Roland Geyer
A indústria da moda poderia reduzir o seu impacto ambiental se transferisse as suas fontes de rendimento dos materiais e da energia para a mão de obra.
Por Roland Geyer
Ken Pucker propõe uma crítica necessária, e muito bem-vinda, ao entusiasmo ingênuo que atualmente cerca a economia circular (EC) – na verdade, sua crítica é até tímida.
Antes de mais nada, devemos nos lembrar de que EC é uma nova embalagem para duas estratégias ambientais tão antigas quanto o próprio movimento ambiental moderno, a reutilização e a reciclagem. São mais de 50 anos de experiências com essas práticas, mas entusiastas da EC ou desconhecem esse fato ou não dão crédito a ele e, por isso, não estão aprendendo com fracassos passados.
Fico feliz que Pucker nos recorde de que a moda estéril da EC é, no fundo, mais uma promessa que tem como objetivo dissociar impacto social de crescimento econômico (“ecoeficiência”) por meio da confiança plena nos mecanismos de mercados (“ganha-ganha”). Ecoeficiência e ganha-ganha têm sido paradigmas predominantes de sustentabilidade corporativa desde que o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na sigla em inglês), liderado por CEOs, os popularizou na Eco-1992, no Rio de Janeiro. Contudo, sob qualquer critério que se adote, o meio ambiente global continua se degradando. As emissões anuais de CO2 em todo o mundo aumentaram mais de 60% desde então – e seguem aumentando. Já passa da hora de admitir que a confiança plena na ecoeficiência não deu certo. Além disso, o histórico do ganha-ganha é tão terrível que até profissionais e acadêmicos de sustentabilidade corporativa têm implorado para que o abandonemos. Assim, não consigo entender como uma empresa é capaz de estabelecer metas para dobrar suas receitas e reduzir pela metade as emissões de CO2 sem enrubescer.
Mesmo os dois exemplos de sucesso da circularidade apresentados por Pucker, quando analisados mais detidamente, parecem mais fracassos. Nos Estados Unidos, a taxa de reciclagem de garrafas PET, chamadas de “estrelas da reciclagem plástica” pela Plastics News, gira em torno de 20% – o que significa que quatro de cada cinco garrafas PET nunca recebem uma segunda vida e acabam no meio ambiente, ou incineradas em aterros sanitários. A taxa de reciclagem de latas de alumínio dos Estados Unidos, que a empresa de comunicação GreenBiz chama de “a mais bem-sucedida história de reciclagem” do país, caiu de mais de 60% nos anos 1990 para 45% nos dias de hoje. Se esses são os números que a indústria da moda ambiciona, é só porque nela a circularidade é praticamente inexistente.
Ao contrário da afirmação de Pucker de que faltam sistemas de análise ambiental circular, dados e avaliações ambientais sobre estratégias de reutilização e reciclagem existem em profusão e oferecem insights importantes e úteis. Por exemplo, tanto o baixo custo da reciclagem de alumínio quanto as emissões ainda mais baixas de gás de efeito estufa são bem documentados. Em vista disso, o fato de não conseguirmos nem sequer concluir o ciclo das latas não é um bom presságio. Também está claro que os benefícios da reciclagem em geral não são tão altos. Fibras sintéticas recicladas pós-consumo, por exemplo, ainda trazem consigo de 60% a 80% das pegadas de carbono da matéria-prima virgem.
Pucker menciona a preservação de recursos como uma motivação importante para a circularidade, mas dados mostram que seu esgotamento é a menor de nossas preocupações: teremos destruído o ambiente natural e o clima muito antes de ficarmos sem minérios ou combustíveis fósseis. O insight mais importante oriundo da atual pesquisa sobre circularidade é aquele que mostra que o único benefício ambiental dela é a redução das atividades de produção com matéria-prima virgem. É possível, no entanto, aumentar a reutilização e a reciclagem sem reduzir essa produção e o consumo de produtos novos – um fenômeno que eu e Trevor Zink, professor de gestão e sustentabilidade, chamamos de “rebote da economia circular”. Como o propósito ambiental da EC é reduzir essa produção, sua métrica mais importante são os níveis de produção. Porém, como Pucker observa precisamente, eles continuam crescendo, tanto na indústria da moda quanto em outras.
É maravilhoso ouvir um especialista em sustentabilidade corporativa como Pucker afirmar que a ação mais importante da sustentabilidade corporativa é reduzir o consumo excessivo, algo que exigirá apoio regulamentar sólido. Pucker chega a essa conclusão com base em uma coisa óbvia: a confiança resoluta nas estratégias de ecoeficiência e ganha-ganha não produziu, nem produzirá, sustentabilidade. Quanto mais cedo a comunidade da EC e a indústria da moda aceitarem isso, maior a esperança de esforços de circularidade mais significativos entre setores. Adotar ações reguladoras e abandonar o paradigma do ganha-ganha nos permite ver que a verdadeira barreira econômica à circularidade não é o custo de reutilização e reciclagem, mas o barateamento de materiais virgens e produtos novos, posto que todo seu custo ambiental e social ainda é integralmente terceirizado.
Pucker, como praticamente todo mundo, omite uma vantagem importante da sustentabilidade: a mão de obra. O tempo e a habilidade das pessoas são o único insumo da cadeia de suprimento que não causa impacto social, e é por isso que as avaliações ambientais de produtos ignoram todos os insumos de mão de obra. Um dos motivos que fazem com que reparo, reutilização e reciclagem tenham impactos ambientais menores do que a produção com matéria-prima virgem é o fato de exigirem menos insumos, ainda que demandem mais mão de obra. A indústria da moda poderia diminuir seu impacto ambiental concentrando suas fontes de receita não em material e energia, mas em mão de obra. Essa transição pode ser atingida pagando mais para os trabalhadores do setor de vestuário, uma vez que a maior parte deles ainda vive com um salário mínimo. Essa estratégia também ajudaria a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU que buscam a erradicação da pobreza e da fome e defendem o trabalho decente, a educação de qualidade e a redução das desigualdades. Aumentar, de fato e ao mesmo tempo, a sustentabilidade ambiental e a social, eis aí uma estratégia ganha-ganha que tem meu apoio.