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Encontre sua missão climática

O desafio não se limita aos que lidam com o tema; todos têm de achar seu papel na luta contra a mudança climática

Por Matt Damon e Amy Bell

(Ilustração de Eric Nyquist)

As ameaças crescentes da mudança climática desafiam o trabalho de todas as organizações, inclusive daquelas cujas missões parecem não ter relação com questões climáticas. À medida que os impactos causados por elas se acumulam, todos teremos que encontrar formas de nos unirmos em uma luta comum.

Muitas organizações podem se ver abaladas por essa dinâmica, achando que sua própria missão está tendo sua importância reduzida ou que estão competindo por recursos com ativistas ligados a questões climáticas. Porém, mais cedo ou mais tarde, todas passarão pelo processo de aprendizagem para encontrar um caminho em busca da ação climática, já que o que está em jogo causa impactos duradouros nos sistemas nos quais todos nós atuamos.

Na WaterEquity nós passamos por esse processo e, graças às lições que aprendemos com isso, hoje podemos aconselhar outras organizações a encontrar formas de definir e incorporar, de maneira autêntica, sua própria missão climática.

 

Ação climática premente

A WaterEquity é uma das primeiras gestoras de ativos a levar financiamentos viáveis às pessoas que fazem parte da base da pirâmide econômica a fim de que elas possam investir em sua própria rede de saneamento e água potável. Atualmente, uma em cada quatro pessoas – 2,2 bilhões – em todo o mundo não tem acesso à água potável, e duas em cada cinco – 3,5 bilhões – não têm saneamento seguro. A falta de investimento é a principal barreira ao acesso à infraestrutura necessária para fornecê-los.

Tendo como base nosso trabalho na Water.org – organização internacional sem fins lucrativos que ajuda a viabilizar o acesso a água potável e saneamento para os que vivem na pobreza –, lançamos, em 2017, a WaterEquity, para fomentar investimentos privados no setor em mercados emergentes. Seu modelo é simples, mas poderoso: oferecemos capital de terceiros para instituições financeiras a fim de ampliar suas carteiras de microcrédito. Isso possibilita que milhões de consumidores de baixa renda implementem soluções para os problemas hídricos e de saneamento em suas casas, como instalar encanamento ou um banheiro.

A mudança climática tem sido uma das muitas preocupações que acompanham nosso rápido crescimento. As pessoas podem não ter água potável ou saneamento devido a secas, inundações, em virtude da pobreza ou de infraestrutura deficiente. Mas a necessidade de se adaptar aos efeitos da mudança climática cresce ano após ano entre aqueles que contraem microempréstimos conosco. Porque o modelo da WaterEquity foi elaborado de modo a colocar todo o poder de mudança nas mãos dessas famílias, suas preocupações são também, e inevitavelmente, nossas.

A mudança climática interage com todos os demais padrões de vulnerabilidade, atingindo principalmente, e com força, as pessoas a quem servimos por meio da filantropia e do investimento de impacto. Será que o oposto também é verdade – ou seja, que nossos esforços ajudam as pessoas a enfrentar esses impactos? Sempre acreditamos que sim, ainda que tenhamos enfrentado períodos de muita incerteza. Uma ação que promove desenvolvimento, mesmo nas comunidades mais necessitadas, frequentemente promove, também, emissões de carbono.

Em 2019, a Water.org pediu para que especialistas em questões climáticas do Pacific Institute se aprofundassem nas implicações da mudança climática no tocante às tecnologias e ao financiamento hídricos, principalmente para populações de baixa renda ou marginalizadas. O estudo resultante mapeou de que maneira os sistemas de abastecimento de água e saneamento contribuem para a mudança climática – e como isso os afeta – e de que forma melhorar a eficiência hídrica e energética, com medidas acessíveis e resilientes à mudança climática, beneficia a todos.

A Water.org encomendou, então, um metaestudo das evidências internas e externas – que contou com pesquisas feitas junto a credores e beneficiários de microcrédito – a respeito das mudanças climáticas que eles já vinham observando. Entre os credores, dois terços mencionaram a redução das chuvas, e quase o mesmo número de entrevistados falou sobre enchentes. Por sua vez, um terço dos beneficiários de empréstimos para abastecimento de água, bem como 18% dos que contraíram empréstimos para questões ligadas ao saneamento, afirmou ter levado em conta os impactos causados pelas mudanças climáticas em suas vidas na hora de decidir o que reformar. O metaestudo descobriu que investimentos financiados por microcrédito geralmente aumentam a resiliência dos serviços às mudanças climáticas. Por exemplo, uma família que antes coletava água em um lago ou em um riacho aberto impuro conseguiu ter encanamento ou um poço fechado com um reservatório.

Em resumo, as pessoas sabiam o que estavam fazendo e tínhamos todos os motivos para deixá-las escolher a melhor maneira para usar o capital obtido graças ao financiamento por meio da WaterEquity. Nossa ação ao facilitar o acesso universal à água potável e ao saneamento básico, é uma ação climática premente. Isso é algo de que temos convicção.

Ao longo da jornada, outro problema surgiu: na melhor das hipóteses, instalações domésticas de água e esgoto têm o mesmo nível dos serviços públicos aos quais se ligam e que, no Sul Global, muitas vezes têm baixa resiliência climática e promovem grandes emissões. A energia usada para transportar e tratar água representa 1,8% de todas as emissões de carbono. O saneamento é responsável por 4,7% das emissões de metano, que variam de acordo com o tratamento dado ao esgoto.

Muitos desses serviços públicos também não têm capital para realizar melhorias. O investimento climático pouco fez por essa área e, embora financiamentos de infraestrutura comercial nos setores de energia e transporte estejam crescendo, apenas 1,9% desse montante é destinado à água potável e ao saneamento. Por isso, além de ampliar os financiamentos para famílias, a WaterEquity desenvolveu uma nova estratégia voltada para a resiliência hídrica e climática, passando a avaliar financiamentos de sistemas hídricos e de saneamento que produzam pouca emissão de carbono e sejam mais capazes de proteger seus clientes das mudanças climáticas.

Comprometer-se com o clima

Envolver-se com ações climáticas mostrou-se natural para a WaterEquity; era apenas questão de tempo, dada a conexão entre clima e água. Ainda assim, foram necessárias algumas escolhas conscientes para passarmos de adjacentes ao clima para comprometidos com ele. A seguir apresentamos algumas das lições que aprendemos.

Não tema participar. Para cada ação, existem inúmeras lacunas a preencher | É fácil imaginar que haja uma enorme agenda voltada para o que precisa ser feito – e tomara que a COP28 possa mobilizar disposição e dinheiro suficientes. No entanto, mesmo os principais financiadores de questões climáticas são novos nesse ambiente e ninguém tem um plano de ação abrangente. Organizações sem envolvimento direto com o clima podem atuar de muitas maneiras, em especial no que diz respeito a desafios locais de adaptação. Quanto à luta global, mitigação e adaptação podem até ocorrer sem que nos envolvamos, mas não de modo aceitável: muitos serão deixados de lado devido a essas lacunas. Sabemos disso porque é algo que já está ocorrendo.

Consulte os especialistas | Embora o movimento da WaterEquity em direção ao financiamento de ações climáticas tenha parecido orgânico, os pontos de inflexão surgiram de conversas e de colaborações adotadas nos últimos anos. Não subestime o potencial dos diálogos com pessoas profundamente envolvidas em pesquisas sobre o clima. Eles são oportunidades para aprendermos com seu admirável comprometimento para com as evidências e de colaborarmos com a próxima etapa da ação coletiva. Se tiver dúvidas a respeito de como seu trabalho se encaixa, procure respostas junto a outras organizações com experiência e evidências sobre a questão climática – elas estão ávidas por compartilhá-las.

Consulte os outros especialistas. | Acreditamos que soluções que dão certo tendem a surgir nas comunidades na base da pirâmide econômica. Por isso, busque entender o clima também a partir de seu ponto de vista. Uma solução ideal em um determinado lugar pode não ser tão boa em outro, e os motivos para isso são provavelmente óbvios para os que vivem ali. Caso esteja trabalhando com os altos níveis do sistema – como é o caso da WaterEquity atualmente, ao atuar com os serviços públicos –, preste atenção à sua experiência.

Não busque encaixar o que você já faz em um discurso climático | Algumas organizações se contentam em rebatizar as coisas que fazem como ação climática. Já não é possível aceitar isso, se é que um dia foi. No caso da WaterEquity, primeiro perguntamos se o que fazemos é verdadeiramente parte da solução – por sorte descobrimos boas evidências de que estamos do lado certo; depois, buscamos formas de ir além, tais como resolver vazamentos em encanamentos públicos. Hoje continuamos a coletar informações para descobrir o que mais podemos fazer, seguindo o princípio de que não podemos gerir o que não avaliamos.

Mantenha uma mentalidade colaborativa e catalise o impacto pela ação coletiva | A ação climática está crescendo rapidamente, mas não tanto quanto suas consequências. Organizações que têm essa agenda como central ainda são minoria em meio à multidão das que têm outras causas – e estas não são, nem jamais foram, periféricas: o trabalho que realizam é ou parte da solução ou parte do problema.

Como toda inovação social, a solução não pertence a entidade alguma. As ações de diferentes parceiros se entretecem para gerar mudanças significativas. Ao nos desafiarmos a pensar assim, temos de ser criativos, agir com propósito e respeitar as evidências. Essa é a recompensa por iniciar e sustentar conversas sobre grandes problemas – incluído aí o maior de nosso tempo.

OS AUTORES

Matt Damon é ator, escritor e roteirista e cofundador da WaterEquity e da Water.org.

Amy Bell integra o conselho da WaterEquity e é CEO da Cook’s Nook, produtora e distribuidora de refeições frescas, nutritivas e culturalmente relevantes no combate à insegurança alimentar, à desigualdade e a doenças crônicas.



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