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COP 27: o Teto de 1,5°C com Justiça Climática

A combinação das negociações diplomáticas e das discussões na “COP da sociedade civil” oferece um caminho para o enfrentamento da crise do clima com maior atenção à justiça climática traduzida em ações, políticas públicas, protocolos, e principalmente, ao seu financiamento.

Por Luiz Villares

justiça climática
Foto: Markus Spiske/Unsplash

A Conferência do Clima (COP 27) chega ao fim e as negociações diplomáticas caminham para uma frustrante implementação das metas do Acordo de Paris (COP 21), de 2015. À época, o tratado estipulou que o teto do aquecimento global deveria se manter em até 1,5°C acima dos níveis pré-Revolução Industrial, indicador do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) como o aumento máximo de temperatura para a estabilidade climática no mundo. Excepcionalmente, o IPCC considera um limite de até 2°C. 

Ao que parece, tais metas só poderão ser atingidas caso haja uma guinada sem precedentes das ambições de redução das emissões dos Gases de Efeito Estufa dos 194 países signatários do Acordo de Paris, segundo o qual cada nação tem sua própria meta de redução, a chamada de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Muitos países também incluem planos para se adaptar aos impactos climáticos e os requisitos financeiros para implementação de suas metas. Esta situação de extrema urgência para a redução das emissões e planos de adaptação e financiamento de metas, oferece o perfeito cenário de uma “emergência climática” global.

Enquanto as negociações diplomáticas avançavam sem grandes consensos em Sharm el-Sheikh, no Egito, as ações em curso na “outra COP”, que aconteceu em paralelo, tornaram-se altamente relevantes. Trata-se da COP da sociedade civil, evento no qual ativistas, acadêmicos, políticos, profissionais de entidades diversas e de negócios pela economia verde, em sua maioria, circulam e discutem em um ambiente de plena efervescência. Simultaneamente, o evento paralelo incluiu múltiplas conferências, reuniões e encontros em salas plenárias, estandes expositivos, bem como manifestações da sociedade civil diante da injustiça social agravada pelo aquecimento global. A combinação das duas COPs oferece um caminho ainda possível para o enfrentamento das mudanças climáticas, sobretudo com maior atenção ao tema da justiça climática, traduzido em ações, políticas públicas, protocolos, e principalmente, ao seu financiamento climático.

Na prática, o desafio global urgentíssimo para o combate das mudanças climáticas implica a revisão imediata pelas nações e sociedade de suas ambições climáticas, ou NDCs. Além disso, diante das crescentes catástrofes do clima ocorrendo em todo planeta, o desafio demanda uma atenção especial ao financiamento das perdas, danos, e adaptação climática, representada no atendimento aos povos atingidos por eventos extremos. As demais ações globais fundamentais para a redução das emissões passam também pela regulamentação dos mercados de carbono, mecanismos essenciais para a transição das matrizes de energias fósseis para renováveis, com observância aos complexos protocolos de contabilização e fluxo dos créditos das emissões entre geradores, compradores e receptores/fornecedores de créditos.

A Emergência Climática significa, em números gerais, limitar as emissões globais ao teto de 500 bilhões de toneladas de carbono equivalentes até o final de 2030 para nos mantermos sob o teto de 1,5°C. Atualmente o mundo está emitindo mais de 60 bilhões anuais. Este cenário representa um estoque de emissões futuras absolutamente crítico: são apenas 96 meses para rompermos o “teto de Paris”.

Para ficar no teto, o mundo precisa, até 2030, reduzir 43% das emissões em relação aos níveis de 2019. Este desafio se aproxima do impossível. Estamos a 0,4°C de aumento para o teto, e as emissões globais seguem crescendo, mesmo depois de uma pandemia e desaceleração econômica em 2020. Embora a conta para evitar ir além de 1,5°C represente uma enorme pressão na diminuição das ambições climáticas globais, nota-se que os compromissos firmados pelos países signatários da Convenção do Clima (que efetivamente negociam suas metas nas COPs) estão apenas em 7% da base de 2019. Portanto, para chegarmos aos 43%, são necessários mais 36% em reduções sobre as bases de 2019.

Neste cálculo, a redução das emissões decorrentes de combustíveis fósseis, que equivalem a 75% das emissões globais totais, deve ser dramática. Petróleo, carvão e gás natural precisam dar espaço a energias verdes com uma velocidade e urgência muito acima da capacidade das nações financiarem esta transição. Neste contexto, se avizinha um mecanismo de necessária desvalorização dos ativos representados pelas reservas petrolíferas em todo mundo; uma medida impensada há 10 anos, mas que se torna um objeto de enfrentamento crucial na próxima década. Os 25% restantes das emissões globais são provenientes das atividades de uso e modificação da terra, na forma de agropecuária e desmatamento.

A tentativa, ainda possível, de uma transição global para uma economia de baixíssimo carbono necessita de um mecanismo de trocas de reduções de emissões na forma de créditos de carbono. Com crescimento exponencial, estima-se que esse mercado chegue US$ 50 bilhões em 2030. Por suas características comerciais, entretanto, esse mercado pouco contribui diretamente para o financiamento da conta de perdas, danos e adaptações das populações mais pobres. As negociações envolvendo créditos de carbono são portanto uma oportunidade de bons negócios sob uma situação de crise climática, mas não atendem a necessidade de custeio global das reduções e distribuição de recursos para o financiamento climático das populações menos favorecidas na Terra.

É importante lembrar que existem projetos de carbono voluntário para conservação de florestas com base em reduções de emissões de CO2 evitadas. Essas iniciativas são muito interessantes para a conservação florestal. 

O tamanho do desafio das reduções de emissões se faz presente para a maioria absoluta dos países. Em 2021, China, Estados Unidos, União Europeia, Índia, Rússia e Japão continuaram sendo os maiores emissores de CO2 do mundo. Juntos eles representam 49,2% da população mundial, 62,4% do Produto Interno Bruto mundial, 66,4% do consumo global de combustíveis fósseis e 67,8% das emissões globais de CO2 fóssil. Dentre estes países, China – o maior emissor no mundo – Estados Unidos, Índia e Rússia apresentam 75% de suas emissões por combustíveis fósseis.

O Brasil, que responde por 4% das emissões atuais, tem no desmatamento da floresta amazônica e de outros biomas, 50% dessa fatia. A conta brasileira de redução do desmatamento é menor do que a de substituição energética de matriz fóssil para renováveis da maioria dos países. Neste sentido, os desafios do Brasil podem ser relativamente menos onerosos do que os demais grandes países emissores. Mas a atenção às leis ambientais e justiça social, com garantia das salvaguardas e direitos dos povos indígenas, tradicionais, negros e demais parcelas menos favorecidas da população, se mostram fundamentais de serem endereçadas para o enfrentamento da emergência climática brasileira.

A ambição climática global, representada (em síntese) pelas NDCs atuais dos países, levará a Terra a um aquecimento acima de 3ºC no fim do século 21, portanto, mais do que o dobro do limite do Acordo de Paris. Este patamar de emissões precisa ser diminuído drasticamente (6 vezes) para mantermos o teto de 1,5°C globalmente. 

O desafio global das reduções necessárias para a meta de Paris pode ser resumido sinteticamente em:

  • Abandonar o uso de carvão sem abatimento de emissões para a geração de eletricidade 6 vezes mais rápido.

  • Aumentar a participação de veículos elétricos nas vendas de veículos leves 5 vezes mais rápido.

  • Expandir a geração de eletricidade com fontes renováveis 6 vezes mais rápido.

  • Reduzir a taxa anual de desmatamento 2,5 vezes mais rápido.

  • Reduzir o consumo de carne de animais ruminantes por pessoa, 5 vezes mais rápido, sobretudo nas Américas, Europa e Oceania.

  • Aumentar o financiamento climático global 10 vezes mais rápido.

Em resumo, estes mega desafios estão endereçados nas negociações diplomáticas dos países na COP 27 sob seis temas:

  • A criação de um mecanismo financeiro efetivo para perdas e danos.

  • Ampliação do apoio para medidas de adaptação, sobretudo das populações menos favorecidas, maiores vítimas das mudanças climáticas.

  • Fortalecimento das metas nacionais de redução das emissões no sentido de dar maior efetividade aos planos de cada país para que sejam verdadeiramente implementados.

  • Garantir que a promessa de US$ 100 bilhões em financiamento climático seja cumprida e convertida em novos compromissos.

  • Avançar com o balanço global para a revisão da meta climática de forma a efetivamente aumentarem as NDCs para as metas de Paris.

  • Colocar os compromissos climáticos da COP 26 (Glasgow) em ação, assim garantindo uma eficaz implementação das medidas negociadas nas COPs anteriores para que a COP 27 também resulte na implementação das medidas nela consensuadas entre todos os países signatários.

Especificamente no Brasil, a atual NDC brasileira inclui a redução das emissões de gases de efeito estufa em 37% para 2025, e em 50% até 2030, criando formas de implementação de ações de mitigação e adaptação em todos os setores econômicos. Esta NDC substituiu a NDC original para o Acordo de Paris em que o país se comprometia a reduzir essas emissões em 37% até 2025 em relação a 2005, indicando que poderia reduzi-las em 43% até 2030. 

No curto prazo, isso significa que o Brasil diminuiu a sua ambição em 6%, na contramão das necessidades de redução urgente das emissões. Ainda assim, a NDC brasileira parece ir para a “direção certa”, com uma meta de neutralidade climática até 2050 ou o fim do desmatamento ilegal até 2030. A credibilidade dessas metas, no entanto, é altamente discutível, em face ao aumento do desmatamento na Amazônia em 73% nos últimos anos do governo Bolsonaro. As metas brasileiras não são respaldadas por medidas de curto prazo, sendo inefetivas e nada ambiciosas para o momento crítico da Emergência Climática.

O Brasil voltou

Depois de quatro anos representados pelo negacionismo climático e desconsideração ao efetivo valor das políticas ambientais, refletidos em um período de anonimato e total desprestígio do Brasil na comunidade internacional dos acordos climáticos, já se vislumbra um novo cenário com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente. Sua participação nos eventos da “COP 27 paralela” foi animadora, trazendo mensagens do retorno dos compromissos e liderança do Brasil na agenda climática, com um discurso afirmativo sobre a redução do desmatamento e atenção aos povos indígenas, entre outras medidas. Lula também resgatou o tema da cobrança pela conta das emissões das nações mais ricas, com demandas para o seu financiamento ostensivo, em nosso caso, principalmente para as ações de comando e controle do desmatamento e fortalecimento das ações para o desenvolvimento sustentável no Brasil. 

Neste âmbito, chama a atenção a união de governadores de alguns estados da Amazônia brasileira em torno de compromissos assumidos para a redução do desmatamento, em atividade coordenada sob um consórcio dos governadores da Amazônia Legal. Este consórcio apresenta iniciativas relevantes para atração de financiamento para a bioeconomia, restauração florestal e agricultura de baixo carbono.

As marcas da inação

Com ambições pouco dramáticas, a COP 27 termina com modestos progressos para as metas do Acordo de Paris. Num momento em que os eventos extremos aumentam consideravelmente em diversas partes do planeta, para se fazer justiça climática, as medidas em negociação deveriam ser muito mais efetivas, sobretudo no financiamento climático. A marca final da inação para esse enfrentamento está bem exposta nas recentes chuvas torrenciais no Paquistão que tiraram a vida de mais de mil pessoas, deixando outras dezenas de milhões desabrigadas. Enchentes e inundações no sul da África no primeiro semestre de 2022 mataram centenas de habitantes e afetaram seriamente as atividades econômicas na região. No nordeste do continente africano, milhões de pessoas estão passando fome devido a uma seca sem precedentes. Uma seca severa também afetou a produção de alimentos e energia na China, causando contínuos apagões e levando ao racionamento de água e eletricidade. E na Europa, o último verão e outono em 2022 apresentaram sua pior seca em 500 anos, junto a intensas ondas de calor. Apenas para citar alguns casos.

A questão central sobre a justiça climática diz respeito ao padrão de emissões relacionados à renda dos países e cidadãos. Globalmente, as nações do G20 representam mais de 70% das emissões globais, enquanto as nações africanas, por exemplo, sofrem com as mudanças climáticas sem ter responsabilidade pelas emissões. Sobre a renda dos cidadãos no mundo, os 10% mais ricos geram 49% das emissões de CO2, enquanto que os 50% mais pobres emitem apenas 10% do CO2 na atmosfera. Logo, a conta das reduções tem que ser paga pelas nações e cidadãos mais ricos do planeta. De outra forma, teremos o agravamento da injustiça social causada pelas mudanças climáticas, com aumento das desigualdades, pobreza, fome, e demais condições de vida entre todos os povos na Terra.

O mundo ainda tem uma chance de enfrentar a emergência climática. A cada COP que passa, a estabilidade climática se torna mais dramática. Esperamos que nos próximos anos haja uma efetiva implementação das metas do Acordo de Paris para uma vida ainda possível sob 1,5°C de aumento da temperatura, com justiça social para todos, sobretudo para as próximas gerações que habitarão o nosso planeta.

 

O AUTOR

Luiz Villares é especialista em gestão de projetos socioambientais e CFO da Fundação Amazônia Sustentável. Graduado em Administração de Empresas, tem Mestrado em Gestão Internacional “com distinção”, pela Thunderbird School of Global Management. É Conselheiro Fiscal do Instituto CERTI Amazônia e do Instituto 5 Elementos.

Escreve regularmente textos, críticas e ensaios para revistas, livros e publicações científicas. Pesquisador, dentre suas publicações destacam-se temas como Blockchain, sustentabilidade, Amazônia e mudanças climáticas.



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