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A conta do clima só aumenta

Às vésperas da COP29, que será realizada a partir de 11 de novembro, em Baku, capital do Azerbaijão, se aquecem os debates sobre um dos principais temas da edição: o financiamento climático

Por Luiz Villares

Shutterstock

Entre 11 e 22 de novembro de 2024 será realizada a COP29 em Baku, capital do Azerbaijão, em meio a um cenário de intensificação dos eventos climáticos extremos e recordes de temperatura. Há que pensar no que significa ter a segunda conferência das partes consecutiva em um país petroleiro, considerando que a transição de combustíveis fósseis para energias renováveis enfrenta a resistência da indústria petrolífera – responsável indireta por 40% das emissões globais de gases do efeito estufa (GEE).

Esta COP abordará principalmente o financiamento climático, com os países desenvolvidos trazendo para as negociações uma divisão dos seus custos com os países em desenvolvimento, que têm menores emissões, e são mais vulneráveis aos desastres climáticos. Esses eventos naturais cada vez mais frequentes e intensos afetam principalmente as populações de baixa renda.

Neste contexto, reforça-se a agenda de justiça climática, especialmente no campo da adaptação, frente cuja implementação se tornou a mais urgente. Nesse âmbito, embora tenham ocorrido acordos iniciais no ano passado em Dubai, na COP28, os desembolsos financeiros reais sempre estiveram abaixo do necessário. O cenário para o financiamento climático se mostra pessimista, mas existem soluções possíveis para a sua efetivação se os governos e setores como o petroleiro, financeiro e filantrópico adotarem uma abordagem estratégica e colaborativa para enfrentar os aumentos de temperatura e crescentes desastres climáticos.

 

Um breve histórico

 

A COP28 trouxe avanços, destacando lacunas nas reduções de emissões dos países desenvolvidos e no financiamento para os países em desenvolvimento. Foi criado o Fundo de Perdas e Danos, mas com valores ainda insuficientes para a reconstrução de infraestruturas devastadas por eventos extremos.

O principal progresso, alcançado após intenso ativismo, foi um acordo sobre a transição energética, com metas para sistemas neutros em carbono até 2050.

O Brasil teve nessa conquista uma participação importante, liderando a Missão 1.5, para aumentar os compromissos climáticos globais até a COP30, que será sediada em Belém, Pará, em 2025.

A COP29 centrará seu foco nas Novas Metas de Financiamento Climático, com o objetivo de elevar o patamar atual de financiamento dos governos para além dos US$ 100 bilhões/ano e destacando a contribuição do setor privado. Espera-se ainda que os países apresentem as metas de redução de emissões que devem ser cumpridas em 2025. A conferência também trabalhará na implementação do Fundo de Perdas e Danos, definindo a mobilização e a distribuição de recursos para as comunidades mais afetadas pelo clima. Além disso, haverá ênfase nas metas de adaptação, incluindo a reconstrução de infraestruturas resilientes, e na integração das metas de clima com os temas de resiliência urbana e biodiversidade, discutidos recentemente na conferência da biodiversidade em Cali.

Historicamente, desde as primeiras COPs do clima houve um atraso significativo na implementação dos acordos, enquanto os recordes de temperatura e desastres climáticos só aumentaram. Essa inação resultou em um custo mais alto para a transição energética, mitigação e adaptação climática.

O Relatório Stern, de 2006, alertava que um investimento de 1% do PIB global poderia evitar perdas de até 20% do PIB em decorrência das mudanças climáticas. A oportunidade de pagar esse preço se perdeu.

Apesar de compromissos como o da COP15 (2009), que determinou o financiamento climático de US$ 100 bilhões anuais, e o Acordo de Paris em 2015, poucos avanços foram feitos, e a emergência climática se intensificou. A adaptação e o financiamento ganharam mais relevância, mas, anos depois dessas resoluções citadas, os avanços são parcos.

Entramos na COP29 com muitas divergências nas negociações. A urgência do financiamento climático intensificou-se tanto recentemente que, sem o apoio financeiro dos países ricos, as metas climáticas atuais resultarão em um aumento nas emissões de GEE até 2030, em vez da necessária redução de 43% já acordada em COPs anteriores.

Uma análise das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) de 168 países revela que as metas estão muito aquém do necessário para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Sem um financiamento externo robusto, as emissões continuarão a crescer, ultrapassando limites críticos para o controle do aquecimento.

Devido à baixa execução histórica de recursos, a necessidade de financiamento climático mudou drasticamente de 2006 para cá. Pelas contas do Relatório Stern, em 2006 o mundo precisaria de US$ 500 bilhões anuais para a mitigação climática. Mas, de 2011 a 2016, os valores anuais ficaram abaixo disso, tendo sido elevados para US$ 1,26 trilhão apenas em 2022. Tarde demais. Embora o financiamento climático esteja em 1% do PIB mundial, a taxa preconizada no relatório já não atende às necessidades de financiamento, que cresceram com o aumento da temperatura e dos desastres decorrentes.

Atualmente os cálculos indicam que os custos anuais seriam da ordem de 9 trilhões. Destes, aproximadamente US$ 5,6 trilhões seriam para mitigação climática, US$ 2,6 trilhões para a transição energética, e US$ 220 bilhões para adaptação climática.

O orçamento global para ficarmos sob um teto de até 2ºC – que é razoavelmente inapropriado para a vida na Terra – subiu de 1% para mais de 7% do PIB global. Foram precisos quase 30 anos de acordos climáticos para deixar para nossos filhos e netos, que habitarão um mundo quente demais, uma conta quase impagável por ao menos outros 30 anos.

Embora os valores anuais do financiamento climático sejam agora substanciais, eles ainda são muito menores do que as perdas econômicas projetadas em um cenário de “negacionismo climático” que resultaria em aumentos de temperatura muito acima de 2ºC .

Entre os danos que decorreriam de “não fazer nada”, estão os impactos econômicos diretos dos desastres climáticos, o aumento dos custos de produção, a perda de produtividade e as altas despesas de saúde. No entanto, essa conta provavelmente subestima outros custos menos tangíveis, tais como perdas de capital e de biodiversidade, além de impactos decorrentes de conflitos e migração.

Até aqui, o crescimento do financiamento climático foi impulsionado por investimentos em energias limpas na China, nos Estados Unidos, na Europa, no Brasil, no Japão e na Índia, que juntos receberam 90% dos fundos globais. No entanto, ainda existem grandes lacunas de financiamento, especialmente em países de altas emissões e vulneráveis ao clima.

A maior parte do financiamento para mitigação vai para energia e transporte, enquanto setores como agricultura e indústria, com alto potencial de redução de emissões, recebem pouco apoio. O financiamento para adaptação foi de apenas US$ 63 bilhões em 2022, muito abaixo dos US$ 220 bilhões anuais necessários até 2030. Regiões desenvolvidas concentram 84% dos recursos, restando pouco para os menos desenvolvidos.

Em termos de volume, destaca-se o financiamento climático interno na China – maior emissora mundial de GEE. O montante representou metade de todo valor de financiamento doméstico no mundo. Mas os países em desenvolvimento, especialmente os mais afetados, recebem poucos recursos. A pressão ativista por uma transição climática mais rápida será ainda maior nesta COP, principalmente diante do viés do setor petroleiro, que insiste em uma longa transição para as energias não fósseis.

O setor petroleiro considera alcançar o “net zero” apenas em 2050. É um compromisso de prazo longo demais em vista do futuro climático que se avizinha. Os países produtores de petróleo planejam produzir ainda em 2030 mais que o dobro do petróleo necessário para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. As 20 maiores empresas petrolíferas do mundo são responsáveis por um terço das emissões globais desde 1965, segundo dados publicados pela Forbes em 2015.

Com mais de 1,5 trilhão de de barris de petróleo em reservas, que se avaliam em mais de US$ 107 trilhões, nenhuma petroleira deseja parar de produzir. A esse cenário se seguirão as pressões ativistas para que as petroleiras façam investimentos significativos em projetos de transição energética e carbono.

Idealmente, a diplomacia deveria produzir um mecanismo de desvalorização dos ativos petrolíferos. Mas parece ser muito improvável que uma medida nesses moldes seja negociada nos próximos anos. Sob um olhar pragmático, podemos entender que a conta da mitigação, da transição e da adaptação climática é também, em primeiro lugar, de responsabilidade do setor petrolífero. Os recursos do petróleo precisam fluir para os fundos de financiamento climático ao lado de recursos patrimoniais e de receitas de governos, empresas e indivíduos afluentes, em proporções exponencialmente crescentes para as frentes climáticas.

A fim de que os acordos sejam cumpridos e os recursos efetivamente cheguem aos mais necessitados, a questão climática precisa definitivamente se tornar um programa central dos governos, liderando uma estratégia de Estado de enfrentamento climático que seja considerada tão urgente como a da pandemia do Covid 19. Entretanto, como a natureza das mudanças climáticas ainda é percebida como uma agenda difusa, que não vem acompanhada um sentimento de cooperação pública para a vida na Terra, é possível pensar que o financiamento climático nas proporções necessárias só vai acontecer em decorrência de uma enorme perda humana.

As mudanças climáticas não são o “problema número 1 do mundo”. A equação do enfrentamento penderá inevitavelmente para a variável da adaptação climática – uma agenda ainda “pagável” –, com a destinação de recursos para a reconstrução de cidades e para investimentos em infraestruturas resilientes de enfrentamento aos desastres climáticos, ou para a proteção de cidades litorâneas contra a subida dos mares.

Nas negociações climáticas, o Brasil se perfila ao lado das nações em desenvolvimento em uma posição de conflito com os países desenvolvidos que só dificulta o consenso sobre o financiamento. No entanto, localmente, o governo brasileiro tem adotado políticas públicas iniciais para o financiamento climático, buscando envolver os setores financeiro, empresarial e filantrópico.

Como anfitrião da COP30, o Brasil precisa demonstrar sua ambição climática, especialmente no compromisso de zerar o desmatamento e as queimadas na Amazônia e no cerrado até 2030. Entretanto, em paralelo a essa ambição, o país precisa resolver a sua estratégia para exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

O sucesso da meta climática brasileira depende de o governo colocar o clima com uma estratégia central de Estado, transversal a todas as áreas da economia e sociedade, garantindo os recursos necessários, especialmente para adaptação climática.

Uma agenda climática de Estado, para ser efetiva, deve buscar avanços no financiamento, abordando diversos pontos interdependentes, tais como transformar as metas em oportunidades de investimento, conectando a ação climática ao crescimento econômico.

Aumentar a ambição climática também implica baixar o custo de capital para os investimentos, especialmente na situação brasileira com altas taxas comerciais de juros. Nesse sentido, os bancos de desenvolvimento, como o BNDES, e bancos multilaterais são parte fundamental na agenda financeira, provendo financiamento a juros abaixo do mercado, além de capacitação técnica de projetos.

Essas e outras medidas de governo devem atrair o setor privado para o investimento em projetos verdes, com o desafio adicional de criarem instrumentos financeiros inovadores que atendam às características específicas desses projetos.

Ainda no âmbito brasileiro, são fundamentais as políticas públicas para o estímulo aos empreendimentos com soluções baseadas na natureza, observando a integração de valor dos ecossistemas e florestas ao valor comercial dos produtos.

E, finalmente, ainda se fazem necessárias a normatização de taxonomias verdes, o regramento e aperfeiçoamento do mercado de créditos de carbono, combinados a modelos que integrem agricultura e preservação da natureza.

Essas são as questões-chave para o sucesso climático do país – que, no entanto, não eximem o Brasil de reforçar o combate à perda de cobertura vegetal e de lidar com as contradições da exploração petrolífera nacional, em especial na região amazônica, o que provavelmente se buscará resolver com trânsito de recursos para fundos de conservação do bioma.

Observaremos nesta e nas próximas COPs uma enorme resistência das economias com base em combustíveis fósseis, principalmente o petróleo, a acelerarem a sua transição para o “net zero”. Na difícil trajetória da descarbonização do mundo, políticas de Estado que ponham o clima no centro de estratégias de governo representam a única chance de que os países, Brasil incluído, negociem um financiamento climático que ainda possibilite a vida no planeta.

A conta é muito cara, mas ainda há um caminho possível. A diplomacia, os governos, o sistema financeiro, o capital privado e o filantrópico precisam, mais do que nunca, andar juntos e determinados rumo ao financiamento climático eficiente.

 

O AUTOR

Luiz Villares é especialista em gestão de projetos socioambientais e consultor para meio ambiente. Graduado em administração de empresas, tem mestrado em gestão internacional “com distinção”, pela Thunderbird School of Global Management. É conselheiro do Instituto 5 Elementos e fundador da Manauara Associação Comunitária.

Escreve regularmente textos, críticas e ensaios para revistas, livros e publicações científicas. Em suas publicações como pesquisador, destacam-se temas como blockchain, sustentabilidade, Amazônia e mudanças climáticas.



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