Inovação social para trazer a floresta de volta
A restauração é fundamental mas, para alcançar uma mudança transformacional duradoura, é necessário ampliar a visão e tratá-la como um processo integrado dentro de sistemas socioecológicos mais amplos
Por Mariana Oliveira
Atender às necessidades sociais, estabelecer novas relações e formar colaborações são pontos-chave para criar soluções que promovam tanto a recuperação ambiental quanto o fortalecimento das comunidades locais. Tal processo está em curso na Amazônia, expandindo o acesso a recursos e oportunidades e impulsionando mudanças sistêmicas. Cabe aos diferentes setores integrar essas inovações, desenvolvendo abordagens que atendam a diversas necessidades de investimento e que ofereçam benefícios compartilhados.
A promoção de ações e incentivos para restauração de áreas degradadas não é tema novo para a sociedade. Existem relatos da utilização de diferentes abordagens e técnicas sendo utilizadas no Brasil que remontam ao início da colonização no país¹ e que demonstram a intencionalidade por parte do proprietário da terra, da comunidade ou mesmo do governo para que ela aconteça.
Na Amazônia, povos originários já desenvolviam técnicas para conservar e enriquecer a floresta para a produção de espécies alimentícias, aumento da disponibilidade de produtos madeireiros e não madeireiros para sua sobrevivência.
Nesse sentido, é importante reconhecer que as diferentes abordagens, técnicas, modelos e o desenvolvimento dessa agenda de uma forma mais estruturada passam por avanços tecnológicos e, dada sua importância, por uma compreensão das ciências sociais e ecológicas.
O Brasil ocupa um papel de destaque em diversos acordos e compromissos globais das agendas climáticas e de conservação, e com metas de restauração já desenhadas, bem como planos para garantir avanços e assim alcançar os objetivos estabelecidos.² Além disso, o país apresenta, historicamente, sofisticadas políticas de conservação e relativo sucesso na redução das taxas de desmatamento na Amazônia no passado recente.³ Por outro lado, a Amazônia Legal e sua economia atual ainda é deficitária nas transações comerciais e excedente em emissões, com transações altamente intensivas em carbono.4 Evitar a perda de florestas é a prioridade absoluta. Porém ações que busquem ampliar e acelerar a restauração são necessárias. Seja sob a perspectiva das populações locais, como parte do reconheci mento de seus meios de vida e para a melhoria da produtividade das propriedades e geração de renda, seja sob a égide econômica, viabilizando mercado para diferentes cadeias produtivas e valorizando ativos ambientais do país. Ou ainda sob a ótica climática, na qual o país busca neutralidade de suas emissões, além do cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN) (Lei 12.651/2012). Ou seja, razões para restaurar não faltam. Mas e as motivações?
Na Amazônia, temos o exemplo do caso do estado do Pará, que instituiu a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas (PEMC) (Lei 9048/2020), seguida do Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA) e do Plano de Recuperação da Vegetação Nativa (PRVN–PA) para apoiar na mobilização de esforços para implementação da restauração em larga escala.5 Nele, considerando o processo de desenvolvimento, ficou demonstrado que uma das formas de motivar a agenda no estado é também aumentar a participação social na agenda de recuperação da vegetação nativa, garantindo a inclusão social, ampliando esforços de comunicação com foco em agricultores, população urbana, credores, líderes de opinião, tomadores de decisão e Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais (PI T s). Esse é também um espaço para impulsionar a inovação social.
As experiências da Aliança pela Restauração da Amazônia já demonstram que essa mobilização de esforços e a alavancagem de recursos para a restauração é essencial para promover avanços.6 O Brasil tem políticas públicas que obrigam e incentivam a restauração, além de compromissos e metas assumidos nacionalmente. Explorar suas conexões para motivar e sustentar estruturas de governança para implementação são dimensões sociais cruciais.
A restauração é fundamental para a recuperação e sustentação dos sistemas socioecológicos. Porém, para alcançar uma mudança transformacional duradoura é necessário ampliar a visão, tratando a restauração não apenas como projeto isolado, mas também como um processo integrado dentro de sistemas socioecológicos mais amplos.7
E então chegamos no ponto: os atores querem restaurar. preciso restaurar. Recursos (financeiros, humanos, biológicos, entre outros) são necessários. Para que as ações de restauração sejam efetivas, é fundamental garantir a proteção das áreas restauradas contra incêndios e fatores degradantes, além de implementar um monitoramento eficaz que assegure o sucesso das iniciativas. A conexão entre restauração e inovação social se torna essencial para criar soluções que promovam tanto a recuperação ambiental quanto o fortalecimento das comunidades locais.
Atender às necessidades sociais, estabelecer novas relações e formar colaborações torna-se chave nesse processo. O processo está em curso, impulsionando mudanças sistêmicas. Cabe aos diferentes setores integrar essas inovações, desenvolvendo abordagens que atendam a diversas necessidades de investimento e que ofereçam benefícios compartilhados.
O mapeamento de paisagem social da restauração é um esforço importante para reconhecer, quantificar e qualificar a extensão da oportunidade de inovação social no âmbito da restauração. Esse mapeamento, prestes a ser lançado pela Aliança pela Restauração da Amazônia, emerge como uma ferramenta essencial para compreender e abordar as complexas interações entre os aspectos sociais, políticos, econômicos, ambientais e culturais. Permite também compreender o número de organizações envolvidas e trazer contribuições para lidar com a densidade de suas conexões.
Ao entender os diferentes atores envolvidos na restauração, suas redes de colaboração e os desafios enfrentados, será possível identificar oportunidades para fortalecer a governança e promover mudanças estruturais para o desenvolvimento da região. Compartilhar conhecimento, habilidades e valores é fundamental para fomentar a inovação e a resolução colaborativa de problemas. Um exemplo é o Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis,8 do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que exemplifica como esforços coordenados podem gerar impactos significativos – inclusive na Amazônia.
Ao combinar as demandas, vivência e a luta das famílias rurais com expertise técnica e científica com diferentes organizações, exemplo que acontece na região metropolitana de Belém, trabalham em conjunto para restaurar florestas degradadas e promover a produção de alimentos saudáveis. Essa abordagem não apenas fortalece a capacidade coletiva, mas também fomenta a criação de um modelo replicável que integra, por exemplo, a regeneração natural assistida e os sistemas agroflorestais, ampliando o alcance das iniciativas de restauração e beneficiando diretamente as comunidades envolvidas.
A Rede de Sementes do Portal da Amazônia e a Associação Rede de Sementes do Xingu são exemplos de organizações envolvidas na coleta de sementes e restauração ecológica na Amazônia brasileira. Elas concentram-se em atividades como a coleta, distribuição e uso de sementes nativas para projetos de restauração, promovendo a colaboração entre comunidades, ONGs e outros atores.
Estudo lançado recentemente9 mostra que essas redes são instrumento eficiente para conectar organizações de múltiplos interesses ligados às sementes nativas com demandas sociais e o conhecimento ecológico de comunidades tradicionais e grupos marginalizados. O aprendizado social e a ação coletiva – considerado inovação social – promovidos por essas redes têm estimulado um intenso fluxo de troca de conhecimento, cooperação para ações políticas e execução de projetos, ativando a capacidade de agência local.
A conexão da agenda da restauração com a bioeconomia também não pode ficar de fora dessa abordagem, considerando que ela deve se ajustar à biocapacidade do bioma, desenvolvendo-se a partir de atividades econômicas que não quebrem os complexos equilíbrios ecológicos que garantem a saúde da floresta e dos rios e unam tradição e inovação.10 E, portanto, da cadeia do açaí ao cacau, passando pela andiroba, uxi ou qualquer outro produto da biodiversidade, assegurar o protagonismo dos arranjos locais, ao menos na produção e escoamento da matéria-prima, garantindo a alta capacidade de gerar empregos e renda, é chave para investidores interessados na Amazônia.
Vale dizer que a inovação não vem só vinculada a produtos, mas também a processos e técnicas. Os esforços recentes de encorajar a adoção e o incentivo da regeneração natural assistida como abordagem inovadora para os proprietários de terras podem ser chave na escalagem da restauração e no engajamento dos diferentes setores.
É conhecido que a taxa de adoção de uma inovação, que é o caso da restauração, está ligada, no geral, à compatibilidade com os valores, convicções e experiências passadas de indivíduos no âmbito do sistema social.11 Que tal trabalhar para fornecer contribuições e direcionamentos práticos para a implementação de políticas e programas mais eficazes, com potencial para impactar positivamente a agenda da restauração na Amazônia e contribuir para os objetivos de sustentabilidade ambiental e socioeconômica do bioma e sua população?
NOTAS
¹ Hanson, C. et al. The Restoration Diagnostic: A Method for Developing Forest Landscape Restoration Strategies by Rapidly Assessing the Status of Key Success Factors. p. 96, 2015. https://www.wribrasil.org.br/publicacoes/diagnostico-da-restauracao.
² Adams, Cristina et al. Governança da restauração florestal da paisagem no Brasil: desafios e oportunidades. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 58, p. 450-73, 2021.
³ Pinto, L. F. G. et al. Governance lessons from the Atlantic Forest to the conservation of the Amazon. Perspectives in Ecology and Conservation, v. 21, n. 1, p. 1-5, 2023.
4 Nobre, C. A. et al. (2023) Nova Economia da Amazônia. São Paulo: WRI Brasil. Relatório. Disponível em: <www.wribrasil.org. br/nova-economia-da-amazonia>.
5 Pará. Plano de Recuperação da Vegetação Nativa do Estado do Pará (PRVN-PA). –Belém: SEMAS, 2023. Disponível em: <https://semas.pa.gov.br/prvn/upload/pdf/relatorio-completo-PRVN-versao03.pdf>.
6 Aliança pela Restauração na Amazônia. Panorama e Caminhos para a Restauração de Paisagens Florestais na Amazônia. Position paper: 16p. 2020. ISBN 97865-00-12760-7. Disponível em: < https://aliancaamazonia.org.br/wp-content/uploads/2020/12/PAPER_ALIANCA_2020_01.pdf>.
7 Tedesco, A. M. et al. Beyond ecology: ecosystem restoration as a process for social ecological transformation. Trends in Ecology & Evolution, v. 38, n. 7, p. 643-653, 2023.
8 https://mst.org.br/especiais/plantar-arvores-produzir-alimentos-saudaveis/
9 Padovezi Aurelio et al. Native seed collector networks in Brazil: Sowing social innovations for transformative change. People and Nature, 2024.
10 Costa, F. A. et al. (2022). Uma bioeconomia inovadora para a Amazônia: conceitos, limites e tendências para uma definição apropriada ao bioma floresta tropical. São Paulo: WRI Brasil. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/publicacoes/uma-bioeconomia-inovadora-para-amazoniaconceitos-limites-e-tendencias-para-uma
11 Rogers, E. M. Diffusion of Innovations. London: SAGE Publications Ltd., ed. 5, 2003.