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Investir em Advocacy é o caminho do Investimento Sustentável

Combinar as abordagens tradicionais de investimento de impacto com o investimento em advocacy é a única maneira pela qual empresas e investidores podem impulsionar o progresso social e ambiental de forma significativa.

Por Alan Schwartz e Reuben Finighan

Nos últimos 25 anos, houve uma proliferação de movimentos de investimento que prometem tornar o capitalismo sustentável. Isso inclui investimento de impacto; investimentos socialmente responsáveis; responsabilidade social corporativa; valor compartilhado; capitalismo consciente; e governança ambiental, social e corporativa. No entanto, todos esses movimentos, por mais promissores que sejam, partem do princípio de que não há a necessidade de um trade-off entre retorno e impacto social e ambiental. Eles se baseiam na ideia de que investidores e empresas podem obter retorno financeiro enquanto resolvem nossos maiores problemas – que podemos “fazer o bem estando bem”.

Em um artigo da Harvard Business Review de 2020, argumentamos que, embora existam, de fato, oportunidades de nicho para esse tipo de investimento ganha-ganha, a estrutura regulatória atual não oferece suporte em um nível próximo ao do investimento requerido para nossos desafios sociais e ambientais. Por exemplo, sem uma estrutura regulatória favorável, as empresas teriam de aceitar perdas de cerca de US$ 10 trilhões até 2030 para atingir a meta de aquecimento global de 1,5° C definida pelo Acordo de Paris. Trate-se de aquecimento global, perda de biodiversidade ou pobreza e isolamento social, esses investidores não estão dispostos a aceitar retornos abaixo do esperado e não farão os investimentos necessários.

Em vez disso, precisamos buscar esse investimento ganha-ganha tradicional em conjunto com o investimento que cria impacto, mas oferece retornos abaixo do mercado, e o investimento em advocacy destinado a mudar as regulamentações econômicas. Neste artigo, analisamos as funções e os desafios das duas últimas abordagens e apresentamos uma nova estratégia que pode ser ampliada e replicada por uma vasta gama de investidores.

 

Os Limites dos Movimentos de Investimento Sustentável

 

No ano de 2020, as críticas a movimentos de investimento sustentável, antes isoladas, se uniram em coro e se tornaram mais estridentes. Em março de 2021, Tariq Fancy, contratado pela gestora de fundos Blackrock para promover o investimento sustentável dentro do mainstream, argumentou que “o investimento sustentável e as narrativas que o cercam” eram “uma distração mortal que está prejudicando ativamente a sociedade”. Logo depois, o especialista em sustentabilidade corporativa Auden Schendler escreveu que esses movimentos “até mesmo reforçam a continuidade do predomínio dos combustíveis fósseis”. E, em maio seguinte, Kenneth Pucker,  palestrante e diretor consultivo da Berkshire Partners, escreveu que esses movimentos se tornaram um “obstáculo ao progresso”, enquanto para o economista e investidor de sustentabilidade Duncan Austin eles “perpetuam a complacência” enquanto “corremos contra o tempo”. ” No mesmo mês, seis professores de administração chegaram a chamar as práticas de sustentabilidade corporativa de “câncer” que ameaça “matar nossas perspectivas de nos recuperarmos de um desastre ambiental”.

“Câncer” talvez seja um exagero. Embora o investimento ganha-ganha convencional não possa atingir a escala requerida para resolver problemas sociais e ambientais, como a mudança climática, ainda resulta no bem e vale a pena advogar por ele no nível empresarial. Mas o primeiro dever de um investidor é reconhecer que a falta de suporte da estrutura regulatória limita o potencial que as estratégias ganha-ganha tenham de alcançar um impacto em larga escala.

Uma alternativa são os investimentos de trade-off. Mike McCreless, da Root Capital, argumenta que os investidores devem destinar parte de seu capital a negócios que criem impacto positivo, mesmo que provavelmente tragam retornos abaixo da média do mercado. Essa é uma forma de filantropia eficiente. Por exemplo, fornecer serviços financeiros para centenas de milhões de pequenos agricultores do mundo tende a gerar retornos abaixo da média de mercado, mas os investidores podem considerar seu impacto positivo no desenvolvimento como uma troca aceitável.

No entanto há problemas inerentes a esse tipo de investimento. O dilema no nível empresarial é de avaliação e mensuração, que são importantes para manter a disciplina e a responsabilidade do investimento. Quando uma empresa objetiva retornos comerciais, consegue aferir com certeza o desempenho de determinado investimento. Mas isso fica muito mais difícil quando ela aceita retornos abaixo do mercado e compensa explicitamente o déficit com resultados sociais e ambientais – que são afetados por suposições, linhas de base e efeitos de enquadramento. Assim como os investidores podem manipular dados de impacto para fazer com que investimentos comuns pareçam vantajosos para todos (greenwashing), eles também podem fazer más decisões de investimento parecerem trade-offs que valham a pena. Pelo que podemos constatar de nossa experiência, essa prestação de contas inadequada é irritante para profissionais de investimento comercial.

Isso é exacerbado pelo fato de que negócios e filantropia se regem por diferentes culturas e ferramentas. O investimento de trade-off é um híbrido, situando-se de forma incômoda entre esses dois mundos tão distintos. Quando liderado pelos negócios, o investimento de trade-off tende a favorecer o retorno em vez do impacto. Investidores comerciais concentram-se no que sabem melhor – retornos financeiros – e tendem a escolher métricas de impacto que justifiquem os investimentos mais lucrativos. Em oposição, o investimento de trade-off liderado pela filantropia favorece projetos de alto impacto. Os investidores filantrópicos concentram-se naquilo que conhecem melhor – impacto – e costumam usar “lentes cor-de-rosa” ao avaliar os retornos financeiros esperados.

No nível macro, ou econômico, o investimento de trade-off enfrenta o mesmo problema que o investimento ganha-ganha. O primeiro nunca alcançará a escala necessária para enfrentar os desafios sociais e ambientais de hoje. Ao aceitar perdas em investimentos que mitigam a mudança climática, reduzem a pobreza ou melhoram a coesão social, os investidores de trade-off ajudarão a lidar com alguns dos projetos que os investidores ganha-ganha ignoram, mas seu apetite filantrópico está longe do suficiente. Apenas para preencher a lacuna climática seriam necessários US$ 10 trilhões em financiamento filantrópico. Para efeito de comparação, a filantropia climática nos Estados Unidos é inferior a US$ 10 bilhões por ano – menos de 0,1% do total necessário.

Por essas razões, o investimento em trade-off continuará sendo um ator de menor relevância, embora louvável.

 

Advocacy: Como Salvar o Titanic

 

Nem o investimento ganha-ganha nem o investimento de trade-off são capazes de gerar mudanças significativas nas principais questões sociais e ambientais. São atividades importantes, mas de nicho, dentro de uma vasta economia na qual a maioria das atividades comerciais apenas segue as regras do jogo. Embora as emissões de carbono sejam extremamente custosas para o planeta, são gratuitas na economia – e coisas gratuitas são amplamente desfrutadas. Da mesma forma, o investimento na redução do isolamento social gera resultados positivos, mas não lucro para o investidor.

A única maneira de salvar o Titanic que é a economia global, portanto, é mudar as regras para que o enfrentamento dos problemas sociais e ambientais se mostre lucrativo. Cobrar um preço significativo nas emissões de carbono, por exemplo, expandiria muito as oportunidades de investimento ganha-ganha. O preço do carbono reduziria os retornos de todas as atividades intensivas no ativo em todos os setores aos quais se aplica – incluindo energia e manufatura – ao mesmo tempo que aumentaria os retornos de alternativas de baixo carbono ou de captura de carbono, como energia renovável e produção de aço com baixo teor de carbono. Em 2019, mais de 3.500 economistas americanos, incluindo 45 ganhadores do Prêmio Nobel, assinaram um documento a favor de atribuir preço ao carbono. É a melhor solução de mercado para ampliar os investimentos e tem potencial para preencher a lacuna de US$ 10 trilhões, ao tornar todos os investimentos necessários lucrativos.

É aqui que entra o advocacy. Para começar, empresas e investidores podem fazer pressão por mudanças regulatórias. Recentemente, 457 investidores representando US$ 41 trilhões em ativos assinaram uma declaração global pedindo mudanças regulatórias mais rápidas. Mas, embora esforços como esse sejam admiráveis ​​e contribuam para uma mudança gradual de cultura, não fazem muito para incentivar e mudar na prática o comportamento dos políticos. Para tanto, empresas e investidores têm de alcançar os eleitores. Eles precisam amplificar sua mensagem, e isso requer dinheiro.

A terceira etapa da abordagem de portfólio que sugerimos é, portanto, investir em advocacy. Isso tem uma influência enorme. Se precisamos de $ 10 trilhões em subsídios filantrópicos para investimentos compensatórios a fim de resolver a crise climática, de quanto advocacy precisaríamos em dez anos? Um milésimo desse valor (US$ 10 bilhões) excederia os requisitos – com muito menos dinheiro, o lobby dos combustíveis fósseis causou danos extraordinários.

À primeira vista, a ideia de advocacy para investidores ganha-ganha pode parecer ainda mais estranha do que o investimento de trade-off: é pura filantropia, os resultados são impossíveis de medir e advocacy não é uma habilidade comercial essencial. Mas acreditamos que se possa provar o contrário, por três razões:

  1. Se feito com cuidado, o advocacy tem benefícios comerciais. Corporações que demonstram liderança em questões sociais e ambientais por meio de advocacy costumam ser recompensadas com funcionários de qualidade, mais clientes e mais investidores. E, quando as empresas dividem o custo do advocacy com outros investidores com interesses semelhantes, o custo individual é baixo.

  2. Embora os impactos do advocacy sejam difíceis de medir, os das despesas comuns, como marketing, também o são. É importante ressaltar que os problemas de mensuração que tanto o advocacy quanto o marketing apresentam são isolados; ao contrário do investimento de trade-off, eles não contaminam as decisões ou avaliações de investimento, apenas entram no balanço de despesas.

  3. As empresas já são adotam o advocacy, embora geralmente do lado oposto ao bem social e ambiental. O lobby das empresas de tabaco, carvão e jogos de azar tem sido letalmente eficaz. As cinco maiores empresas públicas de petróleo e gás do mundo gastam cerca de US$ 200 milhões todos os anos em lobby, salvaguardando lucros anuais bilionários ao atrasar e bloquear a ação climática.

Certamente, existem sérias questões éticas sobre o papel adequado dos negócios na democracia, e as corporações devem ser seguidoras de regras, e não criadoras de regras. Mas não estamos vivendo em um mundo teórico ou ideal. As corporações já estão fazendo as regras, muitas vezes promovendo os interesses de seus acionistas às expensas da sociedade e do meio ambiente.

 

Uma Nova Forma de Investir para Impacto

 

Propomos uma estratégia geral pela qual os investidores podem contribuir para resolver crises sociais e ambientais na escala necessária: quando interesses específicos movimentam lobby que prolonga e agrava uma crise social ou ambiental, uma massa maior de investidores pode defender e se posicionar para lucrar apoiando o futuro que devemos alcançar — um futuro que inclua um clima saudável e comunidades mais coesas.

A estratégia pode variar segundo os diferentes investidores e ramos de negócios, mas as empresas de gestão de ativos – categoria que inclui a maioria dos investidores que assinaram uma declaração global pela aceleração das mudanças no marco regulatório –  estão particularmente bem posicionadas para implementá-la. Eles também atendem a uma gama diversificada de clientes, incluindo investidores de impacto. Como observam Adrienne Buller e Benjamin Braun, do think tank Common Wealth, essas empresas são as “principais acionistas de corporações em toda a economia global” e o fato de serem grandes proprietários os deixa expostos às ameaças econômicas ao capitalismo, como a mudança climática.

Ao optarem por direcionar um percentual de suas taxas de administração para o advocacy, os gestores de ativos poderiam oferecer aos investidores de impacto o que eles desejam: retornos comerciais completos além do impacto. Há duas maneiras de fazer isso. Uma abordagem simples seria considerar os investimentos em advocacy como substitutos das despesas de marketing. Uma grande empresa de gestão de ativos poderia oferecer uma estratégia de investimento comercial, avaliada negativamente para investimentos intensivos em emissões, na qual o advocacy seja o principal fator de impacto. Para investidores de impacto que entendem a importância de fazer advocacy, essa será uma modalidade mais atraente do que os fundos de investimento padrão, que geralmente são do tipo ganha-ganha. O que essa abordagem tem de melhor é que ela não acarreta custos ou riscos para os clientes, pode ser facilmente ampliada e aqueles que a adotarem primeiro podem ganhar atenção significativa e influxos de capital da comunidade de investidores de impacto.

Uma segunda abordagem, mais sofisticada, é amarrar as estratégias de investimento às de advocacy, com o objetivo de produzir retornos acima do mercado. Por exemplo, o sucesso ao advogar por melhorias nas regulamentações de reciclagem pode aumentar os retornos de uma empresa de reciclagem. A abordagem integrada é mais difícil de ampliar porque requer conhecimento político local, mas pode ser muito recompensadora.

Como exemplo, aqui está uma estratégia com foco ambiental que Alan (coautor deste artigo) está desenvolvendo em sua empresa de gestão de ativos Trawalla Group:

  • Estabeleça um novo fundo dirigido a investimentos que reduzam as emissões de dióxido de carbono e que ofereçam retorno comercial;

  • Invista uma porcentagem das taxas de administração em advocacy estratégico que favoreça políticas climáticas ancoradas na ciência. Esse movimento atua como um veículo de marketing para atrair investidores de impacto interessados ​​em gerar mudanças sistêmicas;

  • Integre as estratégias de advocacy e investimento para gerar retornos acima do mercado para os investidores nos novos fundos. Por exemplo, a empresa poderia investir em infraestrutura de veículos elétricos em locais onde tenha confiança de que o investimento contribuiria para um avanço regulatório;

  • Faça advocacy governamental com a supervisão de partes independentes, confiáveis ​​e com base científica para garantir que a empresa invista apenas quando o interesse próprio e o interesse público estiverem alinhados

Essa estratégia naturalmente traz riscos e recompensas. Embora os clientes possam esperar retornos comerciais, deduzir os custos de advocacy das taxas de administração reduzirá os retornos para o gestor de ativos. A promessa de impacto, no entanto, pode atrair mais clientes, gerar maiores entradas de capital e aumentar as taxas líquidas de administração. Se for bem-sucedido, outros gestores de ativos provavelmente o seguirão. Se uma parte significativa daqueles 457 investidores que assinaram a declaração global aplicasse essa estratégia ao componente de baixo carbono de seus US$ 41 trilhões em ativos, poderia mover montanhas.

Um paradoxo: ganha-ganha afinal?

 

Acreditamos que a estratégia de advocacy delineada aqui é o único meio plausível pelo qual empresas e investidores podem realmente alcançar uma dupla “vitória”, para  eles mesmos e para a sociedade. Os primeiros gestores de ativos a aderirem podem ver o crescimento das taxas de administração superar os custos dos investimentos em advocacy. No fim das contas, o investimento ganha-ganha, acompanhado de um advocacy ético, pode abrir o caminho para um futuro mais sustentável.

OS AUTORES

Alan Schwartz é um capitalista, filantropo, ativista social e fundador do Projeto Universal Commons.

Reuben Finighan é doutorando na London School of Economics e economista-chefe do Universal Commons Project.



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