Conhecer as peças, planejar os encaixes
A complexidade dos desafios socioambientais da Amazônia exige soluções financeiras inovadoras, como o blended finance, que emerge como ferramenta estratégica para mobilizar e otimizar o capital em prol da sociobioeconomia
Por Marco Gorini
M aior bioma do planeta, a Amazônia enfrenta desafios complexos e multifacetados que exigem soluções inovadoras e urgentes. O desmatamento desenfreado, a degradação ambiental, as mudanças climáticas e a crise social colocam em risco a integridade do ecossistema amazônico, o futuro das comunidades que dependem dele e o de todos nós. Para reverter essa situação e construir caminhos mais sustentáveis para a região, a sociobioeconomia desponta como um novo paradigma de desenvolvimento.
A mobilização do capital adequado e a sua alocação assertiva são fatores críticos para viabilizar a transição rumo a esse paradigma, no qual as dimensões social, econômica e ambiental estão integradas de forma harmônica. Este artigo apresenta reflexões sobre o que deve ser considerado para o planejamento e execução dessa jornada, assim como abordagens de inovação financeira com elevado potencial para acelerar o processo no contexto da floresta amazônica.
Além das fronteiras da economia
Em sua essência, a bioeconomia busca compreender e analisar as dinâmicas socioeconômicas em relação aos ecossistemas, reconhecendo a interdependência entre o bem-estar humano, a prosperidade econômica e a saúde do planeta. Esse campo transcende as fronteiras tradicionais da economia, incorporando perspectivas sociológicas, ecológicas e éticas para construir um arcabouço teórico e prático que permita a construção de um futuro regenerativo, inclusivo e equitativo.
Tal visão se insere no modelo proposto por Kate Raworth em A Economia Donut: Uma alternativa ao crescimento a qualquer custo. Para a economista britânica, encontrar o espaço seguro e justo para a humanidade, garantindo um alicerce social que respeite as necessidades e promova a dignidade humana e, ao mesmo tempo, um teto ecológico que garanta o equilíbrio saudável dos ecossistemas ambientais, seria o papel mais adequado para os atores públicos, privados e sociais em termos de estratégias e políticas de desenvolvimento.
Em uma época de crise sistêmica como a que vivemos, é preciso buscar soluções que transcendam as abordagens convencionais, já que adotar os mesmos padrões que nos colocaram nessa situação não é saída para a crise. Por isso, ao oferecer um quadro conceitual e metodológico para a construção de modelos sustentáveis que enderecem soluções mais responsivas e assertivas, a sociobioeconomia ganha relevância como paradigma inovador.
A inovação é uma alavanca estratégica para criar e adotar novos modelos, e, frente à complexidade dos desafios postos, atores públicos, privados e sociais devem atuar de forma convergente e sinérgica na busca de respostas. Daí a necessidade de repensar os papéis desses atores em prol do futuro comum da nação e da Amazônia em especial.
Na agenda de inovação, o Estado deve ser um protagonista como indutor e fomentador, tanto gerando quanto capturando valor no exercício desse papel, como mostrou Mariana Mazzucato, professora de Economia da Inovação e Valor Público na University College London, em sua obra. Todas as potências globais adotam poderosas políticas públicas norteadoras e promotoras dos seus ecossistemas de inovação. As mudanças, vale lembrar, são altamente dependentes do contexto de governança, que possibilita ou impede que aconteçam.
O Brasil tem hoje uma “janela de oportunidade” para avançar nessa agenda. O país vive um momento singular em termos de fóruns estratégicos de governança: além de um governo federal que é promotor dessa agenda, estão com o Brasil as presidências do G20, que reúne os países das maiores economias do mundo, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do New Development Bank (NDB, o banco dos BRICS), dois dos mais
relevantes bancos de desenvolvimento do planeta. Ademais, não menos relevante, seremos os anfitriões da COP 30 em 2025.
A relevância brasileira aumenta ainda mais quando se trata de floresta amazônica, não apenas pelo fato de a maior parte do bioma se estender por aqui, mas também pela sua importância para o planeta. É difícil imaginar um contexto no qual o país não esteja “à mesa” como um dos principais atores influenciadores no tema. Não se pode ignorar também que a dinâmica da nova geopolítica global, multipolar, clama por lideranças fortes regionais.
Diante desse contexto, três perguntas são essenciais: o que é estratégico para a nação? Qual o papel da Amazônia nessa visão? Quais planos serão capazes de levar o modelo de desenvolvimento amazônico do mercantilismo para o século 21, saltando, como provoca o especialista Gustavo Pinheiro, o modelo que marcou as últimas décadas e causou a crise sistêmica que vivemos?
Um tesouro nacional em risco
Com milhões de km², a Amazônia Legal representa 67% das florestas tropicais do planeta, ocupa 60% do território brasileiro e, se fosse um país, seria o 6º maior do mundo em extensão territorial. Ademais, apesar de prestar serviços ecossistêmicos cruciais na manutenção do equilíbrio ecológico e climático do planeta, esse tesouro natural enfrenta uma série de ameaças que colocam em
risco sua integridade e a vida das comunidades que dele dependem.
O desmatamento e a degradação ambiental, os impactos climáticos e a vulnerabilidade das comunidades locais são dimensões representativas do risco e dos desafios crescentes. A perda da biodiversidade gerada por esses vetores representa uma ameaça não apenas para a riqueza natural da região, mas também para a estabilidade dos ecossistemas e para o bem-estar humano. Alguns exemplos ilustram essa questão:
• O desmatamento na Amazônia Legal ainda é preocupante. Apesar de uma queda de 21% em relação a 2022, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em 2023 foram desmatados 9.064 km², uma área equivalente a cerca de 1.280 campos de futebol.
• O agronegócio, impulsionado pela demanda por carne e soja, continua sendo um dos principais vetores do desmatamento, representando cerca de 70% das áreas desmatadas.
• A mineração, especialmente a ilegal, também causa impactos significativos, contaminando rios e solos, afetando a biodiversidade e gerando conflitos sociais.
• A Amazônia, que já foi um sumidouro de carbono, está se aproximando de um ponto de inflexão, podendo se tornar uma fonte emissora de carbono devido ao desmatamento e à degradação.
• As mudanças climáticas já afetam a região, com aumento da frequência e a intensidade de secas, incêndios florestais e enchentes, impactando a biodiversidade e as comunidades locais.
• A perda da capacidade da floresta de regular o clima pode ter consequências globais, intensificando o aquecimento global e seus efeitos em todo o planeta.
• Comunidades indígenas e ribeirinhas sofrem com a perda de seus territórios e recursos naturais, impactando sua segurança alimentar, saúde e cultura.
• O garimpo ilegal em terras indígenas causa contaminação por mercúrio, afetando a saúde das populações e a qualidade da água.
• Conflitos territoriais entre madeireiros, grileiros e comunidades tradicionais aumentam a violência e a insegurança na região. Para além da sabedoria encontrada na natureza – como apontam os estudos da biomimética – evidenciada nos serviços prestados pela floresta, a sabedoria ancestral das comunidades e povos locais configura um acervo rico em conhecimentos críticos para o modelo da sociobioeconomia.
As comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas da Amazônia têm um vasto conhecimento acumulado ao longo de gerações sobre a biodiversidade, os ciclos naturais e as interações ecológicas da floresta. Suas práticas culturais de manejo sustentável, como a agricultura de pequena escala, o extrativismo de produtos florestais não madeireiros e a pesca artesanal, demonstram como é possível viver em harmonia com a natureza, garantindo a subsistência e a preservação dos recursos naturais.
Portanto, a inclusão das comunidades na governança dos projetos de desenvolvimento, desde o planejamento até a implementação e o monitoramento, garante que suas necessidades e perspectivas sejam consideradas, promovendo a equidade e a justiça social de um lado e, ao mesmo tempo, garantindo a integração dos saberes acumulados por séculos de prática.
O biocomércio permite a comercialização de produtos florestais não madeireiros, como óleos essenciais, castanhas, frutas e fibras, de forma sustentável e com agregação de valor, gerando renda para as comunidades e incentivando a conservação da floresta. Um exemplo interessante é o projeto da Natura Ekos, que utiliza o óleo de palma produzido de forma sustentável por comunidades ribeirinhas da Amazônia em seus produtos cosméticos, gerando renda para essas comunidades e promovendo a conservação da biodiversidade.
Rotas de práticas e inovações
Há infinitas possibilidades quando pensamos em inovação, desenvolvimento e sociobioeconomia, as quais, combinadas com a perspectiva dos múltiplos subsistemas (aqui chamadas de “clusters”), elevam a potência de um futuro promissor. Entre elas, o plantio direto (técnica para plantar em áreas de produção de larga escala, para manter o solo e a biodiversidade protegidos); a agricultura regenerativa (técnica para restaurar a saúde do solo até as camadas mais profundas, para que as raízes possam crescer e acessar múltiplos nutrientes e a água do lençol freático); o controle biológico (desenvolvimento de defensivos biológicos a partir de organismos ou substâncias naturais (não sintéticas), alternativos aos químicos); as agroflorestas de múltiplas culturas (fortalecimento dos sistemas agroflorestais, SAFs, que promovem o cultivo de policulturas simbióticas em um mesmo espaço); os polinizadores (técnica para promover o habitat para a presença dos insetos polinizadores, indispensáveis para a produção de frutas, legumes e oleaginosas); a integração Lavoura – Pecuária – Floresta (ILPF)(rotação em uma mesma terra da cultura agrícola, rebanho bovino e árvores); a agroecologia (promoção da agricultura familiar de base ecológica); e a rastreabilidade (conhecimento da origem dos alimentos, para garantir que a forma de cultivo e produção atenderam aos requisitos de sustentabilidade).1
Segundo o Fórum Mundial de Bioeconomia, os negócios no setor são estimados em USD 4 trilhões ao ano, com expectativas de atingir USD 30 trilhões até 2050, sendo que o PIB global atual é de aproximadamente USD 100 trilhões. Há premissas importantes a serem consideradas na viabilização desse novo modelo e na forma de financiá-lo. A seguir, abordamos as quatro que consideramos principais.
Mais que uma lente, um caleidoscópio: É possível que a compreensão mais relevante para o futuro da Amazônia seja sobre a existência de “Amazônias”, suas relações sistêmicas e sinérgicas. Dada a sua magnitude continental e diversidade singular, é essencial compreendermos que existem miríades de “Amazônias” coexistindo no território amazônico.
A diversidade não é apenas biológica e ambiental, mas também cultural, antropológica, sociológica e econômica e, portanto, não podemos adotar a perspectiva de uma única lente, mas sim a de um caleidoscópio quando o tema é Amazônia. Atores que ignoram essa perspectiva e tentam pasteurizar essa riqueza diversa, flertam com o risco de um fracasso rotundo.
A partir das diferentes dimensões de diversidade, temos a potência de clusters, compostos por personas bem definidas interagindo intra e entre clusters. Nesse sentido, compreender as características, identidades e
singularidades de cada cluster significa aceitar que nem todas as soluções serão passíveis de “industrialização e massificação”, pois parte delas serão artesanais, não escaláveis. Além disso, o fato de que nem todas irão maximizar sua eficiência e produtividade não significa que devam ser ignoradas e excluídas, não só pela sua existência per se, mas pelo papel sistêmico que elas desempenham para garantir a homeostase do ecossistema amazônico.
Para além da árvore está a floresta: Pensar desenvolvimento é mais que pensar economia. Pensar economia, é mais que pensar cadeias de valor. Pensar cadeias de valor, é mais que pensar modelos de negócio. Pensar modelos de negócio é mais que pensar produtos e serviços.
Quando estamos diante de cadeias e mercados desestruturados, ainda mais relevante é adotarmos essa visão sistêmica. O olhar estratégico deve estar ao longo de toda a cadeia produtiva e suas relações, e não apenas em partes dela, sob o risco das lacunas mais frágeis, ao serem ignoradas, inviabilizarem ou reduzirem os modelos de desenvolvimento possíveis.
Como cada cluster amazônico lida de forma particular com a realidade dada pelo contexto local, conhecer os desafios e oportunidades oferecidas pela capacidade instalada de infraestrutura logística, de comunicação, de conhecimento e competências, de tecnologia e das relações nas suas cadeias de valor é essencial para desenvolver e qualificar projetos e iniciativas de forma adequada. Essa é uma abordagem de mitigação de risco (de-risk) sistêmico, alicerce de uma metodologia de project finance, essencial para as finanças no contexto amazônico e de que voltaremos a tratar mais adiante.
Preço e Valor: A floresta provê serviços ecossistêmicos e biorrecursos fundamentais para a vida saudável no planeta e para o bem estar da humanidade. Será necessário aprendermos cada vez mais rápido e melhor como valorar esses serviços e recursos, de modo a que sejam incorporados na precificação das cadeias de valor pertinentes. Esse “acervo de valor” deve ser pago e pode elevar de forma positiva a viabilidade e a atratividade econômica de diversas cadeias, impulsionando o desenvolvimento.
Tudo é equilíbrio, inclusive quanto ao capital: Mobilizar capital é necessário, mas não suficiente. Esse capital deve ser bem alocado, para que gere os frutos que impulsionarão uma espiral virtuosa no desenvolvimento. Vemos muita celebração no volume de fundos mobilizados pró-Amazônia, mas falamos pouco sobre quanto, onde e como a alocação está sendo realizada, e menos ainda sobre a avaliação dos resultados que está gerando. Não adianta mobilizar bilhões se não há capacidade de absorção, pois ficaremos com capital empoçado, gerando evidências
negativas, como se não houvesse demanda. Pior do que isso, corremos o risco de forçar a alocação de capital de forma equivocada, causando danos nas cadeias de valor.
Este artigo defende a tese de que é essencial conhecer o ecossistema e os clusters alvos da intervenção. A competência de originar projetos elegíveis para receberem capital é estratégica nesse contexto, assim como a competência de estruturar soluções financeiras que sejam aderentes aos projetos. Na maior parte das vezes, produtos financeiros de “prateleira” não irão funcionar, podendo até mesmo prejudicar o desenvolvimento local.
Muitos gestores de capital, erroneamente, adotam uma postura de “você não está pronto para receber meu capital” e de fato, há situações em que é verdade. Entretanto, é necessária uma dose de humildade a esses gestores, pois também é verdade que há situações em que eles não estão prontos para financiar uma solução, por assumirem hipóteses muito distantes da realidade local. Parte da inovação para viabilizar esse novo modelo compete ao mundo das finanças.
Inovações financeiras para a Amazônia
Para contextualizar o papel das finanças na promoção de uma nova economia, voltemos a 2015. Foi então que os principais atores financiadores do planeta se reuniram na Etiópia, para pensar como criar estratégias de financiamento orientadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Dessa reunião emergiu a Agenda dos Acordos de Adis Abeba de 2015 (AAAA), evidenciando ao mundo a necessidade de um novo pacto civilizatório pautado pelos princípios de equidade na esfera social, da regeneração na esfera ambiental e da inclusão e viabilidade na esfera econômica.
É nesse contexto que entram as inovações financeiras – novas abordagens, produtos e serviços que transformam a forma como o capital é mobilizado, investido e gerenciado. Elas podem incluir desde novas tecnologias, como blockchain e inteligência artificial, até novos modelos de negócios, novas arquiteturas, estratégias e instrumentos financeiros. A seguir, focaremos mais a atenção nas estratégias de blended finance.
Para potencializar ecossistemas de inovação exitosos, é preciso mobilizar volumes adequados de capital e alocá-los de forma coordenada, “cirúrgica” e estratégica. Dito isso, não faltam recursos no mundo e, portanto, o nosso desafio como sociedade não é de escassez, mas de escolhas sobre como alocar de forma mais inteligente e assertiva os recursos existentes, especialmente nos países emergentes.
Apesar da existência dos recursos, estudos e pesquisas apontam que a principal barreira para o alocação do capital privado na agenda 2030 é a assimetria real (ou percebida) na atratividade da relação risco x retorno dos projetos. Blended finance procura oferecer uma resposta inovadora para esse problema.
Blended finance como ferramenta de aceleração
Blended finance é o uso estratégico de capital catalítico (filantrópico/ de fomento/ público) para mobilizar capital com interesse comercial (público e/ou privado), com o propósito de financiar o desenvolvimento de mercados e soluções na fronteira da inovação para alavancar impacto positivo e viabilizar a agenda dos ODS. Em outras palavras, é uma caixa de ferramentas para criar estratégias de de-risking sistêmico que promovam a convergência dos diferentes atores financiadores – filantrópico, fomento, comercial que precisam estar engajados no financiamento das soluções.
O quadro abaixo apresenta exemplos de alternativas sobre como usar essas ferramentas, que têm como característica a sua diversidade e flexibilidade. Quando entendemos a natureza dos clusters que desejamos promover, podemos criar as soluções financeiras a partir dessa compreensão, de modo a elevar as chances de êxito na mobilização dos capitais necessários, dado que equalizamos as expectativas de retorno, risco e impacto dos diferentes atores.
A escala dos desafios socioambientais da Amazônia exige soluções financeiras engenhosas e inovadoras. Nesse contexto, o blended finance emerge como ferramenta estratégica para mobilizar e otimizar o capital em prol da sociobioeconomia, combinando recursos de fontes e naturezas diversos para impulsionar projetos de impacto positivo.
Ao combinar diferentes tipos de capital, como subvenções, em préstimos, equity e capital filantrópico, essa abordagem permite criar estruturas financeiras personalizadas que atendam às especificidades de cada projeto, mitigando riscos e otimizando retornos. Entre as principais vantagens, podemos destacar:
• Alavancagem de recursos: o capital público, de fomento e/ou filantrópico atua como catalisador, atraindo investimentos privados e ampliando o impacto dos projetos.
• Compartilhamento de riscos: a combinação de variadas fontes de financiamento permite distribuir os riscos entre os diferentes atores, tornando os projetos mais atrativos para investidores privados.
• Maximização do impacto: a combinação de diferentes tipos de capital permite financiar diferentes fases e componentes de um projeto, desde a pesquisa e desenvolvimento até a implementação e o monitoramento, maximizando seu impacto socioambiental.
• Sustentabilidade financeira: ao combinar fontes de receita e mecanismos de retorno variados, as finanças híbridas aumentam a sustentabilidade financeira dos projetos, reduzindo a de pendência de recursos públicos e garantindo sua continuidade a longo prazo.
Há um espectro de atores que podem compor essas estruturas, cada um com uma percepção do que é valor. A arte dessa modalidade de financiamento está em viabilizar as coalizões adequadas que garantam o êxito do financiamento (ver “O papel da academia nas inovações financeiras para impacto”, de Samir Hamra, em Stanford Social Innovation Review Brasil, especial Finanças inovadoras).
Tendo em vista que projetos inovadores podem estar em estágios da maturidade distintos e, portanto, terem maior ou menor percepção de risco e retorno para os investidores, cada estágio precisa de um perfil aderente de financiamento, para que possa ser superado de forma fluida e sem traumas pelos empreendedores.
O quadro abaixo nos convida a compreender essa visão e a composição dinâmica entre capital catalítico e comercial à medida que os projetos avançam em maturidade comercial.
O papel das instituições financeiras de desenvolvimento
Pela representatividade histórica que possuem no fomento da economia, fortalecer o papel das Instituições Financeiras de Desenvolvimento, a fim de facilitar o investimento em projetos sustentáveis através do uso do blended finance, traz uma oportunidade para ampliar a construção e implementação de políticas públicas e estratégias privadas de inovação que tenham a capacidade de criar contextos favoráveis e atrativos, carregados de uma força magnética poderosa para alavancar a mobilização de alto volume de recursos privados, tanto comerciais quanto sociais.
A figura abaixo apresenta o ecossistema de financiadores possíveis para a viabilização dessa visão e nos ajuda a compreender as várias potencialidades de coalizões a serem formadas nas estruturas blended.
Um exemplo notável de blended finance na Amazônia é o Fundo Amazônia, que combina recursos dos governos norueguês e brasileiro para financiar projetos de prevenção e combate ao desmatamento, conservação da biodiversidade e promoção do desenvolvimento sustentável na região.
O fundo utiliza uma variedade de instrumentos financeiros, como subvenções, empréstimos e investimentos de impacto, para apoiar projetos de diferentes portes e naturezas, desde iniciativas comunitárias de manejo florestal até grandes projetos de infraestrutura sustentável.
Outras quatro iniciativas inovadoras têm o potencial de inspirar a aceleração rumo ao novo modelo. São elas:
• EcoAustrália (Exemplo Internacional/ Créditos de Biodiversidade da Austrália): projeto criado em 2019 em uma área de 200 hectares, em que cada crédito corresponde a uma tonelada de carbono equivalente de emissões evitadas mais 1,5 m² de vegetaçãonativa protegida e credenciada pelo governo, medida que é chamada de ABU (unidade de biodiversidade australiana, na sigla em inglês). Esses créditos podem ser transacionados tanto nos mercados já estabelecidos de carbono quanto no sistema de compra e venda de offsets (compensações) de biodiversidade, criado em 2016 para fomentar a conservação de territórios estratégicos. Em 2022, o governo local constituiu um fundo de USD 106 milhões para compra desses certificados, incentivando a participação de
proprietários de terra.
• Créditos de Biodiversidade (Exemplo Nacional/ Setor Privado): lançado em junho de 2024 pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP) e pela consultoria Ecosystem Regeneration Associates (ERA), o crédito de biodiversidade é associado ao bioma do pantanal e é pioneiro no país.
• Programa EcoInvest Brasil (Exemplo Brasil/ Setor Público): iniciativa do governo brasileiro, criada recentemente e em fase de refinamento, cujo objetivo é facilitar a atração de investimentos estrangeiros privados. O projeto é parte do Programa de Transformação Ecológica do Brasil e foi instituído no âmbito do Fundo Nacional sobre a Mudança do Clima (FNMC).
• AMAZ (Exemplo Brasil/ Setor Privado): Maior aceleradora e investidora de impacto do norte do Brasil, com 100% de dedicação à Amazônia, tem muita experiência na originação e qualificação de negócios locais, com uma profunda compreensão do que neste artigo chamamos “clusters”. A AMAZ estruturou um fundo Blended
de R$ 25 milhões, para investir nos próximos anos.
Uma visão otimista do futuro
A mais relevante “inovação” de que precisamos para resolver os problemas sistêmicos do século 21 é a regeneração de modelo mental. Ressignificar o que define êxito é essencial para regenerar mentes e modelos que viabilizarão um mundo mais inclusivo, equitativo e regenerativo. Para isso, precisamos reconhecer e valorar a diversidade e a equidade como pedras fundamentais e inspiradoras do nosso futuro comum.
Adotar uma visão sistêmica nos planejamentos e execuções das iniciativas escolhidas nos convida a promover a sinergia e a convergência entre os diferentes atores que compõem os ecossistemas objeto da ação e, assim, potencializar e elevar as chances de êxito na elaboração de estratégias de longo prazo.
Termos a vontade e as competências necessárias para mobilizar e alocar o capital adequado para financiar esse futuro, ou seja, o capital no volume, prazo, custo e risco adequado para as iniciativas indutoras do novo modelo, é parte da equação vencedora. Sem isso, dificilmente conseguiremos corrigir a rota que nos trouxe até este contexto de crise sistêmica.
No mundo financeiro muito se fala sobre o custo de oportunidade do capital para o processo de decisão de investimentos. Estamos vivendo um momento histórico, irreversível e inevitável, rumo à ampliação desta mentalidade para a incorporação da dimensão de impacto no processo de tomada de decisão.
Não se trata de negar o custo de oportunidade do capital. Ele existe e é importante. A questão é incorporar aos processos de decisão e alocação o custo de oportunidade da pobreza, da fome, da desigualdade, da ignorância, da violência, da tristeza, da extinção das espécies, da poluição, do aquecimento global, da injustiça climática, entre outros. A recente tragédia do Rio Grande do Sul deixa uma boa evidência sobre o custo da miopia nos processos
de decisão públicos e privados.
Ampliar essa visão nos faz pragmaticamente otimistas rumo a essa transformação, dado que, do contrário, ficamos diante de um cenário de extrema incerteza sobre a sobrevivência, humana e planetária. A sua adoção pode nos conduzir a um mundo mais fraterno, próspero, justo e sustentável. A escolha é nossa.
Nesse contexto, a Amazônia pode ser uma janela de oportunidade singular, servindo como um imenso e potente “laboratório de inovação” inspirador para um novo modelo de construção do nosso futuro comum, menos capital centrado e mais biocentrado. Essa visão pode servir de norte, transversalmente, para todas as políticas públicas e privadas, assim como para posicionar o Brasil como um país que lidera, inspira, mobiliza e apoia essa causa, que é local, mas também global.