Imprimir artigo

Encerrando em grande estilo

Fundações podem decidir gastar seus recursos até o fim e, com isso, deixar um legado duradouro e impactante

Por Alice Hengevoss e Georg von Schnurbein

(Ilustração por David Plunkert)

Fundações que têm um endowment podem se dar ao luxo da vida eterna, se assim desejarem. De fato, muitos no setor filantrópico acreditam que fundações devam existir para sempre. Mas mesmo os que partilham desse ponto de vista muitas vezes reclamam que elas dediquem muito pouco a doações. Fundações filantrópicas investem grande parte de seus endowment para obter retornos – quanto maiores, melhor. E, às vezes, esses investimentos acabam fomentando os problemas que a fundação busca sanar.

Especialistas em legislação pressionam por regras que façam as fundações pagarem mais. São batalhas longas, às vezes sem vencedor. Diante dos desafios sociais em série, como a mudança climática, a desigualdade econômica galopante e a migração forçada, muitos doadores e conselhos reconhecem que as fundações devem fazer mais. Um modo de fazer isso é zerar deliberadamente seus recursos e encerrar as atividades.

Muitos no setor filantrópico resistem a essa solução. Eles veem a morte organizacional como derrota. Isso contradiz a ideia fundamental de que organizações devem ampliar suas funções, não encerrá-las. No entanto, optar por fechar uma organização pode, de fato, melhorar seu funcionamento. Ter um prazo final determinado é um incentivo potencial à reavaliação e à reorientação estratégica, levando a um maior impacto.

 

Mortal, afinal

 

Historicamente, as fundações adotam a ideia de perpetuidade – uma entidade pretende que seu legado perdure por muito tempo após a morte de seu fundador. No entanto, a realidade que verificamos é bem diferente: com base em nossa pesquisa, feita com entidades na Suíça, o tempo médio de vida de uma fundação é de cerca de 20 anos. A maioria das fundações no país foi criada nos últimos 30 anos, em um período de crescente riqueza privada. Número similar se estabeleceu na Alemanha, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Ao contrário do clichê de que essas organizações são eternas e imutáveis, o setor se mostra dinâmico e sujeito a constantes mudanças. A única questão é se as mudanças são planejadas ou fruto do acaso.

Ainda que a longevidade de muitas dessas entidades mal se compare à duração da vida dos seres humanos, muitos conselhos de fundação veem suas organizações como imortais. É uma atitude que contribui para a crítica corrente de que fundações estão estagnadas, têm um ritmo de funcionamento imperturbável e não alcançam impacto. Se uma fundação vive para sempre, mas não consegue criar impacto social em um determinado ano, ela sempre pode fazê-lo no ano seguinte, ou na próxima década, ou na década seguinte. Pior ainda, se uma fundação ignora todos os retornos e mantém apenas o valor nominal de seu endowment, ela perde valor ao longo do tempo. Em última análise, a fundação pode se tornar pequena demais para cumprir seu propósito original e ir à falência. Desde a crise financeira global de 2007-08, que levou a taxas de juros baixas ou mesmo negativas, o número de falências desse tipo na Suíça quadruplicou.

 

Encerramentos ajudam o capital filantrópico das fundações a fluir de volta para a sociedade, de modo a abordar as questões urgentes de nossos tempos

 

Quando existe uma cláusula de caducidade para o endowment, o conselho é obrigado a gastar os fundos em um período predeterminado – muitas vezes já definido no nascedouro. No caso da One Foundation, na Irlanda, o prazo foi de dez anos; no da Fundação Mava, na Suíça, fixou-se em 30 anos. Outras fundações mudam do regime de perpetuidade para o de caducidade e passam a gastar em níveis mais elevados para que o capital seja consumido mais rapidamente. A Fundação Gebert Rüf, na Suíça, tomou a decisão de encerrar em 2012 e agora está chegando aos seus últimos anos, tendo aumentado seu dispêndio anual em 50%. À medida que a data final se aproxima, os membros do conselho e os líderes têm de pensar em como criar um fim significativo.

Usando vários estudos de caso sobre o fim de fundações na Irlanda, na Suíça, no Reino Unido e nos Estados Unidos, identificamos diferentes estratégias para que encerrem atividades sem problemas e com sucesso. Conversamos com representantes e identificamos diferentes gatilhos que levaram à decisão de extinguir uma fundação. Internamente, as motivações mais comuns são uma promessa feita pelo fundador ou uma decisão da diretoria pelo fim. Entre os gatilhos externos, estão circunstâncias econômicas ruins, como a grande recessão de 2007-09, ou necessidades sociais urgentes, como as desencadeadas pela covid-19, que exigem desembolsos mais altos.

Além disso, a estratégia de encerramento pode se fundamentar em uma visão com base nos recursos ou em uma avaliação de necessidades. A abordagem baseada em recursos começa olhando para os ativos restantes e traça estratégias para seu gasto. Sob essa perspectiva, a fundação primeiro definirá um plano financeiro para seus anos finais e, em seguida, decidirá qual impacto ele permite alcançar. A visão centrada em avaliar necessidades, por outro lado, visa detectar as demandas mais importantes dos beneficiários e oferecer o máximo de apoio possível com os fundos restantes. Como as necessidades detectadas podem variar, a fundação terá que selecionar os beneficiários mais alinhados com o impacto que vise obter.

 

Definir o fim

 

Os aspectos mais relevantes de um encerramento significativo são legado, prazo e gestão de stakeholders. O fim de uma fundação não é uma morte súbita; sua influência continua viva depois que ela encerra suas operações.

O fulcro de qualquer decisão estratégica é ter claro qual é o legado que se pretende deixar. Uma abordagem possível é nutrir o ecossistema filantrópico de modo a que os parceiros consigam sustentar o impacto da fundação muito além de seu fim. Outra forma é que o legado seja pensado sob medida para as necessidades atuais dos parceiros.

Diante de uma recessão, por exemplo, a fundação pode dotar seus parceiros com fundos suficientes para sobreviver por dois anos, de modo que consigam superar os tempos difíceis e encontrar apoio de novos doadores. Um encerramento bem-sucedido expande o legado além da vida da fundação por meio da capacitação dos parceiros. Ajudá-los a se desenvolverem é fundamental para que a influência seja duradoura. A comunicação clara, desde que a fase de encerramento se inicia até que caia o pano, é parte da construção do legado. O balanço final do impacto da fundação pode servir de modelo a outros atores filantrópicos.

Em muitos casos, os parceiros se assustarão ao saber do encerramento – em especial, os que dependem financeiramente dela. Portanto é fundamental manter a transparência e a consistência da comunicação desde o início. O tempo dos devidos comunicados é parte do planejamento.

De modo geral, o encerramento vai de cinco a dez anos. Uma vez definido, esse cronograma vai determinar quais projetos em andamento serão concluídos e quais novos projetos podem ser realizados. Ele permite o planejamento dos recursos humanos e não humanos necessários para o bom funcionamento nos anos finais. O cronograma também deve contemplar o tempo para a fundação tirar seus ativos de quaisquer investimentos, a fim de ter um capital definido para esgotar. É claro que fundações que decidem se extinguir em resposta a urgências externas têm menos tempo para planejamento. No entanto, tomar as decisões gerenciais, financeiras e jurídicas necessárias com antecedência é essencial para um bom encerramento.

Escolher o fim afeta muitos stakeholders, principalmente os parceiros que recebem fundos e a equipe da fundação. Parceiros possivelmente desejarão estender ao máximo a relação, enquanto membros da equipe tenderão a sair mais cedo em busca de novas oportunidades de trabalho. A fundação, porém, precisará de alguém para fechar as portas. Sem seus funcionários, seus negócios vão acabar antes do fim. Portanto, os líderes devem dar atenção especial ao bem-estar dos colaboradores e oferecer soluções flexíveis para suas futuras carreiras. Entre os preparativos para essa transição, podemos listar coaching, treinamento profissional e horários de trabalho flexíveis. Os membros da equipe podem passar para uma nova posição com redução de carga horária, enquanto terminam o trabalho restante. Nos anos finais, a fundação precisa de pessoal com qualificações específicas. Muitas entidades requerem mais recursos humanos para gerenciar a carga de trabalho extra na fase final.

Para os parceiros, perder as doações pode ameaçar sua existência. Por isso, é preciso avaliar a situação de cada um deles separadamente e com cuidado. Continuar a investir recursos limitados em uma determinada organização pode não fazer sentido, mas cortar o apoio muito cedo pode levar à sua dissolução. Haverá decisões difíceis a tomar. Nem todos os parceiros serão adequados à estratégia de encerramento escolhida e, portanto, a fundação pode preferir adotar novos parceiros para os anos finais.

Na fase final, a fundação pode querer contar com os parceiros não apenas como beneficiários, mas também como aliados na comunicação sobre o encerramento e o legado previsto. Isso cria conscientização e alavanca o impacto social por mais tempo, após o apagar das luzes.

Planejar o fim é, em última análise, fazer uma reorientação estratégica e adotar um novo impulso para amplificar o impacto da fundação ao longo de seus últimos anos. Encerramentos ajudam o capital filantrópico das fundações a fluir de volta para a sociedade, de modo a abordar as questões urgentes de nossos tempos. A perenidade não está na fundação em si, mas no seu legado e no impacto social que gera.

OS AUTORES

Alice Hengevoss é chefe de pesquisa aplicada do Centro de Estudos de Filantropia da Universidade de Basileia, Suíça.

Georg von Schnurbein é professor titular e diretor fundador do Centro de Estudos de Filantropia da Universidade de Basileia, Suíça.



Newsletter

Newsletter

Pular para o conteúdo