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Uma avaliação para além dos números

Ao ultrapassar as explicações causais e dados numéricos dos métodos avaliativos vigentes e dar “vida, rosto e nome” aos indicadores quantitativos, as narrativas de impacto surgem como forma inovadora para captar a essência das experiências humanas e para dimensionar o fenômeno fluido que é a transformação social.

Por Daiane Mulling Neutzling e José Milton de Sousa-Filho

A crescente demanda por compreender e comunicar o impacto socioambiental das organizações torna essencial desenvolver avaliações que transcendam as fronteiras numéricas e incorporem perspectivas qualitativas. Ao integrar essas dimensões, as narrativas de impacto emergem como uma abordagem inovadora, contando histórias por trás dos números e proporcionando uma visão mais humana e realista das iniciativas socioambientais.

A economia de impacto que se estabelece no Brasil tem se fortalecido a partir das organizações que dão suporte aos Negócios de Impacto Socioambiental (Nisa) no desenvolvimento de habilidades e competências de gestão combinados à injeção de capital. A necessidade das avaliações de impacto aumenta com a diversificação das formas de financiamento e investimento, uma vez que são os investidores os atores a quem, primordialmente, os resultados da avaliação interessam. Compreender o que esperam de retorno dos seus investimentos é fundamental para traçar uma estratégia de avaliação.

No entanto, a desconexão entre as expectativas dos empreendedores e dos investidores coloca em evidência a necessidade de uma mútua compreensão entre o que é ideal na avaliação de impacto, o que tem sido feito na prática e o que é possível fazer no curto e médio prazos. O espectro da avaliação que vai desde a Teoria da Mudança (TdM), até os métodos randomizados, desenvolvidos sob a lógica do mainstream da avaliação, traz desafios aos empreendedores e àqueles que fazem a interlocução com o campo dos investimentos de impacto. Um dos problemas mais usuais relatados é o da comparação entre as medidas de impacto adotadas (métodos, definições e padrões). Para muitos investidores, a saída é adotar medidas comuns em todos os seus portfólios de investimento. Ocorre que muitas delas não funcionam bem quando se quer dimensionar o impacto. Nas palavras de Kate Ruff e Sara Olsen, “medidas comuns fazem as perguntas erradas, medem as coisas erradas e ignoram o impacto real”. Medidas padronizadas não conseguem assimilar os diferentes contextos em que as iniciativas socioambientais estão sendo aplicadas. Basta pensar nos muitos “Brasis” que existem no imenso território geográfico desse país, por exemplo, para entender o fundamental papel do contexto.

O papel da academia nesse processo é fundamental, já que ela atua como catalisadora na elaboração e refinamento das narrativas de impacto. A pesquisa e a crítica acadêmica podem contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de metodologias que capturam a essência do impacto de maneira mais abrangente

 

Os desafios são muitos e estão em parte atrelados à abordagem atual empregada nos processos – quantitativos e exclusivos – de avaliação. Apesar de trazerem certa robustez, tais métodos são complexos e caros, e não resolvem o problema da comparabilidade nem tampouco se encaixam na realidade da grande maioria dos Nisa atuantes. Segundo Ruff e Olsen, “quanto mais confiamos em medidas comuns para resolver o problema da comparação, mais acabamos por comprometer a importância das próprias medidas de impacto social. É por isso que a avaliação, por si só, não pode resolver o problema da comparação”. O papel da academia nesse processo é fundamental, já que ela atua como catalisadora na elaboração e refinamento das narrativas de impacto. A pesquisa e a crítica acadêmica podem contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de metodologias que capturam a essência do impacto de modo mais abrangente. Isso faz da colaboração entre acadêmicos e profissionais do campo dos negócios que geram impacto socioambiental positivo algo essencial para forjar um caminho que valorize dados e histórias e que promova uma visão mais integrada e holística na avaliação de impacto.

Entendemos ser possível agregar metodologias mais qualitativas, que permitam aos empreendedores acessar o impacto gerado e melhor comunicá-lo aos seus investidores. Neste artigo discutimos as dificuldades enfrentadas ao revisar e inserir novos métodos de avaliação de impacto, propondo uma abordagem inovadora que transcenda a tradicional dicotomia quanti-quali e abarque os três vértices de um triângulo equilátero, simbolizando uma inclusão equitativa dos interesses dos principais stakeholders no processo de avaliação: empreendedores, investidores e beneficiários. Esse caminho busca harmonizar e integrar as perspectivas desses atores fundamentais, promovendo uma avaliação de impacto mais holística e representativa.

Ao defender essa abordagem qualitativa, destacamos como as narrativas de impacto enriquecem o campo dos investimentos sociais, indo além dos indicadores de desempenho-chave (KPIs) e incorporando histórias reais de mudança social. Essas histórias são o cerne dos Nisa e o motor de uma economia de impacto emergente globalmente: seu valor vai além das métricas convencionais, refletindo o verdadeiro impacto social alcançado.

 

Do mainstream a uma lógica qualitativa

 

Tanto do ponto de vista teórico quanto prático, pode-se afirmar que o processo de avaliação de impacto tem sido o calcanhar de Aquiles para grande parte dos empreendedores sociais, bem como para stakeholders que apoiam tais negócios (investidores, aceleradoras, incubadoras etc.). Na prática comum de avaliação de impacto, a estratégia inicial mais adotada é a elaboração da Teoria da Mudança. O instrumento estabelece uma visão clara do impacto desejado, definindo indicadores de resultado e desempenho, além de mecanismos eficazes para o monitoramento e coleta de dados, e por isso serve como um roteiro detalhado para o planejamento de impacto. Essa perspectiva abrangente que nasce com a TdM conecta as ações implementadas, os objetivos estabelecidos e os resultados esperados, facilitando uma compreensão integrada e estratégica do processo de geração de impacto.

Contudo, quando se trata de avaliar o impacto, etapa após os resultados, há um reconhecimento da precisão dos métodos que permitem a verificação da adicionalidade, ou seja, o isolamento dos fatores resultantes da intervenção social através da análise da diferença entre o que ocorreu com um beneficiário do impacto proposto, com o que teria acontecido com esse mesmo indivíduo caso não fosse beneficiado. Para chegar a esse resultado, os métodos usados envolvem técnicas estatísticas que vão da comparação de resultados dos projetos ou intervenções com dados socioeconômicos locais/regionais/nacionais até os mais específicos, como os ensaios controlados randomizados (RCT – Randomized Controlled Trials).

Se, por um lado, é requerido um método quantitativo robusto e confiável para avaliar o impacto, por outro, são necessários diversos recursos e instrumentos para implementá-los. Em resumo: custa caro! Breno Barlach, um dos executivos da Plano CDE, empresa que presta consultoria de avaliação de impacto para projetos aplicados principalmente nas populações das classes C, D e E no Brasil, corrobora com essa opinião. Barlach ressalta o desafio do custo da avaliação randomizada e as dificuldades de criar os grupos de beneficiários para participar das amostras. De acordo com ele, “a avaliação mais precisa é a randomização, porém requer planejamento e é caro, o que a torna inviável para muitos(…) além disso, há também o desafio de aleatorizar os beneficiários de forma correta”.

Outras críticas relacionadas aos métodos quantitativos incluem a simplificação excessiva que, combinada à ênfase nos resultados de curto prazo, pode reduzir fenômenos multifacetados a números, estatísticas e recortes temporais. O risco é o de negligenciar nuances importantes e contextos específicos com relação à qualidade de vida e ao empoderamento dos indivíduos, por exemplo. Os resultados das intervenções nem sempre podem ser capturados de imediato. Avaliações muito recentes podem levar a conclusões prematuras sobre a eficácia de uma intervenção social, subestimando seu verdadeiro potencial.

Esses são pontos levantados por Carla Vilamar, especialista em mensuração e avaliação de impacto da 60 Decibéis, uma spin-off da Acúmen, especializada em realizar avaliações de impacto a iniciativas sociais desenvolvidas na América Latina. Ela é enfática: indicadores não têm alma! Segundo Villamar, o preciosismo dos números pode fazer perder o olhar para outros fatores relevantes. Para medir a experiência é preciso ir além dos números: “mede-se a renda (…) mas e a qualidade de vida?. Muitas vezes a relação entre esses dois elementos não é tão relevante em termos de incremento nominal, mas um pequeno aumento pode ter gerado um considerável impacto na vida das pessoas. Há um problema intersetorial, um problema do ecossistema mesmo, que é buscar medir resultados sociais como se medem resultados ambientais/econômicos”.

Por fim, existem também críticas relacionadas às questões éticas. Ensaios clínicos randomizados e outros métodos experimentais podem suscitar problemas éticos em relação à condução e abordagem utilizadas para a comparação entre grupos diferentes, especialmente se estes pertencerem a populações vulneráveis.

Apesar do seu potencial, percebe-se que a avaliação quantitativa é supervalorizada (parte da robustez e confiança nos resultados está no método, e outra parte, nos números) e está muito longe da realidade da grande maioria dos Nisa. Os dados apresentados pelo Mapeamento de Negócios de Impacto (social+ambiental) de 2023 dão pistas sobre o que acontece na prática. Quando se trata de avaliação de impacto, 68% dos negócios explicam o propósito de impacto socioambiental na Missão, Visão e Valores Institucionais e somente 24% o fazem na comunicação institucional. Questionados sobre a definição de indicadores de impacto e o seu monitoramento, 31% afirmaram ter indicadores, porém admitiram que ainda não conseguem medir ou avaliar de maneira formal.

Tais números revelam a dificuldade da prática de avaliação de impacto no universo dos Nisa, apesar da sua relevância. Além disso, nos convidam a refletir sobre como podemos aproximar as expectativas dos investidores às reais evidências de impacto que os Nisa conseguirão entregar no cenário próximo.

É essencial centralizar a discussão em torno dos métodos e tipos de evidências mais eficazes para satisfazer as demandas e expectativas de empreendedores e investidores sociais. Barlach ressalta a importância de explorar alternativas metodológicas, enfatizando que “dependendo da organização e do projeto, outros desenhos são possíveis e até mesmo necessários”, o que sublinha a necessidade de adaptabilidade e inovação na escolha de abordagens para a avaliação de impacto, mas que atendam ao rigor metodológico exigido.

Da perspectiva dos investidores de impacto, esse é um caminho que se mostra possível, conforme afirmam Natália Cipoleta e Juliana Vilhena, do Fundo Vale. “Os fatores mais importantes quando tratamos dos negócios que investimos e como iremos cobrar deles o impacto gerado estão relacionados ao grau de maturidade, tempo e valor. Entendemos que os negócios têm um grau de maturidade e isso requer cuidado ao exigir as evidências de impacto (…). Os dois lados precisam ser levados em conta para encontrar o meio termo, ampliar a capacidade de melhoria do processo de coleta dos dados, apoiar a construção do processo da mensuração a partir da maturi- dade e dos acordos para que não seja uma pressão do outro lado, mas um processo de aprendizagem mútua.”

 

Uma abordagem mais qualitativa

 

Cada vez mais, os processos de avaliação de impacto precisam ir além das explicações causais e dos recortes estáticos temporais que dão suporte às afirmações sobre eficácia, eficiência, resultados e métricas relevantes a serem usadas pelo mercado. O impacto não deve ser reduzido a uma métrica, ou a um conjunto de métricas em si. Impacto significa mudança, transformação social, e esses fenômenos são fluídos. A abordagem qualitativa enriquece a análise de impacto social ao complementar os dados quantitativos, introduzindo uma perspectiva dinâmica que esclarece o significado por trás das métricas. A utilização de uma lógica mais qualitativa na avaliação de impacto pode preencher lacunas deixadas pela abordagem quantitativa, especialmente em termos de capturar as questões subjetivas do impacto social como mudanças comportamentais, empoderamento, qualidade de vida, entre outras, capturadas principalmente a partir da percepção dos indivíduos beneficiários do impacto. É justamente isso o que Barlach defende: “O olhar qualitativo complementa a avaliação, ajuda a explicar os resultados. A pesquisa qualitativa traz inovações para a avaliação, leva a sério sobre como a pessoa foi impactada. Dá razão à percepção do indivíduo sobre o impacto sofrido (…). Uma das coisas essenciais no nosso trabalho é ouvir e também considerar aquilo que a pessoa impactada acha que é importante para ela (…)”.

Para avaliar o impacto de forma qualitativa, destacamos técnicas fundamentais como:

i) entrevistas em profundidade que permitem explorar a subjetividade das experiências, percepções e sentimentos dos indivíduos, considerando o contexto em que estão inseridos;

ii) observação in loco que possibilita uma imersão no ambiente de intervenção, oferecendo insights sobre dinâmicas sociais e culturais;

iii) grupos focais que ajudam a entender percepções coletivas, revelando padrões culturais e relações interpessoais; ou ainda

iv) mapeamento de redes sociais que analisa as dinâmicas dos grupos, identificando como as conexões são construídas e compartilhadas e como o capital social é desenvolvido.

Essas técnicas suportam métodos como a etnografia, que imerge na cultura de um grupo, e as histórias de vida, que focam nas experiências e mudanças ao longo do tempo e que são a base das narrativas de impacto que pretendemos explorar logo a seguir. Tais métodos abrem espaço para uma visão holística e profunda do impacto social, especialmente quando se lida com intervenções de longo prazo, permitindo identificar as mudanças tangíveis e, além, as perspectivas de vida que os indivíduos apresentam.

Muitas organizações já fazem pesquisa qualitativa, através da etnografia ou condução de grupos focais para avaliação de impacto. Segundo Barlach, o Plano CDE utiliza o processo de avaliação para captar os insights fundamentais para dar sentido aos resultados identificados. Métodos qualitativos são usados no planejamento da avaliação, no que Barlach identifica como “a escuta fundamental” para conhecer os indivíduos que participarão da intervenção social. As percepções sobre os seus desejos, suas dores e suas motivações. “Quando definimos os indicadores que serão utilizados na avaliação posterior, precisamos também avaliar a partir dos critérios das pessoas que serão os beneficiários. As dimensões que eles consideram importantes.”

 

Indicadores não têm alma! Para medir a experiência é preciso ir além dos números: “mede-se a renda […] mas e a qualidade de vida? Muitas vezes a relação entre esses dois elementos não é tão  relevante em termos de incremento nominal, mas um pequeno aumento pode ter gerado um considerável impacto na vida das pessoas”

 

Já na fase final da avaliação, as técnicas qualitativas complementam os dados quantitativos dos projetos. Ainda segundo Barlach: “Para além das perguntas: se conseguiu um emprego, se a renda aumentou; focamos também na autopercepção: se o indivíduo agora sabe montar um currículo, se sente preparado para participar de uma entrevista de emprego, se sente competente ou confiante para tal (no caso de projetos voltados para empregabilidade)”.

A experiência na 60 Decibels também é parecida. Villamar relata que nos questionários de coleta de evidências de impacto não pode faltar uma pergunta central: “Como sua vida mudou?”. Villamar relata ainda que alguns clientes pedem para retirar uma pergunta tão aberta do questionário, porém ela contesta e explica: “Esta pergunta engloba todos os indicadores que estamos coletando (…). Para compreender o impacto real é fundamental a compreensão dos elementos que compõem o contexto da pessoa, sua história de vida, os aspectos culturais que a definem. É a necessidade de dar vida, rosto, nome a tais indicadores (…), existe sim a necessidade de ter dados padronizados (quantitativos), mas não se pode esquecer da necessidade de entender profundamente o contexto da pessoa, sua história de vida, os aspectos culturais que as constituem. O desafio é chegar ao meetpoint”.

Cipoleta e Vilhena também afirmam saber que “a mensuração mais simples é o dado autorreportado, e aqui há uma preocupação de rigor na coleta dos dados, mas também buscamos outras formas de coletar, como contar com uma terceira parte (empresa contratada). Buscamos desenvolver protocolos com indicadores, e também na coleta dos dados primários, fazemos entrevistas de percepção, feitas através da visita de campo”.

As técnicas e métodos qualitativos são indispensáveis para decifrar os significados por trás das experiências e interações humanas, sejam elas individuais ou coletivas. Como bem ressaltado por Villamar: “É preciso dar vida, rosto e nome aos indicadores”. Na nossa opinião, a avaliação de impacto deveria se fundamentar neste princípio.

 

Narrativas de impacto: uma nova proposta

 

O poder da história! Este foi o tema principal do American Evaluation Association (AEA) Meeting no ano de 2023. Este é um dos eventos mais tradicionais em avaliação, que reúne práticos e teóricos do mundo inteiro. O encontro de 2023 se debruçou sobre a relevância das histórias para compreender e comunicar cenários complexos no âmbito da avaliação. Como colocado por Corrie Whitmore, presidente da AEA: “Em cada estágio de uma avaliação, existe espaço para uma história. Elas dimensionam os dados e ajudam na definição de ações tangíveis (…) as histórias podem ser o combustível da avaliação”.

As histórias foram ressaltadas por todos os nossos entrevistados como relevantes para dar sentido aos números e facilitar a compreensão do impacto. Nas palavras de Renata Truzzi, diretora global de aceleração e impacto da NESsT: “A cada dois anos, a equipe vai a campo para entender as transformações que estão ocorrendo a partir das intervenções dos negócios que apoiamos (…). É uma escuta profunda que nós fazemos e, para mim, a melhor parte de todo o trabalho (…). Essas histórias de impacto dão sentido a tudo o que estamos construindo ao longo desses anos na NESsT”. Para isso propomos que, no âmbito da economia de impacto, os processos de avaliação integrem, para além dos números, a abordagem qualitativa dos dados, através das narrativas de impacto. As narrativas de impacto apresentam as perspectivas daqueles indivíduos centrais naquilo que é tão buscado pelos Nisa e os seus investidores.

 

Para avaliar o impacto de forma qualitativa, destacamos técnicas fundamentais como entrevistas em profundidade, observação in loco, grupos focais e mapeamento de redes sociais. Essas técnicas suportam métodos como a etnografia e as histórias de vida, que por sua vez abrem espaço para uma visão holística e profunda do impacto social

 

As narrativas são um método utilizado por pesquisadores e profissionais de avaliação ao longo das últimas décadas. As bases teóricas das narrativas se remetem ao método chamado The Most Significant Change (MSC), ou a mudança mais significante, visando colher informações sobre as mudanças essenciais relatadas por indivíduos que foram beneficiados em iniciativas sociais de diferentes naturezas. Já Kurtz propõe o método da Investigação Narrativa Participativa, que combina investigação narrativa com uma abordagem participativa e integra a contação de histórias, a autointerpretação dos contadores de histórias, a análise de dados quantitativos e qualitativos e a avaliação participativa. Kurtz buscou justamente desenvolver uma lógica de métodos mistos, ao combinar a análise de dados (quantitativos) com técnicas narrativas e participativas (qualitativas).

Para melhor compreender como aplicar o método, nos inspiramos na adaptação proposta por Zuchini, que o dividiram em cinco fases: planejamento, narração de histórias, catálise, criação de sentido e avaliação participativa. A partir dessas etapas, mesclamos os elementos de Zuchini com outros que consideramos fundamentais.

 

Do planejamento à avaliação participativa: um modelo para desenvolver narrativas

 

As cinco fases propostas na adaptação de Zuchini conduzem passo a passo à identificação dos efeitos da intervenção social, através de um processo conduzido pelo time responsável pela avaliação e que envolve os beneficiários do impacto almejado e outros stakeholders relevantes (investidores, atores locais ou comunitários e atores públicos e privados envolvidos nas intervenções planejadas). Baseado nessas fases, juntamos os elementos de Zuchini com outros que consideramos fundamentais e os apresentamos a seguir:

Fase 1 | Planejamento: ao aplicar o projeto ou intervenção, compreender o contexto, os indivíduos que fazem parte do contexto, determinar as ações que serão desenvolvidas e já fazer os contatos iniciais dos indivíduos que participarão da avaliação, bem como começar a elaborar os questionários de coleta de dados. O desenho de uma Teoria da Mudança auxilia na definição de uso de diferentes métodos que poderão ser parte da avaliação, complementares à narrativa de impacto.

Fase 2 | Narração das histórias: definição da equipe de campo, coleta das histórias de vida, autointerpretação das histórias pelos contadores, coleta das características dos contadores de histórias (beneficiários) e os dados sobre o objeto de estudo.

Fase 3 | Catálise: nesta fase, há o processo de análise do material coletado. O time examina as histórias e os dados usando técnicas que podem ser tanto quantitativas quanto qualitativas, para descobrir tendências e padrões sobre eventos e experiências das histórias, a autointerpretação dos contadores das histórias e o objeto de estudo, sempre levando em consideração as características dos indivíduos que contam suas histórias. É nesta fase que os insights das histórias de vida são extraídos.

Fase 4 | Sense-making ou criação de sentido: nesta fase se associam as percepções analisadas ao objetivo da avaliação, buscando fazer a relação das tendências e padrões identificados, bem como desenvolvendo os pressupostos para explicar essas relações.

Fase 5 | Avaliação participativa: a equipe de avaliação discute as hipóteses e a TdM com as principais partes interessadas e beneficiários do projeto para, em última análise, identificar o efeito do projeto. Aqui os analistas podem cruzar os dados quantitativos e melhor explicá-los com a personificação das histórias voltadas para os números.

O modelo de desenvolvimento de narrativas aqui apresentado serve como demonstração sobre os aspectos essenciais que devem ser considerados, mas ele não é o único. Há uma vasta literatura no campo da avaliação de políticas públicas e projetos sociais que oferece ricas fontes de conhecimento para serem exploradas pela economia de impacto. Neste sentido, a academia surge como um ator essencial na interlocução do entendimento e aplicação dos métodos e técnicas de pesquisa para o contexto da economia do impacto e os seus atores essenciais.

À medida que a demanda por uma compreensão mais profunda do impacto social cresce, as metodologias qualitativas se destacam como essenciais para captar a essência das experiências humanas. A academia, neste processo, assume um papel fundamental, impulsionando inovações e expandindo os horizontes da avaliação de impacto

 

O papel da academia

 

A academia, como epicentro de conhecimento e inovação, tem um papel pioneiro em muitas áreas. E, ao longo do tempo, tem influenciado o campo da avaliação de impacto de forma relevante. O fato de a lógica quantitativa ser a mais difundida no campo da avaliação de impacto diz respeito a uma influência direta da academia, dos pesquisadores da área e da disseminação do conhecimento gerado por estes. Inclusive nas áreas de administração e economia, que são algumas das disciplinas que mais contribuem e influenciam os temas de Nisa, investimentos de impacto e avaliação de impacto, o paradigma dominante utiliza uma lógica quantitativa.

De forma geral, nas ciências sociais, existem duas principais abordagens de coletar e analisar dados: quantitativa e qualitativa. Um fator que concede preferência à lógica quantitativa é a robustez, pois um método robusto traz confiabilidade aos resultados. Contudo, a lógica qualitativa, com seus métodos e técnicas já bastante testados e utilizados nas diversas áreas do conhecimento, também conceder robustez à avaliação de impacto, chegando a resultados igualmente confiáveis.

Assim, a partir das dificuldades práticas dos Nisa em avaliar impacto por uma lógica quantitativa, a academia também pode ajudar na escolha de outros caminhos, que combinarem diferentes abordagens de pesquisa e avaliação de impacto. A academia pode assumir um papel impulsionador da lógica qualitativa na avaliação de impacto, através da adequação e aprimoramento de técnicas qualitativas com foco em melhor avaliar o impacto, bem como no avanço para a criação de técnicas qualitativas inovadoras para esse fim.

Assim, a partir das dificuldades práticas dos Nisa em avaliar impacto por uma lógica quantitativa, a academia também pode ajudar na escolha de outros caminhos, que combinarem diferentes abordagens de pesquisa e avaliação de impacto. A academia pode assumir um papel impulsionador da lógica qualitativa na avaliação de impacto, através da adequação e aprimoramento de técnicas qualitativas com foco em melhor avaliar o impacto, bem como no avanço para a criação de técnicas qualitativas inovadoras para esse fim.

A academia pode ajudar a moldar o futuro da avaliação de impacto, através de linhas de atuação, como:

Fomentar pesquisas inovadoras e com rigor: a comunidade acadêmica pode liderar pesquisas que desafiem o status quo, propondo novas metodologias e abordagens para avaliar impacto ou aprimorando as existentes. As pesquisas acadêmicas, por natureza, se desenvolvem na base do rigor e da confiabilidade dos conjuntos de procedimentos usados, independentemente da abordagem: quantitativa ou qualitativa. Aproximar esses parâmetros com a prática da avaliação de impacto é, além de necessária, essencial.

Guiar práticas éticas: usar sua experiência na submissão de projetos de pesquisa ao escrutínio de comitês de ética. A assistência e a consequente experiência com relação às exigências desses comitês podem auxiliar na orientação de práticas éticas também na avaliação de impacto, assegurando a integridade e a responsabilidade na coleta, análise e interpretação de dados.

Harmonizar conhecimento teórico e prático: a academia pode atuar como ponte entre teoria e prática, dedicando conhecimento aplicado teórico na área da avaliação de impacto em capacitações de profissionais para a avaliação. Além disso, pode usar o campo prático como uma fonte rica de novos insights para propor melhorias nas abordagens de avaliação existentes, ou ainda propor novas, como mencionado no primeiro item.

 

À medida que a demanda por uma compreensão mais profunda do impacto social cresce, as metodologias qualitativas se destacam como essenciais para captar a essência das experiências  humanas. A academia, neste processo, assume um papel fundamental, impulsionando inovações e expandindo os horizontes da avaliação de impacto

 

À medida que a demanda por uma compreensão mais profunda do impacto social cresce, as metodologias qualitativas se destacam como essenciais para captar a essência das experiências humanas. A academia, neste processo, assume um papel fundamental, impulsionando inovações e expandindo os horizontes da avaliação de impacto. Esta evolução abre caminho para uma apreciação mais genuína do impacto social, influenciando políticas e práticas de maneira mais eficaz. A transição para abordagens qualitativas, reforçada pela valorização das narrativas de impacto, evidencia os efeitos reais das intervenções sociais. Essas narrativas não só sensibilizam stakeholders, mas também fornecem uma visão integral das transformações sociais, destacando o valor transformador dos investimentos de impacto.

As narrativas de impacto têm a capacidade de dar aos investidores de impacto a real dimensão sobre o poder transformador de seus investimentos, oferecendo novos elementos que poderão influenciar na comparabilidade para investimentos sociais. Como ressalta Barlach: “É inevitável não ter o número, mas é a história que marca a sua memória. É onde se compreende o impacto, onde se reconhece a importância do projeto (…). É preciso saber falar com o investidor, saber adequar as linguagens ao contexto do beneficiário e do investidor. Como combinar a linguagem? Como adaptar? Talvez as histórias de vida possam fazer essa ponte”.

As narrativas de impacto podem ser a ponte que dá sentido aos números exatos e que interconectam diferentes atores essenciais no desenvolvimento do ecossistema de impacto, cada um com seu papel: empreendedores, investidores, organizações estruturantes, entre outros. A sinergia entre métodos qualitativos e quantitativos, juntamente com a expertise acadêmica, constrói um entendimento mais completo do impacto, conduzindo a uma avaliação mais ética e eficiente no campo da avaliação de impacto.

OS AUTORES

Daiane Mulling Neutzling é professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Fortaleza. Líder do Núcleo de pesquisa em Estratégia e Sustentabilidade  (Ness). Trabalha com os temas de Ecossistemas de Empreendedorismo Social, Avaliação de impacto e Sustentabilidade em Cadeias de Suprimentos nas áreas da graduação, extensão e pesquisa. É  pesquisadora integrante da rede Academia ICE.

José Milton de Sousa-Filho é Professor Titular e Vice-Reitor de Pesquisa na Universidade de Fortaleza, onde realiza pesquisas nas áreas de  empreendedorismo, inovação e sustentabilidade. Ao longo dos últimos 15 anos tem desenvolvido projetos de empreendedorismo e inovação, inclusive com foco em impacto social, junto a  empresas, governos, ONGs, empreendedores e startups. É membro e conselheiro do Programa Academia ICE.



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