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O papel da academia nas inovações financeiras para impacto

Construir conhecimento acadêmico no ritmo em que a prática de investimentos com lentes de impacto avança trará inúmeros benefícios, entre os quais fortalecer ambos os campos

Por Samir Hamra

Nas últimas duas décadas, diversas inovações surgiram no mercado financeiro para permitir a alocação de recursos de acordo com o crescente interesse dos investidores privados pelo impacto social e ambiental de seus investimentos. No entanto, o fenômeno ocorreu de forma dispersa e independente em diversos países e mercados, tendo como consequência a baixa disseminação dessas inovações e o frágil desenvolvimento conceitual e da literatura acadêmica.

Esse contexto levou a alguns desafios. O primeiro é o fato de a oferta de produtos financeiros com orientação a impacto ainda estar muito aquém da demanda dos investidores, em especial quando considerados os diferentes perfis de risco e as expectativas de retorno ao longo do contínuo de capital. O segundo é que nem o mercado nem a academia conseguiram até o momento desenvolver um marco teórico que permita identificar de forma clara como o impacto pode ser levado em conta em um portfólio de investimentos que compreenda diferentes classes de ativos. Por fim, há um descompasso entre a literatura acadêmica sobre o tema e o ritmo do desenvolvimento de inovações que emergem da prática nesse campo, impedindo que as nuances sejam capturadas com precisão.

Este artigo apresenta uma breve revisão do desenvolvimento das práticas de investimento com lentes de impacto e da literatura acadêmica sobre o tema e fornece alguns exemplos de como a aproximação entre a pesquisa e a prática pode contribuir para o fortalecimento de ambas.

 

Investir com impacto

 

A alocação de recursos com o duplo propósito de gerar retorno financeiro e impacto social de ambiental encontra diversos precedentes históricos, como descrito por Colin Mayer e Alex Nicholls, mas a forma como tem sido feita nos últimos 30 anos a torna um fenômeno único. Isso se deve às características dos investidores e das organizações que recebem os recursos, aos montantes investidos e à diversidade de instrumentos financeiros utilizados. A seguir, traçamos o desenvolvimento de alguns desses movimentos e suas principais características.

 

ESG

A sigla ESG se refere a investimentos realizados segundo critérios ambientais, sociais e de governança (do inglês Environmental, Social and Governance). O uso do termo é relativamente recente e sua adoção cresceu de maneira significativa no Brasil e em outros países da América Latina a partir do início da pandemia de covid-19 em 2020, abarcando as definições mais antigas de investimentos socialmente responsáveis (SRI, ou socially responsible investing, em inglês) e investimentos sustentáveis.

A prática de SRI remonta à década de 1990, quando investidores europeus buscavam alinhar seus investimentos a seus valores religiosos. Com o tempo, disseminou-se entre aqueles que buscavam um maior alinhamento entre seu portfólio e seus valores éticos – não necessariamente ligados a alguma religião.

Os investimentos socialmente responsáveis hoje são mais comumente chamados de ESG com filtro negativo, ou negative screening, e têm como objetivo evitar ou minimizar os danos

gerados por um portfólio de investimentos com a exclusão de determinados ativos. A seleção do que sai do portfólio pode se dar com base em setores – por exemplo, o movimento crescente na última década pressionando fundos patrimoniais de grandes universidades nos Estados Unidos a vender seus ativos relacionados aos setores de carvão e petróleo, causadores das mudanças climáticas – ou em práticas empresariais, como a restrição a investimentos em empresas que tenham sido condenadas ou mesmo denunciadas por uso de trabalho forçado ou infantil em suas cadeias de valor.

A venture philanthropy tem sido um grande impulsionador das inovações financeiras para impacto, tanto por meio de novas estratégias de investimento quanto de novos instrumentos financeiros

 

Os anos 2000 presenciaram a criação da primeira agenda global de desenvolvimento, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ratificados por todos os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) na Declaração do Milênio. O estabelecimento de uma agenda comum para endereçar alguns dos desafios mais importantes do planeta provocou um movimento de investidores que buscavam alocar seus recursos de forma alinhada a esses objetivos e uma resposta correspondente de empresas de diferentes portes. A essa corrente deu-se o nome de investimentos sustentáveis, por conta de sua afinidade com a definição promovida pela ONU, segundo a qual desenvolvimento sustentável é aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”.

Os investidores hoje se referem mais comumente a essa prática como ESG com filtro positivo, ou positive screening. Ela consiste em investir em ativos e empresas que geram benefícios para diferentes stakeholders ou partes interessadas. Há diversos movimentos de empresas que buscam ir além da tradicional maximização de retorno aos acionistas e da redução de danos que caracteriza o ESG negativo e que procuram gerar benefícios para os diferentes stakeholders, como funcionários, sua cadeia de valor e o meio ambiente. Esses movimentos servem de baliza para as práticas empresariais e também como sinalização aos investidores que buscam adotar práticas de ESG positivo. Alguns exemplos são o Pacto Global da ONU e a certificação de Empresas B promovida pelo B Lab.

Muitas das empresas que estão buscando se alinhar aos critérios ESG – sejam positivos ou negativos – são grandes corporações listadas em bolsas de valores, e o interesse dos investidores levou a um aumento no número de fundos que adotam o termo ESG para comunicar sua política de investimento. A popularização do termo causou uma ampla variação no rigor com que fundos autodenominados ESG aplicavam o conceito a suas práticas de gestão, o que levou órgãos reguladores dos mercados públicos de ativos a propor regulamentações visando proteger os investidores de informações imprecisas e permitir um melhor alinhamento entre os seus interesses e as políticas de investimento dos fundos. União Europeia, Brasil e México são exemplos de mercados em que já existe uma regulamentação desse tipo, que segue evoluindo conforme o mercado amadurece.

 

Venture Philanthropy

 

Ao mesmo tempo que, nos anos 1990, inovações na prática de investimentos davam origem ao que viria a ser o ESG, surgia um outro movimento que buscava inovar a alocação de recursos filantrópicos. Batizada de venture philanthropy, a abordagem visa incorporar à filantropia algumas práticas características do mercado de venture capital, com o objetivo de ampliar o impacto dos recursos alocados e tornar duradouras as mudanças promovidas. Estratégias de venture philanthropy incluem a provisão de apoio não financeiro de forma articulada ao apoio financeiro, a medição dos resultados e impactos gerados pela iniciativa apoiada e a tomada de decisões baseada nessas evidências. Além disso, abarcam também a perspectiva de saída do investidor filantrópico, abrindo espaço para que a organização apoiada consiga acessar outras fontes de recursos ou diversificar as suas fontes de receita para não depender exclusivamente de doações. Nesta edição especial, o tema de venture philanthropy é abordado em maior profundidade no artigo. Por que a filantropia importa, de Pietro Rodrigues e Felipe Jukemura.

Ao aderirem a novas estratégias de financiamento, no entanto, as organizações filantrópicas de venture philanthropy identificaram a necessidade de novos instrumentos financeiros que permitissem um melhor alinhamento de suas intenções aos incentivos dados aos projetos apoiados. Embora as doações sigam sendo chave nas estratégias dessas organizações, esse movimento tem sido um grande impulsionador das inovações financeiras para impacto, tanto por meio de novas estratégias de investimento quanto de novos instrumentos financeiros.

A primeira rede de organizações dedicadas a promover as práticas de venture philanthropy na Europa surgiu no início dos anos 2000 com o nome de Associação Europeia de Venture Philanthropy (EVPA, na sigla em inglês) e foi rebatizada Impact Europe em 2023. Em 2014, o mesmo grupo de filantropos criou uma organização semelhante na Ásia, a Rede Asiática de Venture Philanthropy (AVPN, na sigla em inglês) e em 2020 surgem as irmãs mais novas dessa família de redes, a Associação Africana de Venture Philanthropy (AVPA) e a Latimpacto, está cobrindo a América Latina e o Caribe. A organização latino-americana reflete a maior maturidade do mercado no momento de sua criação e desde o início define como seu escopo de trabalho não apenas o conceito de venture philanthropy, mas também todo o contínuo de capital, que será abordado adiante.

 

Investimentos de impacto

 

O movimento mais recente daqueles que buscam alinhar seus investimentos à geração de impacto social e ambiental é o dos investimentos de impacto. O termo foi registrado pela primeira vez em um encontro promovido pela Rockefeller Foundation em 2007, com o objetivo de discutir inovação do financiamento ao desenvolvimento,6, 7 e hoje é definido como a alocação de recursos com o objetivo de resolver um problema social e ambiental, ao mesmo tempo que busca retorno financeiro.

Aqui, os investidores podem atribuir prioridades diferentes à geração de impacto e à  obtenção de resultados financeiros, o que cria duas categorias de investimento de impacto. Os investimentos que buscam retorno financeiro ajustado ao risco compatível com o mercado são conhecidos como finance-first ou com prioridade às finanças. Isso não significa que eles estejam menos comprometidos com a solução de problemas sociais ou ambientais, apenas que sua expectativa é ter um retorno semelhante ao que teriam com ativos comparáveis que não fossem focados em impacto.

 

O contínuo de capital foi proposto inicialmente para demarcar as fronteiras entre as diferentes formas de se alocarem recursos com objetivos paralelos de retorno financeiro e geração de impacto social e ambiental

 

Impact-first ou com prioridade ao impactosão os investimentos que aceitam  retorno financeiro menor ou maior tomada de risco em troca de mais impacto social e ambiental. Embora esperem retornos financeiros menores, esses investimentos não renunciam totalmente a eles – se o fizessem, seriam uma doação e poderiam ser entendidos como filantropia convencional ou venture philanthropy, a depender das outras características da alocação de recursos.

Desde que o termo foi criado, surgiram diversas instituições que promovem e articulam essa agenda em diferentes instâncias. A mais antiga delas é a Rede Global de Investimento de Impacto (GIIN, na sigla em inglês), criada em 2009 e que segue promovendo conexões entre detentores e gestores de recursos, além de produzir conhecimento relevante sobre o tema.

Alguns anos depois, em 2013, o governo  britânico, durante sua presidência do Grupo dos 8 (G8), que reúne oito dos países mais desenvolvidos e influentes do mundo, estabeleceu a Força Tarefa de Finanças Sociais. Liderada por Sir Ronald Cohen, um pioneiro dos mercados de venture capital e private equity nos Estados Unidos e no Reino Unido, a Força Tarefa tinha como objetivo catalisar o  desenvolvimento do mercado de investimentos de impacto, a partir da colaboração entre os setores público, privado, financeiro e filantrópico. Para fazê-lo, contava com Conselhos Consultivos Nacionais  (NABs, na sigla em inglês), em cada um dos países participantes.

Inspirados por esse movimento, pioneiros do investimento de impacto no Brasil criaram sua própria Força Tarefa de Finanças Sociais em 2014, sob a liderança do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE). Em 2015, esse  movimento ganha sua independência do G8 e passa a incluir países em desenvolvimento, incorporando a iniciativa brasileira. Sua instância global de articulação passa a ser o Grupo de Articulação Global sobre Investimentos de  Impacto (GSG, do inglês Global Steering Group), que hoje conta com representação de mais de 40 países, sendo 13 da América Latina e do Caribe. Seguindo uma tendência global, em  2018 a Força Tarefa de Finanças Sociais do Brasil é rebatizada Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto.

Para nos referir aos diferentes movimentos  de investidores descritos anteriormente (ESG, investimento de impacto e venture philanthropy) de forma agregada, usamos o termo “investimentos com lentes de impacto”.

 

O contínuo de capital 

 

O contínuo de capital, também chamado de espectro de capital, apresenta as abordagens de ESG, investimento de impacto e venture philanthropy como matizes entre os investimentos  financeiros convencionais, puramente focados em retorno financeiro, e a filantropia convencional, voltada para a geração de impacto social e ambiental. Apresentado pela primeira vez no relatório de 2014 da Força Tarefa de Finanças Sociais do G7,8 a ferramenta  foi reformulada substancialmente no relatório do NAB do Reino Unido de 20179 e, desde então, foi adaptada e modificada sutilmente para se adequar às características e necessidades de diferentes organizações.

O contínuo de capital foi proposto inicialmente para demarcar as fronteiras entre  as diferentes formas de se alocarem recursos com objetivos paralelos de retorno financeiro e geração de impacto social e ambiental. No entanto, nos últimos anos, tem crescido o entendimento de que investidores podem obter melhores resultados se tiverem seu portfólio distribuído ao longo do contínuo. O contexto em que surge e se desenvolve cada uma de suas categorias faz com que cada uma delas seja  mais aderente a classes específicas de ativos. É mais comum, por exemplo, que a nomenclatura ESG seja utilizada por grandes empresas listadas em bolsas de valores e pelos fundos que nelas investem, que os investimentos de  impacto tenham uma predominância maior de fundos de venture capital e que estratégias de venture philanthropy sejam utilizadas para investir em negócios em estágios muito iniciais ou naqueles com pouco potencial de retornos exponenciais, como os de base comunitária.

Essa relação é conjuntural e não normativa. É  saudável que se busque o desenvolvimento de produtos financeiros em diversas classes de ativos em cada uma das categorias do contínuo. Da mesma forma, espera-se que os investidores tenham seus ativos distribuídos ao longo do contínuo, de forma a melhor diversificar seu portfólio. Essa perspectiva tem sido adotada  por detentores de recursos (asset owners) de diferentes perfis, incluindo corporações, fundações e famílias de alto patrimônio.

Apesar de sua relevância para a prática dos investimentos com lentes de impacto, o contínuo de capital não tem o mesmo reconhecimento na literatura acadêmica sobre o tema.

 

A literatura acadêmica

 

Há duas correntes principais de pesquisa acadêmica sobre os investimentos com lentes de impacto. A primeira nasce no âmbito dos estudos sobre empreendedorismo social e a segunda, do campo das finanças e do investimento socialmente responsável (SRI).

A pesquisa sobre investimentos com lentes de impacto que emerge do estudo do empreendedorismo social é de natureza essencialmente empírica. Seus objetivos mais comuns são a definição das fronteiras conceituais do campo, com especial atenção ao investimento de impacto, bem como a investigação de diferentes aspectos da relação entre investidores e os negócios sociais em que investem. Trabalhos mais teóricos reconhecem que as organizações que atuam nesse tema chegam a ele vindas de diferentes perspectivas, tanto a partir do empreendedorismo como dos investimentos, o que leva a uma disputa pela legitimidade do conceito e pela ideologia de campo que guia essa área emergente de pesquisa e de prática.

A literatura acadêmica sobre investimentos com lentes de impacto no campo do empreendedorismo social tende a referir-se a “investidores de impacto” como os gestores de recursos – em geral, fundos de venture capital – que alocam capital de terceiros em empreendimentos sociais. Isso se justifica pelo fato de que os empreendimentos têm papel central nesse campo de estudo e os fundos desempenham o papel de investidores em sua relação com eles. No entanto, seria mais preciso descrever os fundos como gestores de recursos ou agentes dos investidores, uma vez que os detentores de recursos (asset owners) alocam seu capital nesses fundos e em uma série de outros ativos, que podem ou não ter orientação a impacto. Um fenômeno semelhante ocorre na literatura acadêmica sobre o tema no campo de finanças.

 

Na última década, diversos artigos acadêmicos buscaram incorporar o impacto em modelos de tomada de decisão de investimentos e até otimizar esses modelos para maximizar o impacto

 

Pesquisadores da área de finanças têm estudado os investimentos com lentes de impacto há algum tempo, principalmente os investimentos socialmente responsáveis (SRI), que mais tarde foram incorporados por profissionais do campo à categoria de investimentos ESG, mas se mantêm como um campo à parte na pesquisa acadêmica. A literatura que parte dessa perspectiva em geral tem como objeto de estudo veículos de investimento ou classes de ativos específicos – por exemplo, buscando diferenças entre os investidores de um fundo orientado a impacto e um fundo tradicional gerido pela mesma empresa.

Os poucos estudos nessa vertente que adotam uma perspectiva de portfólio não distinguem as diferentes categorias apresentadas na seção anterior, como o fazem profissionais do campo, ou as consideram de maneira indistinta como “preferências e gostos do investidor”. Uma exceção notável nesse sentido é o trabalho de Carroux e colegas, que identificaram que indivíduos de alta renda que investem com lentes de impacto atribuem diferentes potenciais de impacto a seus ativos alocados segundo critérios SRI, ESG e de investimentos de impacto.

Há similitudes importantes entre as abordagens ESG e de investimento de impacto que justificam, em alguns casos, seu estudo como um fenômeno indistinto. Ambos podem ser considerados comportamentos pró-sociais, que aumentam a utilidade não pecuniária dos investidores. Em alguns casos, parece haver uma confusão genuína dos autores com relação aos termos – por exemplo, no uso da sigla SRI para se referir a investimentos “sustentáveis, responsáveis e de impacto”, o que não é a prática corrente. No entanto, a maioria dos profissionais do campo e alguns acadêmicos consideram os investimentos SRI ou ESG e os investimentos de impacto como fenômenos essencialmente diferentes e percebem qualquer confusão intencional entre eles como purpose-washing, ou seja, uma tentativa de exagerar ou enganar o público no que diz respeito ao propósito dos investimentos.

Nos últimos dez anos, diversos artigos acadêmicos buscaram incorporar o impacto em modelos de tomada de decisão de investimentos e até otimizar esses modelos para maximizar o impacto. Ainda assim, há divergências importantes entre esses modelos acadêmicos e a literatura direcionada a profissionais do campo. A primeira delas é que a literatura acadêmica, em sua maioria, parte da premissa de fungibilidade do impacto, ou seja, que os investidores não se preocupam com o setor em que estão gerando impacto (se em acesso à moradia ou conservação da biodiversidade, por exemplo) nem com as estratégias usadas para tal (por exemplo, se a construção de novas moradias, reformas em moradias ou acesso a financiamento habitacional), o que aponta na direção contrária dos estudos realizados por profissionais do campo.

A segunda divergência importante é a premissa assumida em parte considerável da literatura acadêmica de que as estratégias usadas por investidores para gerar impacto a partir do seu portfólio são estáticas, ainda que a própria literatura acadêmica sobre finanças apresente evidências de que as experiências de investidores com um setor influenciam suas decisões de investimento futuro e que os investidores aprendem com seus pares e ajustam suas estratégias a partir disso.

Por sua vez, a literatura profissional poderia se beneficiar de maior interação com a academia, uma vez que suas recomendações nem sempre estão alinhadas às descobertas de estudos acadêmicos rigorosos. Um exemplo disso é a sugestão de que investidores separem uma parte do seu portfólio para ser investida com lentes de impacto,28 uma estratégia conhecida como carve-out. Essa abordagem contraria o achado de um estudo científico que demonstra que os investidores maximizam seus resultados sociais ou ambientais ao adotar lentes de impacto ao longo de todo seu portfólio, em vez de pensar em impacto como uma categoria distinta de ativos.

O estudo de estratégias de impacto de maneira transversal em um portfólio de investimentos tem aumentado, bem como a adoção dessa perspectiva por profissionais do campo, mas ainda há muito que se fazer nessa direção. O contínuo de capital é um recurso heurístico adotado com frequência cada vez maior para entender essa abordagem transversal, ainda que não tenha sido abordado de maneira explícita pela academia.

A perspectiva de portfólio convida à inovação em produtos financeiros ao longo do contínuo de capital, com perfis de risco e expectativas de retorno variados, bem como ao desenvolvimento de abordagens transversais que facilitem a alocação de recursos com impacto de forma diversificada, sem abrir mão da comparabilidade entre diferentes classes de ativos. Essas inovações podem ser entendidas de várias maneiras, algumas das quais são exploradas nesta edição especial:

Quem investe: papel de recursos filantrópicos para o fortalecimento dessa visão e desenvolvimento de instrumentos financeiros inovadores, temas abordados por Pietro Rodrigues e Felipe Jukemura.

Como investe: a mensuração e gestão de impacto ao longo do contínuo de capital e como a academia pode contribuir com essas práticas, discutidas no artigo de Katianny Estival e no de Daiane Neutzling e Milton Souza.

Em que investe: temas que têm atraído recursos de diferentes partes do contínuo de capital e como lidam com isso, como a bioeconomia na Amazônia, desenvolvidos no artigo de José Augusto Lacerda Fernandes e Graziella Comini, e o combate à desigualdade de gênero, exposto nos artigos de Maira Petrini e Ana Clara Souza.

 

A importância da colaboração

 

Um tema emergente na prática de investimentos com lentes de impacto é a colaboração entre atores de diferentes partes do contínuo para maximizar o impacto e atender aos objetivos de ambos. Investidores de impacto impact-first e organizações que realizam venture philanthropy têm um papel importante na provisão de recursos flexíveis capazes de atrair investidores de impacto finance-first, fundos ESG e até investidores convencionais para operações que geram um impacto social e ambiental relevante e que, de outra maneira, não conseguiriam acessar esses recursos. Esses aportes combinados podem acontecer dentro de uma estrutura de blended finance ou usando  instrumentos de capital catalítico mais simples, como no caso do Portfólio ICE.30 Da mesma forma, recursosfilantrópicos convencionais e  de venture philanthropy podem ser usados para viabilizar inovações em produtos financeiros de impacto.

A colaboração também é importante para fomentar a produção de conhecimento sobre esse campo em formação: colaboração entre academia e prática, para permitir a construção de conhecimento no ritmo em que a prática avança e para garantir a contribuição do conhecimento científico rigoroso nas inovações produzidas pelos profissionais do campo; colaboração entre acadêmicos de diferentes áreas de estudo e de diferentes países, para que possam acessar mais facilmente os recursos teórico-metodológicos necessários para o entendimento de um campo transdisciplinar; e colaboração entre organizações filantrópicas com agendas distintas, mas convergentes, para viabilizar essas aproximações, como estamos fazendo nessa iniciativa conjunta entre Fundação José Luiz Egydio Setúbal, ICE e Latimpacto.

 

O AUTOR

Samir Hamra é codiretor de conhecimento na Latimpacto, onde desenvolve e dissemina ferramentas para que recursos direcionados ao impacto sejam alocados de forma mais eficiente na América Latina. Ao longo dos últimos dez anos tem apoiado empresas, empreendedores, investidores e organizações filantrópicas no fortalecimento de suas estratégias de impacto. É pesquisador do Ceats-USP e aluno de mestrado na FEA-USP.



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