se materializam para a Pixza na forma de lealdade profissional, algo que pode ser visto de maneira tangível nas estatísticas de emprego.

“A rotatividade é significativamente menor, e isso significa que é muito mais barato contratar jovens, apesar de eles possuírem um perfil bem mais desafiador”, explica Souza. “E isso se deve ao que fazemos: a Pixza é um lugar de empoderamento para nossos Agentes de Mudança.”

Uma das maiores despesas no setor de restaurantes e hospitalidade se dá com contratação, treinamento e retenção dos empregados. No México, a média de rotatividade no setor de restaurantes fica em torno de 138%, o que faz com que as vagas precisem ser preenchidas inúmeras vezes todo ano. Na Pixza é de apenas 70%, o que significa que os funcionários têm duas vezes mais chances de permanecer no emprego e serem mais leais ao projeto do que a média geral. Isso é impressionante para o setor — ainda mais se levarmos em conta os desafios que os Agentes de Mudança da Pixza enfrentam. Mediante seu compromisso de permanecer com a cadeia, eles reafirmam o valor que a Pixza criou para eles.

Souza e seus colegas encontraram outros caminhos para mobilizar valor intangível através de formas que ajudassem a Pixza durante a pandemia. Uma oportunidade surgiu no início da crise numa conversa com os gerentes da empresa sobre o que fazer.

“No início da pandemia nós dissemos para nossos gerentes: ‘Escutem, a situação é esta. Não estamos pedindo a vocês que façam algo que não querem fazer, mas dando condições para que nos ajudem se quiserem’. E foi incrível. Muitos deles responderam: ‘Não pague meu salário até que seja possível’. Muitos cortaram seus salários pela metade, e foi uma coisa totalmente voluntária. Por isso foi bonito”, recorda-se Souza.

Enquanto os gerentes abriam mão de seus salários tangíveis, continuavam a receber os benefícios intangíveis provenientes do fato de apoiarem a missão — e com ela contribuir — da Pixza quando a empresa mais necessitava. O gerente Edgar Garcia Roble explica as concessões em termos de propósito organizacional: “Acredito que a Pixza nasceu para mostrar ao mundo que nem tudo está perdido na humanidade e no nosso sistema, e que há milhares de maneiras sustentáveis de nos ajudarmos”. Psicólogos se referem a esse tipo de valor intangível como compensação psíquica, que é a percepção e o sentimento positivos que as pessoas obtêm ao contribuir com missões nas quais acreditam.

Apesar do apoio moral e certo alívio financeiro com as concessões dos gerentes, a Pixza precisava de mais ajuda. Souza então entrou em contato com outro grupo de stakeholders que estava tirando valor intangível da missão da Pixza: os clientes — que, enquanto escreviam ótimas avaliações sobre as pizzas da empresa, também valorizavam o propósito social da Pixza.

“Hoje tive a oportunidade de visitar a Pixza”, escreveu um deles no Restaurant Guru. “Que admiração tenho pelo projeto social deles! A comida deliciosa e o Agente de Mudança que nos atendeu são incríveis. Que ética profissional e que INCRÍVEL atenção para com o cliente! Espero voltar mais vezes. Meus parabéns; e, uma vez mais, OBRIGADO!”

Para dar aos clientes a chance de demonstrar esse apoio declarado, a Pixza criou uma plataforma digital online que permitia às pessoas oferecerem diversos tipos de apoio financeiro. Os clientes podiam comprar cupons para financiar Agentes de Mudança individualmente ou comprar com antecedência pizzas, que seriam retiradas após o abrandamento da pandemia. Canecas, bonés e camisetas com a marca também foram criados e colocados à venda..

“Fomos a primeira empresa no México a mobilizar as pessoas a ajudar da forma como podiam”, explica Souza. “Criamos uma plataforma digital por meio da qual as pessoas que amavam a marca e a missão podiam nos apoiar. Basicamente, era um plano de monetização com uma plataforma que nos deu uma sobrevida de três meses.”

Após concluírem o programa da Pixza, os Agentes de Mudança, como Tokio, abaixo, recebem ofertas de empregos de gerentes.

Um produto que exemplifica o valor do propósito da Pixza é um livro escrito para contar os bastidores das histórias dos Agentes de Mudança enquanto eles deixavam a vida nas ruas e se mudavam para apartamentos onde tinham um sustento estável. O livro foi escrito por gerentes da Pixza com base em entrevistas com participantes do Mudança de Rota, documentando suas histórias ao longo do tempo.

Como tantos restaurantes fechados durante o período de quarentena, a Pixza entrou em contato novamente com os clientes para desenvolver um sistema de distribuição de pizzas. Começou a produzir pizzas congeladas embaladas individualmente e convidou os clientes a comprá-las a granel a preço de atacado e então revendê-las em seus bairros, a amigos e familiares. “Mobilizamos uma comunidade de fãs e apoiadores, não em busca de caridade, mas para que se tornassem parte da nossa engrenagem de negócio [ou faturamento]”, explica Souza. A distribuição das pizzas da Pixza se expandiu para dez estados e treze cidades diferentes no México.

Ainda que a sobrevida de três meses representasse uma melhoria enorme, não seria suficiente para manter a empresa durante a reestruturação necessária para proteger o negócio dos efeitos da pandemia. Por isso, a Pixza, uma vez mais, buscou tirar proveito do valor intangível de sua missão e de seu propósito ao ir atrás de investidores. Embora poucos estivessem dispostos a arriscar seus fundos durante a pandemia, principalmente no setor de restaurantes, a Pixza não estava oferecendo apenas retornos financeiros. Como diz Souza, estávamos “vendendo a missão de maneira enfática porque é isso que fazemos, assim como ser bastante sincero e honesto e afirmar: ‘Você vai nos ajudar; seu dinheiro não vai nos ajudar a crescer, mas você vai nos ajudar a sobreviver’ ”.

O discurso deu certo. Investidores mostraram-se dispostos a financiar a sobrevivência da Pixza, bem como sua missão. Dois investidores, Aldo Andrés Saucedo Gómez e sua esposa, Arabelia Ivette Barrios Leal, salientaram a importância do valor social da Pixza em sua decisão: “Não podemos realmente mensurar nosso Retorno sobre o Investimento (ROI na sigla em inglês) apenas em valor econômico. Também levamos em consideração o impacto social, todas as pessoas que começam e concluem o programa. Temos certeza de que há muitos talentos nas ruas, e nos sentimos impelidos a ajudar e a oferecer oportunidades para essas pessoas. Estamos confiantes de que a Pixza lhes dará essas oportunidades”.

Os gerentes e os proprietários da Pixza ficaram eufóricos. “Imagine conseguir dois novos investidores em meio a uma pandemia e quando estamos basicamente lhes dizendo: ‘Não sabemos se vai dar certo”, relata Souza.

 

Alterações e propósito

 

Graças à monetização, a Pixza criou uma sobrevida suficientemente longa que lhe permitiu repensar seu modelo de negócio. Com o tempo adicional, fez várias alterações importantes. Primeiro, afastou-se do modelo de negócio baseado em ter novas lojas, não apenas para se manter resiliente na pandemia, mas também para expandir. Embora a ampliação do impacto estivesse incorporada ao modelo de negócio original, esse crescimento era meramente adicional: a inclusão de um novo restaurante à rede criava mais uma equipe de Agentes de Mudança. Ainda que esse fosse um bom modelo, era a melhor maneira de medir impacto? Essa abordagem se concentrava no valor tangível ao investir em novas lojas físicas. Contudo, a Pixza conseguiria encontrar uma maneira de multiplicar seu impacto ou aumentá-lo até em nível exponencial?

Uma possibilidade era transformar o modelo em franquia. Souza não precisava depender apenas da Pixza para financiar as novas localidades tangíveis; em vez disso, podia expandir o impacto mediante o know-how intangível da Pixza — seu propósito como propriedade intelectual patenteada — compartilhando-o com os outros. “Há muitas pessoas que se mostram bastante interessadas em levar a Pixza para suas cidades e vamos ajudá-las a fazer isso”, explica o empreendedor. “Vamos começar a franquear o modelo. É um modelo híbrido em que nós basicamente controlamos quem pode  fazer parte do negócio, mas eles o administram por conta própria.” Segundo esse plano, a Pixza se manteria envolvida na identificação e no treinamento dos Agentes de Mudança, enquanto o franqueado se concentraria nas operações do dia a dia. “Já temos talentos dedicados a isso, preparando a empresa para que possamos começar a licenciar as primeiras franquias até o fim de 2022”, conta Souza.

A cada cinco fatias compradas pelos clientes, a Pixza dá uma fatia grátis uma pessoa em situação de rua que pode ser beneficiada pelo programa.

A outra alteração importante para garantir a ampliação contínua do impacto foi a entrada no varejo. “Nós percebemos que as únicas verdadeiras linhas de negócio que cresceriam seriam as do varejo”, explica Souza. “É basicamente colocar nossas pizzas congeladas nas casas do maior número de pessoas possível, levando os produtos para grandes varejistas parceiras, como o Walmart. E estamos reformulando nossas operações para que possamos vender mais pizzas e tenhamos de contratar mais jovens para fazer essas pizzas.”

A Pixza também está tirando proveito de sua missão e propósito social para buscar as parcerias necessárias para ampliar a distribuição. Em 2021, a empresa entrou em contato com organizações orientadas por propósitos, tais como a Ikea, uma vez que, como afirma Souza, “elas são extremamente alicerçadas em missões e focadas em valores”. As primeiras negociações iniciaram-se com grandes empresas distribuidoras alimentícias, incluindo Adama, Hadasa Gourmet e Mora Market — empresas dotadas de comprometimentos sociais similares e adeptas de práticas sustentáveis e de equidade. À altura da produção deste artigo, todos esses projetos estavam ainda em seus estágios iniciais, mas a equipe mostrava-se otimista quanto à sua viabilidade e ao valor que seu impacto causaria.

Essas alterações abriram novos caminhos comerciais para que a Pixza diversificasse e ampliasse seu impacto. Contudo, como afirma Souza, “percebemos que possuíamos outro produto”. A equipe começou a ver que o valor do empreendimento estava não apenas em seu modelo de negócio do restaurante, mas também no conhecimento acumulado que a empresa havia desenvolvido tirando jovens em situação de risco das ruas e lhes oferecendo uma oportunidade de reinserção pelo emprego. Se essa experiência pudesse ser ressignificada, seria possível usá-lo para criar uma linha de negócio totalmente nova baseada no programa de Mudança de Rota.

“Vimos que não eram apenas nossas pizzas que estavam no cerne do valor social que a Pixza estava criando, mas, também, nossa metodologia de empoderamento”, conta Souza. “Era propriedade intelectual.” Isso não apenas ajudaria o propósito social à prova de pandemia da Pixza, mas também seria uma maneira poderosa de tirar proveito de seu conhecimento acumulado em prol do impacto social.

A iniciativa estava em harmonia com tendências sociais emergentes que estão deixando as corporações mais abertas ao modelo da Pixza. Em resposta a uma onda de movimentos sociais antidiscriminação — incluindo Me Too e Black Lives Matter — as empresas mostram-se mais sensíveis a assuntos como diversidade, equidade e inclusão, passando a buscar formas de alinhar suas operações às expectativas da sociedade. Várias delas, não apenas do setor de restaurantes, manifestaram publicamente planos de tornarem-se organizações inclusivas. Contudo, a maior parte não sabe como desenvolver uma cultura inclusiva capaz de empoderar comunidades marginalizadas e contribuir para mudança social. Felizmente, eram essas mesmas competências que a Pixza vinha desenvolvendo ao longo dos últimos quatro anos. “A Pixza havia validado que a inclusão é boa para o negócio e que dá certo”, diz Souza.

O projeto de Souza transformou a ideia em um programa de certificação organizacional que oferece às empresas o conhecimento necessário para contratar, treinar e ajudar os Agentes de Mudança de uma maneira comprovadamente eficaz. A certificação daria acesso às ferramentas da Pixza que sustentam o bem-estar multidimensional do empregado. As empresas podem usar as avaliações e orientações para contratar funcionários em situações sociais desfavoráveis e fornecer o apoio necessário para ajudá-los a alcançar a autonomia.

“Vamos lhes oferecer exatamente a mesma metodologia que usamos para nos tornar um lugar de inclusão social, dando aos empresários uma certificação de instituição de empoderamento”, afirma Souza. “Depois de certificados, eles podem, então, começar a contratar diretamente daquela mesma plataforma.” Ao compartilhar sua metodologia, a Pixza estava usando sua experiência  para gerar mais oportunidades de emprego para Agentes de Mudança fora do setor de pizzarias — algo que, se der certo, pode aumentar consideravelmente seu impacto.

Felizmente, essa iniciativa também está alinhada a uma tendência emergente no setor de treinamento, que está migrando para a oferta de programas online. A pandemia havia forçado muitas empresas a levar seus processos corporativos para o ambiente virtual, algo do qual a Pixza podia tirar proveito criando programas de treinamento digitalizados. Souza anteviu uma plataforma de RH com duas interfaces diferentes: uma voltada para que os empregadores obtivessem certificação de empresa inclusiva; e outra que permitiria que os Agentes de Mudança recrutados começassem seu treinamento com antecedência, ainda enquanto estavam em abrigos.

“Nossos futuros empregados podem acessar nossa plataforma e realizar todo o treinamento online, enquanto se encontram em seus abrigos, o que lhes permitirá impulsionar seu programa de empoderamento”, explica Souza. “Quando concluem o programa, eles estão qualificados para serem contratados. Assim, torna-se uma plataforma de emprego que culmina na possibilidade de  encontrar uma oferta de trabalho.”

Com esse novo conceito em funcionamento, a Pixza conseguiu separar modelo do impacto social da pizzaria e usá-lo para expandir-se ainda mais, imaginando que possa ser distribuído em qualquer lugar do planeta. “Se uma empresa quer aprender a ser uma instituição de empoderamento e inclusiva, ela pode receber as ferramentas hoje e começar a fazer isso”, explica Souza. O novo modelo saiu do estágio de demonstração quando uma cadeia de restaurantes de médio porte no México se inscreveu para preencher, no próximo ano, centenas de novas vagas com os Agentes de Mudança.

 

Um futuro pós-pandemia

 

Ao se concentrar em seu propósito e em sua missão, a Pixza deixou para trás um modelo de pizzaria para estabelecer inúmeras novas linhas de negócio que prometiam protegê-lo da pandemia e ampliar exponencialmente seu impacto. Contudo, a Covid-19 e suas consequências não acabaram.

“Ainda estamos no meio desta jornada infernal”, afirma Souza. “Se sobrevivermos será porque somos resilientes e muito criativos — e, principalmente, porque mantivemos nossa missão em primeiro lugar. Realizamos todas essas alterações para seguir com nossa missão. Por ora, estamos felizes com a situação em que estamos, e acreditamos que vamos conseguir.”

Souza não é o único a demonstrar otimismo. “Estamos confiantes de que muitas empresas vão aderir à iniciativa e buscar agregar valor replicando nosso modelo de negócio, principalmente agora que investimentos ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) passaram a ser uma tendência tão importante”, explica Gómez e Leal, casal de investidores da Pixza. “Temos certeza de que a empresa vai continuar crescendo em todas as diferentes unidades pois tem a melhor equipe e os melhores parceiros comerciais, que são os pilares do seu sucesso.”

A Pixza demonstra o poder que um propósito convincente pode ter quando é claramente compreendido e alavancado por um empreendedor. Seu futuro vai ser ampliar seu propósito para além de suas próprias operações, algo no qual os novos acionistas da empresa estão apostando.

OS AUTORES

Gregory C. Unruh é professor de Liderança em Valores na George Mason University e diretor acadêmico do programa de educação executiva para Diretor de Sustentabilidade (Chief Sustainability Officer). Atua também como editor convidado de sustentabilidade na MIT Sloan Management Review.

Fernanda Arreola é reitora da Faculty & Research no ISC Paris. Também é professora de estratégia, inovação e empreendedorismo, além de realizar pesquisas em serviço de inovação, governança e empreendedorismo social.



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